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Jurisprudência
N.º de Processo:
856/19.3T9SNT-A.S1
Data:
20/01/2022
Meio Processual:
Jurisprudência:
Votação:
Jurisprudência Estrangeira:
Jurisprudência Internacional:
Jurisprudência Nacional:
Doutrina:
Indicações Eventuais:
Legislação Comunitária:
Sumário

I - A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excecional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade.
II - A verificação em concreto dos pressupostos da declaração de excecional complexidade não pode ser sindicada na providência de habeas corpus
III - O alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva depende apenas da «declaração» de excecional complexidade e não está dependente do trânsito em julgado do pertinente despacho, pois, para a declaração de excecional complexidade produzir efeito útil o CPP não exige, e por boas razões, o trânsito em julgado; ao fim e ao cabo o que está em causa é a manutenção de uma medida de coação.
IV - O que produziria efeitos imediatos, quando esgotado o prazo vigente antes do alargamento em consequência de declaração de excecional complexidade, seria a revogação pelo tribunal de recurso do despacho que declarou a excecional complexidade.
V - O que a lei exige, para a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva nos termos do n.º 3 do art. 215.º, do CPP, é somente decisão de 1.ª instância declarando a excecional complexidade, independentemente de dela ter ou não sido interposto recurso, de ter ou não transitado em julgado. Como é próprio das decisões sobre a aplicação de medidas destinadas a satisfazer exigências cautelares do processo penal elas operam de imediato. De outro modo, perderiam o seu efeito útil, deixando de acautelar os interesses que visavam acautelar. É assim com a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento como é com as demais decisões previstas no art. 215.º que determinam prazos máximos de prisão preventiva. Todas produzem efeitos desde a sua prolação, v.g. decisão instrutória, decisão condenatória. Com a declaração de excecional complexidade não se passa nada de diferente do que ocorre com a decisão que aplica medidas de coação, designadamente a prisão preventiva: É de execução.
VI - E nada muda se, incorretamente, contrariando o disposto no art. 408.º, n.os 1 e 2, do CPP, o JIC, ao admitir o recurso da decisão que declara a excecional complexidade, lhe atribui efeito suspensivo por errada interpretação do art. 408.º, n.º 3, do CPP. Na verdade, a imediata produção dos efeitos da declaração de excecional complexidade do procedimento decorre da lei, não dependendo daquilo que o juiz afirme sobre o efeito do recurso, afirmação que é, aliás, corrigível pelo tribunal de recurso, conforme dispõe o art. 414.º, n.º 3, do CPP. E mesmo que em recurso não tenha sido corrigido (art. 417.º, n.º 7, al. a, do CPP), o erro não faz aqui caso julgado.
VII - A verificar-se a circunstância, alegada pelo recorrente, de o recurso que interpôs do despacho que declarou a excecional complexidade ainda não ter sido decidido, ela não releva porque o despacho que declara a excecional complexidade de um processo reporta-se ao procedimento criminal e aos próprios termos do processo e não a arguidos determinados. Se um arguido recorrer do despacho que declara a excecional complexidade do processo, para efeitos de caso julgado é como se todos os demais arguidos tivessem recorrido, porque em relação a todos se produzem os seus efeitos.
VIII - Uma vez que o tribunal da Relação conheceu em recurso da decisão do JIC que declarou a especial complexidade, transitando em julgado essa decisão, não pode o mesmo tribunal da Relação, no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, produzir novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão foi suscitada por outro arguido.
Decisão Texto Integral



Processo n.º 856/19T9SNT.S1

Habeas Corpus


Acordam, em audiência, no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA, arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva, veio através de defensor requerer a providência de habeas corpus «ao abrigo do disposto no artigo 31.º da CRP e dos artigos 222.º e 223.º do Código de Processo Penal» alegando o seguinte (transcrição):
«A. O Arguido AA, aqui requerente foi submetido a primeiro interrogatório judicial a 14 de Julho de 2021 tendo-lhe sido aplicada nesta data a medida de coacção de prisão preventiva e que ainda se mantém.
B. Assim, o Arguido encontra-se em prisão preventiva desde o dia 14 de Julho de 2021 e a cumprir no estabelecimento prisional ....
C. Tendo já decorrido mais de 6 (seis meses) após o início da prisão preventiva do Arguido e, até à presente data, não foi deduzida Acusação, nem existe qualquer decisão transitada em julgado sobre os dois recursos interpostos e admitidos com efeito suspensivo a propósito da aberrante pretensão de declarar “especial” complexidade do processo.
D. Motivo pelo qual a prisão preventiva aplicada ao Requerente extinguiu-se em 14.01.2022… e ele mantem-se privado de liberdade.
Logo,
E. O ora Requerente encontra-se ilegalmente preso nos termos da al. c) do nº 2 do artigo n.º 222.º do Código de Processo Penal, em clara violação do disposto nos artigos n.º 27.º e 28.º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e ainda nos termos dos artigos n.º 215.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 217.º n.º 1, do Código de Processo Penal.
F. A ilegalidade da prisão é efectivamente actual ao momento da apreciação do presente pedido de habeas corpus.
G. A manutenção desta situação viola o Princípio de Legalidade, previsto nos artigos 27.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, artigo 2.º do Código Penal, bem como no artigo 5.º da Declaração Europeia dos Direitos Humanos.
H. Assim, deverá ser declarada ilegal a Prisão Preventiva e, em consequência, ser ordenada a sua imediata libertação, nos termos do artigo 31.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 222.º e 223.º n.º 4 alínea d) do nosso Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se que seja dado provimentos ao presente pedido de habeas corpus e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade da prisão preventiva, ordenando-se a libertação imediata do requerente, ora arguido. Fazendo-se, assim, a habitual, inteira e sã justiça!
Junta: Despacho que admitiu os dois recursos interpostos sobre a pretensão de declaração de “especial” complexidade, aos quais foi atribuído efeito suspensivo (efeito mantido no Tribunal ad quem) e sobre os quais não existe ainda qualquer decisão transitada em julgado».

2. Foi prestada a informação de acordo com o disposto no art. 223.º/1, CPP, nos seguintes termos (transcrição da parte relevante):
«(…) AA veio interpor a providência de Habeas Corpus, requerendo a sua libertação imediata, ao abrigo do disposto no art.° 31.° da CRP e dos artigos 222.° e 223.° do CPP.
Para tanto, e em síntese, alegou que se encontra privado da liberdade, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, desde o passado dia 14 de Julho de 2021, não tendo ainda contra si sido deduzida acusação.
Em consonância, entende o arguido que volvidos que se encontram mais de seis meses sobre tal data, a medida de coacção se extinguiu, pelo que a manutenção do seu estatuto coactivo desde 14.01.22 constitui uma prisão ilegal.
(…) Assenta o requerente a sua pretensão na alínea c) atrás citada por entender que se encontra esgotado o prazo máximo da prisão preventiva nos termos do disposto no artigo 215.°, n.° 2, do CPP.
O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, desde 14 de Julho de 2021, indiciado da prática de:
- 1 (um) crime de crime de associação criminosa (p. e p. pelo art.° 299° do Código Penal),
- 1 (um) crime de burla informática agravada em coautoria (p. p. pelo art.° 221° e art 26° do Código Penal),
- 5 (cinco) crimes de falsidade informática (p. e p. pelo art.° 3o da Lei n° 109/2009, de 15/09),
- 1 (um) crime de acesso ilegítimo em co-autoria (p. e p. pelo art.º 6º, n° 2 e n° 4, a. b) da Lei n° 109/2009, de 15/09 e art. 26 do CP),
- 1 (um) crime de intercepção ilegítima em co-autoria (p. e p. pelo art. 7º, n° 1 da lei ° 109/2009, de 15/9 e art.0 26° do CP),
- 1 (um) crime de fraude fiscal (p. e p. pelo art.º 103° do RGIT),
- 12 (doze) crimes de falsificação de documento (p. e p. pelo art. 256°, n° 1, al. d) do CP)
- 1 (um) crime de branqueamento (p. e p. pelo art.º 368°-A, n° 1 e n° 2 do Código Penal,
- 1 (um) crime de usurpação de direitos de autor e direitos conexos, na forma consumada e continuada, previsto pelos artigos 26.°, 30,°, n.°s 1 e 2 e 195.° do Código dos Direitos de Autor;
Os presentes autos encontram-se na fase de inquérito.
De acordo com a alínea a) do artigo 215.° do CPP a prisão preventiva extingue-se decorridos quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação.
Acrescenta o n.° 2 do mencionado preceito legal, no que releva para o caso, que o prazo de 4 meses é elevado para seis meses em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime (…).
Finalmente, e nos termo do disposto no art.° 215.°, n.° 3, aquele prazo é elevado para 1 ano quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
(…) Os autos foram declarados com especial complexidade, por despacho de 25.08.21, do qual foi interposto recurso, mas que não foi provido, conforme acórdão da Relação ... de 16.12.2021.
O acórdão que julgou não provido o recurso interposto pelo arguido quanto à declaração de especial complexidade não é passível de recurso, conforme resulta do disposto no artigo 400.°, n.° l, al c), do CPP.
Exactamente com este fundamento, foi revista a medida de coacção aplicada ao arguido, por despacho de 06.01.22, do qual não foi interposto, tão pouco, qualquer recurso.
Neste, fundamenta-se tal decisão de manutenção da medida de coacção expressamente na consideração seguinte: "Os autos foram declarados de especial complexidade por decisão de que foi interposto recurso de igual modo não provido. Na sequência desta última decisão haverá a considerar o alargamento dos prazos da prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 215.°, n.° l al. a), 2 e 3, do CPP."
Assim, face ao supra exposto, conclui-se que o prazo máximo no caso vertente, atenta não só a natureza dos crimes indiciados, mas a especial complexidade dos autos, já declarada e confirmada por decisão não susceptível de recurso, é de um ano, o qual não se encontra manifestamente esgotado.
Face ao supra exposto, entendemos ser de manter a medida de coacção de prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito, nos seus exactos termos e» por isso mesmo, não se ordena, nesta instância a imediata libertação do arguido. Sem prejuízo, Vossas Excelências farão, como sempre, a melhor Justiça».
3. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, realizou-se a audiência (arts. 11.º/4/c, 223.º/2/ 3, e 435.º, CPP). Na audiência o requerente reiterou os fundamentos do pedido e o M.º P.º pronunciou-se pelo seu indeferimento.
II
1. Questão a decidir: a legalidade da medida de coação aplicada ao requerente; saber se o requerente se encontra numa situação de prisão ilegal, «para além dos prazos fixados pela lei», art. 222.º/2/c, CPP.

2. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento resulta da petição de habeas corpus, quer da informação prestada nos termos do art. 223.º/1, quer da certidão que acompanha os presentes autos e é o seguinte:
2. 1. Por despacho do JI, em 14 de julho de 2021, foi aplicada ao arguido AA, a medida de coação de prisão preventiva, indiciado da prática de:
- 1 (um) crime de crime de associação criminosa (p. e p. pelo art.° 299° do Código Penal),
- 1 (um) crime de burla informática agravada em coautoria (p. p. pelo art.° 221° e art 26° do Código Penal),
- 5 (cinco) crimes de falsidade informática (p. e p. pelo art.° 3o da Lei n° 109/2009, de 15/09),
- 1 (um) crime de acesso ilegítimo em coautoria (p. e p. pelo art.º 6º, n° 2 e n° 4, a. b) da Lei n° 109/2009, de 15/09 e art. 26 do CP),
- 1 (um) crime de interceção ilegítima em coautoria (p. e p. pelo art. 7º, n° 1 da lei ° 109/2009, de 15/9 e art.0 26° do CP),
- 1 (um) crime de fraude fiscal (p. e p. pelo art.º 103° do RGIT),
- 12 (doze) crimes de falsificação de documento (p. e p. pelo art. 256°, n° 1, al. d) do CP)
- 1 (um) crime de branqueamento (p. e p. pelo art.º 368°-A, n° 1 e n° 2 do Código Penal,
- 1 (um) crime de usurpação de direitos de autor e direitos conexos, na forma consumada e continuada, previsto pelos artigos 26.°, 30,°, n.°s 1 e 2 e 195.° do Código dos Direitos de Autor,
porquanto se considerou existir perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação do inquérito pelo que só a medida de coação de prisão preventiva se mostra adequada a acautelar os mencionados perigos.

2.2. Os autos de inquérito foram declarados de excecional complexidade, por despacho de 25.08.21, de que foi interposto recurso, a que a Relação ... por acórdão de 16.12.2021, negou provimento.
2.3. Por despacho do JI de 06.01.2022, foi mantida a medida de coação de prisão preventiva ao requerente, situação em que atualmente se encontra.


3. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade (arts. 27.º e 31.º, CRP), uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, art. 31.º/3, CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007, com o acrescento do n.º 2 ao art. 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso.
4. Quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art. 222.º CPP:
«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição (…) deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
(…)

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

5. Aceita o requerente que o prazo inicial, fixado por lei, para a duração da prisão preventiva era de seis meses (art. 215.º/1/a/2/, CPP). Alega, porém, o requerente «tendo já decorrido mais de 6 (seis meses) após o início da prisão preventiva do arguido e, até à presente data, não foi deduzida acusação, nem existe qualquer decisão transitada em julgado sobre os dois recursos interpostos e admitidos com efeito suspensivo a propósito da aberrante pretensão de declarar “especial” complexidade do processo». Efetivamente, decorreram mais de seis messes após o início da prisão preventiva e até à data não foi deduzida acusação. No entanto, desconsidera o requerente que em 25.08.2021, a requerimento do M.º P.º, por despacho do JI, foi declarada a excecional complexidade, sendo irrelevante que o despacho recorrido tenha referido «especial», quando não há margem para qualquer dúvida quanto ao instituto aplicado, devidamente identificado pela transcrição da norma legal. Acresce que a providência também excecional de habeas corpus não é o meio processual adequado para obter a correção de um lapso constante de despacho. Se o requerente entendia que existia lapso a merecer correção, devia, em tempo oportuno, ter desencadeado o mecanismo de correção previsto no art. 380.º/1/b, CPP, ex vi, n.º 3 da mesma norma.
6. A declaração de excecional complexidade, a verificação em concreto dos seus pressupostos, não pode ser sindicada na providência de habeas corpus. Declarada a excecional complexidade, a consequência em termos de duração máxima da prisão preventiva é a ditada pelo art. 215.º/3, CPP, ao estatuir, para o caso, que «os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano (…)».
7. O alargamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva depende apenas da «declaração» de excecional complexidade e não está dependente do trânsito em julgado do pertinente despacho, pois, para a declaração de excecional complexidade produzir efeito útil o CPP não exige, e por boas razões, o trânsito em julgado; ao fim e ao cabo o que está em causa é a manutenção de uma medida de coação. O que produziria efeitos imediatos, quando esgotado o prazo vigente antes do alargamento em consequência de declaração de excecional complexidade, seria a revogação pelo tribunal de recurso do despacho que declarou a excecional complexidade, o que consabidamente não ocorreu, dado que o despacho do JI foi confirmado pelo acórdão do TR.... Nem cabe a este tribunal, no âmbito específico da providência de habeas corpus, pronunciar-se quanto à (in)correção do efeito do recurso admitido, quer pelas razões acabadas de referir (cf. ponto 5), quer fundamentalmente porque se trata de matéria cuja alegação e conhecimento ultrapassa a providência extraordinária de habeas corpus.
8. Mas para que ao requerente não reste sombra de dúvida acrescentaremos, seguindo o ac. STJ de 16.10.14, disponível em www.dgsi.pt, que o que a lei exige, para a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva nos termos do nº 3, é somente decisão de 1ª instância declarando a excecional complexidade, independentemente de dela ter ou não sido interposto recurso, de ter ou não transitado em julgado. Como é próprio das decisões sobre a aplicação de medidas destinadas a satisfazer exigências cautelares do processo penal elas operam de imediato. De outro modo, perderiam o seu efeito útil, deixando de acautelar os interesses que visavam acautelar. O caso presente, seria um exemplo eloquente. É assim com a decisão que declara a excecional complexidade do procedimento como é com as demais decisões previstas no artº 215º que determinam prazos máximos de prisão preventiva. Todas produzem efeitos desde a sua prolação, v.g. decisão instrutória, decisão condenatória. Com a declaração de excecional complexidade não se passa nada de diferente do que ocorre com a decisão que aplica medidas de coação, designadamente a prisão preventiva: É de execução imediata (assim, acórdão do STJ de 18/09/2014, proc. 70/14.4YFLSB, 5ª secção).
9. E nada muda se, incorretamente, contrariando o disposto no art. 408.º/1/ 2, do CPP, o JI, ao admitir o recurso da decisão que declara a excecional complexidade, lhe atribui efeito suspensivo por errada interpretação do art. 408.º/3, CPP. Na verdade, a imediata produção dos efeitos da declaração de excecional complexidade do procedimento decorre da lei, não dependendo daquilo que o juiz afirme sobre o efeito do recurso, afirmação que é, aliás, corrigível pelo tribunal de recurso, conforme dispõe o art. 414.º/3, CPP (acórdão STJ de 16.10.14, disponível em www.dgsi.pt, aqui segui de muito perto). E, mesmo que em recurso não tenha sido corrigido (art. 417.º/7/a, CPP), o erro não faz aqui caso julgado.
10. A verificar-se a circunstância, alegada pelo recorrente, de o recurso que interpôs do despacho que declarou a excecional complexidade ainda não ter sido decidido, ela não releva, quer pelo já referido (cf. pontos 5, 7 e 8), quer ainda, porque o despacho que declara a excecional complexidade de um processo reporta-se ao procedimento criminal e aos próprios termos do processo e não a arguidos determinados. Se um arguido recorrer do despacho que declara a excecional complexidade do processo, para efeitos de caso julgado é como se todos os demais arguidos tivessem recorrido, porque em relação a todos se produzem os seus efeitos. Não terá sido em vão que o JI, no despacho que recebeu o recurso (ref. ...), deixou expressa uma referência ao julgamento conjunto dos recursos. Uma vez que o Tribunal da Relação conheceu em recurso da decisão do JI que declarou a especial complexidade, transitando em julgado essa decisão, não pode o mesmo Tribunal da Relação, no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, produzir novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão foi suscitada por outro arguido (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 5.ª Secção Criminal, de 24.09.2015, Processo 213/21.2TELSB-F.L1S1, Coletânea de Jurisprudência on line (ref. ..., aqui seguido de muito perto).
11. Em consequência, o prazo máximo de prisão preventiva nesta fase, em que não foi ainda deduzida acusação, é, por aplicação do art. 215.º/3, CPP, de um ano. Extinguindo-se a prisão preventiva quando desde o seu início tiver decorrido um ano contado a partir da data em que foi decretada a prisão preventiva (14.07.2021), é patente que na data desta decisão, tal prazo ainda não decorreu, como é patente que a pretensão do requerente, falha de apoio legal, improcede.
12. Respeitando a restrição da liberdade do arguido as normas constitucionais e ordinárias aplicáveis, não foi violado o princípio da legalidade (art. 27.º/3/b e 28.º/4, CRP, art.º 5.º/1/c, da CEDH, art. 191.º, CPP).

III
Indefere-se a providência de habeas corpus por falta de fundamento legal.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em três UC – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.

Supremo Tribunal de Justiça 20 de janeiro de 2022.

António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves

António Clemente Lima (Presidente)