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Jurisprudência
N.º de Processo:
758/22.6T8AGD-A.P1.S1
www.dgsi.pt Fonte: STJ (DGSI)
Data:
07/12/2023
Meio Processual:
Decisão:
Jurisprudência:
Votação:
Sumário

Nos termos prescritos pelo art. 17.º da LULL, aplicável à subscrição da livrança ex vi art. 78.º da LULL), o avalista, ainda que no domínio das relações imediatas, não deverá ser admitido – a menos que tal tenha sido expressamente acordado entre as partes, o que não sucedeu no caso dos autos – a opor a excepção peremptória da prescrição do direito emergente da relação fundamental intercedente entre o credor e a avalizado (que para si se reconduz a res inter alios acta) para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação cambiária.
Decisão Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Caixa Geral de Depósitos, Lda. intentou execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, tendo por base terem avalizado as livranças em execução, as quais foram emitidas para garantia das operações identificadas nas livranças PT ...............92 - Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente e PT ...............93 - Contrato de Prestação de Garantia Bancária.

Os executados deduziram oposição, alegando, entre outros fundamentos, a excepção de prescrição.

Foi proferido saneador sentença que decidiu julgar improcedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da execução.

Inconformados, interpuseram os executados recursos para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 20-04-2023, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se, com fundamentação essencialmente convergente e sem voto de vencido, a decisão do acórdão recorrido.

2. Vieram os executados interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão da Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

3. Formularam os Recorrentes as seguintes conclusões:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]

«II - As duas decisões que aqui são alvo de recurso confundem conceitos e, de forma contraditória e obscura, analisam uma questão que em bom rigor não é a que lhes foi colocada, ainda que tentem, depois, chegar a uma conclusão que tente justificar a improcedência da exceção que lhes foi trazida à colação! Aliás, aplicam um regime jurídico específico/solução jurídica para uma situação fáctica que não é a que foi invocada pelos Recorrentes.

III - Há uma manifesta confusão, por parte destas doutas instâncias, que até citam jurisprudência relativamente a situações de facto completamente distintas da vertida nos presentes autos, entre aquilo que é relação subjacente/causal e aquilo que é a relação cambiária e os respetivos regimes de prescrição (distintos) aplicados a cada uma destas (distintas) relações.

IV - Os Recorrentes não põem em causa que o prazo de prescrição de uma livrança (e/ou da obrigação/relação cambiária) é de três anos, nos termos previstos no artigo 70.º da LULL, o que invocam na realidade – e sobre isso ambas as instâncias acabam por não tomar concreta posição numa verdadeira omissão de pronúncia que aqui vai à cautela invocada – é que a obrigação causal, ou seja, o crédito que integra a relação subjacente está prescrito (por lhe ser aplicável o prazo de cinco anos nos termos supra referidos e contando o vencimento desde a data de insolvência, nos termos supra melhor desenvolvidos).

V - E que isso, no seu modesto entendimento, implicava necessariamente a extinção da relação jurídica da garantia que lhe era meramente acessória – in casu duas livranças – citando para o efeito até (a parca) jurisprudência de referência com esta posição jurídica. Ainda para mais quando à data do preenchimento da livrança este prazo de prescrição já tinha decorrido na sua integra e se extinto a obrigação causal.

VI - A questão que aqui colocamos – nomeadamente quais são os efeitos jurídicos do reconhecimento da prescrição do crédito que integra a relação subjacente na relação jurídica da garantia que lhe é acessória, i.e, na relação cambiária – tem sido alvo de parca discussão jurisprudencial e doutrinal.

VII - Se a obrigação causal se extingue por efeitos da prescrição – ou até por outra causa jurídica (novação, etc.) – porque é que a relação cartular também não se extinguirá? Irrelevar/isentar de qualquer efeito (prático) a prescrição/extinção do crédito que integra a relação subjacente na acção cambiária não será esvaziar o instituto jurídico da prescrição como causa de extinção da obrigação por completo? E pôr em causa a tutela e a defesa dos consumidores e o tráfego comercial? Porque é que o prazo de prescrição do título dado à execução (sendo cheque, livrança ou letra) se há de impor/substituir ou neutralizar o efeito da prescrição do crédito que integra a relação subjacente? O Exequente poderá ficar desprovido de meios de defesa – à luz dos institutos e regimes previstos no Código Civil - em situações em que apesar da dívida que contraiu há muito, pelo decurso do tempo, se ter extinguido, o credor continuar a exigir-lhe o respetivo pagamento por este ter assinado uma livrança ou letra em branco?

VIII - Importa, assim, respondendo às questões que aqui suscitamos, fixar e balizar os termos, efeitos, consequências e limites que a prescrição/extinção da obrigação causal importa ou importará na relação cartular/cambiária, em especial existindo acção executiva ocorrer em que exista título dado à execução cuja data de vencimento aposta seja inclusivamente posterior à data em que se verificou ocorrer a prescrição do crédito que integra a relação subjacente.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso por via excepcional]

X - Os Recorrentes estão convencidos que não lhes pode ser exigido o pagamento de um crédito que prescreveu, ainda que não tenha ocorrido a prescrição do título cambiário que foi, posteriormente, dado à execução, não podendo, de todo, aceitar a interpretação extensiva e manifestamente ampla que é feita pelas duas instâncias da lei, em especial com recurso a um diploma especial (LULL) que não derroga claramente a lei geral (Código Civil), quanto a este tema/matéria, nem se pode sobrepor aos efeitos legalmente previstos que decorrem para o devedor/credor perante a extinção da obrigação de pagamento.

XI - No presente processo e até à presente data, a única questão que verdadeiramente se decidiu foi que face aos factos assentes as livranças não estavam prescritas, o que não é de todo o que constitui o objeto da exceção invocada em sede de embargo executada e dos posteriores(s) recurso(s) que recaíram sobre a sentença/acórdão e sequer foi posto em causa!

XII - Sem prejuízo de se reconhecer grande consideração aos excelentíssimos julgadores que subscreveram a sentença e o acórdão nestes autos, fazer-se a interpretação que os mesmos fazem será permitir a cobrança infindável, e/ou, a exigência judicial eterna, de um qualquer crédito, já que se aceita, sem qualquer fundamento legal razoável ou lógica, que a prescrição do crédito não tem quaisquer efeitos quando existe uma livrança ou letra em branco cuja data de vencimento pode ser aposta livremente pelo credor.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

XXV - O Acórdão alvo de recurso padece, na nossa modesta opinião, de algumas imprecisões e contradições, que inquinam irreversivelmente a decisão dele constante, pelo menos quanto à decisão/questão supra melhor identificada e que constitui o objeto do presente recurso.

XXVI - Discordam, desde logo, os Recorrentes com a improcedência da exceção de prescrição do crédito que integra a relação subjacente, oportunamente invocada no seu embargo de executados, a qual sendo reconhecida teria necessariamente de implicar a extinção da relação cambiária e, logicamente, da instância executiva.

- Conforme resulta até da matéria de facto dada por provada e com interesse para a apreciação do presente recurso: o Recorrente AA era gerente e sócio da sociedade M..., Lda, que veio a ser declarada insolvente a 5 de Abril de 2016; A operação bancária mencionada na livrança n.º ................81 (PT...............92) refere-se a um contrato de abertura de crédito em conta corrente, datado de 27 de Julho de 2010; E segundo a demonstração da Nota de Débito junta pela Exequente na sua Reclamação de Crédito (no referido processo de insolvência), a data da “última prestação paga” (a 17.ª) foi “01/10/2014”, quando o capital em dívida era de € 72.200,00. Tendo a Exequente, com referência a este contrato, reclamado, à data da insolvência, um crédito de € 81.882,20; A outra livrança executada (n.º ...............73), refere-se a um contrato para prestação de garantia bancária (com operação n.º ...........93), datado de 9/12/2010 (e não de 13/12/2010, conforme resulta das cartas de interpelação juntas pela Exequente), em que foram pagas pelo menos 13 prestações, segundo documentação do próprio Banco; A livrança n.º ................81 tem como data de emissão 27/09/2010, data de vencimento 24/09/2021 e valor de 120.765,00€; A livrança n.º ...............73 tem como data de emissão 09/12/2010, data de vencimento 24/09/2021 e valor de 3.605,00€; Os Recorrentes foram citados da acção executiva ora em crise no final de abril de 2022.

XXVII - Ora, dos elementos supra fornecidos resulta claro que os créditos em causa já prescreveram por lhes ser aplicável o prazo de prescrição quinquenal previsto na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, conforme defende a melhor jurisprudência.

XXVIII - Aliás, salvo melhor opinião, parece assente e indiscutível, nos presentes autos (e na jurisprudência portuguesa!), que o prazo de prescrição dos créditos que integram as relações subjacentes nos autos é de cinco anos, porque embora acabem por decidir noutro sentido (desvirtuando o que efetivamente está em discussão e o ponto de partida da discussão suscitada pelos Recorrentes: a prescrição do crédito causal), o certo é que quer a sentença, quer o acórdão, ora em crise, aceitam esta posição.

XXIX - É que na sua fundamentação, a sentença é a primeira a citar o Acórdão de Uniformização de jurisprudência 6/2022 publicado no DR I S, de 22.09.2022, que à data tinha meras semanas e de igual forma, o Acórdão ora em crise, aceita que o prazo de prescrição eram cinco anos, mas inexplicavelmente vem referir, sem quaisquer elementos nos autos que suportem tal alegação, que por os créditos terem sido reclamados nos autos de insolvência, tal importou interrupção da prescrição nos termos do artigo 323.º do Código Civil, o que não faz qualquer sentido e até é irrelevante.

XXX - Ora, aplicando-se indubitavelmente este prazo de cinco anos, igualmente se terá de considerar que começou o mesmo a contar, nos termos do artigo 306.º do Código Civil, quando o direito pudesse “ser exercido”, o que in casu aconteceu, se não antes, pelo menos a 5 de Abril de 2016, quando foi declarada a Insolvente da empresa M..., Lda, e o Exequente considerou a dívida vencida na sua totalidade, tendo reclamado toda a quantia (alegadamente) contratualmente em dívida, ou seja, a totalidade do valor que lhe entendia ser devido.

XXXI – Não se podendo, de todo, considerar que ocorreu a interrupção do prazo de prescrição em causa, já que: a contra-exceção da interrupção do prazo de prescrição envolvendo um facto constitutivo do direito de crédito teria de ter sido invocado pela parte a quem aproveita, não sendo suscetível de conhecimento oficioso, o que não se verificou; igualmente porque a reclamação de créditos e respetivo reconhecimento por parte do Administrador de Insolvência não é apta a interromper o prazo de prescrição que se encontre em curso e se assim não fosse, a verdade é que o Acórdão não refere em que data ocorreu a referida interrupção, não existindo, salvo melhor opinião, elementos nos autos que lhe permitam alcançar tal a conclusão inusitada, ainda para mais quando como bem se sabe os prazos para reclamar créditos são bastante curtos (normalmente 20 a 30 dias) e urgentes (correndo em férias), logo a existir qualquer causa de interrupção e renovação do prazo, o que apenas se admite por mera hipótese académica, a verdade é que essa renovação da contagem do prazo teria ocorrido quase logo imediatamente a seguir à data da declaração de insolvência, sendo, igualmente, certo que o prazo sempre decorreria na íntegra, em tais condições, já que o seu decurso seria atingido sempre antes da data da instauração da acção (abril de 2022), sendo irrelevante a data em que foram preenchidas as livranças, ao contrário do que quer fazer crer o Acórdão ora em crise, conforme resulta aliás do regime do CC e CPC. É que o preenchimento da livrança também não é apto a interromper a prescrição, apenas o sendo a acção judicial, que no nosso caso só deu entrada em abril de 2022!

XXXII - Logo, e aqui chegados, parece-nos evidente que os créditos que integram as relações cartulares/subjacentes dos títulos dados à execução se encontravam prescritos aquando da oposição nas livranças das respetivas datas de vencimento e, logicamente, aquando da entrada em juízo da respetiva acção executiva em abril de 2022.

XXXIII - Aqui chegados, deve, portanto, ser reconhecida e declarada a prescrição dos créditos que integram a relação causal/subjacente, importando, agora, num segundo momento perceber que efeitos tal declaração terá nas relações cambiárias e na instância executiva.

XXXIV - Parecendo-nos claro que a extinção da obrigação causal terá necessariamente importar a extinção da obrigação cartular, conforme aliás tem sido o entendimento dominante – para não dizer único – dos arestos que conseguimos encontrar na nossa extensa e cuidada procura e entre os quais se encontra o já mencionado Acórdão fundamento.

XXXV - É que como os Recorrentes oportunamente alegaram nos seus embargos de executado, tendo as livranças dadas à execução sido entregues em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de natureza bancária, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular, ou seja, extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória, independentemente da data de vencimento da livrança e do estabelecido na LULL quanto à prescrição do título executivo.

XXXVI - Ora, e decompondo a situação jurídica em apreço, o título executivo apresenta-se como requisito essencial da acção executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento susceptível de, por si próprio, revelar com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.

XXXVII - Na execução cambiária, em que o exequente não tem que invocar outra relação para além da que resulta do próprio título, basta a sua conjugação com as normas jurídicas que atribuem ao portador um direito de crédito e que vinculam o obrigado ao correspondente cumprimento.

XXXVIII - Por isso, na data do vencimento ou nas circunstâncias referidas no art. 43º da LULL, o legítimo portador pode exigir dos responsáveis o pagamento do capital inscrito, dos juros de mora e restantes acréscimos referidos no art. 48º da LULL, ou no art. 45º da LUch, isto porque a relação cartular é independente da causa que lhe dá origem, da que constitui o motivo da subscrição cambiária, da relação fundamental, que pode assumir diversas figuras jurídicas.

XXXIX - Neste caso, contudo, em que não há interesses de terceiros de boa fé a defender, os princípios da literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos cambiários deixam de funcionar, podendo fundar-se a defesa nas excepções emergentes da relação causal.

XL- As livranças exequendas foram subscritas pelos Recorrentes, no âmbito da celebração de dois contratos bancários com o Exequente, encontrando-nos no domínio das relações imediatas.

XLI - A par da obrigação cambiária resultante da assinatura do título por parte dos Recorrentes - relação cartular -, existem as obrigações decorrentes da celebração dos contratos bancários - relação fundamental ou subjacente. Os negócios cambiários possuem uma causa – contratos bancários - que levaram à subscrição da livrança.

XLII - Ora, de harmonia com o disposto no artigo 17º da L.U.L.L. - aplicável às livranças por força do disposto no artigo 77º -, no domínio das relações imediatas podem, em regra, ser invocadas as excepções inerentes à relação fundamental ou subjacente.

XLIII - Nas relações imediatas, isto é, nas relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador/sacado, sacador/tomador, tomador/1º endossado, etc.), nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente de convenções extracartulares, é comum afirmar-se que tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata, ficando sujeita às exceções que nessas relações pessoais se fundamentem.

XLIV - Ou, como preferem outros autores, sendo a obrigação cambiária instrumental da relação fundamental - instrumentalidade que é definida pela convenção executiva – é legítimo que as vicissitudes que afetem a relação subjacente tenham reflexos na pretensão cambiária.

XLV - Quanto à determinação sobre quais as vicissitudes causais que relevam e em que termos, deverá ser levada a cabo partindo do teor da convenção executiva, dependendo dos contornos da situação concreta.

XLVI - Sempre que o devedor esteja em condições de fazer valer factos extintivos da pretensão fundamental do credor, o caráter instrumental da pretensão cambiária determina a sua vulneração: a circunstância de a obrigação fundamental não se ter validamente constituído ou de vir a ser extinta não pode deixar de comprometer irremediavelmente a obrigação cambiária criada para a solver, garantir, novar, etc.

XLVII - A prescrição da obrigação subjacente, atribuindo ao beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou se se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito acarretará, assim, em regra, a extinção da obrigação cambiária.

XLVIII - No Acórdão do STJ de 28-09-2017, pondera-se que, mesmo no domínio das relações mediatas, é lícito aos signatários cartulares, impugnarem a assinatura que lhe é atribuída no título, invocar a invalidade formal do ato cambiário assumido, bem como as excepções de prescrição ou de pagamento da obrigação cartular, incumbindo-lhes alegar e provar, como fundamentos de oposição por embargos, tais meios de defesa.

XLIX – Logo, e de forma sintetizada, parece-nos claro que no domínio das relações imediatas o executado, subscritor da livrança dada à execução, pode livremente deduzir contra o credor qualquer meio de defesa, incluindo os decorrentes da invalidade, ineficácia ou extinção da obrigação causal.

L - Estando subjacente à emissão da livrança um direito de crédito emergente de contrato bancário, sujeito ao prazo prescricional de 5 anos, tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular.

LI – Assim, extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória, até porque o aval encontra-se dependente da sorte da obrigação avalizada (suposto que esta não esteja ferida de nulidade estranha a um vício formal), e, assim, extinguindo-se a obrigação do devedor também se extinguirá a do avalista.

LII - Aliás, não deixa de ser curioso que a sentença de primeira instância cite jurisprudência totalmente desconexa com a realidade jurídica em discussão, assim enaltecendo a falta de lógica, adequação e justiça da sua decisão, ainda para mais quando os Recorrentes foram objetivos e claros na sua alegação e até citaram jurisprudência no sentido da posição que veiculavam nos autos.

LIII - O mesmo acontecendo com o Acórdão, ora em crise, que até, pasme-se, diz que a invocação do regime da prescrição do CC terá sido lapso dos Recorrentes! Enfim...quando as instâncias inferiores confundem manifestamente a relação causal com a relação cambiária e tentam impor um regime próprio de prescrição a obrigações (casuais) a que expressamente tal regime não se impõe (já que é exclusivo para as obrigações cambiárias) está tudo dito.

LIV - É, por isso, manifesto que o presente recurso deverá corrigir o manifesto erro de direito que aqui identificando, parecendo-nos, claro, que deverão V. Exias revogar o acórdão ora em crise e substituir o mesmo por outro que se digne a reconhecer/declarar a prescrição dos créditos que integram a relação subjacente/causal e, consequentemente, considerar extinta a relação cartular/cambiária, ordenando a extinção da acção executiva, nos termos que agora vão aqui propostos.».

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

«k) Pois não há qualquer confusão de conceitos ou aplicabilidade errada do direito, e salvo melhor opinião os recorrentes é que confundem factualidades, pois o que está em causa nos presentes autos é aplicabilidade do prazo de prescrição e o prazo de prescrição de uma livrança (e/ou da obrigação/relação cambiaria) é de três anos, nos termos previstos no artigo 70.º da LULL, o que é explanado e bem decidido por ambas as instâncias, não se verificando como pretendem os recorrentes transparecer qualquer omissão de pronúncia das mesmas. O título executivo nos presentes autos é uma livrança e o título de modo algum se encontra prescrito, não sendo pois aqui aplicável o artigo 310º do CC, pelo que o início do prazo de prescrição conta-se a partir da data do preenchimento da livrança e não, em 2016 como invocam os recorrentes.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

m) A temática inerente a esta causa é a Prescrição do título Executivo e como já se provou em 1ª Instância e na Relação não há qualquer prescrição do título/divida.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

p) As duas decisões que aqui são alvo de recurso não confundem conceitos e não se verifica qualquer apreciação contraditória e/ou obscura, pois foram analisadas, e bem, as temáticas em questão nos autos, concluindo-se corretamente pela improcedência da exceção da prescrição que lhes foi trazida a colação, aplicando-se acertadamente o regime jurídico específico/solução jurídica à factualidade vertida nos autos.

q) Não há qualquer confusão, por parte destas doutas instâncias, que empregam tão só o direito aplicável in casu e citam a jurisprudência relevante com aplicabilidade indubitável à factualidade dos autos.

r) Os Recorrentes, é que, com o devido respeito confundem conceitos pois se eles próprios não põem em causa que o prazo de prescrição de uma livrança (e/ou da obrigação/relação cambiária) e de três anos, nos termos previstos no artigo 70.o da LULL, o que invocam na realidade, como podem então tentar que se aplique outro prazo prescricional?

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

ae) E tem de improceder a exceção de prescrição do crédito que integra a relação subjacente, oportunamente invocada nos embargos de executados, pois o que está em causa nos presentes autos é a prescrição do título executivo e conforme já explanado não se verifica in casu.

af) Acresce somente dizer que este tema da prescrição está amplamente discutido na jurisprudência, temática muito abordada no âmbito da atividade bancária, e não são conhecidos quaisquer acórdãos contraditórios quanto a tal questão,

ag) De facto os Recorrentes invocam a prescrição da relação cambiária e querem fazer valer os preceitos legais desta questão mas in casu o que se aplica é a prescrição do título cambiário e como tem sido amplamente discutido na jurisprudência e uniformemente a prescrição afere-se em relação ao título executivo que, no caso, é uma livrança e que possui um regime especial previsto no art. 70º, da LULL.

ah) O prazo prescricional aplicável nos presentes autos resulta da lei especial LULL e não se aplica aqui o prazo previsto no Código Civil.

ai) No entanto, e sem prescindir, no que toca à temática da prescrição entende a exequente que não assiste qualquer razão aos recorrentes.

aj) Conforme invocado no requerimento executivo a exequente é dona e legítima possuidora de duas livranças subscritas pela sociedade M..., Lda (declarada insolvente no Processo 648/16.1... - Tribunal da Comarca de Aveiro Juízo do Comércio de ... – Juiz 1), supra discriminadas, nas quais os recorrentes BB e AA apuseram no verso a sua assinatura e declararam pelo seu punho dar o seu aval à subscritora

ak) O título executivo dado a esta execução são livranças, enquanto títulos de crédito cambiário válido, que têm força executiva ao abrigo do artigo. 703.º, n.º 1 al. c) do CPC, pelo que a execução terá de prosseguir para ulteriores trâmites não procedendo pois o invocado pelo recorrente, não se verificando pois qualquer falta de requisito geral inerente ao preenchimento do título e está a exequente, dispensada de alegar a relação jurídica subjacente à livrança dada à execução, assim como alegar e juntar o pacto de onde resultasse a autorização para o seu preenchimento.

al) Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes dos mesmos (cfr. Cláusula 25º - Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente- Doc. 1, cláusula 23º - Contrato de Prestação de Garantia Bancária - Plafond- Doc. 2, Cláusula 20º do Contrato de Prestação de Garantia Bancária - Doc. 3), a empresa e os AVALISTA(S) para o efeito entregaram à CAIXA uma livrança em branco (uma para cada das operações) subscrita pela sociedade e avalizada pelos aqui executados que autorizaram a CAIXA a preencher as livranças, quando tal se mostrasse necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente o seguinte:

l) A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pelo(s) devedor(es) das obrigações assumidas para o efeito ou para efeito de realização coactiva do respectivo crédito;

m) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes destes contratos de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.

n) A exequente em 24/03/2021 instaurou a presente execução e apresentou, então, como título executivo duas livranças subscritas pelos recorrentes e de harmonia com o disposto no art. 70º (ex vi do art. 77º), da LULL, o prazo de prescrição aplicável às livranças é de 3 anos a contar da data do vencimento inscrito nas mesmas.

am) O preenchimento de uma livrança em branco é condição imprescindível para que o título possa produzir efeitos enquanto tal, pelo que sem que seja aposta na livrança data de vencimento não se pode iniciar o prazo de prescrição.

an) “Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/contrato ou pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título”, o que não se verifica no caso dos autos, entendimento diverso colocaria em causa a essencialidade do título de crédito, mormente as suas características de literalidade, abstração e autonomia, subvertendo-se o direito de se fazer valer a obrigação nele consubstanciada pelo que dele consta inscrito, independentemente da relação subjacente.

ao) A exequente tem (como o fez) a possibilidade de preencher a livrança, conforme a sua própria conveniência, e de fixar a data de vencimento, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito,

ap) Pelo que, ante o incumprimento das obrigações assumidas pelos devedores, mormente a de pagamento dos valores mutuados, e com vista à cobrança coerciva do seu crédito, a exequente preencheu a livrança nela inscrevendo os valores em dívida, fixando a data de vencimento e interpelando os devedores ao cumprimento, em concreto os aqui recorrentes.

aq) As livranças em execução têm data de vencimento de Setembro de 2021 e tendo a execução sido instaurada em 24/03/2021 [rectius: 2022], forçoso é concluir que não se encontra, de modo algum, prescrita a obrigação, sendo pois o título válido e eficaz.

ar) Ainda que se considerasse verificada a prescrição - o que se coloca por mera hipótese de raciocínio - o título cambiário/livrança tem a faculdade de continuar a servir de título à execução, atento o disposto na al. C) do nº 1 do artigo 703º do CPC.

as) Na verdade, ainda que (estivesse) prescrita enquanto obrigação cartular, a livrança continua a constituir um título executivo válido contra quem a assinou, in casu, o emitente e seus avalistas.

at) Para além de que, ainda que a obrigação cartular se considerasse extinta, os avalistas são sempre responsáveis pelo pagamento da quantia peticionada, tanto a título de capital como de juros moratórios, uma vez que a dívida não se considera prescrita, de acordo com o disposto nos artigos 309º e 310º, al. d) do CC.

au) Portanto, o entendimento do tribunal, de que tendo as livranças apostas como data de vencimento 24.09.2021, não se mostra decorrido o prazo de prescrição da ação cambiária, de três anos, previsto no artigo 70 da LULL, não se mostrando prescrita a obrigação exequenda. está em conformidade com a lei e com a jurisprudência dominante.

av) Portanto, no caso dos presentes autos, e tendo em consideração que os pactos de preenchimento estão sujeitos às regras que regem a interpretação e integração do negócio jurídico, previstas nos artigos 236 e segs. do Código Civil, há que atender que em sede de articulado de embargos de executado e agora em sede de recurso, os recorrentes admitem que não foi estabelecido qualquer limite máximo para o preenchimento da livrança. E tendo por referência o texto do pacto de preenchimento, não existem quaisquer indícios de que a vontade, real ou hipotética, das partes tenha sido outra que não a constante no mencionado pacto.

ax) As partes, ao abrigo da autonomia privada, optaram por não acordar qualquer limite máximo para o preenchimento da livrança, pelo que a exequente é livre de a preencher em data que considerar conveniente.

az) Assim, tendo as livranças apostas como data de vencimento 24.09.2021, não se mostra decorrido o prazo de prescrição da ação cambiária, de três anos, previsto no artigo 70 da LULL, não se mostrando portanto prescrita a obrigação exequenda.

ba) E diga-se ainda, o princípio da boa fé não exige a coincidência entre a data do incumprimento dos contratos e o preenchimento da livrança, nem tal parece ser viável. considerando as habituais negociações que a partir daí se estabelecem entre as partes, no sentido de alcançar uma solução extrajudicial para a situação.

bb) Ora, no caso em concreto, não se verifica pois qualquer situação prescrição.

bc) Assim, in casu:

- O recurso deve improceder desde logo, porque não é legalmente admissível.

- No entanto, sem prescindir, não há qualquer situação de prescrição iniciando-se a contagem da mesma a partir da data do vencimento do título executivo: livranças in casu.

bd) Não há qualquer prescrição do título cambiário dado à execução, sendo pois de aceitar a interpretação extensiva feita pelas duas instâncias da lei, em especial quando decidem pela aplicabilidade do diploma especial (LULL) que derroga claramente a lei geral (Código Civil), quanto a este tema/matéria, e se sobrepõe aos efeitos legalmente previstos que decorrem para o devedor/credor perante a extinção da obrigação de pagamento.».

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

4. Vem provado o seguinte:

A) Foram dadas à execução as duas livranças, cujos originais se encontram junto aos autos principais.

B) A livrança n.º ................81 tem como data de emissão 27.09.2010, como local de emissão ..., data de vencimento 24.09.2021, o valor de 120.765,00€ e no campo referente à assinatura do subscritor encontra-se o carimbo da sociedade M..., Lda e a assinatura do seu legal representante.

C) No verso da livrança, em seguida à expressão “Dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se a assinatura dos ora embargantes.

D) Subjacente à emissão da livrança identificada em B) está o contrato de abertura de crédito em conta corrente com o n. PT ...............92, celebrado entre a exequente, a sociedade subscritora da livrança e os embargantes, estes na qualidade de avalistas em 27.07.2010.

E) A cláusula 18. do referido contrato, com a epígrafe “Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede) tem o seguinte teor: “a) As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela CGD aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a CGD de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for. b) As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos. c) Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio seda será o indicado pela parte no presente contrato.”

F) A cláusula 22. Denominada de Garantia – Aval, prevê o seguinte: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela Cliente no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 25, caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.”

G) A cláusula 25., epigrafada de Livrança em Branco, estabelece que: “25.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança, c) A CAIXA poderá inserir cláusula "sem protesto" e definir o local de pagamento. 25.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.” (…)”

H) A livrança n.º ................73 tem como data de emissão 09.12.2010, como local de emissão ..., data de vencimento 24.09.2021, o valor de 3.605,00€ e no campo referente à assinatura do subscritor encontra-se o carimbo da sociedade M..., Lda e a a assinatura do seu legal representante.

I) No verso da livrança, em seguida à expressão “Dou o meu aval à firma subscritora” encontra-se a assinatura dos ora embargantes.

J) Subjacente à emissão da livrança identificada em B) está o contrato para prestação de garantia bancária com o n.º PT ...............93, celebrado entre a exequente, a sociedade subscritora da livrança e os embargantes, estes na qualidade de avalistas em 27.07.2010.

K) A cláusula 7 do contrato, denominada de “Comissões”, prevê o seguinte: “7.1 - A ORDENADORA obriga-se a pagar à CGD as comissões previstas no preçário em cada momento em vigor na CAIXA, publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas Agências, nomeadamente a comissão de processamento e de falta de provisionamento na conta DO, actualmente de €3,50 e de €29,00, acrescidas dos respectivos impostos. 7.2- Será ainda devida pela ORDENADORA uma comissão de garantia, de 1,75% (um vírgula setenta o cinco por cento), ao ano, sobre o valor de cada Termo de Garantia emitido e assumido pola CGD, calculada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o minimo de € 29,28 por trimestre, sendo ambos os valores alteráveis pela CGD antes de cada trimestre, face as alterações de mercado, o que será publicitado no preçário da CGD existente junto dos seus balcões; 7.3- Se no final da vigência de cada Garantia não se completar um período de três meses, a comissão de garantia será calculada dia a dia e paga no termo do prazo de vigência.”

L) A cláusula 14. do referido contrato, com a epígrafe “Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede) tem o seguinte teor: “a) As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela CGD aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a CGD de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem- se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for. b) As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos. c) Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio seda será o indicado pela parte no presente contrato.”

M) A cláusula 22. Denominada de Contragarantia – Aval, prevê o seguinte: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela Ordenadora no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista noa cláusula seguinte, caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.”

N) A cláusula 23., epigrafada de Titulação por Livrança em Branco, estabelece que: “23.1-Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Ordenadora e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CGD, relativamente a cada um dos termos da garantia, uma livrança em branco, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a mesma a preencher as sobreditas livranças, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CGD, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CGD quando, em caso de incumprimento pela Ordenadora das obrigações assumidas, a CGD decida recorrer à realização coativa do respetivo crédito; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente o valor do crédito da CGD que resultar dos pagamentos que a mesmas vier a fazer aos Beneficiários em execução do respetivo termo da garantia, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A CGD poderá inserir a clausula “sem protesto” e definir o local de pagamento; d) A livrança não constitui novação do crédito que vier a ser apuado, pelo que se mantêm todas a contragarantias constituídas para segurança das obrigações emergentes do presente contrato, que se consideram também referidas à livrança.” d) Uma vez cancelada qualquer Garantia Bancária emitida ao abrigo do presente contrato e pagas as responsabilidades dela decorrentes, a CGD devolverá a respetiva livrança nos termos atrás acordados.”

O) Este contrato foi alterado em 9 de dezembro de 2010.

P) A cláusula 8. do contrato, denominada de “Comissões”, prevê o seguinte: “8.1-A ORDENADORA obriga-se a pagar à CGD as comissões previstas no preçário em vigor na CAIXA, publicitado nos termos legais e existente para consulta nas suas Agências, nomeadamente a comissão de processamento e de falta de provisionamento na conta DO, actualmente de € 3,50 e de €29,00, acrescidos dos respetivos impostos. 8.2-Será, ainda, devida pela ORDENADORA uma comissão de garantia, de 1,5% (um virgula cinco por cento) ao ano, sobre o valor do Termo de Garantia emitido e assumido pela CGD, calculada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de €29,23 por trimestre/fração, sendo ambos os valores alteráveis pela CGD antes de cada trimestre, face de alterações de mercado, o que será publicado no preçário da CGD existente junto dos seus balcões. 8.3- Se no final da vigência da garantia não se completar um período de três meses, a comissão será calculada dia a dia e paga no termo do prazo de vigência.”

Q) A cláusula 19. Epigrafada de Contragarantia Aval determina que: “Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas a CAIXA pela ORDENADORA no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 20 caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.

R) A cláusula 20., com o nome “Titulação por livrança em branco, estabelece: “20.1- Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, a ORDENADORA e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela ORDENADORA das obrigações assumidas, a CAIXA decida recorrer à realização coativa do respetivo crédito; b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente o valor do crédito da CAIXA que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer à BENEFICIARIA em execução da Garantia Bancária, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança; c) A CAIXA poderá inserir cláusula "sem protesto ou expressão equivalente e definir o local de pagamento. 20.2- A livrança não constitui novação do crédito que vier a ser apurado, pelo que se mantém todas as contragarantias constituídas para segurança das obrigações emergentes do presente contrato, que se consideram também referidas à livrança.”

S) Nos contratos supra identificados, os ora embargantes indicaram a seguinte morada: rua ... I, n.º 20, freguesia da ..., concelho de ....

T) Em 27.01.2015, a exequente endereçou aos ora embargantes comunicações com o seguinte teor: “(…) Não obstante a nossa anterior comunicação enviada ao(s) Titular(es) verifica-se que continua por regularizar a dívida relativa à(s) operação(ões) a seguir indicada(s):

Assim, na qualidade de interveniente da operação, deverá proceder à regularização das quantias referidas, no prazo de 10 dias a contar da data de emissão dessa carta, sob pena de, não o fazendo, poder ser o processo remetido para um departamento especializado em cobranças e recuperação de crédito. Aproveitamos para esclarecer que a falta de pagamento do montante em dívida determinará a oportuna comunicação ao Banco de Portugal no âmbito da Central de Responsabilidades de Crédito em situação de incumprimento. (…).”

U) A comunicação foi dirigida ao embargante AA para a R. ... n.º 20, ..., ...

V) A comunicação foi dirigida à embargante BB para a R. ..., 180., 3830 – 671, CC.

W) A sociedade M..., Lda foi declarada insolvente por sentença proferida em 05.04.2016, pelas 13:00 horas, no âmbito do processo 648/16.1... que correu termos na então Instância Central, 1ª Secção Comércio – J1 ..., da Comarca de Aveiro.

X) A exequente reclamou o crédito exequendo no âmbito do processo de insolvência referenciado em O), peticionando os seguintes montantes: - 81.882,20€ relativo ao contrato identificado em D); - 95.372,12€ de capital relativo ao contrato identificado em J).

Y) Os créditos reclamados foram reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, tendo sido ressalvado que o crédito no valor de 95.372,12€ era reconhecido sob condição, o pagamento ainda não havia sido exigido por parte da entidade beneficiária.

Z) A exequente, em 24.09.2021, enviou carta registada com aviso de receção dirigida à embargante BB para a R. ..., 180, 3830 – 671, CC, com o seguinte teor: “(…) CONTRATOS: Op. PT ...............92 Op. PT ...............93 TITULAR: M..., Lda Preenchimento de livranças: €120.765,09 à data de 2021-09-24-Op. PT ...............92 €3.605,00 à data de 2021-09-24- Op. PT ...............93 Encontram-se vencidas e não pagas, as responsabilidades emergentes dos contratos acima mencionados, os quais foram celebrados em 2010-09-28 o 2010-12-13, respetivamente, De acordo com o estabelecido no referido contrato havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível a totalidade do crédito. Desta forma, e nos termos contratados, consideramos vencida, nesta data, a totalidade do crédito, tendo sido fixado, para o dia 24 de setembro de 2021, o vencimento das livranças, subscritas por M..., Lda e avalizadas por AA BB, que preenchemos: -pelo valor de € 120.765,09 (Operação PT ...............92) correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. - pelo valor de € 3.605,00 (Op. PT ...............93) correspondente ao valor total do crédito à data do vencimento fixado a que acrescem juros de mora legais e encargos até integral pagamento. Assim, vimos pela presente interpelar V. Ex. na qualidade de avalista, para, no prazo de 5 dias, a contar da receção da presente carta, proceder à liquidação daquele valor. Findo o prazo indicado, sem que tenha sido efetuado o respetivo pagamento, promoveremos, de imediato, sem mais aviso, a instauração da competente ação executiva. (…)”

AA) A carta veio devolvida com a indicação “Nova morada.”

5. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Deve entender-se que os embargantes, na qualidade de avalistas, podem opor ao banco embargado a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito emergente da relação fundamental estabelecida entre o credor e a sociedade mutuária, subscritora das livranças avalizadas?

• Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, deve entender-se que se encontra prescrito o referido direito de crédito?

6. Passemos a apreciar da questão de saber se os embargantes, na qualidade de avalistas, podem opor ao banco embargado a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito emergente da relação fundamental estabelecida entre o credor e a sociedade mutuária, subscritora das livranças avalizadas.

6.1. Os embargantes, na qualidade de avalistas das livranças que constituem os títulos dados à execução à qual correm por apenso os presentes autos, vieram invocar a prescrição do crédito exequendo, alegando que se mostra ultrapassado o prazo de prescrição quinquenal, previsto no art. 310.º, alínea e), do Código Civil, aplicável ao direito de crédito emergente da relação subjacente estabelecida entre o banco exequente e a sociedade mutuária, subscritora das livranças avalizadas.

O Tribunal da Relação (na linha, aliás, da fundamentação da decisão do Tribunal da 1.ª instância) enquadrou esta pretensão sob a óptica da prescrição do direito cambiário, tendo aquele Tribunal considerado que, à data em que a execução foi proposta, não tinha ainda decorrido o prazo prescricional de três anos, previsto no art. 70.º da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças, estabelecida pela Convenção assinada em Genebra, em 7 de Junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23721, de 29 de Março de 1934, e ratificada pela Carta de 21 de Junho de 1934 (doravante, LULL).

Assiste razão aos embargantes quando invocam que a sua pretensão não foi enquadrada de modo juridicamente correcto pelas instâncias. Com efeito, não obstante nos situarmos no âmbito de uma acção cambiária, em que os executados são accionados pelo portador do título, na qualidade de avalistas das livranças exequendas e com fundamento na relação cambiária ou cartular, a verdade é que os embargantes não invocaram o decurso do prazo de prescrição de três anos previsto para a obrigação cambiária (art. 70.º da LULL, aplicável às livranças por força do art. 77.º do mesmo diploma), antes invocaram a prescrição da obrigação subjacente ou fundamental.

Vejamos se a sua pretensão se afigura viável, esclarecendo, a título preliminar, que o acórdão da Relação de Coimbra de 25-01-2022 (proc. n.º 1717/20.9T8ACB-A.C1), consultável em www.dgsi.pt, indicado pelos recorrentes em abono da sua posição, tem por objecto uma situação factualmente diversa da situação apreciação nos presentes autos, reportando-se a um caso em que a embargante não assumiu a posição de avalista, mas tão-só de subscritora de uma livrança que garantia o cumprimento de um direito de crédito que alega encontrar-se prescrito.

Temos, pois, que constituem títulos executivos, na acção executiva à qual estes autos correm por apenso, duas livranças (emitidas de forma incompleta ou em branco quanto à data de vencimento e ao respectivo montante), subscritas pela sociedade M..., Lda, visando garantir o pontual cumprimento de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, celebrado em 27-07-2010, entre a exequente, a mencionada sociedade e os embargantes (cfr. ponto D) da matéria de facto); e de um outro contrato, celebrado entre as mesmas partes, de prestação de garantia bancária (cfr. ponto J) da factualidade dada como provada). Estes contratos foram celebrados entre a exequente, a sociedade M..., Lda e os embargantes, estes na qualidade de avalistas (cfr. pontos G), M), N), Q), R) da factualidade assente).

A questão essencial consiste em apurar se é lícito aos embargantes, na qualidade de avalistas, oporem ao banco credor da sociedade avalizada M..., Lda o meio de defesa da prescrição dos direitos de crédito emergentes dos contratos celebrados, meio esse relacionado com a relação fundamental estabelecida entre a sociedade mutuária e a sua contraparte contratual.

6.2. Afigura-se que a resposta a tal questão implica um prévio enquadramento legal e doutrinário da figura do aval.

De acordo com o disposto no art. 30.º da LULL, “o pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval. Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra”, estatuindo o art 32.º do mesmo diploma que “o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra.”.

Dispõe, por outro lado, o art. 47.º da LULL que “os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador. O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas, individualmente ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram. O mesmo direito possui qualquer dos signatários de uma letra quando a tenha pago. A ação intentada contra um dos coobrigados não impede de acionar os outros, mesmo os posteriores àquele que foi acionado em primeiro lugar.”.

Por último, preceitua o art. 17.º da LULL que “as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”.

O aval é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador do aval) garante o pagamento de uma livrança por parte de um dos subscritores (avalizado), integrando uma relação de garantia.

Na formulação constante do AUJ n.º 4/2013, publicado no Diário da República, Iª Série, de 21.01.2013, o aval é definido como “o negócio cambiário típico, por força do qual se oferece aos tomadores do título cambiário a garantia de uma pessoa, o avalista, formalmente dependente da de outro obrigado no título, o avalizado, mas configurada num plano substancial com carácter autónomo.”.

Ao contrário do que sucede nos restantes negócios cambiários, em que a operação económica subjacente congrega, de forma típica, dois sujeitos, a prestação de aval enquadra-se numa complexa relação triangular, “reclamando como vértices o garante, o garantido e o credor — que, no nosso caso, são respectivamente, o avalista, o avalizado e o credor cambiário (isto é, o credor cambiário que está em relações imediatas com o avalizado, ainda que o aval enquanto garantia tenha a particularidade de poder vir a beneficiar qualquer outro credor futuro)” (Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 119).

A situação em apreciação corresponde, aliás, à situação típica, muito comum na prática comercial, em que uma livrança é emitida sem se encontrar integralmente preenchida, encontrando-se omissos o montante devido e a data do respectivo vencimento. Na síntese de Engrácia Antunes, “designa-se por letra em branco o documento que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais referidas no art. 1.º da LULL, possua já a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados cambiários, acompanhado de um acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro das menções em falta” (Os títulos de crédito – Uma introdução, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pág. 65).

Pedro Pais de Vasconcelos («Aval em branco», in Revista de Direito Comercial, 2018, pág. 374, consultável on line) explica a razão de ser desta figura da seguinte forma:

“[E]m muitos casos não é possível prever, ao tempo da concessão do crédito, qual virá a ser o seu valor ao tempo do vencimento. O caso mais claro em que assim acontece é o da abertura de crédito, em que se estipula um limite máximo mas não um valor certo de financiamento. Só ao tempo do vencimento se apura, se liquida, o montante em dívida. O mesmo sucede no contrato de conta corrente, no contrato de fornecimento por prazo alargado, em certas empreitadas e, em geral, em todas as transações de curso seguido e também numa multiplicidade de operações comerciais de vária ordem e tipo. Nestes casos, só ao tempo do vencimento pode ser apurado definitivamente qual o valor em dívida, sendo a livrança emitida inicialmente em branco para que possa ser preenchida mais tarde, ao tempo do vencimento, pelo valor em dívida. Mas não apenas o valor da dívida conduz a que seja deixado esse campo em branco na livrança. Sucede também que não se saiba, ao tempo da concessão do crédito, qual a data em que a dívida se virá a vencer. Assim acontece no caso da abertura de crédito renovável, e em todos os demais em que se desconheça o tempo do vencimento da dívida. Não se sabendo a data de vencimento de uma dívida que vença juros, não se saberá o tempo certo do vencimento nem o valor exato da dívida enquanto esta não se vencer.”.

A circunstância de ambos os avales prestados pelos embargantes terem sido apostos sobre títulos cambiário em branco vulnerabiliza a sua posição enquanto avalistas, na medida em que os mesmos desconhecem a quantia exacta pela qual irão responder ou o momento temporal no qual lhes será exigido o respectivo pagamento.

Ora, como adverte Carolina Cunha (Aval e Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 19), “o aval prestado sobre uma letra ou livrança em branco não está sujeito à mesma disciplina que o aval aposto num título completo — diferença que o intérprete-aplicador não pode ignorar sem desembocar numa solução menos correcta.”. De resto, “antes de preenchido o título, o próprio aval não existe sequer enquanto negócio jurídico: o que temos é a vinculação jurídica constante do acordo de preenchimento, mais a vinculação cambiária em estado embrionário (através da assinatura aposta no título) e o poder fáctico de o portador do título o vir a preencher” (ibidem).

A diferença estrutural, do ponto de vista dos interesses envolvidos, entre um aval prestado sobre um título preenchido e um aval aposto sobre um título em branco foi considerada pelo regime normativo.

No primeiro caso, e na síntese da autora que vimos referindo, “vale o princípio geral res inter alios acta, de que o art. 17.º da LU é singular manifestação: à partida, será vedado ao avalista prevalecer-se de excepções provenientes das relações pessoais entre o credor e o avalizado — ou seja, retirar um benefício de uma relação obrigacional que lhe é estranha” (Aval e Insolvência, cit., pág. 23).

Já no caso do denominado avalista em branco, não é correcto fazer apelo ao art. 17.º da LULL, nem aos princípios cambiários da autonomia, abstracção, literalidade e incorporação para denegar ao avalista determinados meios de defesa, como sejam a invocação de inexistência de incumprimento por parte do contraente avalizado, o questionamento do montante da sua responsabilidade ou a contestação da data inscrita no título. Nestas situações, como realça Carolina Cunha (Aval e Insolvência, cit., pág. 26), o avalista não se está a prevalecer de um meio de defesa alheio, mas “a colocar um problema prévio: o problema da divergência entre a vontade que o próprio manifestou ao subscrever e entregar uma letra em branco (a saber: que venha a ser preenchida nos termos que valerem para o avalizado) e a declaração constante do título tal como veio a ser completado. Trata-se de um problema particular, ao qual o art. 10.º LU enquanto norma especial dá uma resposta específica, insusceptível de se diluir nos quadros gerais do art. 17.º LU ou do princípio res inter alios acta. E a existência de uma norma especial afasta, como é sabido, o regime geral.”.

De todo o modo, é importante reter que a relação subjacente ao aval apresenta geometria variável, sendo que, para além da relação interna existente entre avalista e avalizado, se poderá encontrar uma outra relação extracartular entre o avalista e o credor cambiário, que funciona como beneficiário directo do aval (cfr., neste sentido, Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, cit., pág. 122, cuja explicação seguimos de perto). Esta relação respeita ao modo como, em concreto, o exequente-credor é admitido a exercer a sua pretensão cambiária, assumindo uma natureza performativa.

A maior ou menor densificação de tal relação extracartular dependerá dos contornos da situação concreta, tendendo a ser mais densa nos casos de aval prestado em benefício de um banco credor. Em tese, as partes poderão acordar a oponibilidade de excepções ex iure tertii, prevendo a possibilidade de o avalista recusar o cumprimento da sua obrigação cambiária com base na invocação de vicissitudes da relação fundamental existente entre avalizado e credor (Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, cit., pág. 121).

6.3. No caso sub judice, é de afirmar a existência de uma relação imediata entre exequente-credor e embargantes-avalistas, uma vez que as livranças não entraram em circulação, mantendo-se na posse do seu portador originário.

Sendo seguro que as partes não previram a possibilidade de os avalistas oporem ao credor cambiário excepções decorrentes da relação fundamental estabelecida entre este e a sociedade subscritora das livranças, a consideração dos particulares interesses em presença (atenta, sobretudo, a delicadeza da posição de avalistas de um título cambiário em branco que cauciona dívidas provenientes da abertura de crédito em conta-corrente) justificaria que se admitisse que tais avalistas, ao abrigo do disposto no art. 10.º da LULL, invocassem excepções decorrentes do preenchimento abusivo do título em que estivesse em causa o desrespeito dos critérios fixados no acordo de preenchimento que os próprios outorgaram.

Isto, tendo presente que a desconformidade entre o preenchimento do título e os critérios fixados no acordo de preenchimento integram, no essencial, duas categorias fundamentais: “A primeira compreende as discrepâncias consubstanciadas num preenchimento injustificado ou extemporâneo, com destaque para a falta de verificação da ocorrência à qual o próprio completamento do título estava subordinado (tipicamente, a constituição, o vencimento ou o incumprimento de um crédito no seio da relação fundamental) e para a extinção satisfatória da relação fundamental garantida pelo título (o qual foi indevidamente conservado pelo credor e posteriormente preenchido noutro contexto). A segunda abrange as discrepâncias relacionadas com a configuração das menções introduzidas no título, com destaque (pela litigiosidade concretamente suscitada) para a inserção de quantia superior à que decorre dos «acordos realizados»” (Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, cit., pág. 184).

É neste sentido que se vem pronunciando a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Cfr., entre outros, os acórdãos de 12-02-2009 (proc. n.º 4616/07, não publicado em dgsi.pt), de 13-04-2011 (proc. n.º 2093/04.2TBSTB-A.L1.S1, não publicado em dgsi.pt), de 28-04-2016 (proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1.S1), de 28-09-2017 (proc. n.º 779/14.2TBEVR-B.E1.S1), de 19-06-2019 (proc. n.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1), de 03-11-2020 (proc. n.º 1429/14.2T8CHV-A.G1.S1), de 11-05-2022 (proc. n.º 703/20.3T8SNT-B.L1.S1) e de 11-10-2022, (proc. n.º 3070/20.1T8LLE-A.E1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.

6.4. Aqui chegados, importa reconhecer que, em certas circunstâncias, não está vedado ao avalista opor ao credor cambiário excepções decorrentes da relação fundamental estabelecida entre este e o avalizado. Esta conclusão não vale, porém, quanto à invocação da excepção da prescrição do direito emergente de tal relação subjacente.

Vejamos porquê.

A prescrição, um instituto paradigmático da influência do tempo nas relações jurídicas, assume a natureza de excepção – com fundamento na qual o devedor poderá legitimamente recusar o cumprimento de uma obrigação – de índole material, uma vez que se funda numa falta ou vicissitude da própria relação substantiva (cfr. art. 847.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil). Sob uma perspectiva analítica, podemos atribuir-lhe os seguintes traços essenciais: (i) um efeito paralisador dos direitos (sendo hoje duvidoso que o instituto tenha o efeito de extinguir obrigações); (ii) o não exercício do direito por inércia do respectivo titular; (iii) o decurso de um certo lapso de tempo (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade – anotação aos arts. 296.º a 333.º do CC, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 16 e 19).

Como excepção de direito material que é, a prescrição opera no plano extracartular, das relações pessoais entre o credor cambiário que é contraparte do avalizado na relação fundamental, sendo que a vicissitude, relacionada com o decurso do tempo, inerente à prescrição, radica na própria relação substantiva e não numa desconformidade entre o preenchimento do título e a vontade manifestada pelo avalista – o que sucederia, como vimos, quando se questiona o incumprimento do contraente avalizado, o montante em que se traduz a sua responsabilidade ou mesmo a data inscrita no título (cfr. Carolina Cunha, Aval e Insolvência , cit., pág. 25).

Significa que, ainda que estejamos perante um título em branco e nos situemos no domínio das relações imediatas, na ausência de acordo entre as partes em sentido contrário, a prescrição não constitui uma causa que, ao abrigo do art. 10.º da LULL, confira ao avalista a possibilidade de se prevalecer das vicissitudes da relação fundamental. E isto é assim porque, ao contrário do que sucede nas situações em que o avalista vem invocar a divergência entre o preenchimento do título e a sua vontade (nas situações em que o avalista subscreveu a minuta contendo o pacto de preenchimento), no caso da invocação da prescrição não se trata de determinar, per relationem, o conteúdo da obrigação cambiária por referência a um mesmo pressuposto do qual está dependente a responsabilidade cambiária do avalizado (na expressão utilizada por Carolina Cunha, Aval e Insolvência, cit., pág. 25).

Posição idêntica à propugnada foi adoptada pelo acima referido acórdão deste Supremo Tribunal de 11-10-2022 (proc. n.º 3070/20.1T8LLE-A.E1.S1), em que, similarmente, os avalistas invocavam a prescrição do direito emergente da relação subjacente à subscrição da livrança avalizada, tendo sido considerado que:

“[N]ão obstante nos encontrarmos no domínio das relações imediatas (ao nível do subscritor e do sacador avalizado), está-lhes vedado, na qualidade de avalistas, servir-se desse específico meio de defesa, por se filiar/fundamentar na relação jurídica material subjacente à emissão da livrança que avalizaram, ou seja, por esse invocado específico meio de defesa ter a ver e assentar exclusivamente naquela relação jurídica material subjacente em relação a qual se apresenta para si , como vimos, como uma res inter alios acta.”.

A prescrição do direito de crédito emergente da relação causal é um efeito adveniente da inércia, prolongada no tempo, do próprio titular do direito, efeito esse que, operando na relação fundamental, não apresenta vias comunicantes com a relação cambiária em que intervém o avalista, no âmbito da qual a vicissitude do decurso do tempo poderá redundar na prescrição do próprio direito de acção cambiária apenas ao abrigo do art. 70.º da LULL.

A obrigação decorrente do aval, sendo acessória em relação à obrigação principal, não garante a relação subjacente de que é sujeito o subscritor avalizado (cfr. Pinto Furtado, Títulos de Crédito, Almedina, Coimbra, pág. 155). Daí que a prescrição que intrinsecamente se prenda com a negligência da actuação do credor quanto ao exercício de um direito subjectivo no âmbito daquela relação subjacente, não poderá – à luz da literalidade, autonomia e abstracção daquela garantia cambiária – ser feita valer pelo avalista para paralisar o exercício do respectivo direito cambiário.

Como salientam Paulo Sendim e Evaristo Mendes (A natureza do aval e a questão da necessidade ou não do protesto para accionar o avalista do aceitante, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 44.) – em argumentação que poderá ser transposta para a livrança –, o avalista não garante o pagamento da obrigação do avalizado (que poderá até não existir), mas o pagamento da letra, sendo responsável pelo seu não pagamento. Do § 2 do art. 32.º da LULL resulta que o avalista é autonomamente responsável, independentemente de o avalizado ser, em concreto, responsável ou não (cfr. Paulo Sendim e Evaristo Mendes, cit. pág. 44).

Assim, nos termos prescritos pelo art. 17.º da LULL, aplicável à subscrição da livrança por remissão do art. 78.º do mesmo diploma, o avalista, ainda que no domínio das relações imediatas, não deverá ser admitido – a menos que tal tenha sido expressamente acordado entre as partes, o que não sucedeu no caso dos autos – a opor a excepção peremptória da prescrição do direito emergente da relação fundamental intercedente entre o credor e a avalizado (que para si se reconduz a res inter alios acta) para justificar uma recusa de cumprimento da sua própria obrigação cambiária. Trata-se, neste caso, de preservar a ratio específica do aval, de molde a não esvaziar de conteúdo os sobreditos arts. 17.º e 32.º da LULL.

Forçoso é, assim, concluir pela improcedência da pretensão dos Recorrentes, ficando prejudicada, nos termos da primeira parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, a apreciação da questão de saber se o direito de crédito emergente da relação fundamental se encontra, ou não, prescrito.

7. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se, ainda que com fundamento diferente, a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 7 de Dezembro de 2023

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Ana Paula Lobo