Sumário
I - Os pressupostos do art. 278 nº3 do CPC que permitem que, reconhecendo e declarando-se a procedência de uma exceção dilatória, o tribunal possa abster-se de declarar a absolvição da instância e conhecer do mérito, exigem que este conhecimento de mérito seja integralmente favorável à parte que beneficiaria da absolvição da instância.
II - Os requisitos do art. 278 nº3 do CPC não autorizam que o tribunal, tendo declarado e reconhecido a ineptidão da petição inicial, venha a absolver apenas parcialmente o réu do pedido.
III - Acionando o art. 278 nº3 do CPC e fundamentando a decisão recorrida a razão pela qual, reconhecendo e declarando a existência de exceção dilatória, procedeu ao conhecimento do mérito da causa, o não constar no dispositivo a absolvição da instância não constitui nulidade por omissão de pronúncia ou por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615 nº1 al. c) e d) do CPC.
IV - Se a parte a quem a decisão foi desfavorável não interpôs recurso da que reconhecendo e declarando a existência de ineptidão da petição inicial, conheceu do mérito da causa e não absolveu da instância, deve julgar-se transitada em julgado a decisão que declarou a ineptidão da petição inicial e permitir-se que, por recurso, aquele que seria absolvido da instância venha obter os efeitos dessa declaração (por não verificação dos pressupostos do art. 278 nº3 do CPC)
Decisão Texto Integral
Relatório
Na ação declarativa comum que AA intentou contra BB o autor pediu a condenação do réu a
- reconhecer-se que entre A. e R. foi celebrado um contrato de empreitada, na modalidade empreitada de consumo, para a execução dos trabalhos constantes do orçamento nº 0928-2, datado de 24.09.2015;
- ser condenado a proceder à reparação de todos os defeitos existentes no prédio do A., e que são os supra elencados e identificados do parecer técnico, nos termos constantes deste, dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza dos defeitos, assim procedendo à conclusão dos trabalhos em respeito pelas regras da arte;
- ser condenado a pagar todos os custos inerentes à reparação das patologias existentes no prédio do A., incluindo materiais e mão de obra, orçamentados em € 42.976,54;
- ser condenado a pagar indemnização ao A. pelos danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), ao abrigo do artigo 496º do CC;
- ser condenado a pagar ao A. juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
- ser condenado no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Alegou que acordou com o réu que este efetuaria trabalhos de construção civil em imóvel de que é proprietário, tendo esses trabalhos sido deficientemente executados e que em virtude do ocorrido sente apatia e desmotivação.
O réu contestou arguindo a exceção de ineptidão da petição inicial, a exceção de ilegitimidade ativa e a caducidade do direito que o A. pretende exercer; mais impugnou que não foram contratados trabalhos de impermeabilização, mas tão só os orçamentados, sendo que no decurso da execução dos mesmos o A. foi alertado para a necessidade de impermeabilização, o que foi protelando.
Instruídos os autos foi proferida sentença que condenou o réu a
- proceder (no prazo de 60 dias após o trânsito da sentença) à reparação de todos os defeitos existentes no prédio elencados nos factos provados e no relatório pericial;
- a pagar ao A. € 1 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros civis a contar da data da sentença até pagamento;
- absolveu o R. do demais peticionado.
O réu interpôs recurso de apelação que veio a ser julgado parcialmente procedente e que revogou a sentença e procedente a verificação da exceção de caducidade relativamente aos defeitos invocados pelo A., salvo os que se reportam ao enferrujamento dos elementos metálicos das fachadas, absolvendo-se o R. do pedido no que à reparação e indemnização dos e pelos primeiros diz respeito.
- Quanto à condenação do R. a indemnizar o A. por danos de natureza não patrimonial, reduziu esta à quantia de € 250, 00, acrescida de juros de mora contabilizados da presente data
d) absolveu A. e R. dos pedidos de condenação enquanto litigantes de má-fé.
… …
O autor interpôs recurso de revista concluindo que:
“ 1. A caducidade (do direito ou da ação) pode genericamente definir-se, como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente (v.g. a morte), faz desencadear a extinção do direito. Cfr. Ac. STJ de 06.04.2017, relatado pelo Conselheiro António da Silva Gonçalves, in www.dgsi.pt.
2. No caso vertente, foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada (artigo 1207º do CC), o qual se caracteriza: a) pela existência da obrigação de uma das partes proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho que executa com autonomia em relação ao credor; b) que esse resultado se traduza na realização de uma obra em coisa imóvel ou móvel corpórea; c) que tenha como contrapartida um preço, e cujo objetivo último consistia na consecução de um resultado: a pintura das fachadas da moradia do aqui Recorrente, com material que impermeabilizasse/vedasse as mesmas.
3. O Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação qualificaram - e bem -, o contrato de empreitada celebrado entre Recorrente e Recorrido como uma empreitada de consumo, regulada pelo DL nº 67/2003, de 08 de abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25.05.1999 (regime da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas).
4. No que respeita ao exercício dos direitos por parte do consumidor, no âmbito da empreitada de consumo, se se tratar de bem imóvel, a lei contempla 3 (três) tipos de prazos:
d) O prazo de denúncia dos defeitos é de 1 (um) ano, a contar da data em que tiver sido detetado o defeito - cfr. artigo 1225º, nº 2 do CC e artigo 5º-A, nº 2 do DL nº 67/2003;
e) O prazo de exercício judicial do direito é de 3 (três) anos, a contar da denúncia (atempada) dos defeitos (cfr. artigo 5º-A, nº 3 do referido DL nº 67/2003).
f) O prazo da garantia legal de conformidade é de 5 (cinco) anos a contar da entrega do imóvel (cfr. artigo 1225º, nº 1 do CC e artigo 5º, nº 1 do DL nº 67/2003). Trata-se de um prazo de manifestação de defeitos, e não de exercício de direitos.
5. Daqui resulta, conforme entende Cura Mariano, que, nas relações de consumo, após o dia de entrega da obra, o prazo máximo para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor é de 9 anos para os bens imóveis (5 anos + 1 ano + 3 anos). Trata-se de um sistema de múltiplos prazos de caducidade:
prazo para a deteção do defeito, prazo da denúncia da desconformidade, e prazo para o exercício dos direitos.
6. Incumbindo ao empreiteiro o ónus da prova do decurso do prazo de exercício dos direitos do dono da obra.
7. Por seu turno, os prazos de indemnizatório ou de eliminação dos defeitos a que se refere o artigo 1225º, nº 2 do CC, suspendem-se enquanto perdurarem as operações de reparação; se o defeito não for eliminado, há um segundo incumprimento defeituoso, ao qual se devem aplicar as regras do primeiro, designadamente, as respeitantes aos prazos, ou seja, aqueles previstos artigo 1225º, nº 2 do CC.
8. No caso vertente:
- o ora Recorrente detetou os defeitos em Maio de 2017 e em 12 de Junho de 2017 denunciou os mesmos ao Recorrido (sendo que tinha 1 ano para o fazer - artigo 5º-A, nº 2 do DL nº 67/2003);
- no Outono/Inverno de 2018/2019, aqueles defeitos denunciados foram-se agravando, tendo ainda surgido outros, que o Recorrente denunciou na notificação judicial avulsa em Fevereiro de 2019 (sendo que tinha 1 ano para o fazer);
- mais tarde (Dezembro de 2019/Janeiro de 2020), os mesmos defeitos inicialmente denunciados agravaram-se, alastrando-se a todas as fachadas do prédio do Recorrente, pelo que este já não tinha que os denunciar ao Recorrido;
- dos Factos dados como Provados 13 a 20, resultam as concretas medidas tomadas e as efetivas intervenções realizadas pelo Recorrido na moradia do aqui Recorrente;
- a presente ação foi intentada em 27.11.2020.
9. Constitui um impedimento da caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (artigo 331º, nº 2 do CC).
10. Entende Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 4.ª ed, p. 92, que “… podem ocorrer dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, que é o mais vulgar e que se analisa num mero “ato demonstrativo da perceção dos defeitos da obra”, e outro, menos vulgar, que é o da “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”.
11. Segundo o citado autor, a um e outro desses reconhecimentos há que atribuir efeitos diferentes:
- no artigo 1220º, nº 2 do CC é ao primeiro dos sentidos que o legislador se refere, fazendo-o equivaler à denúncia dos defeitos. Este reconhecimento, diz Cura Mariano, na citada obra, “que pode ser tácito ou expresso, pode ser feito perante o dono da obra ou perante terceiro (…) apenas liberta o dono da obra de efetuar a denúncia dos defeitos, mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respetivos direitos dentro dos prazos referidos nos artigos 1224º e 1225º CC”.
- ao segundo, que é e o da “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”, há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que este, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro - e ainda que este não pratique os atos equivalentes à realização do direito, por exemplo, eliminando os defeitos ou entregando obra nova - não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos - quando, porventura, o não houvesse ainda feito -, como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da ação para fazer valer os seus direitos.
12. No primeiro reconhecimento, se o vendedor/fornecedor/prestador admitir a falta de conformidade, de forma expressa ou tácita, o prazo de caducidade deixa de correr, podendo o direito ser exercido pelo seu consumidor após o seu termo.
13. Para Cura Mariano, perante um reconhecimento inequívoco (segundo reconhecimento), ainda que, porventura, não seguido de uma realização equivalente, “não há razão nenhuma para manter a proteção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efetuado”. Este outro mais extenso ato de reconhecimento “não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário”.
14. Neste mesmo sentido, se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, Coimbra, em anotação ao artigo 331º: “O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade:
reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida” (citando Vaz Serra, “Prescrição e Caducidade”, BMJ n.º 118). E continuam: «O que pode acontecer é que a lei sujeite o exercício do direito a um novo prazo de caducidade (cfr. por exemplo, os artigos 916º e 917º)
Quando tal não se verifique, o direito reconhecido passará a ficar subordinado às regras da prescrição, se se tratar de um direito prescritível”.
15. E Vaz Serra sustenta igualmente esse entendimento na RLJ (Ano 107º nº 3515, pag. 20 e ss.): “Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte, não tem o efeito e inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática de ato sujeito a caducidade. Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro ato sujeito a caducidade […]. O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da ação judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade […] O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o ato sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma ação judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a ação no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito.”
16. Citando-se Aníbal de Castro no Acórdão do STJ de 03.11.2009, proc. 4073/04.9TBMAI.P1, relatado pelo Conselheiro Salazar Casanova, in www.dgsi.pt), que “o impedimento corresponde à efetivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso”.
17. Conforme tem sido decidido de forma quase uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, e de que é exemplo o acórdão de 8 de março de 2008, em www.dgsi.pt, a “ (...) proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade.
18. Sufragando-se no Ac. TRG de 23.06.2016, relatado pelo Desembargador João Diogo Rodrigues “8. O reconhecimento do defeito pelo empreiteiro, com a concretização de iniciativas sérias para o solucionar, deve ser havido também como impeditivo da caducidade do direito de ação do dono de obra.”
19. Sendo que, o referido quanto ao regime normal de empreitadas é de igual forma aplicável às empreitadas que se encontram sob o regime especial de consumo, posto que as normas especiais dos diplomas a este inerente (DL 67/2003, de 08/04 e 84/2008, de 21/05) não derrogam, por forma alguma, tal princípio.
20. Aquilo que liberta o empreiteiro da caducidade associada à ação de responsabilização tendente à afirmação dos direitos do dono de obra, é o reconhecimento desses mesmos direitos por aquele - o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem o mesmo deva ser exercido, impede a caducidade (artigo 331º, nº 2 do CC).
21. Mas este reconhecimento, não tem de ter exatamente o mesmo valor do ato que deveria ser praticado em seu lugar, como defende alguma doutrina - e se perfilha no acórdão recorrido -, que assume nesta matéria uma interpretação absolutamente restritiva do aludido preceito; designadamente, quando se trate de uma ação judicial a intentar, exigindo que esse reconhecimento equivalha aos exatos termos da sentença que naquela deva ser proferida.
22. Se assim fosse, como refere Pedro Romano Martinez, “as situações de impedimento da caducidade seriam diminutas; verificar-se-iam, por exemplo, para dispensar a denúncia, como expressamente dispõe o art.º 1220.º, nº 2”. Mas mais importante que a questão literal é o facto de aquela interpretação restritiva levar a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito. Ora, a jurisprudência já tem considerado que não há impedimento da caducidade do prazo de garantia quando a vendedora reconheceu que o material fornecido tinha defeito, mostrando-se disposta a contribuir, em proporção a estabelecer, ou quando o empreiteiro, reconhecendo as deficiências da obra, prometeu repará-las, ou ainda quando o vendedor disse que reparava a coisa e até ofereceu cinquenta mil escudos ao comprador para este fazer a reparação por sua conta. Admitir em tais casos a impunidade do faltoso, mediante uma interpretação restritiva do n.º 2 do art.º 331.º não parece aceitável. Até porque perante as promessas daquele que cumpriu defeituosamente, é natural que o credor não recorra, de imediato, às vias judiciais”.
23. E conclui o mesmo Professor: “Dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, com promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do nº 2 do art.º 331º, e permite evitar que se considerem válidas situações violadoras do princípio da boa-fé, designadamente da regra do venire contra factum proprium. Contudo, não é qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como reconhecimento. Por exemplo, o facto de se requerer uma peritagem não é indício de que se tenha admitido a existência do vício. O procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta defeituoso”.
24. Isto porque, o reconhecimento de um direito envolve sempre, nalguma medida, a confissão do mesmo pelo respetivo devedor e, simultaneamente, a renúncia à faculdade de se prevalecer dos factos suscetíveis de o extinguirem.
Supõe, em suma, a vontade de cumprir. Daí que esse reconhecimento, embora não esteja sujeito a qualquer formalidade, deve, ainda assim, ser inequívoco, mesmo que expresso de forma tácita.
25. No caso presente, da conduta do recorrido, pode deduzir-se com total segurança, que o mesmo reconheceu o direito do recorrente à eliminação dos defeitos na obra que realizou para o mesmo: em primeiro lugar, entre Junho e Julho de 2017, deslocou-se três vezes ao prédio do Recorrente, para aquilatar de eventuais defeitos dos materiais aplicados e para apurar a origem dos defeitos, sendo que, nas duas ultimas deslocações, foi acompanhado dos fornecedores de tintas e resinas, manifestando sempre promessas de resolução do problema; depois, aplicou silicone nas juntas dos remates dos peitoris dos terraços da moradia; e ainda, no dia 25 de Outubro de 2017, realizou nova intervenção na obra, desta feita, procedendo ao recorte de parte do revestimento da fachada na varanda das traseiras do prédio, com vista a determinar (e comprovar) a origem das patologias, sendo que, para o efeito, utilizou um andaime seu, tendo-o deixado, até aos dias de hoje, na casa do Apelante – sinais inequívocos, portanto, de que o Recorrido reconheceu o direito do Recorrente à eliminação de tais defeitos; tendo ainda criado no Recorrente a convicção de que iria realizar tal reparação.
26. É verdade que, os referidos remédios não surtiram qualquer efeito e que, na sequência das subsequentes interpelações do ora recorrente, o recorrido acabou por não tomar qualquer outra iniciativa para eliminar, de vez, todos os defeitos da obra. Mas essa sua inércia/recusa, não tem por consequência abrir um novo prazo de caducidade. Como escreveu Vaz Serra, o reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, “não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida”.
27. Assim, não se pode considerar que por força das referidas intervenções efetuadas pelo Recorrido no prédio do Apelante (deslocações realizadas em junho e julho de 2017, colocação posterior de silicone, recorte de parte do revestimento em 25 de outubro de 2017), os prazos de eliminação dos defeitos foram-se suspendendo enquanto perduraram as operações de reparação, e como o defeito não foi eliminado, ocorreu um segundo incumprimento defeituoso, ao qual se aplicariam as regras do primeiro, designadamente as respeitantes aos prazos (artigo 1225º, nº 2 do CC).
28. Na verdade, tendo havido, como houve, da parte do ora Recorrido, reconhecimento dos invocados defeitos - reconhecimento esse traduzido em trabalhos de reparação que não deu por concluídos e na convicção que criou no ora Recorrente que iria resolver o problema, e, por isso, para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220º, nº 2 do CC), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da ação destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos: neste sentido: Ac. do STJ de 08.3.2007, proc. 372/07 – 7ª secção (Alberto Sobrinho), Ac. do STJ de 09.12.2008, proc. n.º 3507/08 – 1ª secção (Moreira Alves), Ac. do STJ de 19.03.2009, proc. 09A0334 (Fonseca Ramos), Ac. do STJ de 28.04.2009, proc. n.º 3604/08 e 08B3604 – 7ª secção (Maria dos Prazeres Beleza), Ac. do STJ de 14.05.2009, nº 1905/04.5TBGDM.S1. – 6ª secção (Sousa Leite).
29. E mais recentemente, o Ac. STJ de 09.07.2015, relatado pelo Conselheiro Paulo Sá, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
“I - Emerge do art. 331.º, n.º 2, do CC, que, estando em causa direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade.
II - Se o empreiteiro realizou trabalhos de reparação de uma obra, que não foram dados por concluídos, tal equivale a reconhecer os defeitos da construção, reconhecimento esse que além de equivaler à denúncia dos defeitos – art. 1220.º, n.º 2, do CC –, tem o efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da ação destinada à eliminação dos defeitos.
III - A partir desse reconhecimento dos defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos a que alude o art. 309.º do CC.”
30. In casu, não se pode aceitar que houve um momento a partir do qual o Recorrido deixou de reconhecer o direito do ora recorrente, a ver reparados os defeitos, para que devesse contar-se novo prazo de caducidade. É ao recorrido que cabia provar que houve um momento determinado a partir do qual deixou de assumir que procederia à reparação dos defeitos invocados, o que não fez. 31. Impondo-se concluir inequivocamente que, quanto a tais defeitos, a partir desse reconhecimento, não correria novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição – 20 anos (artigo 309º do CC).
32. Pelo que, não se conforma o aqui recorrente com a interpretação restritiva do artigo 331º, nº 2 do CC efetuada no acórdão recorrido, devendo este normativo legal ser interpretado nos termos da jurisprudência e doutrina supra mencionadas, e, consequentemente, reconhecido o direito, a caducidade ficou definitivamente impedida, libertando o Apelante do respeito pelo prazo de propositura da ação para fazer valer os seus direitos.
33. Sem prescindir, e caso assim se não entenda, analisando-se a parte da fundamentação jurídica do acórdão em crise, que que concerne à contagem do prazo de caducidade, conclui-se que:
a) Foi dado como assente - considerando, aliás, o Facto dado como provado 20 (A 25 de Outubro de 2017, o R. realizou nova intervenção na obra, desta feita, procedendo ao recorte de parte do revestimento da fachada na varanda das traseiras do prédio, com vista a determinar (e comprovar) a origem das daquelas situações, sendo que para o efeito utilizou um andaime seu, tendo-o deixado, até aos dias de hoje, na casa do autor), facto esse não impugnado pelo Recorrente em sede recursiva -, que o último ato suscetível de demonstrar que o Recorrido reconheceu o direito do Recorrente à reparação dos defeitos, ocorreu em 25 de Outubro de 2017.
b) Frustrando-se uma tentativa de eliminação dos defeitos, verifica-se um segundo incumprimento defeituoso, ao qual se devem aplicar as regras do primeiro, designadamente, as respeitantes aos prazos.
c) A partir de 25.10.2017, iniciou-se um novo prazo de caducidade de 3 anos, o qual terminou em 25.10.2020, pelo que, à data da propositura da ação - 27.11.2020 -, o direito do Recorrente à reparação dos defeitos da pintura das fachadas, caducou.
d) Restando apenas os defeitos novos, denunciados na notificação judicial avulsa de 4 de fevereiro de 2019, respeitantes ao enferrujamento dos elementos metálicos da fachada (gradeamentos, porta e portão metálicos), relativamente aos quais não se verifica a exceção de caducidade do direito à ação.
34. O Tribunal recorrido fez completa tábua rasa das denominadas “LEIS COVID”, designadamente, a especialíssima legislação - Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, cujo artigo 7º, nº 3 da Lei 1-A/2020 de 19 de Março estabeleceu que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.” e no nº 4 que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.” Este artigo foi revogado pela Lei 16/2020 de 29 de maio, sendo que a suspensão dos prazos operou entre 9 de Março e 3 de Junho de 2020.
35. Devido ao agravamento da situação epidemiológica, os prazos de prescrição e caducidade vieram a ser, uma vez mais, suspensos através da Lei nº 4-B/2021 de 1 de fevereiro, sobretudo no seu artigo 6º-B, nº 3, onde refere que “São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos”, revogado, posteriormente, pela Lei nº 13-B/2021 de 5 de abril.
Com efeito, os prazos foram suspensos de 1 de fevereiro a 5 de abril de 2021.
36. O Prof. Marco Carvalho Gonçalves in “Atos Processuais e Prazos no âmbito da pandemia da doença Covid-19”, defende que - “a situação excecional constituía igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade que fossem relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, isto é, aos prazos de prescrição e de caducidade que dissessem respeito ao exercício de direitos em juízo. É o que sucedia, por exemplo, com o prazo de caducidade de 30 dias para a dedução de embargos de terceiro, com o prazo de prescrição de três anos, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ou com o prazo de um ano para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização no âmbito da empreitada”, mais entendendo que, por força da adoção do regime excecional que a lei determina, a contagem dos prazos de prescrição e caducidade ficou suspensa nos períodos referidos, e são prolongados pelo mesmo período em que vigorou a exceção.
37. No mesmo sentido, o Código Civil prevê a suspensão dos prazos de caducidade, no seu artigo 328º, referindo que - “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”.
38. A situação sanitária de extrema excecionalidade justificou a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, os quais vigoraram, respetivamente, entre 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de Abril de 2021, cfr. artigos 6º-A, 7º, 10º e 11º da Lei nº 16/2020, de 29 de Maio, e 6º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril), aplicando-se a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores.
Veja-se, a tal propósito, o Ac. TRL de 05.04.2022, relatado pelo Desembargador Paulo Barreto, in www.dgs.pt.
39. Por conseguinte, no caso vertente, deve considerar-se o período referente à primeira suspensão dos prazos de prescrição e caducidade (entre 9 de março e 3 de junho de 2020, no total de 86 dias) - Lei 1-A/2020 de 19 de março.
40. E, assim, a contagem do prazo de caducidade deve ser a seguinte:
- A partir de 25.10.2017, iniciou-se um novo prazo de caducidade de 3 anos, o qual se suspendeu entre 9 de março e 3 de junho de 2020, retomando em 4 de junho de 2020, e que terminou em 19.01.2021, pelo que, à data da propositura da ação - 27.11.2020 -, o direito do Recorrente à reparação dos defeitos da pintura das fachadas, ainda não havia caducado.
41. Devendo, pois, improceder a invocada exceção perentória da caducidade do direito do autor a propor a ação em discussão, mantendo-se a decisão prolatada pela 1ª instância.
42. Resultando do supra expendido que o direito de ação judiciária não caducou quanto a todos os defeitos denunciados pelo ora recorrente, deve manter-se o decidido pelo Tribunal de 1ª instância no que tange aos danos não patrimoniais.
43. Atentos os Factos Provados 27 e 28, não impugnados pelo aqui Recorrido em sede recursiva, a quantia fixada a título de compensação (€ 1.000,00), que foi apurada com base na equidade, corresponde a um montante justo, equilibrado e significativo, que nada tem de exagerado.
44. Como se pode ler no Ac. TRP de 15.05.2018, relatado pelo Desembargador Fernando Samões, in www.dgsi.pt “III - A compensação pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, aludidas no art.º 494.º do Código Civil, e considerando que não deve ser miserabilista, mas significativa, a fim de responder actualizadamente ao comando do art.º 496.º do mesmo Código e constituir uma efetiva possibilidade compensatória.”
45. Sendo jurisprudência dominante deste STJ, que na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito - assim Acórdão do STJ, processo nº 77/09.3TBSVC.L1.S1, de 09-09-2014 (a lei permite a compensação por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil contratual - cfr. Acórdão do STJ, processo n.º 03B420, de 15-05-2003).
46. A esta quantia (€ 1.000,00), deverá acrescer juros civis de mora a contar da data da sentença prolatada pela 1ª instância (visto que se trata de montantes atualizados) e até efetivo e integral pagamento – artigos 559º e 805º do CC, na interpretação dada pelo AUJ nº 4/2002.
47. O Julgador do Acórdão recorrido não procedeu a uma correta interpretação e aplicação do direito, tendo efetuado uma análise redutora e ligeira, quer dos factos, quer do direito aplicável, pelo que foram violados na sentença recorrida, entre outros, os seguintes normativos legais: artigos 328º e 331º, nº 2 do CC e o artigo 7º, nº 3 da Lei 1-A/2020 de 19 de março.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, concedendo-se revista ao aqui Recorrente, e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e repristinar-se a sentença proferida em 1ª instância.
… …
O réu interpôs recurso subordinado concluindo que:
“I. O presente recurso tem como objeto a matéria de Direito do Acórdão proferido na parte em que decidiu manter a condenação do Réu (ora Recorrente subordinado), operada em primeira instância, a reparar os «defeitos» não abrangidos pela exceção perentória de caducidade.
II. Na presente data, juntamente com a sua resposta ao recurso principal interposto, o Réu (ora recorrente subordinado) requereu a ampliação do objeto do recurso designadamente de forma a ver apreciados os fundamentos que invocou quanto à forma como considera dever proceder-se à contagem do prazo de caducidade em causa nos presentes autos, prevenindo o risco de uma eventual procedência do recurso principal.
III. Assim, por uma questão de clareza, adianta-se, em síntese, que:
a) O Réu (ora recorrente subordinado) considera que se verifica, efetivamente, a exceção de caducidade quanto a parte substancial dos «defeitos» (i. e., empolamento da tinta na fachada) em causa nos presentes autos;
b) Entende, porém, que a contagem do prazo de caducidade deveria ter sido feita nos moldes indicados em sede de ampliação do âmbito do recurso (e não como o fez o Tribunal da Relação do Porto), ainda que para tal se mostre necessário mandar proceder à reapreciação da matéria de facto que o Réu (ora recorrente subordinado) impugnou em sede de apelação e que o Tribunal da Relação do Porto não reapreciou por entender que tal consubstanciaria a prática de um ato inútil;
c) Considera, ainda, que, verifique-se ou não essa caducidade, sempre subsistirá a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial (conforme 13/18 ao que entendeu o Tribunal da Relação do Porto e que o Autor [Recorrido subordinado] não impugnou)
d) Contudo, conforme ao que sustenta no presente recurso subordinado que apresenta, considera, o Réu (ora recorrente subordinado), que, mantendo-se a decisão de procedência da exceção de caducidade quanto às aludidas patologias (i. e., empolamento da tinta na fachada), seja qual for o dies a quo da contagem do prazo de caducidade, deveria o Tribunal da Relação do Porto ter decidido pela absolvição do Réu (ora Recorrente subordinado) da instância quanto às restantes patologias (i. e., enferrujamento dos elementos metálicos), por via da já verificada exceção dilatória de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial;
e) Caso assim não se entendesse, considera, por último, o Réu (ora recorrente subordinado), conforme ao que sustenta no presente recurso subordinado, que, uma vez que a decisão definitiva que o Tribunal da Relação do Porto privilegiou não se mostra integralmente favorável ao Réu (ora recorrente subordinado), deve prevalecer a verificada exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial.
IV. Com efeito, o Autor (ora recorrido subordinado) intentou a presente ação no dia 27/11/2022, requerendo cumulativamente que o Réu (ora recorrente subordinado) fosse condenado a proceder à reparação de todos os defeitos surgidos na sua moradia (alínea b) do pedido) e a pagar os custos inerentes à reparação desses mesmos defeitos (com base num orçamento que apresentou) (alínea c) do pedido).
V. Para o efeito, o Autor (ora recorrido subordinado), alegou que, na sequência de uns trabalhos de revestimento e pintura executados pelo Réu (ora recorrente subordinado), surgiram várias patologias no seu prédio, entre as quais, o empolamento da tinta na fachada dessa moradia, que aquele (Autor) detetou em Maio de 2017 e comunicou a este (Réu) em 05/07/2017 (cf. atual ponto 14 da matéria de facto), tendo, este (Réu), em 12/07/2017, visitado a obra para avaliar o seu estado (cf. atual ponto 15 da matéria de facto).
VI. O Réu (ora recorrente subordinado) contestou essa ação, invocando a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial, por entender que os pedidos formulados pelo Autor (ora Recorrido subordinado) estão, entre si, numa relação de incompatibilidade substancial (cf. artigo 186.º, n.º 2, alínea c), do CPC), exceção essa que, apesar de julgada improcedente em primeira instância, o Tribunal da Relação do Porto entendeu verificar-se.
VII. O Autor (ora recorrido subordinado) não impugnou, nessa parte, o Acórdão recorrido.
VIII. O Réu (ora recorrente subordinado), na sua contestação, invocou, ainda, a exceção de caducidade do direito de ação do Autor (ora Recorrido subordinado) quanto àquelas específicas patologias (cf. artigo 5.º-A, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril), por entender que na data de entrada da petição inicial (27/11/2020), já havia decorrido mais de 3 anos desde as datas em que o Autor (ora Recorrido subordinado) comunicara essas patologias ao Réu (ora Recorrente subordinado) (5 de Junho de 2017) e em que este as visualizara no local (12 de Junho de 2017), exceção essa que, apesar de também julgada improcedente em primeira instância, o Tribunal da Relação do Porto acabou, por entender, também, verificar-se.
IX. Contudo, apesar de considerar verificar-se a aludida exceção de nulidade, o Tribunal da Relação do Porto, em cumprimento do dever de gestão processual e conjugando-o com a norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPC, privilegiou a decisão da causa através da apreciação da exceção de caducidade, uma vez que tal permitiria uma solução definitiva do litígio ao contrário do que sucederia com a nulidade do processo, conducente à mera absolvição da instância.
X. De facto, a aplicação da norma do artigo 278.º, n.º 3, do CPC tem como pressuposto que a decisão definitiva ou de mérito seja favorável à parte que seria beneficiada pela extinção formal da instância.
XI. Acontece que, uma vez que a decisão que resulta da procedência da exceção de caducidade apenas incide sobre uma parte, embora substancial, das anomalias em causa (i. e., o aludido empolamento da tinta na fachada), o Tribunal da Relação do Porto entendeu que, quanto às restantes anomalias, «não se verificando a exceção de caducidade do direito por à data da propositura da ação não ter decorrido o prazo legal, deve[ria] ser mantida a condenação operada em primeira instância».
XII. Entende, porém, o Réu (ora Recorrente subordinado) que, devendo ser mantida a decisão que resulta da procedência da exceção de caducidade quanto à parte dos «defeitos» a que se reporta, deverá, no que respeita aos demais «defeitos», ser proferida decisão no sentido da absolvição da instância.
XIII. Isto porque, em face da insusceptibilidade de sanação da exceção de nulidade e da impossibilidade de decidir que decorre da existência de pedidos que o Tribunal da Relação do Porto considerou incompatíveis (e agora em face da inércia do Autor [ora Recorrido subordinado] na impugnação dessa matéria), não se mostra[ria] possível, quanto àqueles demais «defeitos», proferir decisão no sentido de manter a condenação do Réu (ora Recorrente subordinado) operada em primeira instância.
XIV. Aliás, resultando da fundamentação do Acórdão recorrido que o Tribunal da Relação do Porto considerou verificada a ineptidão da petição inicial, sem suscetibilidade de sanação e irremediavelmente conducente à absolvição da instância (o que é reforçado no respetivo sumário), crê-se que a decisão de manter a condenação da primeira instância quanto à parte dos «defeitos» não abrangida pela exceção de caducidade se mostra contraditória.
XV. Pelo exposto, ao decidir, como decidiu – i. e., mantendo a condenação da primeira instância quanto à parte dos «defeitos» não abrangida pela exceção de caducidade, apesar de ter julgado verificada a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial – , o Tribunal da Relação do Porto violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, 186.º, n.º 2, alínea c), 278.º, n.º 3, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que, privilegiando-se, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC, a decisão definitiva da causa por via da procedência de exceção perentória (tal como a de caducidade), deverá, quanto à parte da decisão não afetada por essa exceção perentória, subsistir a exceção dilatória verificada, com a consequente absolvição da instância nessa parte, particularmente se se tratar de exceção (insuprível) de nulidade por ineptidão da petição inicial.
XVI. Assim, no caso vertente, mantendo-se a decisão de procedência da exceção de caducidade quanto às aludidas patologias (i. e., empolamento da tinta na fachada), deve decidir-se pela absolvição do Réu (ora recorrente subordinado) da instância quanto às restantes patologias (i. e., enferrujamento dos elementos metálicos), por via da já verificada exceção dilatória de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.
XVII. Considera, ainda, o Réu (ora recorrente subordinado) que, pelos mesmos motivos, o Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, nulidade essa que ora se deixa arguida para todos os efeitos legais.
XVIII. Subsidiariamente, entende o Réu (ora Recorrido) que o Tribunal da Relação do Porto deveria ter decidido, sem mais, pela procedência (integral) da exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial, absolvendo-o da instância, uma vez que, em face da verificação de uma exceção dilatória, a absolvição da instância apenas não tem lugar, de acordo com a interpretação que se crê correta do artigo 278.º, n.º 3, do CPC, quando a decisão definitiva ou de mérito que deva privilegiar-se seja (deva ser) integralmente favorável à parte que beneficiaria daquela exceção dilatória, o que não sucede no caso vertente em que a decisão definitiva que o Tribunal da Relação do Porto privilegiou só abrange parte dos «defeitos» em causa nos presentes autos.
XIX. Pelo exposto, ao decidir, como decidiu – i. e., privilegiando uma decisão definitiva que não se mostra integralmente favorável ao Réu (ora Recorrente subordinado) – , o Tribunal da Relação do Porto violou, salvo o devido respeito, o disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que, em face da verificação de uma exceção dilatória, a absolvição da instância apenas não tem lugar quando a decisão definitiva ou de mérito que deva privilegiar-se seja (deva ser) integralmente favorável à parte que beneficiaria daquela exceção dilatória.
XX. Assim, no caso vertente, uma vez que a decisão de procedência da exceção de caducidade não se mostra integralmente favorável por permitir uma decisão definitiva apenas a uma parte dos «defeitos», deve prevalecer, integralmente, a verificada exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial.
Deve revogar-se o Acórdão substituindo-se por outro que, em parte (com a manutenção da decisão de absolvição do pedido por procedência da exceção de caducidade) ou integralmente, nos termos expostos, absolva o Réu.
… …
O réu, nas contra alegações ao recurso do autor (recorrente subordinado) defende a improcedência desse recurso e amplia o âmbito do mesmo concluindo que
“ XIII. Para a eventualidade, contudo, de o recurso ser julgado procedente, na parte em que o Autor (ora Recorrente) procura sustentar uma diferente contagem do prazo de caducidade, por apelo à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, não concorda, porém, o Réu (ora Recorrido) que o dies a quo da contagem do prazo de caducidade, corresponda à data de uma «colocação de silicone» aparentemente entendida como uma tentativa de reparação de defeitos que, no Acórdão recorrido, se ficcionou ter ocorrido em 25/10/2017.
XIV. É que, em face das patologias em causa (i. e., empolamento da tinta das fachadas e descolamento da tela) e do contexto em que ocorre essa intervenção (i. e., numa altura em que o Réu [ora Recorrido] ainda procurava «determinar (e comprovar) a origem daquelas situações», a referida «colocação de silicone» não pode ser entendida – dada, ademais, a sua manifesta exiguidade – como um qualquer ato de reparação,
XV. tanto mais que, após essa «intervenção», o Réu (ora Recorrido) ainda «realizou nova intervenção na obra [...] com vista a determinar (e comprovar) a origem daquelas situações», daí resultando, além do mais, que o Réu (ora Recorrido) não poderia proceder a qualquer reparação ou eliminação de defeitos, cuja causa, que ainda diligenciava por apurar, naturalmente desconhecia.
XVI. Aliás, nenhum facto ou circunstância (particularmente que conste da matéria dada como provada) permite sustentar que aquela «colocação de silicone» visasse reparar as invocadas anomalias – ou, em bom rigor, visasse outra determinada finalidade (posto que nada, a esse respeito, ficou demonstrado) – decorrendo, até, o contrário da sequência dos factos que se encontram provados.
XVII. Assim, encontrando-se provado que o Autor (ora Recorrente) comunicou as patologias ao Réu (ora Recorrido) em 05/06/2017 e que este as visualizou no local da obra em 12/06/2017, não tendo ocorrido nenhuma causa suspensiva, interruptiva ou impeditiva da caducidade, nem tendo sido realizada, pelo Réu (ora Recorrido), qualquer tentativa de reparação das anomalias denunciadas, deveria, o Tribunal da Relação do Porto, ter considerado que o prazo de caducidade se iniciou com a denuncia das patologias em 12/06/2017, terminado em 12/06/2020.
XVIII. E, caso se aplique àquele prazo de caducidade o alargamento de 86 dias correspondentes ao período da suspensão entre 09/03/2020 e 02/06/2020, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, do Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, o mesmo terminaria em 06/09/2020.
XIX. Em qualquer dos casos, quando, em 27/11/2020, o Autor (ora recorrente) interpôs a ação que originou os presentes autos, já os seus direitos (designadamente, o direito à reparação dos defeitos que denunciou) se encontrava caducado.
XX. Pelo exposto, não obstante ter decidido corretamente que o direito do Autor (ora recorrente) se encontrava, efetivamente, caducado à data da propositura da ação, ao considerar, como considerou, porém, que o prazo de caducidade iniciara o seu curso em 25/10/2017 (com uma suposta tentativa de reparação de defeitos), o Tribunal da Relação do Porto violou o disposto nos artigos 328.º, 329.º, 331.º, n.ºs 1 e 2, 1224.º, n.ºs 1 e 2, 1225.º, n.ºs 2 e 3, do CC, e 5.º-A, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, preceitos estes que, no caso vertente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que o prazo de caducidade dos direitos do Autor (ora Recorrente), maxime do direito à reparação dos defeitos que denunciou, se iniciara aquando da denúncia das aludidas patologias, não tendo ocorrido qualquer causa suspensiva, interruptiva ou impeditiva da caducidade, nem qualquer tentativa de reparação, prazo esse cujo termo se verificou, assim, no dia 12/06/2017 ou no dia 06/09/2020.
XXI. Subsidiariamente, se se considerar que os factos provados e não provados confirmam (ou não infirmam suficientemente) que a aludida «colocação de silicone» consubstancia um ato de reparação – considera, porém, o Réu (ora Recorrido) que a reapreciação da matéria de facto requerida no recurso de apelação que interpôs imporia que se concluísse o contrário – i. e., que essa «colocação de silicone» efetivamente não constitui nenhum ato de reparação.
XXII. Com efeito, após ter procedido à reapreciação dos pontos 14, 15 e 21 dos factos dados como provados, o Tribunal da Relação do Porto entendeu que «a demais factualidade posta em crise em nada aproveita à demais discussão da causa», concluindo que «[i]nsistir nesta análise consistiria na prática de ato inútil, como tal não consentido por lei (art.º 130.º do C.P.C.)».
XXIII. Acontece que a alteração da matéria de facto requerida pelo Réu (ora Recorrido), designadamente, quanto ao ponto 19 dos factos provados, quanto às alíneas q), n) e p) dos factos não provados e quanto aos pretendidos aditamentos, seria, salvo melhor entendimento, suscetível de evidenciar que a «colocação de silicone» em causa não integrou qualquer ato de reparação, uma vez que, atribuindo, o Réu (ora Recorrido), as patologias a outras causas que não a má execução dos seus trabalhos, tal intervenção mostrava-se, na sua perspetiva, absolutamente inócua no que a essas patologias refere, daí resultando que, com a mesma, não pretendeu realizar qualquer reparação.
XXIV. Assim, ao considerar que a reapreciação da referida matéria de facto consubstanciaria a prática de um ato inútil, o Tribunal da Relação do Porto violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 130.º, 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, preceitos estes que, no caso vertente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que a reapreciação dos referidos pontos da matéria se impõe(unha) se mostra(va) necessária à boa decisão da causa.
XXV. Considera, ainda, o Réu (ora recorrido) que, pelo mesmo motivo, o Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que ora se deixa arguida para todos os efeitos legais.
XXVI. Como resulta do Acórdão recorrido, ainda que se considerasse não ter ocorrido a caducidade dos direitos do Autor (ora recorrente), sempre subsistiria, como obstáculo
à sua pretensão, a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial, com a consequente absolvição do Réu (ora Recorrido) da instância, que o Tribunal da Relação do Porto entendeu verificar-se e cuja verificação, porém, o Autor (ora recorrente) nem sequer impugnou.
XXVII. Com efeito, apesar de considerar verificar-se a aludida exceção de nulidade, o Tribunal da Relação do Porto, em cumprimento do dever de gestão processual e conjugando-o com a norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPC, privilegiou a decisão da causa através da apreciação da exceção de caducidade, uma vez que tal permitiria uma solução definitiva do litígio ao contrário do que sucederia com a nulidade do processo, conducente à mera absolvição da instância.
XXVIII. De facto, a aplicação da norma do artigo 278.º, n.º 3, do CPC tem como pressuposto que a decisão definitiva ou de mérito seja favorável à parte que seria beneficiada pela extinção formal da instância.
XXIX. Acontece que, uma vez que a decisão que resulta da procedência da exceção de caducidade apenas incide sobre uma parte, embora substancial, das anomalias em causa, o Tribunal da Relação do Porto entendeu que, quanto às restantes anomalias, «não se verificando a exceção de caducidade do direito por à data da propositura da ação não ter decorrido o prazo legal, deve[ria] ser mantida a condenação operada em primeira instância».
XXX. Entende, porém, o Réu (ora Recorrido) que, devendo ser mantida a decisão que resulta da procedência da exceção de caducidade quanto à parte dos «defeitos» a que se reporta, deverá, no que respeita aos demais «defeitos», ser proferida decisão no sentido da absolvição da instância, uma vez que, quanto a estes («defeitos»), não se mostra[ria] possível, em face da insusceptibilidade de sanação da exceção de nulidade (e agora em face da inércia do Autor [ora Recorrente] na impugnação dessa matéria), proferir decisão no sentido de manter a condenação do Réu (ora Recorrido) operada em primeira instância.
XXXI. Ainda que assim não se entendesse, entende o Réu (ora Recorrido) que o Tribunal da Relação do Porto deveria ter decidido, sem mais, pela procedência da exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial, absolvendo-o da instância, uma vez que, em face da verificação de uma exceção dilatória, a absolvição da instância apenas não tem lugar, de acordo com o disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC, quando a decisão definitiva ou de mérito que deva privilegiar-se seja (deva ser) integralmente favorável à parte que beneficiaria daquela exceção dilatória, o que não sucede no caso vertente em que a decisão definitiva que o Tribunal da Relação do Porto privilegiou só abrange parte dos «defeitos» em causa nos presentes autos.
XXXII. Pelo exposto, ao decidir, como decidiu – i. e., mantendo a condenação da primeira instância quanto à parte dos «defeitos» não abrangida pela exceção de caducidade, apesar de ter julgado verificada a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial – , o Tribunal da Relação do Porto violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, 186.º, n.º 2, alínea c), 278.º, n.º 3, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, preceitos estes que, isolada ou conjugadamente, deveriam ter sido interpretados no sentido de que, privilegiando-se, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC, a decisão definitiva da causa por via da procedência de exceção perentória (tal como a de caducidade), deverá, quanto à parte da decisão não afetada por essa exceção perentória, subsistir a exceção dilatória verificada, com a consequente absolvição da instância nessa parte, particularmente se se tratar de exceção (insuprível) de nulidade por ineptidão da petição inicial.
XXXIII. Assim, no caso vertente, mantendo-se a decisão de procedência da exceção de caducidade quanto às aludidas patologias (i. e., empolamento da tinta na fachada), deve decidir-se pela absolvição do Réu (ora recorrente subordinado) da instância quanto às restantes patologias (i. e., enferrujamento dos elementos metálicos), por via da já verificada exceção dilatória de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial.
XXXIV. Considera, ainda, o Réu (ora recorrente subordinado) que, pelos mesmos motivos, o Acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, nulidade essa que ora se deixa arguida para todos os efeitos legais.
XXXV. Subsidiariamente, ao decidir, como decidiu – i. e., privilegiando uma decisão definitiva que não se mostra integralmente favorável ao Réu (ora Recorrente subordinado) – , o Tribunal da Relação do Porto violou, salvo o devido respeito, o disposto no artigo 278.º, n.º 3, do CPC, preceito este que deveria ter sido interpretado no sentido de que, em face da verificação de uma exceção dilatória, a absolvição da instância apenas não tem lugar quando a decisão definitiva ou de mérito que deva privilegiar-se seja (deva ser) integralmente favorável à parte que beneficiaria daquela exceção dilatória.
XXXVI. Assim, no caso vertente, uma vez que a decisão de procedência da exceção de caducidade não se mostra integralmente favorável por permitir uma decisão definitiva apenas a uma parte dos «defeitos», deve prevalecer a verificada exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial.”
XXXVII. Porém, cabendo, nessa parte, segundo se crê apropriado, reagir mediante a interposição de recurso subordinado, o Réu (ora Recorrido), ad cautelam, deixa, no entanto, desde já, consignados os fundamentos da sua discordância quanto a essa parte do Acórdão recorrido, não obstante os expor no recurso subordinado que também interpõe na presente data.
XXXVIII. Por uma questão de perspicuidade, dir-se-á, em síntese, que:
a) O Réu (ora Recorrido) considera que se verifica, efetivamente, a exceção de caducidade quanto a parte substancial dos «defeitos» (i. e., empolamento da tinta na fachada) em causa nos presentes autos;
b) Entende, porém, que a contagem do prazo de caducidade deveria ter sido feita nos moldes supra indicados em sede de ampliação do âmbito do recurso (e não como o fez o Tribunal da Relação do Porto), ainda que para tal se mostre necessário mandar proceder à reapreciação da matéria de facto que o Réu (ora Recorrido) impugnou em sede de apelação e que o Tribunal da Relação do Porto não reapreciou por entender que tal consubstanciaria a prática de um ato inútil;
c) Considera, ainda, que, verifique-se ou não essa caducidade, sempre subsistirá a exceção de nulidade por ineptidão da petição inicial (conforme ao que entendeu o Tribunal da Relação do Porto e que o Autor [Recorrente] não impugnou)
d) Contudo, conforme ao que sustenta no recurso subordinado que apresenta na presente data, considera, o Réu (ora Recorrido), que, mantendo-se a decisão de procedência da exceção de caducidade quanto às aludidas patologias (i. e., empolamento da tinta na fachada), seja qual for o dies a quo da contagem do prazo de caducidade, deveria o Tribunal da Relação do Porto ter decidido pela absolvição do Réu (ora Recorrido) da instância quanto às restantes patologias (i. e., enferrujamento dos elementos metálicos), por via da já verificada exceção dilatória de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial;
e) Caso assim não se entendesse, considera, por último, o Réu (ora Recorrido), conforme ao que subsidiariamente sustenta nesse recurso subordinado, que, uma vez que a decisão definitiva que o Tribunal da Relação do Porto privilegiou não se mostra integralmente favorável ao Réu (ora Recorrido), deverá prevalecer a verificada exceção dilatória de nulidade por ineptidão da petição inicial.”
.. …
O autor (recorrente do recurso principal) apresentou contra alegacões ao recurso subordinado defendendo a sua não admissibilidade e, em caso de ser admissível requer a ampliação do âmbito desse recurso concluindo que não deve ser admitido o recurso subordinado, atenta a verificação de dupla conforme, no que concerne à exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, com as legais consequências;
Deve manter-se o acórdão recorrido no que concerne à não determinação da nulidade por ineptidão da petição inicial, por conhecimento do mérito da causa, por via da exceção perentória da caducidade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 278º, nº 3 do CPC, ainda que, quanto a esta, que integra o dispositivo, e ao dies de contagem do prazo de caducidade, tenha o A. interposto recurso para o STJ.
Caso se entenda que o acórdão recorrido determinou a nulidade por ineptidão da petição inicial, julgar que tal decisão padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPC, nulidades essas que são arguidas nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636º,nº 2 do CPC (ampliação do recurso a requerimento do recorrido), ampliação que se requer, devendo este Venerando STJ suprimir aquele, reformando-o ou reparando-o;
Reconhecer-se que os pedidos b) e c) formulados pelo A. não são substancialmente incompatíveis, pelas razões aduzidas nesta sede recursiva, sendo apta a petição inicial, com as legais consequências.
… …
Cumpre decidir.
… …
Fundamentação
Está provada seguinte matéria de facto
“ 1) O A. é proprietário do seguinte prédio: URBANO – composto por casa destinada à habitação, com 3 pisos, sito na Travessa ..., nº 44, União das freguesias de ... e ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 7958º da União das freguesias de Valadares e ... (antigo artigo 3558ºda extinta freguesia de ...), com o valor patrimonial de € 184.342, 28, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 418/....
2) O autor reside neste imóvel.
3) O R. dedica-se à atividade de reabilitação e pintura de construção civil, com carácter permanente e com intuito lucrativo, girando sob o nome comercial de “ART e ...”.
4) Em inícios de setembro de 2015, com vista a obras de revestimento e pintura exterior do prédio supra identificado, o A. solicitou ao R. um orçamento, tendo-se este deslocado ao imóvel para o efeito, inspecionando e fazendo um levantamento das áreas e zonas a intervir, para que pudesse elaborar o solicitado orçamento.
5) Orçamento esse apresentado/entregue pelo R. ao A., em outubro de 2015, embora datado de 24.09.2015, com nº 0923-2, no valor de € 14.313,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6) O qual foi aceite pelo A., nos termos exatos termos e condições plasmados no mesmo.
7) Os trabalhos a realizar eram os seguintes: - revestimento e pintura exterior das fachadas do prédio com sistema “Armasan” da Viero/Robbialac; - lavagem, preparação, tratamento e pintura das paredes da garagem e muros interiores e exteriores; - lavagem, preparação, lixamento, desengorduramento e puntura de condutores e partes metálicas (grade da janela, postas de gás, portão de fole, guardas muros, portões dos muros, etc); - preparação, raspagem, lixamento, envernizamento e acabamento de madeiras; - tratamento de boquilha e de floreira com silicone líquido da Rubson 2000; Lavar telhado da garagem; - pintura de duas paredes na sala e reparação de teto.
8) Foi o R. que sugeriu a realização dos seguintes trabalhos, todos incluídos no orçamento por si apresentado, e aceite pelo A.: a) aplicação de tela líquida nos bocais de escoamento das águas pluviais do terraço/cobertura e da varanda para impermeabilizar os mesmos, procedendo previamente à sua limpeza e lixamento; b) tapagem da floreira da varanda da fachada poente, através da colocação uma pedra de topo a topo (soleira), a cobrir a mesma, impossibilitando qualquer entrada de água, assim evitando que esta pudesse escorrer para a fachada poente da casa; c) remate das juntas dos cerâmicos no pavimento, quer do terraço/cobertura, quer da varanda; d) aplicação de tela líquida ou material equivalente transparente, quer nos pavimentos do terraço/cobertura, quer na varanda da fachada poente do prédio, incluindo o lambrim, para impermeabilização.
9) Trabalhos esses que, segundo o R., visavam assegurar a estanquicidade do terraço/cobertura e varanda existente a poente, assim evitando infiltrações de água e humidades, que pudessem afetar as fachadas do prédio, os quais foram realizados.
10) A execução dos trabalhos apenas se iniciou em setembro de 2016.
11) As patologias que ocorreram durante a obra foram reparadas até dezembro de 2016. 12) O autor pagou ao réu a totalidade do preço dos trabalhos, sendo que o último pagamento ocorreu em finais do mês de dezembro de 2016.
13) Em maio de 2017, o A. verificou que as fachadas do prédio apresentavam áreas com alguma “tinta empolada”, e a tela aplicada estava a descolar em determinadas zonas.
16) Nessa deslocação ao imóvel, o R. reconheceu a existência daquilo, comunicou ao A. que iria contactar os fornecedores dos materiais aplicados (tintas e telas), para que também eles fossem à obra, para avaliarem se o problema estaria nos materiais utilizados, ou na sua aplicação.
17) Nessa sequência, em 19 de junho de 2017, o R. deslocou-se novamente à obra, acompanhado dos vendedores das tintas e resinas utilizadas, para avaliarem e apurarem se a origem dos problemas estaria na falta de qualidade dos materiais utilizados, ou na sua aplicação.
18) E, a 6-7-2017, o R. foi outra vez à obra, desta feita acompanhado do vendedor de resinas, para se determinar se o problema estaria nos materiais utilizados ou na sua aplicação.
19) Após a realização de tais vistorias, o R. procedeu à colocação de silicone nas juntas dos remates dos peitoris dos terraços.
20) A 25 de Outubro de 2017, o R. realizou nova intervenção na obra, desta feita, procedendo ao recorte de parte do revestimento da fachada na varanda das traseiras do prédio, com vista a determinar (e comprovar) a origem das daquelas situações, sendo que para o efeito utilizou um andaime seu, tendo-o deixado, até aos dias de hoje, na casa do autor.
21) O R., a partir de novembro/dezembro de 2017, passou a dizer que a humidade dos terraços é que causou as anomalias verificadas nas fachadas do prédio e que por isso nada fazia.
22) Com o Outono/Inverno seguinte (2018/2019), aquelas situações agravaram-se com o empolamento mais acentuado do revestimento das fachadas, com danificação da tinta, e com o enferrujamento de vários elementos intervencionados pelo R., designadamente, a nível de gradeamentos e bocais de escoamento de águas pluviais.
23) Sem que nada tivesse sido efetuado, em 4 de fevereiro de 2019, o A. procedeu à notificação judicial avulsa do R., interpelando-o para, no prazo de 15 dias, concluir a obra, executando os trabalhos que se mostrassem necessários.
24) Em resposta, datada de 22 de fevereiro de 2019, o R. remeteu carta registada ao A., onde alegou que os trabalhos tinham sido bem executados e não apresentavam vícios, e que os problemas existentes resultavam de infiltrações.
25) Em dezembro de 2019/janeiro de 2020, aquelas situações agravaram-se, passando a haver empolamento generalizado do revestimento em todas as fachadas do prédio, e maior enferrujamento dos elementos metálicos.
26) A eliminação/reparação das situações descritas no relatório pericial, que aqui se dá por reproduzido, tem custo não inferior a €14.474,46, acrescido de IVA.
27) Tudo isto causou e causa angústia, desespero e nervosismo ao A., o qual se tornou uma pessoa impaciente, em consequência da permanente ansiedade em que vive, aguardando que o R. resolva a situação, o que afeta o estado de espírito do A., que é Médico, causando-lhe desgaste emocional, sensação de frustração e encurralamento, e tendo um impacto significativo no seu funcionamento pessoal e profissional, causando irritabilidade, como prejuízo negativo no relacionamento interpessoal.
28) E um sentimento de impotência e de revolta, que levou ao seu abatimento psicológico, e à consequente necessidade de tomar medicação, designadamente, ansiolíticos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635 n.º 4 e 639 n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do CPC.
O conhecimento das questões a resolver na presente Revista, delimitado pelos recorrentes importa em saber, quanto ao recurso principal do autor, se todas as obras para reparação dos defeitos são devidas por esse direito, quanto a todas, não ter caducado.
Quanto ao recurso subordinado do réu, saber se o mesmo é admissível e, na afirmativa, se deveria ter sido determinada a absolvição da instância do réu parcial, quanto à reparação dos defeitos em que foi condenado ou, subsidiariamente, a absolvição total da instância com revogação da decisão recorrida por ineptidão da petição inicial.
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Apreciando a questão da admissibilidade do recurso subordinado, dispõe o art. 633 nº1 do CPC que se ambas as partes ficarem vencidas cada uma delas pode recorrer da parte que lhe seja desfavorável. E no caso em presença o autor interpôs recurso (principal) na parte em que não obteve vencimento e referente à reparação dos defeitos que a decisão recorrida veio a julgar terem o direito invocado já caducado e, por sua vez, o réu veio interpor recurso (subordinado) na parte em que foi condenado a reparar os defeitos que a decisão recorrida julgou serem devidos, por existir ineptidão da petição inicial.
Tendo a decisão recorrida, no que se refere ao recurso interposto pelo réu do despacho saneador, julgado expressamente verificada a ineptidão da petição inicial e que a sua consequência no caso seria a de absolvição da instância do réu , entendeu que , todavia, ao abrigo do art. 278 nº3 do CPC deveria conhecer do mérito da causa absolver da instância.
Tendo quanto à ineptidão da petição inicial a 1ª instância julgado improcedente a sua invocação e, ao invés tendo decisão recorrida entendido existir essa nulidade, deve concluir-se que quanto a esta matéria, não existe dupla conforme que impeça a admissibilidade da revista (subordinada). E porque a incidência do recurso subordinado assenta na circunstância de não ter sido declarada a absolvição da instância (única parte em que lhe é desfavorável) deve ter-se a revista subordinada por admissível.
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Apreciando agora o mérito dos recursos interpostos, verificamos que em termos lógicos de prioridade, o conhecimento do mérito do recurso subordinado impõe-se ao do principal uma vez que, a decidir-se dever ser declarada a absolvição da instância do réu, decorrente da ineptidão da petição inicial reconhecida na decisão recorrida, tal determina a impossibilidade de se conhecer do mérito da causa, isto é, do conhecimento da caducidade do direito do autor. E só se este recurso (subordinado) for julgado improcedente é que tem sentido e significado útil conhecer-se do principal por a instância se ter declarado isenta de nulidade.
Atendendo às conclusões do recurso subordinado, o seu essencial incide em a decisão recorrida ter julgado como verificada a ineptidão da petição inicial - como o aqui recorrente subordinado e ali único recorrente havia suscitado em recurso interposto do despacho saneador que julgou a aptidão da petição inicial - mas não ter declarado a absolvição da instância considerando que ao abrigo do princípio da gestão processual, deveria conhecer-se da exceção de caducidade (como conheceu).
Como se refere na decisão recorrida “(…) atenta a fase processual em curso, após abundante produção de prova e prolação de sentença, o dever de gestão processual, tal como gizado no art.º 6.º/1 do C.P.C., constrange-nos a defender que a solução da questão deve ser de índole definitiva, tanto mais que os autos reúnem os elementos bastantes para o efeito.
Realça-se o teor do art.º 278.º/3 do C.P.C., segundo o qual, ainda que subsistam as exceções dilatórias, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
“(…) É o que, ao menos em parte substancial, ocorre no caso dos autos, pois que, conforme infra se explanará, verifica-se a exceção de caducidade do direito do A. relativamente ao direito à reparação dos defeitos apontados, com exceção dos consistentes em ferrugens. Embora não esteja propriamente em causa o conhecimento do mérito, mas sim uma exceção perentória de natureza preclusiva, a sua apreciação conduz a uma solução definitiva da causa, ao contrário do que se verifica com a absolvição da instância com fundamento em nulidade. Assim, esta solução de fundo é de privilegiar.”
Resulta do exposto que a decisão recorrida, no que se refere ao recurso interposto pelo réu do despacho saneador, se por um lado julgou verificada a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, por outro não tirou como consequência dessa ineptidão a absolvição da instância, entendendo ser de preferir o conhecimento de uma exceção que conduzia à solução definitiva da causa com a justificação de ser de privilegiar a solução de fundo. Na base deste entendimento está o art. 278 nº3 do CPC prevendo que o julgador, quando confrontado com uma causa de absolvição da instância (obviamente procedente) dever abster-se de a declarar, quando e se, no momento em que a declararia, puder conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Como pressuposto desta possibilidade/obrigação de desconsiderar a absolvição da instância em favor do conhecimento do mérito da causa, por imperativos pragmáticos de aproveitamento e não inutilização do estado do processo, a lei exige que a causa de absolvição da instância se destine a tutelar o interesse de uma das partes e o conhecimento do mérito da causa seja favorável integralmente a essa mesma parte. E isto porque, deste modo, aquele que estava à espera da absolvição da instância em nada sai prejudicado porque obtém ainda maior satisfação com uma decisão que lhe é, em termos finais, total e mais favorável.
No caso em decisão, o exposto traduzir-se-ia em o réu, que havia arguido a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, em vez de alcançar a (sua) absolvição da instância, ser-lhe-ia reconhecida a absolvição do pedido. Acontece que a decisão recorrida não absolveu integralmente o réu do pedido (através da exceção perentória de caducidade) mas apenas o absolveu parcialmente, determinando a sua condenação em parte, o que não preenche o requisito enunciado de o conhecimento de mérito apenas preferir ao da absolvição da instância quando aquele seja integralmente favorável à parte que beneficiaria desta. O que impõe a conclusão de a decisão recorrida não ter cumprido com a exigência legal de o mérito ser integramente favorável.
A decisão recorrida reconhece, aliás, esse pressuposto ao mesmo tempo que expressamente o desacredita, aceitando que só em parte substancial é que a decisão é favorável à parte que aproveitaria da absolvição da instância, julgando a exceção de caducidade do direito do A. apenas quanto à reparação de parte dos defeitos apontados. Porém, o art. 278 nº3 é explícito quanto a não ser a simples possibilidade de conhecer do mérito, quando existe em simultâneo uma causa de absolvição da instância, que autoriza a preferência do primeiro sobre a segunda. É mister que essa preferência se traduza em a parte que dela beneficia obter um efeito jurídico igualmente total (a absolvição total do pedido) mas mais favorável porque definidor do direito.
Em conformidade com o referido fica esclarecido que a decisão recorrida se pronunciou sobre a ineptidão da petição inicial, julgando verificada a sua existência, mas não declarou a sua consequência (a absolvição da instância do réu) porque ao abrigo do art. 278 nº3 do CPC afirmou preenchidos os pressupostos que autorizam a conhecer do mérito. E perante este modo de proceder não pode afirmar-se que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a ineptidão da petição inicial ou, mais ainda, que tenha declarado a sua inexistência pela simples razão de não ter absolvido o réu da instância. A explicação para esta decisão está devidamente fundamentada e, nesse sentido, não existe qualquer nulidade de omissão de pronúncia - do art. 615 nº1 al. d) do CPC - porque a decisão recorrida se pronunciou sobre essa matéria, não havendo necessidade (nem possibilidade) de fazer constar do dispositivo que absolvia da instância precisamente porque justificou a razão de não o fazer (por se seguir o conhecimento do mérito). Por outro lado, não existe qualquer nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615 nº1 al. c) do CPC - porque a coerência da decisão recorrida não merece censura e explica, cuidadosamente, a razão pela qual, reconhecendo a ineptidão da petição inicial (ao invés do que fizera a 1ª instância), não declarou as consequências dessa nulidade, mas prosseguiu para o conhecimento do mérito através da exceção perentória de caducidade.
Sendo o objeto do recurso subordinado, por ser esse o resultado pretendido pelo recorrente, que sejam declarados os efeitos da ineptidão da petição inicial decidida pelo acórdão recorrido e ele absolvido da instância, impõe-se agora, decidir se existindo ineptidão da petição inicial (o que não é discutido no recurso principal nem no subordinado) deveria ter sido declarada a absolvição do réu da instância (o que este reclama no recurso subordinado). Em verdade, o que importa apreciar é se a decisão recorrida declarou (ou não) a ineptidão da petição inicial e, depois, se deveria ter absolvido da instância ou se podia ter passado ao conhecimento do mérito da causa (da exceção perentória de caducidade).
Quanto interpõe recurso subordinado o recorrente está a dirigir o seu protesto a uma decisão que só em parte lhe é desfavorável. O reconhecimento que ele pretendia de existir ineptidão da petição foi-lhe concedido, mas não obteve a consequência que dessa nulidade resultava. Porém, o autor não interpôs recurso contra a decisão que reconheceu a ineptidão da petição inicial, conformando-se com essa decisão, razões para que se tenha por decidido definitivamente que existe ineptidão da petição inicial porque, expressamente,a decisão recorrida declarou essa existência.
Por outro lado, o autor a quem a decisão de declaração da ineptidão da petição inicial foi efetivamente desfavorável não interpôs recurso desta decisão. Em verdade, nas suas alegações de recurso (principal), perante uma decisão recorrida que decidia ser inepta a petição inicial, mas que, poderia acionar-se o disposto no art. 278 nº3 do CPC, o autor recorrente nada referiu sobre a ineptidão, aceitando-a e pugnando apenas por uma diferente contagem do prazo de caducidade relativamente quanto á parte da decisão que fora julgada parcialmente improcedente. Só depois do recurso subordinado em que o réu protestou que os efeitos da ineptidão inicial decidida deveriam ser declarados e não acionado o art. 278 nº3, o autor recorrente veio pretender sob a forma de ampliação do recurso subordinado questionar a decisão de ineptidão. Por este exposto, se podendo e devendo fazê-lo no recurso principal, relativamente a decisão que lhe era desfavorável (o reconhecimento e declaração da ineptidão da petição inicial) o autor não recorreu dessa decisão julgamos que já não poderá vir fazê-lo na forma de ampliação de recurso subordinado no qual é aceite a decisão de ineptidão da petição inicial.
A ampliação do recurso prevista no art. 636 do CPC destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação não considerado na sentença recorrida, quando determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente. Como refere José Lebre de Freitas - in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003) a previsão da ampliação é para os casos de haver pluralidade de fundamentos da ação (causas de pedir) ou da defesa (exceções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação. A ampliação do objeto do recurso não constitui alternativa à necessidade de interposição de recurso (principal ou subordinado) por parte daquele que fique prejudicado com uma decisão judicial, mas, diferentemente, permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinado fundamento por si e não contra si invocado no processo e que tenha sido julgado improcedente: a ampliação do âmbito do recurso destina-se (apenas) a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação ou da defesa não considerado ou julgado desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em diverso fundamento, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido (assim se prevenindo a possibilidade de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo).
Com esta explicação, tendo a decisão recorrida declarado existir ineptidão da petição inicial, mas que os seus efeitos não seriam declarados ao abrigo do art. 278 nº3 do CPC , toda a oposição a esta declaração de ineptidão deveria ser incluída no recurso (principal do autor) e não fez. Não se trata de um fundamento que ele tenha invocado para a procedência do seu pedido e que o julgador não tenha tomado em consideração na decisão que lhe fora favorável. Ao contrário, a ineptidão da petição inicial foi, obviamente, arguida pelo réu e ao ser declarada na decisão recorrida mesmo sem a declaração dos seus efeitos , era passível de ser objeto de recurso (principal ) pelo autor o que este não fez, não podendo em ampliação de recurso subordinado suscitar questões que por lhe serem desfavoráveis deveria ter incluído nas suas alegações de recurso principal.
Como antes dito, a decisão recorrida conheceu do recurso sobre a ineptidão da petição inicial e declarando a existência desta decidiu a questão. A circunstância de não determinar a absolvição da instância não dá o dito por não dito quanto à declaração da ineptidão, apenas pretende assegurar, sem prejuízo para o único que beneficiaria da nulidade (o réu) um resultado mais abrangente em termos de natureza, a absolvição do pedido.
Nesta conformidade, porque a decisão recorrida na parte em que declarou a ineptidão da petição inicial não foi objeto de recurso por aquele a quem essa decisão era desfavorável e porque o recurso subordinado versa apenas sobre a (não ) declaração das consequências dessa ineptidão com o pedido de consequente absolvição da instância, recordando aqui o antes exposto quanto a não se verificarem no caso os requisitos do art. 278 nº3 do CPC, deve julgar-se procedente o recurso subordinado e declarar-se a absolvição da instancia do réu.
E com esta decisão fica prejudicado o conhecimento do recurso principal do autor.
… …
Síntese conclusiva
Os pressupostos do art. 278 nº3 do CPC que permitem que, reconhecendo e declarando-se a procedência de uma exceção dilatória, o tribunal possa abster-se de declarar a absolvição da instância e conhecer do mérito, exigem que este conhecimento de mérito seja integralmente favorável à parte que beneficiaria da absolvição da instância.
- Os requisitos do art. 278 nº3 do CPC não autorizam que o tribunal, tendo declarado e reconhecido a ineptidão da petição inicial, venha a absolver apenas parcialmente o réu do pedido.
- Acionando o art. 278 nº3 do CPC e fundamentando a decisão recorrida a razão pela qual, reconhecendo e declarando a existência de exceção dilatória, procedeu ao conhecimento do mérito da causa, o não constar no dispositivo a absolvição da instância não constitui nulidade por omissão de pronúncia ou por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615 nº1 al. c) e d) do CPC.
- Se a parte a quem a decisão foi desfavorável não interpôs recurso da que reconhecendo e declarando a existência de ineptidão da petição inicial, conheceu do mérito da causa e não absolveu da instância, deve julgar-se transitada em julgado a decisão que declarou a ineptidão da petição inicial e permitir-se que, por recurso, aquele que seria absolvido da instância venha obter os efeitos dessa declaração (por não verificação dos pressupostos do art. 278 nº3 do CPC)
… …
Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar procedente o recurso subordinado do réu e, em consequência, revogar a decisão recorrida declarando a absolvição da instância do réu, por força da declaração de inaptidão de petição inicial.
Julga-se prejudicado o conhecimento do recurso principal do autor.
Custas pelo recorrido.
Lisboa, 14 de setembro de 2023
Relator: Cons. Manuel Capelo
1º Adjunto: Juiz Conselheiro: Dr. Nuno Pinto Oliveira
2º Adjunto: Juiz Conselheiro: Dr. Lino Ribeiro