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Jurisprudência
Sumário

I) A Lei 4-C/2020, de 6 de abril, contém um regime normativo de natureza excepcional que só é directamente aplicável às hipóteses nele expressamente previstas, não sendo aplicável por analogia a hipóteses em que a alteração anormal das circunstâncias conexas com o estado de emergência sanitária da pandemia do Covid-19 não tenha provocado a mora no cumprimento da obrigação do pagamento das rendas vencidas durante o estado de emergência.

II) A constatação da alteração anormal das circunstâncias existentes na data de celebração do contrato, nos termos do artigo 437.º do Código Civil não tem como efeito imediato e automático a cessação dos efeitos do contrato, privilegiando a manutenção da sua vigência mesmo que com eventual modificação das respectivas obrigações.

III) A alteração anormal das circunstâncias só torna possível a resolução ou a modificação equitativa do contrato se a exigência de cumprimento pela parte lesada do programa contratual acordado, não estando coberta pelos riscos próprios do contrato, afetar gravemente os princípios da boa-fé contratual.

IV) Tendo a parte lesada ao seu dispor a possibilidade de diferimento do pagamento das rendas que se vencessem durante o estado de emergência sanitária, sendo este previsivelmente temporário, o equilíbrio contratual e a tutela possível dos interesses patrimoniais da contraparte, justificam que não ofenda os princípios da boa fé contratual a exigência do cumprimento pela arrendatária do regime legal do contrato de arrendamento para fins não habitacionais quanto à observância do período mínimo de vigência do contrato antes da sua denúncia (artigo 1098.º n.º 3 do Código Civil).

V) Não é nessa eventualidade admissível a modificação do regime de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com base na invocação de alteração anormal de circunstâncias associada à pandemia do Covid-19 de forma a tornar possível a eliminação unilateral do período de duração mínima do contrato.

Decisão Texto Integral

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:




I - RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1) IHATIS, SA (anteriormente denominada Tama – Imobiliária, SA) demandou Intellectual – Business Center, Ld.ª, AA e BB, pedindo a sua condenação solidária a pagar-lhe a quantia de € 47.400,00 (quarenta e sete mil e quatrocentos euros), a título de indemnização pelo incumprimento culposo do contrato de arrendamento celebrados entre eles, acrescida de juros legais, contados desde a citação até ao integral pagamento.

Alegou, e em síntese, que entre ela e a primeira ré foi celebrado em 5 de dezembro de 2019, pelo período de dez anos com início em janeiro de 2020, um contrato de arrendamento de uma fração de um imóvel de que era proprietária, destinando-se o arrendamento a fins não habitacionais. Os segundo e terceiro réus intervieram no contrato como fiadores da primeira ré, assegurando o cumprimento das suas obrigações contratuais.

Mais alegou que os réus, em 29 de maio de 2020, denunciaram o contrato de arrendamento a pretexto da emergência sanitária associada ao Covid-19, dispondo-se então a entregar as chaves do locado, o que não foi aceite pela autora sem que lhe fosse pago o valor das rendas vincendas até ao final do primeiro terço da duração prevista para o contrato, no valor de € 47.000,00 (quarenta e sete mil euros), por ser esse o momento a partir do qual poderia, nos termos legais da lei, produzir efeitos a denuncia do contrato, o que os réus não aceitaram.

Não tendo sido posteriormente pagas rendas por mais de três meses consecutivos a autora resolveu o contrato de arrendamento, tendo mais tarde recebido as chaves do locado, mas sem que lhe fossem pagas as rendas devidas cujo pagamento agora peticiona.

2) Os réus contestaram o pedido formulado pela autora pugnando pela sua absolvição do pedido dado que, por efeito da emergência sanitária associada ao Covid-19, se alteraram supervenientemente as circunstâncias em que se fundou a decisão de celebração do contrato de arrendamento, tornando inviável para a ré a prossecução da sua actividade no local arrendado, o que oportunamente comunicou à autora para efeito do disposto no artigo 437.º n.º 1 do Código Civil.

Mais alegam que, tendo o contrato de arrendamento sido denunciado com efeitos imediatos não são devidas as rendas reclamadas.

3) Foi oportunamente realizada a audiência final em primeira instância e depois proferida sentença que, reconhecendo razão aos réus quanto à ocorrência de uma alteração anormal das circunstâncias posterior à celebração do contratoe a aplicação do regime previsto no artigo 437.º do Código Civil, julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

4) Tendo a autora interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de 23 de novembro de 2023, viria a julgar o recurso procedente e revogado a sentença recorrida, condenando os réus a pagar à autora o valor das rendas em dívida até 10 de dezembro de 2021 (data da efectiva entrega das chaves do locado), após dedução do montante de 9.00,00 euros relativo a rendas pagas, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação.


◊ ◊



Parte II – A Revista

5) Inconformados os réus interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões nas respectivas alegações:

“I. O presente Recurso versa sobre a Acórdão de 24/11/2023 (…) do Venerado Tribunal da Relação do Porto, em que decidiu o seguinte: “(…) Provida a apelação revogada a sentença. Condena-se solidariamente os réus no pagamento à autora do valor das rendas em divida, até 10/12/21, após a dedução do montante de 9.000,00 euros, conforme referido em 8. Supra, a que acrescem os juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo pagamento. Custas pelos Recorridos.”

II. Para tal decisão, os subscritores do Acórdão recorrido justificam-se da seguinte forma: “Quanto à questão de saber, se, a recorrente tem direito ao valor das rendas devidas até à data da entrega das chaves do arrendado, por não ter aplicação ao caso o regime do artigo 437º do CC. A alteração superveniente das circunstâncias: Esta questão foi objeto de decisão na revista excecional com acórdão do STJ de 11/05/2023 (CATARINA SERRA) 1455/21.5YLPRT.L1.S1, publicado in DGSI e que aqui seguimos de perto.”;

“(…) Isto posto, a análise do regime não dispensa, por consequência, a convocação da Lei n.º 4-C/2020, de 6.04, que veio estabelecer uma regulamentação excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da crise COVID-19, em especial os artigos 7.º e 8.º. (…) É assim de concluir que a ré arrendatária podia socorrer-se do diferimento do pagamento das rendas nos termos prescritos na legislação COVID, legislação excecional e reguladora das situações anormais emergentes da pandemia, mas não lhe assistia a faculdade de reclamar unilateralmente a aplicação do artigo 437º do CC, que tem caráter subsidiário. e cuja aplicação direta está, aqui, afastada pela vigência dos diplomas legais excecionais referidos.”

III. (…).

IV. A decisão recorrida constitui desde logo uma “decisão surpresa”, violando o princípio do contraditório, nos termos designadamente do n.º 3 do artigo 3.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que a aplicação de legislação especial, em concreto da Lei 4-C/2020, de 6 de abril, não consta do Despacho-Saneador - neste sentido vai designadamente o Venerado Tribunal da Relação do Porto, no douto Acórdão de 02/12/2019, no proc. 14227/19.8T8PRT.P1 em que foi Relatora a Juiz Desembargador Sra. Dra. Eugénia Cunha, cuja transcrição se remete para as presentes alegações por uma questão de economia.

V. Acresce que o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2023, em que foi Relatora a Juiz Conselheira Sr.ª Dr.ª Catarina Serra, no proc. 1455/21.5YLPRT.L1.S1, que o Venerado Tribunal da Relação do Porto segue de perto para tomar a decisão que toma e que se serve de legislação especial, mais concretamente da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, trata de uma situação factualmente distinta do que está em causa nos presentes autos: desde logo, porque neste Acórdão referido trata de uma situação em que existe mora no pagamento das rendas, uma vez que a Ré nesses outros autos “(…) deixou de pagar as rendas, em razão da crise COVID-19, pois que a sua actividade foi afectada pela inexistência de turistas, passando a apresentar prejuízos na sua actividade (…)”; acresce que no referido douto Acórdão do STJ de 11/05/2023, a aí Ré pretendia a modificação do contrato, por redução do valor das rendas, por aplicação do instituto da alteração anormal das circunstâncias, ou seja, não pretendendo qualquer resolução contratual; e a aí Ré usou efetivamente o locado, como pretendia continuar a usar porquanto esses autos foram “distribuídos como acção especial de despejo” por falta de pagamento de rendas em que se pretendia saber: “(…) se a ré tinha direito à modificação do contrato de arrendamento de forma a ficar dispensada do pagamento das rendas ou, pelo contrário, é lícita a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas”.

VI. A questão da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias, tal como previsto no artigo 437.º do Cód. Civil, nada tem a ver com a situação analisada pelo supracitado Acórdão, como defende nomeadamente o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no douto Acórdão de 13/06/2023, no proc. 6680/22.9T8VNG.P1, em que foi relatora a Juíza Desembargadora Sra. Dra. Alexandra Pelayo, que por uma questão de celeridade se remete para as alegações a respetiva transcrição.

VII. No mesmo sentido, veja-se ainda a posição do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no douto Acórdão de 16/02/2023, no proc. 525/21.4T8PRG.G1, em que foi Relatora a Juiz Desembargador Sra. Dra. Maria Amália Santos, cuja transcrição se remete para as alegações por uma questão de economia – refira-se no entanto desde já que a comunicação de resolução /denúncia por alteração anormal das circunstâncias foi validamente efetuada à Recorrida / Autora, por carta datada de 29/05/2020, como infra melhor se demostra.

VIII. A Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, diz respeito a um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, podendo ser aplicada por contraposição designadamente aos artigos 1083.º e 1098.º do Cód. Civil, como decorre da vasta jurisprudência sobre o tema, faculdade esta nunca querida pelos Recorrentes / Autores, até porque até à data da comunicação da Resolução / Denúncia por alteração anormal das circunstâncias tinham as rendas todas em dia: veja-se designadamente o que estipula o artigo 1.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.

IX. Nos presentes autos não se pode aplicar o referido diploma Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, mas sim a aplicação do regime constante do artigo 437.º do Cód. Civil, uma vez que o que sempre se pretendeu pela Recorrente / Ré Intellectual foi proceder à resolução do contrato firmado a 05/12/2019, ou seja, a resolução /denúncia contratual por alteração anormal das circunstâncias, dito por outras palavras: não existe desde logo mora no pagamento das rendas até à data da resolução / denúncia; acresce que os Recorrentes /Réus nunca declararam à Recorrida / Autora pretender usar da faculdade de diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência, mas sim a resolução / denuncia com a consequente extinção pura e simples da obrigação de pagamento das mesmas.

X. Como resulta do douto Despacho-Saneador, já transitado em julgado, um dos objetos do litígio é o seguinte: “b) determinar se, em função da pandemia Covid 19, se alteraram por completo as circunstâncias em que assentava a base negocial do contrato.”

XI. Em consequência, no douto Despacho-Saneador ficou determinado que uma das questões a decidir foi a seguinte: “b) determinar se, em função da pandemia Covid 19, se alteraram por completo as circunstâncias em que assentava a base negocial do contrato.” – questão que coloca o assento na aplicação (ou não) da aplicação do regime de alteração anormal das circunstâncias, como previsto pelos artigos 437.º e ss. do Cód. Civil.

XII. O instituto da alteração anormal das circunstâncias, previsto nos artigos 437.º e ss. do Cód. Civil, exige os seguintes requisitos cumulativos: as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, o facto de terem sofrido uma alteração anormal (excecional / imprevisível); existência de uma parte lesada; e a exigência de que sejam afetados de forma grave os princípios da boa fé; e que que a alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato; a doutrina e a jurisprudência acrescentam um outro requisito (negativo), constante do artigo 438.º do Cód. Civil, a saber: a parte que se encontre em mora no momento da alteração das circunstâncias não pode recorrer a este instituto em relação às prestações que se encontrem em incumprimento moratório – requisitos estes todos acertadamente validados pelo Tribunal a quo, como veremos de seguida.

XIII. Quanto às circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, o facto de terem sofrido uma alteração anormal (excecional / imprevisível): atendendo designadamente aos factos provados 4, 12 e 13, os Recorrentes demostraram plenamente que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, como consequência direta da ocorrência da pandemia Covid 19, como o Tribunal a quo lembra, fez a atividade económica parar, com algumas exceções de fornecimento de bens de primeira necessidade; acresce que no momento da celebração do contrato, a 05/12/2019, nem os contraentes, nem ninguém, pensariam que a atividade económica iria parar como parou, sendo a pandemia de COVID19 paradigmático exemplo de evento inesperado e anormal.

XIV. Neste sentido vão designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2023, em que foi Relatora a Juiz Conselheira Sr.ª Dr.ª Catarina Serra, no proc. 1455/21.5YLPRT.L1.S1, que o Venerado Tribunal da Relação do Porto e ainda o douto Acórdão de 13/06/2023 do Venerado Tribunal da Relação do Porto, , no proc. 6680/22.9T8VNG.P1, em que foi Relatora a Juiz Desembargador Sra. Dra. Alexandra Pelayo, cujas transcrições por mera economia se remetem para as respetivas alegações.

XV. Quanto à existência de uma parte lesada: um dos requisitos constitutivos do direito de um contraente a resolver o contrato por alteração das circunstâncias é que a alteração provoque lesão para uma das partes, ou seja, deve haver uma parte lesada; face à inúmera legislação produzida para mitigar os efeitos da pandemia Covid 19, por uma questão de celeridade e por ser inútil mesmo, remete-se para os diplomas legais, apontamos apenas aqui os seguintes, como bem lembra a douta Sentença: Resolução do Conselho de Ministros n.º 89-A/2020 - Legislação que determina a limitação de circulação entre diferentes concelhos do território continental no período entre as 00h00 de 30 de outubro e as 06h00 de dia 3 de novembro de 2020; como é fácil de concluir, a Recorrente / Ré Intellectual -Business Center, Lda. viu-se impedida, por consequência direta da ocorrência da pandemia Covid 19, bem como das limitações legislativas impostas a toda a população, de desenvolver a sua atividade, desde logo porque as pessoas nem sequer tinham autorização para se deslocarem entre Concelhos, impedindo-a assim de desenvolver a sua atividade, tendo apenas despesas sem qualquer contrapartida.

XVI. Quanto à exigência de que sejam afetados de forma grave os princípios da boa fé: aqui tem-se em vista que o desequilíbrio das prestações provocado pela alteração das circunstâncias seja de tal ordem que o torne contrário à boa fé que a parte beneficiada venha exigir o cumprimento do contrato, pelo que tem de apurar-se se a subsistência do vínculo contratual seria demasiado onerosa para a parte que invoca a alteração da circunstância a ponto de se aceitar a quebra do princípio da estabilidade dos contratos (Pedro Martinez, Da Cessação do Contrato, pág. 154); nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, In “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 2005, 3.ª Edição, Pág. 750: “Quer dizer que é necessário que a alteração das circunstâncias tenha provocado uma perturbação da justiça contratual, uma injustiça, tão grave que nenhuma pessoa de bem, de boa fé, persistiria na exigência do cumprimento, de um modo rígido e sem consideração da injustiça envolvida”; e assim, atendendo designadamente aos factos provados 12 e 13, a alteração das circunstâncias, provocada pela pandemia COVID 19, provocou uma perturbação da justiça contratual, uma injustiça, tão grave que nenhuma pessoa de bem, de boa fé, persistiria na exigência do cumprimento, de um modo rígido e sem consideração da injustiça envolvida, que na verdade só originava recebimento de receita pela Recorrida e o pagamento de despesa pela Recorrente / Autora, sem nenhuma contrapartida.

XVII. Quanto ao facto de a alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato: este requisito exige que a lesão causada pela alteração das circunstâncias não se apresente como coberta pelos riscos próprios do contrato; ora, tendo deixado de existir interesse por parte de potenciais clientes, tendo-se sustado de imediato o negócio projetado pela Recorrente / Ré de sublocação a terceiros, como não ter sido possível contratar e executar obras, que impede também o desenvolvimento da sua atividade, como melhor suprarreferido, deve considerar-se como tendo ultrapassando o círculo dos riscos havidos como normais no contrato; a pandemia por Covid-19 provocou uma quase paralisação da sociedade e da economia, tendo as partes sido vítimas destas circunstâncias; com efeito, o contrato firmado pelas partes 05/12/2019, foi acompanhada de uma completa imprevisibilidade, constituindo assim a Covid-19 um exemplo manifesto de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas ou áreas de influência das partes, e a cujo domínio e controlo escapam absolutamente; tanto assim foi um evento imprevisível, que no momento da celebração do contrato, os contraentes, no âmbito da autonomia privada, poderiam ter antecipado a intervenção judicial, colocando ou fazendo constar do contrato cláusulas de hardship ou de distribuição de risco, em que, não obstante determinadas circunstâncias, as partes assumiriam expressamente um risco, um determinado risco do contrato, questão esta que nem se coloca, uma vez que o evento de pandemia por COVID19 foi tão imprevisível que as partes nem sequer ponderam tais cláusulas.

XVIII. Quanto ao requisito de a parte que se encontre em mora no momento da alteração das circunstâncias de não pode recorrer a este instituto em relação às prestações que se encontrem em incumprimento moratório: como é defendido no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/10/2021, no proc. 2363/20.2T8VLG-A.P1, em que foi Relatora a Juiz Desembargador Sr.ª Dr.ª Ana Lucinda Cabral, “A resolução ou modificação deve ser feita pela parte lesada, antes de se constituir em mora, através de declaração extrajudicial à outra parte”; no caso sub judice, consta do ponto 05 da matéria provada: “Por carta datada de 29/05/2020 e recebida pela destinatária, com o assunto “Denúncia contrato de arrendamento Para fins não habitacionais (…) Por estes motivos, somos obrigados a proceder à denuncia do contrato de arrendamento, produzindo a mesma, efeitos, no prazo de 120 dias a contar da presente data”; ainda, consta do ponto 9 da matéria provada: “Por carta datada de 25/05/2021, e recebida pela destinatária, com o assunto “Resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (…) “Na presente data, V. Ex.ª, na qualidade de arrendatário da sobredita fração, encontra-se em mora no pagamento da renda desde setembro de 2020 (…)”; e ainda ponto 14 da matéria provada: “A R. Intellectual pagou à A. a quantia de €9.000,00 euros, referente a rendas e caução.”; e assim, aquando da resolução / denúncia comunicada a 29/05/2020, as rendas estavam todas pagas, tendo sido pagas ainda as rendas dos quatro meses seguintes; aliás, este é um dos pontos que diverge da situação analisada pelo acórdão do STJ de 11/05/2023 (CATARINA SERRA), proc. 1455/21.5YLPRT.L1.S1 e que o Tribunal recorrido segue de perto.

XIX. Encontram-se preenchidos todos os requisitos para aplicação da alteração anormal das circunstâncias, tal como previsto no artigo 437.º e ss. do Cód. Civil: não existem dúvidas de que a pandemia produziu um estado de coisas que, a existir no momento da celebração do contrato, teria determinado que os Recorrentes / Réus não tivessem celebrado o contrato ou, pelo menos, que o tivessem feito em termos diversos; havendo, deste modo, uma correlação direta, factualmente demonstrada, entre a crise económica geral e restrições existentes e a atividade económica concreta da Recorrente / Ré Intellectual, alteração anormal essa, de tal forma substancial que tornara o contrato celebrado manifestamente lesivo para uma das partes, neste caso para a Recorrente / Ré.

XX. Nos termos do n.º 2 do artigo 437.º do Cód. Civil, a Recorrida / Autora poderia ter optado por: “Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”; não o tendo feito, é de considerar aplica-se como denúncia /revogação do contrato, por alteração anormal das circunstâncias, tal como comunicado por carta datada de 29/05/2020 e recebida pela destinatária, para a data de 29/09/2020, por verificação de todos os requisitos do da resolução constante do n.º 1 do mesmo preceito legal.

XXI. Tendo a Recorrida / Autora, recusado receber as chaves, tal como consta dos factos provados 7 e 8, existe uma mora culposa da credora (em receber as chaves) que só a ela diz respeito e que não mantém o contrato em vigor – cfr. artigo 813.º do Cód. Civil.

XXII. Cessou por isso, e em consequência, a obrigação da Ré/Recorrida Intellectual, pagar rendas a contar de 29/09/2020 como declarado nessa carta de denúncia/revogação do contrato, enviada em 29/05/202 por esta à Autora/Recorrente.

XXIII. E assim sendo, a decisão recorrida, objeto do presente Recurso, não pode manter-se, pois efetuou uma errada aplicação e interpretação da lei, nomeadamente o n.º 3 do artigo 3.º do Cód. Proc. Civil; e ainda dos artigos 437.º a 439.º e 813.º do Cód. Civil; bem como os artigos 1.º e 7.º a 10.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril e, consequentemente, devera proceder o recurso, revogando-se o Acórdão e confirmando-se a douta Sentença, julgando-se assim a ação totalmente improcedente.”

A recorrente termina as suas alegações pedindo, na procedência da revista, a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição dos pedidos formulados.


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6) Os autos não evidenciam que tenha sido apresentada resposta às alegações de revista.

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10) Colhidos que foram os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos importa apreciar e decidir.

Tendo em conta o teor das decisões impugnadas e o das conclusões das alegações do recurso interposto as questões a decidir na presente revista são as seguintes:

Em primeiro lugar a questão da nulidade do acórdão recorrido por violação do princípio do contraditório:

Em segundo lugar, a do mérito do acórdão recorrido ao considerar que aos réus não assistia o direito de invocar a alteração anormal das circunstâncias para resolver o contrato de arrendamento e que, mantendo-se o contrato em vigor a ré estava obrigada ao pagamento das rendas entretanto vencidas até à data da aceitação pela autora das chaves do locado.



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II - FUNDAMENTAÇÃO

Parte I – Os Factos

1) São os seguintes os factos, tal como resultam do decidido pelas instâncias:




a) Factos Provados

1. A autora Ihatis, S. A. (anteriormente denominada Tama – Imobiliária, S. A.) é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, à atividade de arrendamento de imóveis.

2. A autora é proprietária e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente a um escritório comercial localizado no terceiro piso (segundo andar) do prédio urbano com entrada pelos nºs 471 e 495 da Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito junto da Conservatória do Registro Predial de ... sob o nº ...89 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...45.

3. Por escrito com a epígrafe “Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais, de prazo certo, com fiança”, datado de 05/12/2019 e assinado pelo punho dos contraentes (ou seus representantes), e em que surgem como outorgantes 1ª -·IHATIS, S.A. (…) na qualidade de Locadora 2ª- INTELLECTUAL - BUSINESS CENTER, LDA (…) na qualidade de Locatária e 3º - AA (…) e BB (…) na qualidade de Fiadores as partes declararam que “A Locadora é dona e legitima possuidora da fração autónoma” indicada supra no número 2. dos factos provados, “doravante "Locado” e que pretende dar de arrendamento à Locatária, o qual pretende tomar de arrendamento”.

4. Mais acordaram as partes contraentes

“CLÁUSULA PRIMEIRA

1. O prazo deste Contrato é de dez anos, com início a 1 de janeiro de 2020 e termo a 31 de dezembro de 2030, podendo o mesmo ser renovado, por acordo escrito entre Locadora e Locatária, por períodos de cinco anos. (…)

CLÁUSULA SEGUNDA

1. O Locado destina-se a ser usado pela Locatária como escritório comercial, para efeitos de exercido da sua atividade. (…)

CLÁUSULA TERCEIRA

1. A renda mensal correspondente ao arrendamento do Locado é de €1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros), a qual será paga pela Locatária, no primeiro dia útil do mês anterior

2. Sem prejuízo do disposto no número seguinte da presente cláusula, a renda acordada descrita no número anterior desta cláusula será atualizada anualmente de acordo com os coeficientes de atualização fixados anualmente pelo Governo, para os arrendamentos não habitacionais ou com a respetiva legislação que os vier a substituir, sendo a primeira atualização devida (caso os coeficientes sejam positivos para esse ano) no dia 1 de Dezembro de 2020, com referência à renda do mês seguinte (Janeiro de 2021).

3. Durante os primeiros seis anos de vigência do Contrato, a Locadora e a locatária acordam que, da aplicação dos coeficientes de atualização referidos no número anterior desta cláusula ou da legislação que os vier a substituir, não poderá resultar, por referência a cada atualização anual, um incremento no montante do valor da renda mensal devida pela Locatária inferior a €50,00 (cinquenta euros). (…)

6. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores desta cláusula, e devido à necessidade de realização de obras no locado arrendado, objeto do presente Contrato, as quais serão da inteira responsabilidade da Locatária nos termos da Cláusula Quinta infra, a locadora confere à locatária um benefício económico equivalente à atribuição de uma carência no pagamento correspondente a três meses de rendas, nos moldes melhor descritos no número seguinte da presente cláusula.

7. Devido e por força da necessidade de realização das obras aludidas no número anterior desta cláusula, o valor da renda anual correspondente ao arrendamento do Locado, objeto do presente Contrato, é, por referência ao período de janeiro de 2020 a dezembro de 2020, de € 12.000,00 (doze mil euros), a pagar mensalmente em duodécimos de €1.000,00 (…).

8. Não obstante o disposto nos números anteriores, a Locatária paga, nesta data, as duas primeiras rendas devidas, referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2020 e ainda um montante correspondente a um mês da renda vigente durante o primeiro ano de duração do Contrato, o qual será devido pela Locatária a título de caução (…)

(…) CÁUSULA DÉCIMA

Os Fiadores assumem, em conformidade com o disposto nos artigos 627.º e seguintes do Código Civil, solidariamente, a responsabilidade de principais cumpridores pela observância das obrigações assumidas pela Locatária decorrentes deste Contrato e das suas eventuais prorrogações, seja qual for o seu número e ainda que haja alterações no valor da renda mensal, renunciando desde já, ao abrigo da alínea a) do artigo 640. º do Código Civil, ao benefício da excussão prévia”.

5. Por carta datada de 29/05/2020 e recebida pela destinatária, com o assunto “Denúncia contrato de arrendamento Para fins não habitacionais da fração "C". (3° piso-(2° andar) do Prédio sito na rua .... ...”) a R. Intellectual - Business Center, Lda. comunicou à A.·Ihatis, S.A. “Face á situação socio económica, proveniente da pandemia Sars-Cov 2, geradora da doença Covid 19, as circunstâncias que determinaram a celebração em 05/12/2019, do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, relativo á fração "C" do prédio em referência, alteraram-se, lamentavelmente, de forma imprevisível, superveniente e determinam totalmente a nossa incapacidade e vontade de manter o contrato. Por estes motivos, somos obrigados a proceder à denuncia do contrato de arrendamento, produzindo a mesma, efeitos, no prazo de 120 dias a contar da presente data”.

6. Por nova missiva datada de 03/06/2020, a R Intellectual Business Center informou a A. que estava em condições de entregar as chaves do locado, indicando ainda “solicitamos a V. Exa.s que, nos próximos oito dias, se dignem a marcar dia e hora, no local, para entrega das mesmas”.

7. Por carta datada de 08/07/2020, e recebida pela destinatária, com o assunto “Contrato de arrendamento para fins não habitacionais * fração "C" da Rua ... – ...” a A.·Ihatis, S.A. comunicou à R. Intellectual - Business Center, Lda:

“Acusamos a receção das vossas missivas datadas do passado dia 29 de maio e 3 de junho do corrente, sobre as quais debruçamos a n/melhor atenção. Assim, como já vos foi transmitido telefonicamente ao Sr. AA pelo nosso causídico, entendemos que a conjuntura pandémica não foi, nem é benéfica para ninguém. Nesse contexto e por forma a combater os seus efeitos mais nefastos nas diversas áreas, foram publicados vários diplomas, incluindo na área do arrendamento. Nenhum desses diplomas introduz alterações nos prazos de denúncia dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, mantendo-se, por conseguinte, os prazos gerais determinados por lei.

Nestes termos, é nosso entendimento que, nos termos da dita normativa aplicável, a denúncia do contrato pode ser efetuada nos 120 dias anteriores ao termo pretendido do contrato, sempre e quando tenha decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato. No caso em apreço, sendo o prazo do contrato de 10 (dez) anos (exigência vossa aquando das negociações havidas entre as partes), a vossa denúncia só produzirá efeito a partir de 30 de abril de 2023 - decorrido um terço do contrato. Cumpre-nos informar que estas são as nossas legítimas expectativas de duração efetiva do contrato, das quais não temos intenção de prescindir. Posto isto, caso pretendam entregar a chave do locado no imediato, esta sociedade apenas as aceitará se, com a entrega das chaves, nos forem pagas as quantias correspondentes às rendas vincendas até 30 de abril de 2023, que totalizam o montante de EUR 47.400 (quarenta e sete mil e quatrocentos euros) (…)”.

8. A R. Intellectual - Business Center, Lda. não aceitou a posição da autora e, por missiva datada de 22/07/2020 notificaram-na para a entrega das chaves, a ocorrer a 31 de julho desse ano, não tendo a autora comparecido para essa entrega.

9. Por carta datada de 25/05/2021, e recebida pela destinatária, com o assunto “Resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais * fração ``C" da Rua ... – ...” a A.·Ihatis, S.A. comunicou à R. Intellectual - Business Center, Lda.:

“Na presente data, V. Ex.ª, na qualidade de arrendatário da sobredita fração, encontra-se em mora no pagamento da renda desde setembro de 2020. Nos termos do nº 3, do artigo 1.083, do Código Civil, conjugado com o artigo 9º, da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, é inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda. Assim, estando V. Ex.as em mora no pagamento da renda por mais de três meses, pela presente, resolvemos o supra mencionado contrato de arrendamento entre nós celebrado, com efeitos imediatos, devendo sermos restituídas as chaves até ao próximo dia 4 de junho de 2021, sob pena de nos vermos obrigados a tomar as necessárias providências para tomarmos a posse do locado. Do mesmo modo, rogamos pelo pagamento das rendas em dívida até ao próximo dia 4 de junho de 2021, sob pena de nos vermos obrigados a recorrer aos meios judiciais para salvaguarda dos nossos legítimos interesses, com todos os inconvenientes daí advenientes”.

10. As chaves do locado foram entregues, à autora, a 10/12/2021, a pedido desta e com a anuência da R. Intellectual - Business Center, Lda.

11. A R. Intelectual constituiu-se em 21/11/2019 para o prosseguimento da sua atividade.

12. Em face da pandemia e dos estados de calamidade, que se iniciaram logo no primeiro trimestre de 2020, a opção de manutenção do contrato de arrendamento até 1/3 da vigência perspetivava-se ruinosa e insustentável para a ré Intelectual, pois que, com a Covid, deixou de existir interesse por parte de potenciais clientes da ré na utilização do espaço.

13. Sendo que, com a declaração de estado de emergência e calamidade, se sustou de imediato o negócio projetado pela ré de sublocação a terceiros (objetivo conhecido pela autora) bem como a angariação de clientes para o qual a autora arrendou, à ré, o locado e durante esse período não era possível contratar e executar as obras.

14. A R. Intellectual pagou à A. a quantia de € 9.000,00 euros, referente a rendas e caução.

15. A R. Intellectual não executou obras no locado.

16. Para além dos momentos indicados nos números 6., 8. e 10. dos factos provados, os réus não fizeram qualquer outra iniciativa para entregar as chaves.

17. A R. Intellectual tem por objeto social “Atividades combinadas de serviços administrativos, gestão, logística, financeiros diversos, contabilidade e outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas. Compra, venda e revenda de bens móveis e imóveis; Gestão e arrendamento de imóveis próprios e alheios; Aluguer de bens móveis. Construção, reparação e remodelação de edifícios. Prestação de serviços e atividades de consultorias de gestão e administração, designadamente nas áreas de: contabilidade, fiscalidade, economia financeira, procedimentos administrativos, logística, recursos humanos, formação, comunicação e imagem, informática, qualidade, medicina no trabalho, segurança e higiene no trabalho” e tem € 1.000,00 de capital social.




b) Factos Não Provados

1. Tornou-se impossível à ré contratar e fazer as obras a que se propôs após o decurso dos períodos de estado de emergência e calamidade.

2. A ré não tinha qualquer “chance” de recorrer a moratórias – ferramenta importante para mitigar os efeitos económicos negativos da pandemia, face à sua recente criação, ausência de histórico na praça e sem qualquer faturação, e assim incapaz de acomodar o impacto que tal alteração passou a ter na sua capacidade de cumprimento futuro, o que defraudou as expetativas que a ré tinha para o arrendamento.


◊ ◊



Parte II – O Direito

1) Começam os recorrentes as suas alegações por colocar a questão da nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia já que é esse – como tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência – o vício de que padece a sentença que aprecie questão sobre a qual as partes não tenham tido possibilidade de se pronunciar.

Tal nulidade consistiria no facto de ter sido aplicado ao caso dos autos no acórdão recorrido o regime excepcional destinado a atenuar os efeitos da emergência sanitária do Covid-19, previsto na Lei 4-C/2020 de 6 de abril, sem que previamente as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre tal matéria.

Cremos não lhes assistir razão.

Carece de fundamento a alegação de que a questão da aplicação do regime previsto na Lei 4-C/2020 de 6 de abril foi apreciada no acórdão recorrido sem que tenha sido equacionada nos autos.

A impugnação da sentença proferida em primeira instância teve como fundamento exactamente a desconsideração do regime legal em causa, publicado numa tentativa de regular os efeitos da situação pandémica da Covid-19, como se constata pela simples leitura das conclusões das alegações da apelação interposta pela autora e respectivas conclusões, nomeadamente as III a V 1, onde se alude expressamente à questão da articulação entre o regime do artigo 437.º do Código Civil e a Lei 4-C/2020, de 6 de abril.

Tiveram, portanto, os recorrentes oportunidade de se pronunciar sobre a questão suscitada, o que não fizeram na medida em que não responderam, como podiam, a tais legações de apelação.

Improcede, pois a arguida nulidade.


◊ ◊



2) A questão central da presente revista prende-se com a possibilidade de, no contexto da emergência sanitária do Covid-19, ser possível à ré, arrendatária não habitacional, resolver o contrato de arrendamento por se verificarem os pressupostos de aplicação do artigo 437.º n.º 1 do Código Civil isto é, por alteração anormal das circunstâncias em que se fundou a decisão de contratar e se a legislação de natureza excepcional publicada para minorar os efeitos da emergência sanitária associada ao Covid19, nomeadamente a Lei 4-C/2020, de 6 de abril – ainda que não aplicável directamente ao caso presente – contem normas de natureza interpretativa úteis na resolução do caso presente.

O preceito em causa, estatuindo sobre as condições de admissibilidade da resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, tem a seguinte redação:

“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”

Esta norma, integrada no regime legal dos contratos enquanto fonte de obrigações contém uma excepção ao regime geral da eficácia dos contratos prevista no artigo 406.º do Código Civil em termos propositadamente genéricos, por forma a permitir ao julgador a ponderação sobre se, atendendo à base contratual acordada e à boa-fé que deve nortear as partes na sua execução deve ou não ter por relevante a sua resolução ou modificação.

3) Salientou-se na sentença proferida em primeira instância que em causa está um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado pelo período inicial de dez anos, com início em 1 de janeiro de 2020, e relativamente ao qual, menos de seis meses depois, e antes de decorrido um terço do seu período de duração inicial, a arrendatária comunicou à senhoria a sua intenção de lhe pôr termo decorrido que fossem 120 dias sobre a comunicação, tal como previsto no artigo 1098.º n.º 3 do Código Civil.

Concluiu a sentença liminarmente que, tendo apenas em conta essa factualidade e, abstraindo do preceituado no artigo 437.º do Código Civil o contrato de arrendamento não poderia cessar os seus efeitos, continuando a ré obrigada a cumprir o contrato e a pagar as rendas acordadas, pelo menos, até à posterior aceitação das chaves do locado pela senhoria.

4) Porém, aprofundando os termos da questão face aos factos apurados e à alegação da arrendatária, a sentença passou a analisar se se verificavam os requisitos da invocada resolução do contrato de arrendamento por alteração anormal das circunstâncias:

- a alteração, em si mesma, das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar o arrendamento para fins não habitacionais da fração, isto é, a modificação da base do negócio celebrado, que para a ré visava a instalação de um “escritório comercial” para ser usado pelos seus clientes com a sujeição à obrigação de realização de obras no locado;

- a anormalidade e a imprevisibilidade, objectivamente consideradas, da circunstância invocada para a resolução ou modificação do contrato, e que no caso foi reconhecida a uma voz pela doutrina e pela jurisprudência em relação à emergência sanitária em questão, dados os seus efeitos sobre a economia em geral e a sua rápida propagação a nível mundial;

- a ocorrência de prejuízos não cobertos pelo risco próprio do negócio e relacionados com a inesperada modificação das condições existentes à data da celebração do contrato de arrendamento, traduzida, no caso, na impossibilidade prática para a ré de utilização do locado para o fim visado e de cumprimento da obrigação de realização das obras a que se vinculou;

- a inexigibilidade do cumprimento da obrigação à parte lesada por a exigência da prestação contratual afetar gravemente os princípios da boa-fé contratual;

- a inexistência de mora da parte lesada no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou (art438.º do Código Civil).

Concluindo a sentença que se encontravam demonstrados todos os mencionados requisitos e que a denúncia do contrato de arrendamento comunicada pela ré à autora está abrangida pela faculdade de resolução do contrato consagrada no artigo 437.º n.º 1 do Código Civil e que a autora não contrapôs à resolução do contrato a sua modificação nos termos do artigo 437.º n.º 2 do Código Civil, julgou a acção improcedente.

5) O acórdão recorrido, sem questionar directamente a verificação dos requisitos de aplicação do regime previsto no artigo 437.º n.º 1 do Código Civil e depois de alertar – em linha com o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de maio de 2023 proferido na revista n.º 1455/21.5YLPRT.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt) – para a sua natureza subsidiária, convocou para a decisão a interpretação sugerida pelas leis publicadas para fazer face aos efeitos do estado de emergência sanitária conexa com a pandemia do Covid-19, em especial a lei 4-C/2020, de 6 de abril.

Este diploma veio, nos seus próprios termos, estabelecer um “regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19”, extraindo-se dos seus artigos 7.º e 8.º que, para salvaguarda da quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais de estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de prestação de serviços encerrados ou suspensos, foi facultado ao arrendatário o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência sanitária e no primeiro mês subsequente, para os doze meses posteriores, em prestações mensais pagas juntamente com a renda do mês em causa, não podendo a falta do pagamento das rendas devidas durante o estado de emergência ser invocada como fundamento de extinção do contrato nem dar lugar a qualquer penalidade que tenha por base a mora no pagamento.

6) É fora de toda a dúvida que na data em que a ré comunicou à autora a sua intenção de fazer cessar o contrato ela não se encontrava em mora no cumprimento da obrigação de pagamento de qualquer renda vencida, nunca tendo sido por ela equacionada a possibilidade de usufruir do diferimento do pagamento das rendas a que se refere a Lei 4-C/2020, de 6 de abril.

Também não oferece qualquer dúvida que a Lei 4-C/2020, de 6 de abril não pretendeu regular e / ou prevenir senão os litígios que pudessem surgir em decorrência da falta de pagamento das rendas pelos arrendatários num contexto de intervenção legislativa que visou atenuar os nefastos efeitos da paralisação da economia nacional inerente ao estado de emergência sanitária associada à pandemia do Covid-19.

7) A Lei 4-C/2020, de 6 de abril não tem aplicação directa ao caso presente nem às situações de facto em que os efeitos da alteração anormal das circunstâncias se repercutem sobre a base do negócio celebrado e sobre a decisão de contratar de uma ou de ambas as partes, e não sobre o cumprimento da obrigação contratual dos arrendatários.

É o que resulta da leitura do diploma, da intenção reguladora que ele próprio proclama e da sua justificação e génese cronologicamente situada no contexto da urgência das medidas legislativas tomadas durante o período em que vigorou o estado de emergência sanitária associado à pandemia do Covid-19.

Como norma excepcional que é a Lei 4-C/2020, de 6 de abril não comporta aplicação analógica, ainda que admita interpretação extensiva (artigo 11.º do Código Civil).

8) O acórdão recorrido aderiu, porém, ao entendimento expresso no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de maio de 2023 (revista 1455/21.5YLPRT.L1.S1, segundo o qual “a Lei n.º 4-C/2020 é susceptível de funcionar como critério orientador para a solução a dar a situações aí não reguladas” no sentido de que a solução a dar ao caso “não pode distanciar-se fundamentalmente da resposta fornecida pelo legislador para casos próximos”.

Ou seja, partindo da constatação de que o legislador não tinha regulado a situação de facto sujeita a julgamento e que, não se encontrando o arrendatário em mora quanto ao cumprimento da obrigação de pagamento do valor das rendas vencidas durante o estado de emergência sanitária, não era aplicável a solução contida naquela Lei 4-C/2020, de 6 de abril, consistente no diferimento do seu pagamento, o acórdão recorrido acaba por integrar a lacuna, se bem se entende, através do método previsto no artigo 10.º n.º 3 do Código Civil, para concluir que no caso de a alteração anormal das circunstâncias se projetar sobre a base do negócio ficar arredada a possibilidade de resolução ou modificação do contrato.

E assim sendo, uma vez que o contrato de arrendamento celebrado entre as pares se incluía nos que foram abrangidos pela Lei nº 4-C/2020, de 6 e abril, haveria que ponderar que “a publicação deste regime legal especial e destinado aos arrendamentos visados é indicativa de que (…) “não houve, da parte do legislador, a intenção de dispensar os arrendatários, em arrendamentos para fins não habitacionais, da obrigação de pagar a renda, mas tão-só a de lhes permitir o adiamento ou diferimento do pagamento das rendas vencidas em determinado período – numa palavra: criar uma moratória para o pagamento das rendas devidas.”

9) O acórdão recorrido parte da constatação de uma lacuna na regulamentação legal nos casos em que a alteração anormal das circunstâncias associada à Covid-19 tem reflexo sobre o negócio em si mesmo e a sua invocação visa, não modificar os termos de execução do contrato, mas provocar a sua extinção.

A aplicação, com recurso à analogia, das normas excepcionais aplicáveis no caso de falta de pagamento de rendas vencidas no período de emergência sanitária, as quais modificaram por via legal os termos do cumprimento da obrigação contratual do arrendatário é insustentável, quando esteja em causa a pretensão de resolução do contrato de arrendamento comunicada à senhoria.

Não se trata aqui da necessidade de estender o texto da Lei 4-C/2020, de 6 de abril com o fundamento de que o legislador disse menos do que queria dizer e que as palavas que fez constar da norma criada atraiçoaram o seu pensamento (assim Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil anotado em anotação ao artigo 11.º (nota 1)).

Nada indicia que o legislador tenha querido impedir, ainda que apenas transitoriamente, a resolução dos contratos de arrendamento por alteração anormal das circunstâncias nos termos do artigo 437.º do Código Civil.

A integração da lacuna da lei com recurso à analogia está vedada ao intérprete, em casos com o presente, face ao disposto nos artigos 10.º e 11.º do Código Civil.




10) Aqui chegados importa voltar ao ponto de partida, uma vez que o peticionado valor das rendas vencidas e não pagas só será devido se o contrato de arrendamento não tiver sido validamente resolvido com a comunicação à ré promovida pela autora em 29 de maio de 2020: assistia aos réus o direito de invocar a alteração anormal das circunstâncias para conseguir a resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais a que os autos se referem?

Cremos que a resposta a esta questão se extrai do próprio artigo 437.º n.º 1 do Código Civil quando em confronto com a situação de facto apurada.

11) O artigo 437.º n.º 1 do Código Civil – atrás transcrito – estabelece os requisitos de verificação positiva e de verificação negativa para a eficácia da sua invocação e dos fins que se destina a garantir.

Entre os primeiros estão a modificação, relevante, anormal e imprevisível, das circunstâncias em que qualquer das partes assentou a decisão de contratar.

Quanto a este requisito, estando ele relacionado com os efeitos da pandemia do Covid-19 e, em especial, com a proibição temporária de circulação das pessoas e redução da actividade económica e considerando que o contrato de arrendamento celebrado visava a instalação de escritório comercial após a realização de obras no locado, tem-se o mesmo por verificado.

Sobre esta matéria e sobre a configuração do estado de emergência sanitária como causa anormal e imprevisível de alteração das circunstâncias existentes no momento da celebração do contrato de arrendamento, não se registam, no caso dos autos, divergências, sendo admissível a conclusão de que a ré não teria celebrado o contrato de arrendamento caso existissem à data as restrições ao desenvolvimento da actividade económica que posteriormente se verificaram.

12) A ré, ora recorrente, estava legitimada a invocar a alteração anormal das circunstâncias como fundamento de resolução ou modificação do contrato de arrendamento uma vez que, conforme vem provados nas alíneas 12 e 13 do elenco dos factos provados, para ela a opção de manutenção do contrato de arrendamento até o poder denunciar nos termos legais aplicáveis, se afigurava ruinosa e insustentável já que a pandemia tinha gerado o desinteresse de potenciais clientes seus na utilização do locado e sustado o negócio projetado de sublocação do espaço a terceiros, fim visado com a celebração do contrato de arrendamento e a angariação de clientes.

Nessa medida a ré arrendatária estava a ser lesada – como, de resto, sucedia com a generalidade dos agentes económicos, cada um a seu modo – pelo estado de emergência sanitário associado ao Covid-19.

13) A alteração anormal das circunstâncias em que se fundou a decisão de celebrar o contrato de arrendamento não conferiu, porém, à arrendatária lesada um direito absoluto à resolução ou à modificação do contrato, resultando claramente do regime legal que na apreciação, em concreto, da situação o intérprete deve atender, na medida do possível, aos interesses da contraparte na eventual manutenção do contrato.

Tal resulta, desde logo, da possibilidade geral de a parte a quem é comunicada a resolução do contrato não a aceitar, mas declarar aceitar a sua modificação segundo juízos de equidade (artigo 437.º n.º 2 do Código Civil).

Numa tentativa de encontrar algum equilíbrio entre as prestações contratuais a lei manifesta claramente a sua preferência pela solução que não ponha termo ao contrato sem se sobrepor à vontade das partes.

14) Ainda quando a parte contrária não faça a opção a que alude o artigo 437.º n.º 2 do Código Civil, a resolução do contrato por alteração anormal de circunstâncias só é de admitir se a exigência do cumprimento da prestação contratual da parte lesada afectar “gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

Vejamos então se exigir da ré arrendatária ora recorrente uma conduta conforme ao regime legal do contrato de arrendamento celebrado ofende gravemente os princípios da boa-fé.

15) À data em que decidiu comunicar à autora a sua intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais o dilema que se apresentava à arrendatária era o seguinte:

- querendo fazer cessar antecipadamente o contrato de arrendamento celebrado, nomeadamente por já não ter vontade de levar por diante o projecto de utilização lucrativa do locado, aguardar que decorresse um terço do período de duração inicial do contrato para poder exercer livremente o direito de denúncia nos termos do artigo 1098.º n.º 3 do Código Civil;

- estando (ou não) impossibilitada de cumprir integralmente o contrato celebrado, entrar em mora no pagamento das rendas devidas e usufruir da faculdade de diferimento do respectivo pagamento nos termos previstos na, já então em vigor, Lei 4-C/2020 de 6 de abril.

A ré arrendatária acabou por invocar a alteração anormal das circunstâncias para pôr termo imediato ao contrato ainda que respeitando o prazo previsto no citado artigo 1098.º n.º 3 do Código Civil.

16) Como é sabido, o efeito fortemente restritivo da pandemia do Covid-19 sobre o desenvolvimento das actividades económicas foi universal, afectando a generalidade dos negócios em curso e dos contratos e das partes contratantes, não se descortinando razão para tutelar de forma diferente ou sacrificar injustificadamente os interesses de uma das partes aos interesses da outra.

Isso mesmo foi tido em conta na intervenção legislativa de emergência (lei 4-C/2020 de 6 de abril) que, tutelando a posição dos arrendatários habitacionais e não habitacionais, diferiu o pagamento das rendas vencidas durante o período do estado de emergências, e assim assegurou igualmente de forma equitativa o interesse dos senhorios no seu efectivo recebimento em momento posterior.

17) Era, por outro lado, já previsível em maio de 2020 que o estado de emergência conexo com a pandemia do Covid-19 e as restrições excepcionais associadas tinham natureza temporária, ainda que se mantivesse preocupante incerteza quanto ao período concreto da sua duração.

18) Porque não tinha que efectuar imediatamente o pagamento das rendas que se vencessem enquanto se mantivesse o estado de emergência e continuassem em vigor as restrições que estavam a condicionar o desenvolvimento da sua projetada actividade no locado, a antecipação, com fundamento na alteração anormal de circunstâncias, da comunicação de denúncia do contrato de arrendamento com a consequente restrição do correspondente direito da senhoria a receber as rendas acordadas no primeiro terço de duração inicial do contrato não encontra justificação e contraria o equilíbrio das relações contratuais estabelecidas entre as partes.

19) Neste conspecto não viola gravemente os princípios da boa fé na execução dos contratos a exigência do cumprimento pela arrendatária das obrigações decorrentes da celebração do contrato de arrendamento e a sua manutenção em vigor, não obstante a alteração anormal das circunstâncias.

20) É aqui que entronca a específica linha de argumentação do acórdão recorrido quanto à faculdade que o artigo 437.º n.º 1 do Código Civil concederia à ré arrendatária para antecipar a denúncia o contrato:

“Declarar justificada a denúncia unilateral do arrendamento antes do período legal para o fazer significaria estar a atender à vontade da ré de não perder os seus proventos, mas com dispensa do cumprimento do seu dever contratual de contribuir para a prossecução do igual interesse negocial da autora. E é por isso que o legislador extraordinário não estatuiu no sentido da extinção da obrigação do pagamento da renda, mas apenas no diferimento desse pagamento, porque no escopo geral dos arrendamentos para fins não habitacionais só assim logrou assegurar o respeito pela boa-fé que deve enformar a execução de todo e qualquer contrato, mesmo que essa execução se veja atingida por eventos imprevisíveis, como as referidas consequências da pandemia de Covid-19”.


◊ ◊



21) Em conclusão, por não se verificarem integralmente os requisitos previstos no artigo 437.º n.º 1 do Código Civil, em especial, porque, apesar da alteração anormal das circunstâncias existentes na data da celebração do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, não viola gravemente os princípios da boa fé, a sua manutenção e a exigência do cumprimento das regras que integram o respectivo regime, inclusive no que respeita ao decurso de um período mínimo de duração inicial do contrato essencial à validade da sua denúncia por parte da arrendatária, não lhe assistia o direito a pôr fim ao contrato antes de decorrido esse prazo.

É devido o valor das rendas reclamadas pela autora na presente acção nos termos definidos no acórdão recorrido que se confirma.

22) Os recorrentes suportarão as custas devidas nesta fase do processo, atentos os princípios gerais sobre a tributação processual.



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III - DECISÃO

Termos em que os Juízes Conselheiros deste Supremo Tribunal de Justiça acordam em julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Condenam os recorrentes nas custas relativas ao recurso que interpuseram.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 2 de julho de 2024


Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

António José Moura de Magalhães

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1. Do seguinte teor:

“III) Durante a pandemia COVID-19, o legislador emanou variados diplomas, de carácter excepcional e temporário, os quais, pela sua natureza, se sobrepõe às de carácter geral e genérico.

IV) O artigo 437, do Código Civil e o instituto da alteração superveniente das circunstâncias são de aplicação supletiva, não se sobrepondo à lei especial emanada pelo legislador, nomeadamente, a Lei 4-C/2020, de 06 de Abril.

V) Ainda que a Lei 4-C/2020 não responda expressamente à casuística em apreço, serve de critério orientador e auxiliar interpretativo para a solução a dar para as situações que nela não estejam reguladas, nomeadamente, na modificação ou resolução dos contratos de arrendamento com o fundamento no artigo 437, do Código Civil, durante a pandemia COVID-19. A esse propósito – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2023, com o nº de Processo 1455/21.5YLPRT.L1.S1, da 2ª Secção”.↩︎