Sumário
I - A arguição (autónoma) de nulidade do acórdão proferido, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, não tem influência sobre o decurso do prazo de interposição de recurso de revista, não o suspendendo ou interrompendo.
II - Pretendendo a parte interpor recurso de revista contra o dito acórdão do Tribunal da Relação, incumbia-lhe a obrigação processual de fazer incluir no âmbito das suas alegações de recurso a arguição de nulidade prevista nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, conforme expressamente resulta do disposto no número 4 da mesma disposição legal, se entendesse que a decisão recorrida dela efectivamente enfermava.
III – O que não fez, levando ao conhecimento da arguição de nulidade através de acórdão proferido em Conferência, que a indeferiu, e, consequentemente, à preclusão do seu direito ao recurso.
IV – Assim sendo, a presente interposição do presente recurso de revista é manifestamente intempestiva por ter dado entrada em juízo muito depois do decurso de prazo de quinze dias (trata-se de um processo urgente) previsto para o efeito no artigo 638º, nº 1, do Código de Processo Civil, contado desde a notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Março de 2023.
Decisão Texto Integral
Conferência na reclamação nº 734/22.9T8GMR.G1-A.S1
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível).
Foi proferida a seguinte decisão singular quanto à reclamação apresentada pela PGTEX EUROPA UNIPESSOAL, LDA., nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 30 de Março de 2023, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela insolvente PGTEX EUROPA UNIPESSOAL, LDA., confirmando a decisão recorrida.
Veio a insolvente PGTEX EUROPA UNIPESSOAL, LDA., arguir a nulidade do mesmo acórdão nos seguintes termos:
1º - A recorrente vem, nos termos do disposto nos artigos 666º, 615º, 1, d) do CPC, arguir a nulidade do douto acórdão proferido nestes autos, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Desde logo,
2º - Nas conclusões do recurso, a recorrente invocou, além do mais, o seguinte:
“ 8º - Por isso, entende a recorrente que é hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo
9º - Ora, como resulta do Plano de Recuperação da recorrente, esta obriga-se a pagar os créditos da Segurança Social em prestações mensais e sucessivas por período não superior ao legalmente previsto.
10º - De facto, no Plano da recorrente não se contempla qualquer redução do crédito da Segurança Social, nem do capital nem dos juros vencidos e vincendos, mas apenas o seu pagamento faseado, sendo que o número de prestações previstas no Plano da ora recorrente não ultrapassa o permitido pelo artº 81º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011 no âmbito da regularização de dívidas à Segurança Social (ou seja, as 150 prestações mensais e sucessivas).
11º - O Plano da recorrente cumpre pois objetivamente o disposto no artº 191º do CRCSPSS (Código Contributivo), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/5, pois no que concerne ao diferimento das prestações das dívidas à segurança social, o Código Contributivo (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social) prevê um tratamento bem mais favorável, em termos de condicionantes, ao contribuinte/devedor do que o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – cfr. artºs 189º, 190º e 203º, do Código Contributivo e artºs 196º, 197º 198º e 199º, do CPPT.
12º - Além disso, as condições de autorização do pagamento em prestações das dívidas da segurança social pressupõem que ‘sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações: a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização; (redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio)’ – artº 190º, nº2, al. a) do Cód. Contributivo.
13º - Logo, conforme o próprio Código Contributivo prevê, uma das situações em que se justifica um diferimento das prestações devidas à segurança social é precisamente o da pendência de processo de revitalização sobre o devedor e estando em causa a necessidade de viabilidade económica do mesmo, como sucede in casu. …
16º - No caso sub judice não está em causa nem a extinção nem a redução do crédito da segurança social, visto que se mantém o seu pagamento na totalidade.
17º - Tão pouco a dívida da segurança social é objeto de tratamento desigual, menos favorável que os outros credores.
18º - Pelo exposto, entende a recorrente que o Plano de Recuperação não viola qualquer norma imperativa (ou de outra natureza) do regime de regularização de dívidas à Segurança Social e, como tal, o mesmo deve ser declarado também eficaz em relação ao ISS,IP.
19º - Ao assim não decidir, a douta sentença recorrida fez uma interpretação desconforme o disposto nas normas supracitadas.”
3º - Ora, por um lado, o douto acórdão não se pronuncia sobre a alegada violação pela sentença da 1ª instância do disposto no artigo 81º do Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 (in Diário da República n.º 1/2011, 1º Suplemento, Série I de 2011-01-03 que procede à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro) no âmbito da regularização de dividas à Segurança Social.
4º - Pois como a recorrente invoca na conclusão 10ª, “no Plano da recorrente não se contempla qualquer redução do crédito da Segurança Social, nem do capital nem dos juros vencidos e vincendos, mas apenas o seu pagamento faseado, sendo que o número de prestações previstas no Plano da ora recorrente não ultrapassa o permitido pelo artº 81º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011 no âmbito da regularização de dívidas à Segurança Social (ou seja, as 150 prestações mensais e sucessivas).”
5ª – Por outro lado, o douto acórdão não faz qualquer referência ao disposto nos artigos 190º, 1 e 2 alínea a) e 191º do Código Contributivo (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro) na redação que lhe foi dada pela Lei nº 20/2012 de 14/05.
6ª – Permanecendo sem resposta o vertido na conclusão 11ª do recurso, quando a recorrente conclui que “11º - O Plano da recorrente cumpre pois objetivamente o disposto no artº 191º do CRCSPSS (Código Contributivo), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/5, pois no que concerne ao diferimento das prestações das dívidas à segurança social, o Código Contributivo (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social) prevê um tratamento bem mais favorável, em termos de condicionantes, ao contribuinte/devedor do que o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – cfr. artºs 189º, 190º e 203º, do Código Contributivo e artºs 196º, 197º 198º e 199º, do CPPT.
7ª – Permanecendo igualmente sem resposta o vertido na conclusão 12ª do recurso, quando conclui que “as condições de autorização do pagamento em prestações das dívidas da segurança social pressupõem que ‘sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações: a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização; (redação dada pela Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio)’ – artº 190º, nº2, al. a) do Cód. Contributivo.
8º - Como a recorrente teve oportunidade de alegar em sede de recurso, “é hoje ponto assente não ser possível, contra a vontade do Estado (ou da Segurança Social), reduzir ou extinguir créditos tributários ou da Segurança Social, ou conceder moratória mediante o pagamento em prestações
9º - que se prolonguem por período superior ao previsto no Código Contributivo” – cfr. conclusão 8ª.
10º - E, de facto, se tivermos em conta o plano de recuperação da recorrente apresentado em 11-07-22 (referencia 13266285), no que respeita aos créditos do Instituto da Segurança Social, a recorrente obriga-se, além do mais, a pagar a dívida à Segurança Social nos termos previstos nas citadas normas legais, ou seja, “em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da sentença que homologue o plano de revitalização”, mais se comprometendo a pagar-lhe “os juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades públicas”.
11º - A recorrente entende pois que o Plano de Recuperação apresentado cumpre e respeita na integra o disposto nos artigos 81º do Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 (in Diário da República n.º 1/2011, 1º Suplemento, Série I de 2011-01-03 que procede à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro) no âmbito da regularização de dividas à Segurança Social e o previsto nos artigos 190º, 1, 2 alínea a) e 191º do CRCSPSS (Código Contributivo), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2012, de 14/5.
12º - E por cumprir e respeitar tais disposições legais, entende a recorrente que a 1ª instância devia considerar que o Plano de Recuperação é eficaz também em relação ao ISS.IP
13º - Por assim não o ter decidido, a recorrente recorreu para este Venerando Tribunal que, na nossa modesta opinião, não se pronunciou sobre estas questões concretas, não obstante a recorrente as ter invocado no recurso.
14º - O que acarreta a nulidade do douto acórdão nos termos do disposto no artigo 615º, 1, d), aplicável por força do estatuído no artigo 666º, todos do CPC, nulidade esta que aqui se invoca para os todos os efeitos legais.
Seguidamente, foi proferido acórdão, em Conferência de 25 de Maio de 2023, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que indeferiu a referida arguição de nulidade.
Veio, então, a mesma insolvente interpor recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 30 de Março de 2023, concluindo do seguinte modo:
1º - O plano de recuperação da recorrente no qual se obriga a pagar a dívida reconhecida à Segurança Social em 150 (cento e cinquenta) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da sentença que homologue o plano de revitalização,
2 – Obrigando-se ainda ao pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades públicas;
3 – Não viola qualquer norma imperativa, nomeadamente não se traduz numa violação do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, não sendo impeditiva a extensão de tal plano aos citados créditos, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, em oposição com o perfilhado pelo Acórdão fundamento, ambos da Relação de Guimarães - vejam-se, também, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 18/10/2011 e de 06/03/2012, in www.dgsi.pt.
4 – Com efeito, o pagamento da divida da Segurança Social em 150 prestações, ao abrigo de um plano de recuperação validamente homologado, não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no artigo 30.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
5 – O aditamento de um n.º 3 ao artigo 30.º da LGT, pela Lei 55-A/2010 de 31/12 que estabelece que o disposto no n.º 2 prevalece sobre qualquer legislação especial, não põe em causa aquele raciocínio, nem do mesmo se extrai que o legislador tenha querido, por esta forma, declarar ineficaz aquele plano em relação aos créditos da segurança social;
6 - Assim, o plano de recuperação da recorrente que inclui o pagamento da divida à segurança social em 150 prestações vincula-a (como vincula os demais credores), ainda que, para o efeito, não tenha dado o seu acordo, não constituindo este facto razão bastante para o considerar ineficaz em relação a si próprio, até porque a Autoridade Tributária (outro credor estatal) votou a favor do plano;
7 - Apesar de o n.º 2 do artigo 30.º da LGT determinar que o crédito tributário é indisponível, é a própria norma que admite a possibilidade da sua redução ou extinção e, portanto, tal indisponibilidade não é absoluta, não resultando da citada norma que o crédito não possa, em circunstância alguma, ser objeto de redução, extinção ou pago em prestações.
8 - A indisponibilidade do crédito tributário, a que alude esta norma, bem como o artigo 36.º do mesmo diploma, significa apenas que a administração tributária não pode dispor livremente deste crédito e, portanto, ao contrário do que acontece com qualquer outro credor, não pode, em qualquer caso e por sua livre iniciativa, perdoar, reduzir ou alterar os créditos tributários.
9 - Isso não significa, contudo, que esses créditos não possam ser objeto de perdão, redução, moratória ou qualquer alteração. Significa, apenas que estes atos estão sujeitos aos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
10 - Ora, uma moratória, o perdão ou a redução de créditos no âmbito de um plano de recuperação ou insolvência validamente aprovado pelos credores, não correspondendo a qualquer violação do princípio da legalidade tributária, também não viola o princípio da igualdade, porquanto este princípio pressupõe um tratamento igual para o que é igual e um tratamento desigual para o que é desigual, sendo que o legislador consagrou um tratamento diferenciado para os insolventes/recuperados, através do regime que instituiu com o CIRE, impondo, designadamente, aos credores, a sua vinculação a um plano de recuperação/insolvência, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o perdão ou redução dos respetivos créditos que conste desse plano.
11 - Ao ficar vinculada a esse plano, a Segurança Social apenas fica submetida ao regime especial que o legislador impôs à generalidade dos credores sempre que está em causa uma empresa em recuperação, sem que tal importe uma qualquer violação dos princípios da legalidade tributária e da igualdade.
12 - O Acórdão recorrido fez, assim, uma interpretação desconforme com as regras previstas para os credores públicos – Estado e Segurança Social – nomeadamente o regime específico de regularização de dívidas à segurança social estabelecido no DL n.º 411/91 de 17/10; no Código Contributivo e no artigo 81º do Decreto-Regulamentar nº 1-A/2011, além das citadas normas da Lei Geral Tributária.
13 – Finalmente, ao manter-se o Acórdão recorrido, mantendo-se o Plano da recorrente ineficaz em relação aos créditos da Segurança Social, este entendimento viola o objetivo fundamental que subjaz ao PER, que é o de possibilitar a recuperação económica do devedor/recorrente, cuja finalidade ficaria seriamente comprometida se a Segurança Social pudesse continuar a exigir coercitivamente os seus créditos, bem como o facto de não ser permitido ao intérprete distinguir onde o legislador não procedeu a qualquer distinção, contra as regras fundamentais da interpretação das leis contidas no artº 9º, nºs 1 a 3, do CC, sem um mínimo de ressonância na letra da lei.
Foi proferido pelo Juiz Desembargador relator despacho de não admissão do recurso de revista nos seguintes termos:
“Em 30 de março p.p. foi prolatado acórdão que conheceu da apelação interposta pelo recorrente.
O referido acórdão foi notificado no dia seguinte.
Em 13 de abril de 2023, através do requerimento com a referência citius 45289177, a insolvente veio arguir a nulidade do acórdão, sem que haja interposto recurso do mesmo.
Em 25 de maio de 2023 foi prolatado acórdão, notificado no dia seguinte, que deliberou considerar inverificada a arguida nulidade.
Em 12 de junho p.p. a insolvente apresentou interpôs recurso de revista através de requerimento com a referência citius 45830533.
Feitas as legais notificações, incluindo a do Ministério Público, ninguém se pronunciou.
Foi cumprido o disposto no artº 655 ex vi artº 679º do CPC. Decidindo:
Nos termos do artº 677º, do CPC, que consagra o regime aplicável à interposição e expedição da revista, “Nos casos previstos no artigo 673º e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias.”
Desta forma, não tendo sido interposto recurso do acórdão prolatado em 30 de março (a arguição de nulidade do mesmo não teve efeito interruptivo do prazo), é extemporâneo (artº 6º do Código Civil) o recurso apresentado pela insolvente, que ainda beneficia de apoio judiciário.
Por outro lado, não está aqui em causa qualquer pedido de reforma do acórdão, mas antes arguição de nulidade. A reforma apenas é possível nos casos previstos no artº 616º, do CPC, nos quais não se integra a alegada nulidade, prevista no artº 615º do mesmo diploma. Aliás, o próprio artigo 666º, nº2, do CPC, estabelece claramente distinção entre reforma e arguição de nulidade: “A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade (…).”
Assim, por extemporaneidade, não admito o recurso interposto.”
Reclamou o recorrente ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, concluindo nos seguintes termos:
1º - Salvo o devido respeito por diferente opinião, andou mal o Tribunal da Relação ao decidir que não tendo sido interposto recurso do acórdão prolatado em 30 de Março (a arguição de nulidade do mesmo não teve efeito interruptivo do prazo), é extemporâneo (artº 6º do Código Civil) o recurso apresentado pela insolvente.
2º - De facto, o conceito de trânsito em julgado resulta expressamente do atual art.º 628º CPC (ex- artigo 677.º do CPC), devendo ter-se em conta as possibilidades de reclamação que assistem às partes e, só ultrapassadas estas, se poderia considerar o trânsito em julgado.
3º - Este entendimento está previsto na lei, ao dispor que se considera transitada em julgado a decisão logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 666º, 615º, 1 d) do CPC.
4º - Por outro lado, atento o disposto no art.º 615.º, n.º4 do CPC, as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 do citado artigo só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário.
5º - Tendo, pois, arguida a nulidade do Acórdão proferido a 30 de março perante o tribunal que proferiu tal douta decisão, tem como efeito seguro integrar a figura da reclamação, que, por sua vez e atento o mencionado art.º 628.º, afasta o trânsito em julgado de tal Acórdão.
6º - Pelo exposto, é entendimento da recorrente que a lei abre a possibilidade de reclamação; refere que esta afasta o trânsito e não se pode considerar o mérito desta mesma reclamação para, retroativamente, considerar o trânsito independentemente dela.
7º - Ao não entender assim, o despacho reclamado incorreu numa clara e evidente insegurança jurídica, causando natural desconfiança nos destinatários do Direito e frustrando a satisfação de um alto clamor de justiça.
8º - Com efeito, destinando-se o transito em julgado a definir o caso julgado, para garantir a segurança jurídica, mal se compreenderia que a formação do caso julgado pudesse resultar de uma interpretação retroativa do mesmo.
9º - Consequentemente, a não admissão do recurso da recorrente viola, claramente, o disposto no artigo 20º da CRP, por se tratar de interpretação ofensiva dos comandos constitucionais aqui previstos, nomeadamente o direito de acesso aos tribunais consagrado em tal norma constitucional, por se entender que tal interpretação proibirá ou impedirá o acesso da recorrente a todos os meios de recurso para fazer valer a sua posição.
10ª – Posição esta que se cinge a uma questão fundamental de direito, que é a de apurar se o diferimento de pagamento de créditos da Segurança Social, num plano prestacional, se traduz numa violação não negligenciável do princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais, impeditiva da extensão de tal plano aos citados créditos.
11º - Questão esta que tem sido alvo de jurisprudência contraditória nos tribunais superiores (cfr. acórdão-fundamento identificado nas alegações de recurso; Acórdãos da Relação de Guimarães de 18/10/2011 e de 06/03/2012, in www.dgsi.pt.) e o recente Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de julho de 2023, proferido no âmbito do processo 11886/22.8T8LSB.I.1-1, disponível em www.dgsi.pt.
12ª - Resulta, pois, que, ao não ter admitido o recurso interposto, o douto despacho reclamado e a sua douta interpretação nele constante, proíbe ou impede o acesso da recorrente a todos os meios de recurso para fazer valer a sua posição, que, como se demonstrou, é partilhada por vários outros Acórdãos dos Tribunais da Relação.
13º - Acresce que, é notório que a recorrente vem arguir de nulo o acórdão da Relação, na medida em que a Relação não se terá pronunciado sobre questões cujo conhecimento se imporia, nos termos do nº 1, alínea d) do artigo 615º CPC - cfr. requerimento referencia 227262 de 13-04-2023;
14º - Ora, ao ter sido praticada a nulidade de omissão de pronúncia (como alegado) verifica-se que a mesma ocorreu na Relação que proferiu o Acórdão, pelo que seria ali a sede adequada para o levantamento da questão, conforme estatui o artigo 641.º do Código de Processo Civil.
15º - De outro modo, se não tivesse ocorrido a reclamação atempada da nulidade, só o vindo a recorrente fazê-lo neste Supremo Tribunal de Justiça, sempre a alegada nulidade se teria de considerar-se sanada porque extemporaneamente alegada.
16º - A acrescer às considerações tecidas e a reforçá-las dir-se-á que à mesma conclusão se chegaria atentando no artigo 197º do Código de Processo Civil.
17º - Termos em que o recurso de revista da recorrente apresentado pelo requerimento de 12 de junho, referencia 230750 deve ser admitido, por tempestivo.
18º - Consequentemente, deve ser revogada a decisão reclamada, por violação do disposto nos artigos 14º, 1, CIRE; 629º, 2, d) CPC; 677º CPC, 6º CPC, 616º CPC, 666º CPC, 628º CPC, 615º, 4 CPC, 197º CPC e 20º CRP.
Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil:
Não assiste razão à reclamante.
A interposição do presente recurso de revista é manifestamente intempestiva por ter dado entrada em juízo muito depois do decurso de prazo de quinze dias (trata-se de um processo urgente) previsto para o efeito no artigo 638º, nº 1, do Código de Processo Civil, contado desde a notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Março de 2023.
A arguição (autónoma) de nulidade do acórdão proferido, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, nenhuma influência tem sobre o decurso do prazo de interposição de recurso de revista, não o suspendendo ou interrompendo.
De resto, pretendendo a parte interpor recurso de revista contra o dito acórdão do Tribunal da Relação, incumbia-lhe a obrigação processual de fazer incluir no âmbito das suas alegações de recurso a arguição de nulidade prevista nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, conforme expressamente resulta do disposto no número 4 da mesma disposição legal, se entendesse que a decisão recorrida dela efectivamente enfermava.
O que não fez, levando ao conhecimento da arguição de nulidade através de acórdão proferido em Conferência, que a indeferiu, e, consequentemente, à preclusão do seu direito ao recurso.
(Sobre esta matéria vide, com toda a clarividência, Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a páginas 36 a 37 e José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, Almedina 2022, 3ª edição, a páginas 19 e 20).
Esta interpretação perfilhada na decisão reclamada é única juridicamente admissível, não colocando em crise qualquer princípio ou preceito de natureza constitucional, como é óbvio, não se compreendendo sequer a invocação da violação do princípio da segurança jurídica e a avocação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
A ora reclamante apenas não seguiu as disposições processuais aplicáveis, que lhe competia conhecer, e que lhe permitiriam, se o fizesse, recorrer tempestivamente do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em causa.
Desatende-se, portanto, a reclamação.”.
Reclamou o recorrente para a Conferência com os seguintes fundamentos:
1º- Requerendo que sobre a matéria do despacho de rejeição do recurso, recaia um acórdão.
2º - Dando-se aqui por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais, todo o conteúdo da reclamação inicial e alegações que instruíram tal reclamação.
Acrescenta-se, entretanto, o seguinte:
4º - Na douta decisão singular que indeferiu a Reclamação invoca-se, além do mais, o seguinte:
A arguição (autónoma) de nulidade do acórdão proferido, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, nenhuma influência tem sobre o decurso do prazo de interposição de recurso de revista, não o suspendendo ou interrompendo.
De resto, pretendendo a parte interpor recurso de revista contra o dito acórdão do Tribunal da Relação, incumbia-lhe a obrigação processual de fazer incluir no âmbito das suas alegações de recurso a arguição de nulidade prevista nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, conforme expressamente resulta do disposto no número 4 da mesma disposição legal, se entendesse que a decisão recorrida dela efectivamente enfermava.
O que não fez, levando ao conhecimento da arguição de nulidade através de acórdão proferido em Conferência, que a indeferiu, e, consequentemente, à preclusão do seu direito ao recurso
5º - Ora, salvo o devido respeito por diferente opinião, parece-nos que a douta decisão singular não teve em linha de conta o facto de que o recurso de revista que a recorrente interpôs para o STJ foi ao abrigo do disposto nos artigos 14º, 1º, CIRE e 629º, nº 2 alínea d) do CPC, por se entender que o Acórdão proferido pela Relação nestes autos está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-10-2011, proferido no âmbito do processo 5036/10.0TBBRG.J.G1, já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (cfr. cópia do Acórdão junto aos autos com nota de trânsito).
6º - Mais uma vez com o devido respeito por opinião contrária, estava legalmente vedado à recorrente a possibilidade de invocar a nulidade do Acórdão da Relação de Guimarães nas suas alegações naquela Revista para o Supremo, pois este recurso visava apenas a contradição de acórdãos das Relações.
7º - Aliás, o Acórdão da Relação confirmou a decisão proferida na 1ª instância, o que, por força da dupla conforme – cfr. nº 3 do artigo 671º CPC - impedia legalmente a recorrente de interpor recurso de revista para o STJ.
8º - Estando, pois, vedado legalmente à recorrente interpor o recurso “normal” de revista dada a dupla conforme e sendo o recurso “excecional” nos artigos 14º, 1º, CIRE e 629º, nº 2 alínea d) do CPC limitado à contradição de acórdãos, parece-nos que só perante a Relação podia a recorrente invocar a nulidade do acórdão, como fez.
9º - Dito de outro modo, se a recorrente incorporasse nas alegações da revista a questão da nulidade do acórdão da Relação, tal não seria atendido por falta de fundamento legal, pois que, como se disse, o recurso interposto ao abrigo dos artigos 14º, 1, CIRE e 629º, nº 2 d) CPC, é circunscrito e limitado legalmente à única questão da oposição de acórdãos.
10º - Parece-nos assim que só perante a Relação é que a recorrente podia legalmente, como fez, levantar a nulidade do acórdão, com a consequente suspensão ou interrupção do prazo de interposição de recurso de revista que interpôs ao abrigo dos citados artigos 14º, 1, CIRE e 629º, nº 2 d) CPC.
Apreciando do mérito da reclamação:
Não assiste obviamente razão ao reclamante.
Independentemente do fundamento da interposição do recurso (artigo 14º, nº 1, do CIRE e artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil), o recorrente encontrava-se, em qualquer circunstância, obrigado a cumprir o prazo legalmente fixado para o exercício desse seu acto processual (quinze dias após a sua notificação do acórdão recorrido).
No caso concreto, em vez de arguir a nulidade processual no âmbito do seu recurso de revista, conforme a lei expressamente determina (artigo 617º, nº 1, do Código de Processo Civi), optou (ilegalmente) por fazê-lo a dois tempos.
Assim e por este motivo, quando finalmente apresentou o seu requerimento de interposição do recurso de revisto já havia expirado indiscutivelmente o prazo legal destinado para o efeito.
Daí a incompreensibilidade das razões aduzidas em sentido contrário, face à elementar simplicidade e ao carácter inequívoco da apreciação desta questão jurídica (o requerimento de interposição de recurso entrou em juízo fora do prazo legal, não podendo consequentemente a revista ser admitida).
Mais se refira não ser igualmente entendível, salvo o devido respeito, a afirmação produzida na presente reclamação no sentido de que “se a recorrente incorporasse nas alegações da revista a questão da nulidade do acórdão da Relação, tal não seria atendido por falta de fundamento legal, pois que, como se disse, o recurso interposto ao abrigo dos artigos 14º, 1, CIRE e 629º, nº 2 d) CPC, é circunscrito e limitado legalmente à única questão da oposição de acórdãos”.
Atendendo ao requisito de admissibilidade da revista consistente na oposição de julgados previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE, poderia naturalmente a recorrente proceder, na mesma peça processual, à demonstração da oposição de julgados; à arguição de nulidade do acórdão recorrido nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; e à impugnação, no plano substantivo, a ratio decidendi daquele, como sucede, sem problema algum, na generalidade das situações do género.
Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que desatendeu a admissibilidade do recurso de revista por interposto intempestivamente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2023.
Luís Espírito Santo (Relator)
Rui Gonçalves
António Barateiro Martins
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.