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Jurisprudência
Sumário

O art. 33. nº4 º do NRAU ( Lei n.º 6/2006, de 27-02, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08) deve ser interpretado no sentido da admissibilidade, por acordo, de um prazo mais alargado para operar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, porquanto este normativo apenas prevê um imperativo legal mínimo de prazo, sem prejuízo das partes acordarem um prazo mais alargado de transição.
Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO


1.1.- A Autora - A..., S.A., com sede na Avenida ..., em..., instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré - A... & Companhia, Lda., posteriormente Azeitoma – Gestão de Imóveis, S.A.,

Alegou, em resumo:

Por escritura pública de 30.10.1971, a Ré tomou de arrendamento a AA, para fins não habitacionais, os segundo, terceiro, quarto e quinto andares do prédio urbano sito na Av. ... e os primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares e torreão do prédio urbano sito na Rua ..., nas precisas condições insertas no contrato de arrendamento que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. n.º 1).

No entanto, o imóvel objeto do aludido contrato de arrendamento foi adquirido pela Autora em 06.07.1978, pelo que desde então a Autora é a dona e legitima proprietária do imóvel, sendo que a transmissão do contrato de arrendamento foi oportunamente transmitida à Ré por carta registada.

O contrato de arrendamento foi celebrado em data anterior à entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro.

A Autora, na qualidade de Senhoria da Ré, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Março de 2013, e ao abrigo da legislação vigente à data, promoveu a transição do contrato de arrendamento acima identificado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, nos termos do art. 50º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, doravante abreviadamente designada por NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, tendo proposto que o contrato passasse a ser de prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos, e sugerindo um aumento de renda para o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) mensais.

Respondeu a Ré à referida missiva por carta registada com aviso de recepção datada de 1 de Abril de 2013, tendo ficado o contrato submetido às regras do NRAU, acordando as partes quanto ao tipo e prazo do mesmo, pois a arrendatária concordou com a proposta apresentada pela senhoria no que concerne a estas duas características contratuais.

Ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi aposto o prazo de 5(cinco) anos, por acordo das partes.

Nesta senda, por carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Abril de 2013, e no que aqui releva, a Autora salientou que o contrato de arrendamento em causa havia passado a ser a termo, com o prazo de 5 (cinco) anos, com início em 1 de julho de 2013 e término em 30 de junho de 2018, tudo conforme melhor resulta da cópia da carta junta.

Posteriormente, com antecedência superior a um ano à data do termo do contrato, a Autora, com observância de todos os formalismos impostos por lei, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento por carta registada com aviso de receção recebida pela Ré em 10 de Março de 2017.

Findo o período de vigência contratual entre as partes, a Autora, na mais legítima das expectativas, aguardava a entrega do imóvel no dia 30 de Junho de 2018, mas a Ré não o fez e depositou a renda.

O contrato de arrendamento em causa transitou regularmente para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, mediante comunicação para o efeito da iniciativa da senhoria, ora Autora, tendo passado a vigorar por prazo certo.

No entanto, a senhoria deduziu oposição à renovação nos termos legais, pelo que operou a denúncia do contrato, o que determinou a respetiva cessação por caducidade no pretérito dia 30.06.2018.

Pediu que seja decretado o despejo imediato do local arrendado, devendo o mesmo ser entregue à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens.

1.2. – A Ré contestou defendendo-se, em síntese, com a ineficácia da declaração de transição plena do Contrato de Arrendamento para o NRAU e excepcionou o abuso de direito.

1.3. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida (4-1-2022) sentença que decidiu:

“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condena-se a Ré “A... & Companhia, Lda.” no pedido formulado pela Autora A..., S.A.”.

Custas a cargo da ré.”

1.4.- A Ré recorreu de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de 18-5-2023, decidiu julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença.

1.5.- Inconformada, a Ré recorreu de revista excepcional e subsidiariamente de revista normal, nos seguintes termos:

1.ª A Recorrente tem interesse objectivo na interposição do presente recuso, pois, a manter-se o acórdão de 18/05/2023, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, poderá significar (se não existir outro meio defensivo) que o contrato de arrendamento cessou os seus efeitos em 30/06/2018, mantendo-se recorrente, desde essa data, no gozo do local arrendado sem título.

2.ª Naturalmente que tem recorrente interesse (óbvio) em que seja declarado que a mesma se manteve licitamente no gozo do local arrendado com base no contrato de arrendamento em vigor, evitando, assim, qualquer pretensão indemnizatória por parte da Recorrida.

3.ª A Recorrente propôs uma acção judicial contra a aqui Recorrida na qual, invocando o posterior reconhecimento por parte da Câmara Municipal ... do seu estabelecimento comercial de hotelaria como sendo de “interesse histórico e cultural ou social local”, peticionou que o Tribunal declarasse (i) não assistir à aqui Recorrida o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento para a data por si indicada (30/06/2018)e,em consequência, (ii)condenasse a aqui Recorrida a aceitar a renovação do contrato de arrendamento por um período adicional de 5 anos. Daqui flui que sendo considerado por este Supremo Tribunal que não assistia à então senhoria o direito de se opor à renovação para o dia 30/06/2018, improcede a tese sustentada pela Recorrida naquela acção segundo a qual o acto administrativo emitido pela Câmara Municipal ..., reconhecendo o estabelecimento comercial da Recorrente como sendo um Estabelecimento de Interesse Histórico e Cultural ou Social Local, foi extemporâneo por ter si proferido após ter cessado o contrato de arrendamento na data por si indicada-30/06/2018-, pelo que, também por esta razão, tem a Recorrente interesse objectivo na interposição do presente recurso de Revista Excecional (e Normal).

5.ª Como é consabido, o recurso de revista excecional só é admitido quando, de outro modo, o recurso de revista normal seria inadmissível por força da dupla conforme, sendo que um dos fundamentos para o recurso de revista excecional consta da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do Cód. do Processo Civil e verifica-se quando “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

6.ª A Formação tem entendido, como pressuposto da al. a) do n.º 1 do art. 672.º do Cod. do Processo Civil, a existência de divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda nos casos em que o tema está eivado de novidade, tudo de sorte que o cidadão comum que lida com este tipo de assuntos não pode legitimamente estar seguro da interpretação com que pode contar por parte dos tribunais – vide jurisprudência e doutrina citadas nas págs. 6 e 7 supra.

7.ª A questão juridicamente complexa e sob análise pode sintetizar-se da seguinte forma:

- No processo de atualização extraordinária de renda e de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, se o senhorio se equivocar quanto à data de modificação do regime temporal do contrato de arrendamento e indicar ao arrendatário uma data posterior àquela que decorre expressamente da Lei (seja um mês posterior, sejam seis meses posteriores ou um ano posterior), qual a data em que, efectivamente, se opera a modificação do regime temporal do contrato de arrendamento? Será a data que decorre directamente da Lei ou a data indicada pelo senhorio?

E se, ulteriormente, o senhorio se opuser à renovação do contrato de arrendamento (entretanto convertido em contrato com prazo certo), indicando, em consequência do lapso inicial, uma data posterior à que decorre da aplicação da lei? Neste caso o contrato de arrendamento renova-se previamente ou cessa a sua vigência na data posterior indicada pelo senhorio?

E, por fim, recai sobre o arrendatário o dever de alertar o senhorio do lapso em que este incorreu ao indicar erradamente uma data posterior à que decorre da lei? Caso não alerte o senhorio, significa que arrendatário aceitou tacitamente aquele lapso do senhorio e consequentemente aceitou a nova data de início e termo do contrato de arrendamento indicada pelo senhorio?

8.ª Estas questões, que pela sua novidade não têm resposta da jurisprudência, receberam da parte da doutrina respostas diametralmente opostas, conforme se depreende da leitura dos pareceres junto aos presentes autos da autoria dos Senhores Professores-Doutores Fernando de Gravato Morais e Pedro Romano Martinez.

9.ª Justificando-se, pois, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça perante estas questões (conexas) cujo relevo jurídico indiscutível, pois trata-se de questões que, para além dos sujeitos processuais existentes neste processo, extravasam claramente o seu âmbito, devendo ser definido para melhor aplicação do Direito, qual a relevância jurídica decorrente do facto de o senhorio indicar erradamente ao arrendatário, aquando da transicção do contrato para o NRAU, uma data posterior àquela em que legalmente se operará a modificação contratual.

10.ª E, em consequência, qual a relevância jurídica do facto de, após o contrato transitar para o NRAU, o senhorio deduzir oposição à primeira renovação do contrato indicando uma data posterior à que decorre da aplicação da lei, por ter contado a duração inicial (cinco anos) desde a data em que erradamente indicou como sendo a data de transição para o NRAU? Deverá prevalecer a data que decorre expressamente da lei (vg. cinco anos contados do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da recepção pelo arrendatário da resposta do senhorio), ou a data posterior indicada pelo senhorio para aquela oposição à renovação? As consequências práticas de se adoptar uma ou outra das soluções são diversas, pois na primeira hipótese o contrato renovou-se em data anterior à indicada pelo senhorio para o seu termo. Se se adoptar a segunda solução o contrato verá os seus efeitos estenderem-se no tempo até à data indicada pelo senhorio.

11.ª A relevância jurídica destas questões ocorre por estarmos em face de questões novas que obtêm da doutrina respostas divergentes e cuja solução não decorre directamente da lei exigindo a realização de operações exegéticas suscetíveis de obstar à previsibilidade da interpretação com que se pode contar por parte da doutrina e dos tribunais, pelo que se torna necessária a intervenção excecional deste douto Supremo Tribunal com vista a determinar a correcta interpretação.

12.ª Sendo de admitir o presente recurso, importa corrigir o erro de interpretação do tribunal a quo, já que a recorrente nunca aceitou de “forma expressa” (ou tácita) que o contrato de arrendamento transitaria para o NRAU no dia 01/07/2013 ao invés do dia 01/06/2013 – vide acórdão recorrida págs. 54 e 55.

13.ª Na verdade, o Tribunal “a quo”, afastando-se dos factos provados, dá como assente a existência de um (inexistente) “acordo expresso” entre as partes no sentido de o contrato de arrendamento transitar para o NRAU no dia 01/07/2013 sendo o seu termo no dia 30/06/2018. Sucede que, contrariamente ao concluído pelo Tribunal “a quo”, nunca existiu um acordo expresso (ou outro) das partes nesse sentido.

14.ª Destarte, a decisão do Tribunal “a quo” (constante das págs. 54 a 55 do Acórdão recorrido) fundamenta-se num facto inexistente, a saber: a existência de acordo expresso entre as partes no sentido de o contrato ficar submetido ao NRAU em 01/07/2013, o que nunca ocorreu.

15.ª Entrando na análise do caso sub judice estamos em face de um contrato de arrendamento para fim não habitacional, exclusivamente vinculista – porque celebrado em data anterior a Decreto-Lei n.º 257/95 -, em relação ao qual a Lei n.º 31/2012 trouxe uma profunda modificação no que toca ao regime de correcção extraordinária de rendas e de transição para o NRAU.

16.ª Tendo o senhorio promovido o processo de actualização extraordinária de renda e transição para o NRAU, manda o art. 52.º do NRAU aplicar o disposto no art. 33.º do mesmo diploma no caso de o arrendatário se opor ao valor da renda proposto pelo senhorio, preceituando esta disposição legal que opondo-se o arrendatário ao valor da renda proposta pelo senhorio, e propondo um outro valor, o senhorio deve comunicar àquele, no prazo de 30 dias, se aceita ou não a proposta.

17.ª Se o senhorio aceitar a renda proposta pelo arrendatário, o efeito será o de que a renda proposta passe a ser a nova renda: de acordo com o art. 33.º, n.º 4 ex vi do art. 52.º do NRAU, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção pelo arrendatário da comunicação do senhorio a aceitar a nova renda. O que significa que o contrato de arrendamento se considera transitado plenamente para o NRAU no primeiro dia do segundo mês seguinte ao recebimento pelo arrendatário da resposta do senhorio - vide Doutrina citada a págs. 15 e 16 supra.

18.ª A exactidão do dia e mês em que o contrato de arrendamento transita para o NRAU não podem ser conhecidas pelo legislador de antemão - pois estão dependentes da data do envio da declaração do senhorio e,sobretudo, da data da recepção da mesma pelo arrendatário -, cabendo ao senhorio um dever de as concretizar e um dever de esclarecer o arrendatário da exacta data de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e consequente conversão daquele num novo contrato – vide Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando Gravato Morais a fls. 1003 a 1004 e 1004/verso e 1005.

19.ª O que bem se compreende, se atentarmos a que o senhorio é o único beneficiário e interessado no processo de transicção do contrato para o NRAU, o qual produz efeitos extremamente gravosos na esfera jurídica do arrendatário, que vê o contrato vinculístico transformado num contrato temporário, pelo que deve o sujeito que, exclusivamente, retira vantagens deste acto comunicar a exacta data de entrada em vigor do novo contrato - vide Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1003 a 1004 e 1004/verso e 1005.

20.ª Como é consabido, o regime transitório previsto nos arts. 50.º a 54.º do NRAU é composto por normas imperativas, as quais integram a chamada “ordem publica económica de direcção”, pelo que não é passível de ser derrogado pela vontade unilateral e exclusiva de um dos contraentes.

21.ª Deste modo, e denotando-se nos arts. 50.º a 54.º do NRAU uma imperatividade em favor do arrendatário, a comunicação do senhorio, prevista no art. 33.º, n.º 4 ex vi do art. 52.º do NRAU, faz incidir sobre si um dever de informar o arrendatário sobre o exacto dia e mês em que o contrato de arrendamento se considera “convertido” num novo contrato de arrendamento integralmente disciplinado pelo NRAU - vide Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1005/verso.

22.ª Destarte, no caso de o senhorio omitir aquela informação ou prestar uma informação inexacta e contrária ao critério legal imperativo, estamos em face de uma irregularidade.

23.ª No caso sub judice,a senhoria, na carta de 04/04/2013, na qual aceitou a proposta do valor de renda formulada pela Recorrente, informou erradamente que o contrato de arrendamento em vigor entre as partes «passará a ser um contrato com prazo certo, com duração de 5 anos, tendo o seu início a 1 de Julho de 2013 e término a 30 de Junho de 2018», o que é contrário ao disposto na lei imperativa, pois o contrato de arrendamento em vigor jamais poderia ter transitado para o NRAU no dia 01/07/2013 vide Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1009.

24.ª Com efeito, a comunicação remetida pela senhoria apresenta uma irregularidade manifesta e grave, pois que, de acordo com preceituado no art. 33.º, n.º 4 ex vi do art. 52.º do NRAU, tendo a senhoria comunicado, por carta de 04/04/2013, a aceitação do valor da renda proposto pela Recorrente, o contrato de arrendamento ficaria imperativamente submetido ao NRAU a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção pelo arrendatário da comunicação do senhorio, isto é, em 01/06/2018.

25.ª Ora, no caso de se considerar que a declaração emitida pela senhoria deve ser corrigida à luz do critério legal, sempre se dirá que o contrato de arrendamento se renovou em 01/06/2018 por mais cinco anos.

26.ª Importa, desde já, sublinhar que a fixação da data de início do “novo contrato” não é um direito disponível do senhorio, pois o art. 33.º, n.º 4, do NRAU (ex vi do art. 52.º do NRAU) tem aqui natureza imperativa, não sendo possível ao senhorio escolher unilateralmente outro regime de acordo com o seu livre-arbítrio, o que bem se compreende, se atentarmos a que a fixação da data do início do novo contrato de arrendamento tem como finalidade conferir ao arrendatário segurança e certeza jurídicas quanto à data de início do “novo contrato”.

27.ª Como resulta da matéria de facto provada, a senhoria, por carta remetida em 04/04/2013 e recebida pela Recorrente nesse mesmo mês de Abril, aceitou o valor da renda proposto por esta, tendo a senhoria, nessa carta, comunicado à Recorrente que o contrato de arredamento «passará a ser um contrato com prazo certo, com duração de 5 anos, tendo o seu início a 1 de Julho de 2013 e término a 30 de Junho de 2018», sendo que esta última comunicação finalizou de modo definitivo o processo de correcção extraordinária de rendas e de transição do contrato de arrendamento para o NRAU.

28.ª Acontece que «a específica data, aposta na comunicação, quanto ao início do novo contrato de arrendamento mercantil com prazo certo de 5 anos não pode ser considerada válida ou regular, porquanto é diversa da que resulta da aplicação do mencionado critério legal. Donde o contrato de arrendamento jamais podia ter iniciado o seu período de vigência no dia 1 de julho de 2013» (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1010).

29.ª Sublinhando-se que «não houve qualquer aceitação por ambas as partes quanto à data de submissão do contrato de arrendamento ao NRAU (de 1 de julho de 2013). A declaração do senhorio reveste natureza unilateral e impõe-se à contraparte, caso seja regular, ou não opera os seus efeitos, caso seja irregular. Nem sequer se pode aludir à consolidação, pelo decurso do tempo, de uma situação contra legem, quando a lei, como afirmámos, tem natureza injuntiva» - sublinhado (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1010 e 1010/verso).

30.ª Haverá, assim, que «desconsiderar, em absoluto, a data de 1 de julho de 2013 (resultante da comunicação do senhorio), atenta a declaração irregular do senhorio, e aplicar o critério legal no sentido de concluir que a transição plena do contrato de arrendamento se verificou a 1 de junho de 2013, sendo essa a data do início da sua vigência» (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1011).

31.ª Diga-se que, contrariamente ao alegado pela Recorrida, o prazo fixado pela senhoria como constituindo o início da vigência do “novo contrato” – 01/07/2013 - em nada aproveita à Recorrente, porquanto permite que a senhoria posteriormente faça caducar o contrato de arrendamento numa data – 30/06/2018 – em que já está em curso a sua renovação por novo período de cinco anos (desde 01/06/2018) - (vide Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls. 1010/verso).

32.ª Sempre se dirá, e ex abundanti, que a não aceitar este entendimento, está-se a“punir” a Recorrente/arrendatária, pois foi a senhoria quem cometeu uma irregularidade no processo por si iniciado e concluído destinado a promover a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, tendo violado o corpo do n.º 4 do art. 33.º ex vi do art. 52.º do NRAU, que contém uma norma imperativa, de interesse e ordem pública, de “ordem pública económica de protecção” e de “ordem pública económica de direcção”, permitindo que a senhoria retire vantagens desproporcionadas dessa irregularidade, da sua exclusiva responsabilidade, ao fazer cessar o contrato de arrendamento numa data – 30/06/2018 – em que já estava em curso a renovação do contrato por mais cinco anos desde 01/06/2018.

33.ª Do que vai supra exposto decorre, com meridiana clareza, que o contrato de arrendamento sub judice se considerou alterado no dia 01/06/2013 (o primeiro dia do segundo mês seguinte ao mês de Abril de 2013), passando a ter - desde essa data - a modalidade de contrato com prazo certo com a duração de cinco anos, o qual, de acordo com o preceituado no art. 1096.º do Cód. Civil, se prorrogou (renovou) automaticamente no final do termo do contrato – 31/05/2018 - por prazo idêntico.

34.ª Destarte, a data que a senhoria pretendeu e comunicou como sendo o termo do contrato – 30/06/2018 – é inatendível por nessa data estar já em curso, e não a terminar, o período de renovação iniciado em 01/06/2018.

35.ª Concorda-se, pois, com a doutrina firmada pelo Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 08/09/2022 cujo sumário se transcreve: «Não impede a renovação do prazo do contrato de arrendamento para habitação, a comunicação do senhorio que, não obstante efetuada no prazo a que alude o art. 1097.º, n.º1, al. b), do Código Civil, declare o contrato terminado para data distinta – posterior – daquela que operaria a renovação automática do mesmo». vide págs. 23 e 24 supra

36.ª Ora, se se acolhesse o entendimento sufragado pela Recorrida, segundo o qual a Recorrente ficou beneficiada com o lapso daquela, porquanto se manteve no gozo do local arrendado durante mais um mês, então, no caso apreciado por este Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o arrendatário também teria ficado beneficiado com o lapso da senhoria porquanto se manteve no gozo do local arrendado por mais doze meses. Mas não é assim. O que sucedeu foi que o contrato de arrendamento se renovou em momento anterior àquele que erradamente foi indicado - para data posterior - pelo senhorio como sendo seu termo – vide Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 08/09/2022 a págs. 23 e 24 supra.

37.ª Diga-se que a reiteração por parte da senhoria, ao fixar a data de 30/06/2018 para o termo do novo contrato, demonstra à saciedade não nos encontrarmos em face de um simples lapso de escrita desta, tendo a senhoria, ao longo dos anos, reiterado e insistido de forma inequívoca na data de 30/06/2018, como sendo a data do termo do contrato de arrendamento – chegando a repetir essa data por diversas vezes na petição inicial – pelo que não se coloca in casu a questão de interpretar a sua declaração à luz das regras do art. 236.º do Cód. Civil, já que tal data, na perspectiva da senhoria, era certa e inequívoca.

38.ª No que concerne aos efeitos jurídicos de uma declaração negocial de oposição à renovação irregular, como sucede no caso sob análise, acompanhamos a doutrina firmada por Gravato Morais para quem «Tendo o senhorio indicado uma data de cessação do contrato diversa da real, a declaração não pode produzir os efeitos a que tende, por divergência entre a data declarada e a data da efetiva renovação do contrato» - (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls 1012/verso).

39.ª Vale dizer, in casu, é absolutamente ineficaz a oposição à renovação deduzida pela senhoria para o dia 30/06/2018, pois nessa data, e como decorre da recente jurisprudência citada, o contrato de arrendamento já se havia prorrogado (renovado) em 01/06/2018 por novo período de cinco anos.

40.ª Quer isto significar que, em face da oposição da senhoria para uma data posterior àquela que operaria a renovação automática do contrato, no caso sub judice operou-se a renovação do contrato «“por período sucessivo de igual duração” (art. 1096º, 1 do Código Civil, redação da Lei 31/2012), ou seja, por um segundo período de 5 anos, com início no dia 1 de junho de 2018 e termo no dia 31 de maio de 2023.» (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando de Gravato Morais a fls 1012/verso).

41.ª Discorda-se em absoluto da interpretação constante do Parecer junto pela Recorrida segundo a qual «a inércia da Arrendatária, que recebeu várias missivas das quais resultava que o contrato de arrendamento com duração determinada teria início a 1 de julho de 2013 e término a 30 de junho de 2018, não respondendo nem se opondo a tais indicações, corresponde a uma aceitação tácita», pois como ensina Gravato Morais, «não houve qualquer aceitação por ambas as partes quanto à data de submissão do contrato de arrendamento ao NRAU (de 1 de julho de 2013). A declaração do senhorio reveste natureza unilateral e impõe-se à contraparte, caso seja regular, ou não opera os seus efeitos, caso seja irregular.

Nem sequer se pode aludir à consolidação, pelo decurso do tempo, de uma situação contra legem, quando a lei, como afirmámos, tem natureza injuntiva» (Parecer do Senhor Professor-Doutor Fernando Gravato Morais a fls 1010 e 1010/verso).

42.ª Por outro lado, o senhorio é o dominus do processo de transicção do contrato para o NRAU recaindo sobre o arrendatário uma vinculação jurídica que consiste numa total sujeição aos interesses do senhorio, do que resulta que o senhorio, por ter o domínio do processo de transicção para o NRAU, dispõe de toda a informação para que este processo seja realizado sem vícios e irregularidades.

43.ª Quer isto significar que se o senhorio foi negligente, indicando ao arrendatário uma data legalmente errada para a transição para o NRAU e, por conseguinte, para a oposição à renovação do contrato de arrendamento, só ao senhorio é imputável tal negligência, sendo tal erro indesculpável na medida em que o senhorio dispunha de toda a informação para emitir uma declaração negocial eficaz sem padecer de vícios ou irregularidades.

44.ª Não recaindo sobre a arrendatária o dever jurídico de informar a senhoria de que esta se encontrava em erro indesculpável – vide jurisprudência citada a págs. 29 e 30.

45.ª Por fim, e atendendo à unidade do sistema jurídico (concretamente aos lugares paralelos), se tivermos em conta sobre o que ocorre noutros domínios do Direito Privado, designadamente no Direito do Trabalho, em especial no contrato de trabalho a termo certo, caso o empregador denuncie o contrato para lá do prazo da sua última renovação – por ex. indicando erradamente um mês para do termo do contrato -, assim se excedendo o seu prazo de duração, o contrato converte-se automaticamente num contrato sem termo (cfr. art. 147.º n.º 2 al. b) do Cód. do Trabalho), sendo descabido afirmar que o trabalhador ficou beneficiado porque continuou a trabalhar no período em que excedeu a renovação (ou seja, mais um mês).

46.º Por outro lado, sendo o erro indesculpável inteiramente imputável à entidade patronal que incumpriu o seu ónus de auto-informação, não incide sobre o trabalhador qualquer dever de elucidar a entidade empregadora.

47.ª Ora, presumindo que o legislador é uma pessoa coerente, que para problemas afins ou análogos consagre disciplinas afins ou análogas também, não pode, desta feita por respeito à unidade do sistema jurídico – art. 9.º, n.º 1, do Cód. Civil -, deixar de se concluir que o contrato de arrendamento sob análise se renovou em 01/06/2018 por um período de cinco anos.

48.ª Ao decidir como decidiu, não fez o Tribunal “a quo” a correcta interpretação e aplicação das normas constantes dos arts. 33.º n.º 2 ex vi do art. 52.º do NRAU, arts. 9.ºn.º 1, 762.º n.º 2, 1096.º e 1097.º, ambos do Cód. Civil, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido e proferido novo acórdão que julgue a presente acção improcedente.

49.ª Para o caso de se entender não ser admitida a dedução do presente recurso de Revista Excecional –o que apenas em tese se admite -, a Recorrente, a título subsidiário, apresenta o presente requerimento de interposição de recurso de Revista Normal, não olvidando que caso a formação prevista no art. 672.º n.º 3 do Cód. do Processo Civil venha a entender que não se verificam os pressupostos da revista excecional, e, simultaneamente, entender não se verificar uma situação de dupla conforme, deve determinar a apresentação dos autos ao relator seguindo-se a tramitação do processo de Revista “Normal” – cfr. art. 672.º.º n.º 5 do Cód. do Processo Civil.

50.ª No caso sob a análise, a existência de dupla conforme (impeditiva da interposição do recurso de Revista Normal) é meramente aparente, não existindo na realidade, pois que a fundamentação jurídica do Acórdão recorrido foca-se num eixo distinto da motivação jurídica do Tribunal de 1.ª Instância.

51.ª Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que deveria a Recorrente, no prazo de 30 dias após ter recebido a primeira carta da senhoria (de 04/03/2013) a promover a actualização extraordinária da renda e a transicção do contrato de arrendamento para o NRAU, ter-se pronunciado sobre a irregularidade cometida pela senhoria, pelo que não o tendo feito não poderá suscitar tal vício/irregularidade posteriormente, dada sua extemporaneidade.

52.ª Já o Tribunal “a quo” considerou que na primeira carta enviada pela senhoria à Recorrente, com vista a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, constava o prazo de 5 anos com início em 01/07/2023 e termo em 30/06/2018, o qual foi expressamente aceite pela Recorrente.

53.ª Isto é, o Tribunal 1.ª Instância entendeu que a Recorrente não se pronunciou, no prazo de 30 dias após receber a primeira missiva da senhoria, sobre a data de início do contrato em 01/07/2023 e termo em 30/06/2018, pelo que deixou de se poder pronunciar sobre qualquer vício existente por tal ser extemporâneo, enquanto que o Tribunal da Relação, por seu turno, entendeu que a Recorrente, após receber a primeira missiva da senhoria que continha o prazo de cinco anos do contrato e a data de início deste em 01/07/2023 e termo em 30/06/2018 aceitou expressamente aquelas datas de início e termo do contrato.

54.ª Destarte, os fundamentos jurídicos das duas instâncias padecem de uma contradição insanável, a saber: se a Recorrente, no prazo de 30 dias de que dispunha, não invocou qualquer irregularidade ou vício, concretamente a irregularidade do início do prazo do contrato de arrendamento para o dia 01/07/2013 e termo no dia 30/06/2018 – como afirma o Tribunal de 1.ª Instância -, não podia, nesse prazo de 30 dias, aceitar expressamente estas duas datas - como afirma o Tribunal da Relação.

55.ª Resulta assim, com meridiana clareza, que no caso em apreço a fundamentação jurídica que se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias é diversa nos seus aspectos essenciais, pelo que, inexistindo “dupla conforme” assiste à Recorrente o direito de interpor o presente recurso de revista normal.

56.ª É, por todos, sabido que o requerimento de interposição de recurso é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões – art. 641.º n.2 al. b) do Cód. do Processo Civil – pelo que, por uma questão de cautela, a Recorrente irá por reproduzir parcialmente as conclusões supra relativas ao recurso de Revista Excecional.

(…)

93.ª Ao decidir como decidiu, não fez o Tribunal “a quo” a correcta interpretação e aplicação das normas constantes dos arts. 33.º n.º 2 ex vi do art. 52.º do NRAU, arts. 9.º n.º 1, 762.º n.º 2, 1096.º e 1097.º, ambos do Cód. Civil, pelo que deve ser revogado o acórdão recorrido e proferido novo acórdão que julgue a presente acção improcedente.

1.6.- A Autora contra-alegou, em síntese:

Considera que não se verificam os pressupostos específicos da revista excepcional, e porque ocorre dupla conforme se impõe rejeitar a revista normal.

A transição para o NRAU operou por acordo das partes.

A Recorrente aceitou expressamente o tipo de contrato e o prazo proposto pela Recorrida, tendo feito uma contraproposta relativamente ao valor da renda que foi aceite.

Na comunicação em que a Recorrida aceitou a proposta da Recorrente relativamente ao valor da renda, efetivamente indicou como início do contrato a data de 01.07.2013 (sendo que a data que resultaria da aplicação do art. 33.º, n.º 4 ex vi do art. 52.º do NRAU seria 01.06.2013).

A data indicada pela Recorrida, e senhoria, beneficiou a Recorrente, na qualidade de arrendatária, que usufruiu de mais um mês de contrato.

A arrendatária conformou-se e aceitou, durante anos, tanto de forma tácita como de forma expressa, a data indicada pela Recorrida como data de início do contrato, o que inclusivamente confessou em sede de contestação.

A Recorrente pagou o novo valor da renda, na sequência da transição do contrato para o NRAU, em conformidade com a data que foi indicada pela Recorrida, e aceite pelas Partes, como data de início do contrato.

Em 2019, e sem prejuízo de ter sido declarado totalmente improcedente, a Recorrente intentou um procedimento cautelar contra a Recorrida, no âmbito do qual admitiu expressamente que a data de início do contrato de arrendamento ora em discussão era 01.07.2013.

Nas diversas comunicações das partes, sempre foi feita menção à data de 01.07.2013 como data de início do contrato, sem que a mesma tenha sido alguma vez colocada em causa.

Revela-se então evidente que a questão que a Recorrente coloca ao Supremo Tribunal de Justiça, na prática e na verdade, se cinge à problemática de poder agora aproveitar-se de uma data aparentemente determinada pelo NRAU, à revelia da convicção e comportamentos contratuais das Partes na vigência do contrato de arrendamento relativamente à data de início do contrato que transitou para o NRAU por acordo das Partes.

Para além de se evidenciar que as questões a apreciar não se revestem de especial complexidade nem controvérsia, denota-se também o caracter circunscrito da questão a este caso concreto e particular.

A admissibilidade, em sede arrendamento e, nomeadamente, no que contende com a convenção pelas partes de prazos diferentes dos imperativamente determinados, e desde que estabelecidos em benefício da parte que a norma protege, é perfeitamente pacífica tanto na nossa doutrina como na nossa jurisprudência.

Relativamente à imperatividade das normas de transição para o NRAU, cuja inderrogabilidade a Recorrente sustenta, entendeu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2023 que o artigo 50.º do NRAU foi pensado para o caso típico de transição para o NRAU com a atualização da renda.

1.7.- Por acórdão da Formação de 31-1-2024, foi admitida a revista excepcional.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se a Autora (senhoria) ao ter indicado como início do contrato o dia 1 de Julho de 2013, praticou uma irregularidade que acarreta a ineficácia da declaração negocial de transição para o NRAU, inviabilizado a oposição à renovação do contrato de arrendamento, postulando as seguintes questões:

- Da interpretação da declaração de resposta da Ré à Autora à declaração de transmissão para o NRAU;

- Se o art. 33.º, n.º 4, ex vi art. 52.º do NRAU assume uma natureza imperativa ou pode ser afastado por vontade das partes.

2.2. – Os factos provados

1.º Por escritura pública de 30.10.1971, a Ré tomou de arrendamento a AA, para fins não habitacionais, os segundo, terceiro, quarto e quinto andares do prédio urbano sito na Av. ... e os primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares e torreão do prédio urbano sito na Rua ..., nos termos do doc. de fls. 13 a 20 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (por acordo e doc. nº1 junto com a p.i.).

2.º O imóvel objeto do aludido contrato de arrendamento foi adquirido pela Autora em 06.07.1978 (por acordo e doc. nº2 junto com a p.i.) encontrando-se registada a aquisição a favor da A. pela Ap. 1 de1981/02/20.

3.º A transmissão do contrato de arrendamento foi oportunamente transmitida à Ré por carta datada do dia da aquisição do mesmo, e acima referida (por acordo e Doc. n.º 5 e 6).

4.º O contrato de arrendamento foi celebrado em data anterior à entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro.

5.º A Autora, na referida qualidade de Senhoria da Ré, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Março de 2013, e ao abrigo da legislação vigente à data, promoveu a transição do contrato de arrendamento acima identificado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, nos termos do art. 50º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, propondo que o contrato passasse a ser de prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos, e sugerindo um aumento de renda para o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) mensais, (por acordo e cópia da carta junta como Doc. n.º 7 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).

6.º Respondeu a Ré à referida missiva por carta registada com aviso de recepção datada de 1 de Abril de 2013, nos seguintes termos:

“Aos 05.03.2013 recebeu a arrendatária a carta remetida pela Exma Srºs a comunicar a intenção de que o contrato de arrendamento para fim não habitacional do prédio supra-referido, transitasse para o regime do NRAU;

Neste sentido propôs então, que o valor da renda passasse de €1.878,06 para €7.500,00 por mês, bem como que o contrato de arrendamento celebrado se converta num tipo de contrato de prazo certo”, sendo o respectivo prazo de duração de cinco anos.

Relativamente ao valor da renda peticionado, a arrendatária apresenta uma contraproposta ao montante sugerido, indicando o valor de € 6.800,00.

No que ao tipo e á duração do contrato atine, a arrendatária conforma-se com o tipo de contrato e prazo legal de duração do mesmo, indicados.”

(por acordo e Doc. n.º 8);

7.º Por carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Abril de 2013, a Autora comunicou à Ré o seguinte:

- a renda mensal será actualizada do seu valor de €1878,06 para €6.800,00 que deverá ser paga no dia 01 de Junho de 2013 referente ao mês de Julho de 2013;

- o referido contrato passará a ser um contrato com prazo certo, com duração de 5 anos, tendo o seu início em 01 de Julho de 2013 e término a 30 de Junho de 2018; (por acordo e Doc. n.º 9).

8.º Posteriormente, com antecedência superior a um ano à data do termo do contrato, a Autora, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento por carta registada com aviso de receção recebida pela Ré em 10 de Março de 2017, (cópia da carta e do aviso de recepção que ao diante se juntam como Doc. n.º 10 e 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais).

9.º A A. recepcionou a carta da Ré, datada de 29 de Junho de 2018, a comunicar o depósito da referida renda de € 6.915,45 na Caixa Geral de Depósitos (cópia da carta que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. n.º 12).

10.º A R. decidiu, no ano de 2010, realizar obras de restauro e de reabilitação do prédio arrendado, com vista á reconversão oficiosa do seu estabelecimento comercial em Hotel de 3 estrelas.

11.º Entre Junho/Agosto de 2010 e meados do ano de 2012 a R. realizou, entre muitas outras, as seguintes obras no prédio da A.:

- reparação do respetivo telhado, desde a substituição de barrotes, rufos e caleiras em chapa que estavam degradadas;

- reabilitação do telhado, mantendo as telhas existentes após lavagem, com o reforço do isolamento (roofmate), incluindo a instalação de sub-telha (onduline), para melhor impermeabilização do edifício, garantindo o isolamento e a qualidade e segurança do interior dos quartos, com vista à emissão do competente certificado energético com os respetivos custos inerentes;

- verificação e posterior recolocação das lousas em falta no revestimento das mansardas e substituição das partidas e fixação das existentes, as quais estavam em risco de iminente queda para a via pública;

- instalação de placas de gesso cartonado sobre as paredes existentes em tabiques e saibro; - pinturas efetuadas, rodapés, portas, corredores e sua iluminação, substituição da parte elétrica e respetivos quadros elétricos, rede em circuito fechado para abastecimento de água quente aos quartos através de caldeiras industriais inteligentes, rede de central de incêndios, detetores, ferragens das caixilharias e das portas dos quartos, casas de banho reformadas, substituição de soalhos podres, instalação de dispositivos de saída de emergência rápida;

- substituição integral dos rufos de chapa podres, existentes na cornija periférica do exterior do edifício, os quais permitiam a entrada de água da chuva no interior do edifício, - reabilitação dos aposentos, restauro de áreas comuns.

12.º Nas referidas obras que a R. realizou e custeou esta despendeu o montante de €1.007.000,00.

13.º Por carta de 23 Dezembro de 2011, o arrendatário da A., Banco Santander Totta, denunciou o contrato de arrendamento, com efeitos em 25 de janeiro de 2012, conforme teor das cartas juntas como doc. n.º 28 e 29 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

14.º Em virtude da referida denúncia, e aquando da cessação do referido contrato de arrendamento, as ora Autora e Ré, juntamente com a empresa A..., Lda. (que também era, e é, arrendatária da Autora), discutiram e analisaram a possibilidade de resolver os contratos de arrendamento que vigoravam entre as duas arrendatárias e a Autora, e celebrar um novo contrato de arrendamento com prazo certo, que englobasse um aumento das áreas arrendadas;

15.º Tal contrato a celebrar, em discussão entre as partes, sempre estava sujeito à apresentação do respetivo projeto de ampliação, ainda a apresentar pela Ré.

16.º As partes encetaram negociações para o efeito e, em reunião entre representantes de Autora e Ré, à data, discutiram a possibilidade de celebrar contrato de arrendamento pelo período de 10 (anos), condicionando o valor da renda ao investimento que tal projeto implicaria para Ré, conforme melhor resulta do documento manuscrito por ambas as partes que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

17.º. Por e-mails datados de 18 e 19 de Abril de 2012, a Autora remeteu à Ré os elementos dos prédios em causa, de forma que esta apresentasse o seu projeto e, dessa forma, aferissem acerca da viabilidade do negócio visado, conforme melhor resulta da cópia dos e-mails que ao diante se juntam e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.

18.º A Ré, por e-mail de Dezembro do indicado ano de 2012, remeteu à Autora, o seu projeto de ampliação do Hotel, que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

19.º Tendo, ainda, enviado os dados e documentos das empresas em causa, para a elaboração do contrato negociado, em 18 de Fevereiro de 2013, conforme se comprova com cópia do e-mail que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

20.º De acordo com o combinado, a Autora elaborou o contrato de arrendamento em conformidade, pelo período de 10 (anos), que remeteu à Ré em 22 de Fevereiro de 2013, conforme se comprova com cópia do e-mail que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

21.º Aquando do envio de tal documento, a Ré afirmou não aceitar um contrato de arrendamento pelo período de 10 anos, o que sabia ser condição essencial para a Autora.

22.º A A. teve conhecimento da realização de obras no locado no período de 2010 a 2012.

2.3. – A apreciação do tribunal

A pretensão da Autora consubstanciada no despejo imediato da Ré do imóvel sito nos segundo, terceiro, quarto e quinto andares do prédio urbano sito na Av. ... e os primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares e torreão do prédio urbano sito na Rua ..., baseia-se na alegação de que após a correcta transição para o NRAU ( Lei n.º 6/2006, de 27-02) nos termos legais, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 30-06-2028.

A Ré opõe-se à pretensão da Autora, porquanto considera que, uma vez que a Autora, na comunicação de transição para NRAU prestou uma informação incorrecta e contrária ao critério legal imperativo constante dos arts. 33.º, n.º 4, ex vi art. 52.º, do NRAU, - data posterior da transição – o que integra uma irregularidade manifesta e grave. A Autora, ao ter aceitado o valor da renda proposto pela Ré, o contrato de arrendamento ficou imperativamente submetido ao NRAU na data que resulta destes normativos, 01-06-2013 (a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção pelo arrendatário da comunicação do senhorio), e não na data indicada pela Autora na referida comunicação, 01-07-2013, pelo que o contrato de arrendamento se renovou em 01-06-2018, por mais cinco anos.

As instâncias de modo convergente, consideraram procedente a pretensão da Autora com a seguinte fundamentação:

“Adere-se ao entendimento referido na sentença recorrida de que ocorreu a transição para o regime do NRAU e o aumento de renda, sendo que a arrendatária não invocou nenhuma das circunstâncias previstas na alínea b) do nº 4 do artigo 51º (ser uma associação privada sem fins lucrativos, que se dedica à actividade cultural, recreativa ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal), e nessa medida a falta da comprovação de um dos requisitos afasta a possibilidade da ré se opor com tal fundamento à transição do contrato para o NRAU.

No caso a autora enviou à arrendatária a comunicação visando a transição do contrato de arrendamento para o Nrau e deu cumprimento a todos os formalismos, tendo referido que o contrato ficaria sujeito ao prazo de 5 anos, com início em 1/7/2013 e termo em 30/6/2018 e a arrendatária aceitou essa transição. A circunstância de a senhoria ter indicado que o contrato transitaria para o NRAU no dia 1/7/2013 ao invés do dia 1/6/2013, não torna a declaração ineficaz, dado que a comunicação respeitou todas as formalidades e foi aceite de forma expressa pela arrendatária.

Pelo exposto, o contrato de arrendamento transitou validamente para o NRAU por acordo das partes em 1/7/2013.

(…)

Por outro lado, improcede o outro segmento do recurso relativo à oposição à renovação dado que a data acordada pelas partes foi a de 1/7/2013 (e não a de 1/6/2013) e nessa medida tendo a senhoria apresentado a oposição á renovação com antecedência superior a um ano (mesmo havendo a discrepância de um mês) tal comunicação obstou á renovação do contrato.

Por fim a recorrente invoca que ao promover a transição plena para o NRAU e ao opor-se à renovação do contrato de arrendamento nos termos descritos, a senhoria pretende obter uma vantagem e simultaneamente impor à Recorrente um sacrifício absolutamente desproporcional à vantagem obtida, em clara afronta à boa-fé e estando a actuar com abuso de direito.

Refere que realizou um investimento avultado ao realizar obras em meados do ano de 2012 tendo as partes encetado negociações e que a autora só teria promovido a transição do contrato em vigor para o NRAU como retaliação pela frustração das negociações. Por outro lado, considera que ao realizar essas obras num valor tão elevado teria a expectativa de que não iria haver transição para o regime do NRAU.

(…)

Na sentença recorrida foi considerado não existir abuso de direito dado que desde logo porque a ré não logrou provar que foi a A. quem foi a causadora do insucesso de tais negociações, ou que criou a convicção na R. de que iria celebrar um novo contrato de arrendamento a 20 anos.

Por outro lado, o investimento avultado nas obras iniciou em 2010 e nessa altura não havia a expectativa de celebrar um novo contrato porque a lei não tinha entrado em vigor.

No caso dos autos, e aderindo ao entendimento da sentença recorrida, consideramos que não está demonstrada a existência de nenhum abuso de direito por parte da autora que sendo proprietária do imóvel, face á alteração legislativa de 2012, exerceu uma faculdade legal legitima, não tendo a ré ao realizar obras que começaram em 2010 (antes da lei) nenhuma expectativa que a autora haja violado com a transição para o NRAU.

Importa salientar que o contrato de arrendamento dos autos respeita a arrendamento urbano para fim não habitacional e é datado de 30-10-1971, pelo que foi celebrado em data anterior ao Regime do Arrendamento Urbano de 1990, aprovado pelo DL nº321/90, de 15-10, configurando um contrato de arrendamento “vinculístico”, não podendo o senhorio, em regra, colocar termo ao contrato, por sua livre vontade.

Porém, com a entrada em vigor do NRAU, Lei n.º 6/2006, de 27-02, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, permitiu-se a transição destes contratos para o NRAU, ainda que sujeita aos critérios normativos aí previstos. Na verdade, em 2012, com Lei n.º 31/2012, que veio alterar o NRAU, passou a ser possível a transição total destes contratos para o novo regime, sendo, também, admissível a oposição à renovação sem motivo justificado, desde que cumpridos os prazos legais, cfr. arts. 1101.º, al. c) e 1110.º, n.º 2, do CC.

Para os contratos de arrendamento para fins não habitacionais estatui o art. 50.º do NRAU, sob a epígrafe “Iniciativa do senhorio”:

“A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;

c) Cópia da caderneta predial urbana;

d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;

g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.”

Note-se que o AUJ de 15-06-2023, proferido no âmbito do proc. n.º 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A( disponível em www dgsi.pt ) fixou a seguinte jurisprudência: “Nos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30-09, o locador que pretenda promover a transição do contrato para o NRAU, sem actualização da renda, não está obrigado à indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 35.º e ss. do CIMI, nem à junção da cópia da caderneta predial urbana, como previsto nas als. b) e c) do art. 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redacção da Lei n.º 79/2014, de 19-12.”

Ainda que não trate matéria semelhante à presente, a verdade é que versa sobre contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado antes do RAU, como o presente, e trilhou parte do caminho relativo à forma de comunicação da transição para o NRAU. Foi considerada a admissibilidade da transição para o NRAU, num caso em que o senhorio não pretendia a actualização da renda, tão só aquela transição, permitindo que tal comunicação seja válida mesmo que não seja acompanhada da indicação do valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 35.º e ss. do CIMI, nem da junção da cópia da caderneta predial urbana.

Na situação dos autos, para o que ora releva, a Autora remeteu à Ré carta registada com aviso de recepção, datada de 04-03-2013, e ao abrigo da legislação vigente à data, promoveu a transição do contrato de arrendamento acima identificado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, nos termos do art. 50º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, propondo que o contrato passasse a ser de prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos, e sugerindo um aumento de renda para o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) mensais – facto provado n.º 5.

Em resposta a esta comunicação, a Ré remeteu carta à Autora, datada de 01-04-2013, com o seguinte teor:

“Aos 05.03.2013 recebeu a arrendatária a carta remetida pela Exma Srºs a comunicar a intenção de que o contrato de arrendamento para fim não habitacional do prédio supra-referido, transitasse para o regime do NRAU;

Neste sentido propôs então, que o valor da renda passasse de €1.878,06 para €7.500,00 por mês, bem como que o contrato de arrendamento celebrado se converta num tipo de contrato de prazo certo”, sendo o respectivo prazo de duração de cinco anos.

Relativamente ao valor da renda peticionado, a arrendatária apresenta uma contraproposta ao montante sugerido, indicando o valor de € 6.800,00.

No que ao tipo e á duração do contrato atine, a arrendatária conforma-se com o tipo de contrato e prazo legal de duração do mesmo, indicados.” – facto provado n.º 6.

A posição da Ré é a seguinte: tendo a Autora (senhoria) indicado como início do contrato o dia 1 de Julho de 2013, em violação da regra imperativa do art.33 nº4 NRAU, praticou uma irregularidade que acarreta a ineficácia da declaração negocial de transição para o NRAU, e consequente ineficácia da oposição à renovação do contrato.

Não parece, com o devido respeito, aceitável esta argumentação.

Em primeiro lugar, resulta da factualidade apurada que as partes acordaram na modificação do contrato de arrendamento por tempo indeterminado em contrato de arrendamento com prazo certo, ou seja, na transição para o NRAU. O teor da resposta da Ré à carta de comunicação da Autora a proceder à transição para o NRAU e a alterar o valor mensal da renda é claro: a Ré propôs um novo valor de renda mensal, inferior ao que havia sido proposto pela Autora e, no que toca à transição para o NRAU, responde que “No que ao tipo e à duração do contrato atine, a arrendatária conforma-se com o tipo de contrato e prazo legal de duração do mesmo, indicados.”

Em segundo lugar, a comunicação da Autora a indicar o dia do início da modificação do contrato contrária à referida no art.33 nº4 NRAU não consubstancia uma irregularidade que torne ineficaz o acordo de transição, tanto mais que não faz parte do conjunto de informações que o senhorio deva prestar ao arrendatário nos termos dos arts.50, 51 e 33 (ex vi art.52) do NRAU.

Em terceiro lugar, a determinação da data do início da modificação do contrato de tempo indeterminado para prazo certo de 5 anos é uma mera execução do acordo.

Em quarto lugar, a regra do art.33 nº4 do NRAU não é uma norma imperativa.

Qualquer declaração de vontade negocial revela-se como um fenómeno ambivalente: enquanto acto de comunicação e enquanto acto determinativo ou normativo ( cf., por ex., Karl Larenz, Derecho Civil, Parte Generale, 1978, pág.448 e segs.).Ora, este fenómeno reflecte-se também no problema da interpretação, tanto assim que o acto de comunicação, destinado a ser conhecido e entendido pelo declaratário, provoca nele a correspectiva confiança, pelo que a declaração de vontade há-de responsabilizar o declarante por esta confiança, dentro da “ordem envolvente da interacção negocial”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes. Mas, tornando-se o acto comunicativo juridicamente vinculante, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa-fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.

A Autora (senhoria) promoveu a transição do contrato de arrendamento para o NRAU indicando o valor da renda mensal (€ 7.500,00) e o tipo e duração do contrato (prazo certo por 5 anos) (arts.30 a) NRAU). A Ré (arrendatária) opôs ao valor da renda, propondo a quantia de € 6.800,00, mas logo aceitou o tipo e duração do contrato (art.31 b) e c) NRAU). A Autora declarou aceitar, por carta de 4-4-2013, o valor da renda proposto pela Ré. Daqui resulta a inequívoca vontade das partes em operar, por acordo, a transição do contrato para o regime do NRAU, ou seja, em face do acordo, “o contrato fica submetido ao NRAU”, na expressão legal.

Se o art. 33.º, n.º 4, ex vi art. 52.º do NRAU assume uma natureza imperativa ou pode ser afastado por vontade das partes:

O art. 33.º, n.º 4, do NRAU, estatui o seguinte:

Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário ou verificando-se o disposto no número anterior, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 ou do termo do prazo aí previsto:

a) De acordo com o tipo e a duração acordados;

b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos”.

A ratio legis é a protecção do arrendatário e como tal mostra-se previsto todo um procedimento a fim de assegurar a transição dos contratos de arrendamento não habitacional anteriores ao RAU para o NRAU. O procedimento legal assegurado nestas regras legais visam garantir um mínimo de protecção ao arrendatário, e em concreto para o que agora nos ocupa, o legislador pretendeu assegurar um período mínimo de 30 dias até à transição do contrato para o NRAU, contados desde aceitação pelo senhorio da contraproposta do arrendatário.

Mas, caso as partes, de mútuo acordo, prevejam um período mais alargado para a transição do contrato para o NRAU em vez daqueles minimus legais, não existe qualquer obstáculo legal para tanto, em face do princípio da liberdade contratual.

Em termos gerais, a previsão legal ínsita no n.º 4 do art. 33.º do NRAU deverá ser interpretada no sentido da admissibilidade, por acordo, de um prazo mais alargado para operar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, porquanto este normativo apenas prevê um imperativo legal mínimo de prazo, sem prejuízo das partes acordarem um prazo mais alargado de transição. E esta interpretação apoia-se tanto no elemento literal, como teleológico, já que o objectivo legal é o de evitar uma transição súbita, garantindo um período mínimo, que fica salvaguardado quando, no âmbito da liberdade negocial, as partes acordam um período maior.

Ora bem, tendo a Autora - no seguimento e em face do acordo celebrado com a Ré para a modificação do contrato, quanto à renda e transformação do arrendamento para prazo certo - indicado a data de 01-07-2013, como o momento de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sem que a Ré a ela se opusesse, quer no momento da recepção das referidas comunicações, quer no momento do pagamento das rendas, deve ter-se como tácita aceitação.

Importa sublinhar que a indicação da data de 1 de Julho de 2013 surge no seguimento do acordo efectuado através da expressa aceitação do valor da renda proposto pela Ré e a conduta posterior desta é suficientemente reveladora da sua intenção de aceitar a referida data como início do transição.

Como se sabe, a conclusão do contrato está sujeita ao esquema proposta/aceitação, consubstanciando ambas declarações negociais, às quais se aplicam as disposições gerais dos 224 a 226 CC e das especiais dos arts.228 a 235 CC, pelo que, em regra, a aceitação, enquanto declaração receptícia, deve ser feita ao proponente. Contudo, há situações em que não se torna necessário que seja dado conhecimento ao proponente da aceitação, ou seja, em que a lei (art.234 CC) dispensa a aceitação. Neste caso, dispensa-se a declaração de aceitação endereçada ao proponente, na medida em que a conduta revele ou exteriorize uma vontade de aceitar, tratando-se, pois, de uma aceitação tácita. Assim, como dispensa da declaração de aceitação deve admitir-se “o começo do exercício do acto proposto” ou quando “o acto de cumprimento da obrigação emergente do contrato” (cf. Pires de Lima – Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 221).

A circunstância da Ré só passar a pagar a nova renda acordada (€ 6.800,00) em Julho de 2013, como resulta do documento (recibo) junto com a resposta, que não foi impugnado, é bem revelador da vontade de aceitar o início da transição nessa data.

Por outro lado, a Ré, durante o período de negociações para a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, propôs uma nova renda à Autora, com a qual a Autora concordou, e aceitou expressamente a transição para o NRAU nos termos propostos pela Autora, e caso a Ré não tivesse concordado com o momento inicial da transição para o NRAU, sempre poderia ter, em resposta à Autora, comunicado que a alteração se fazia um mês antes da data indicada pela autora, procedendo ao pagamento da nova renda desde logo no mês de Junho de 2013 e não a partir de Julho de 2013.

Acresce que quando em Março de 2017, a Ré recebeu a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, nada manifestou junto da Autora. A comunicação era expressa e demonstrava a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento um ano e dois meses antes de 01-06-2018 e um ano e três meses antes de 01-07-2018.

Neste contexto, é pertinente o argumento aduzido na sentença da 1ª instância, ao afirmar o seguinte:

“Assim, dando o senhorio início ao procedimento para transição do contrato para o regime do NRAU, o momento decisivo para o arrendatário defender os seus interesses é a resposta à comunicação prevista no artigo 51º, cabendo-lhe, na mesma resposta e no prazo legal de 30 dias, a invocação de alguma das circunstâncias previstas no n.º 4 daquela norma ou de outros vícios que possam colocar em crise a regularidade daquela comunicação inicial do senhorio. Não o fazendo e concluindo-se pela transferência do contrato para aquele regime do NRAU, a invocação posterior de tais circunstâncias ou vícios é extemporânea, tornando-se irrelevante na medida em quem nesse momento, já não será possível fazer reverter a transmutação do contrato original num contrato de prazo certo de 5 anos, a cuja renovação o senhorio se pode opor”.

Noutra perspectiva, tendo a Ré pago a nova renda a partir de Julho de 2013 e nunca havendo questionado a data do início da transição, o facto de só o fazer quando confrontada com esta acção evidencia claro abuso de direito (art.334 CC).

Por conseguinte, o acordo das partes relativamente à data da transição do contrato de arrendamento para o NRAU não se mostra em violação do regime previsto no art. 33.º, n.º 4, do NRAU, porquanto este acordo respeita o prazo aí instituído e que integra um mínimo legal imperativo para o período de transição, prevalecendo, no caso, a autonomia privada com respeito pelo citado regime legal.

Além disso, importa acentuar que a posição da Ré não poderá proceder pois a oposição da Autora à renovação, quer se considere a data de 1-6-2018 ou de 1-7-2018, sempre será legal.

A Autora remeteu à Ré a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, por carta registada com aviso de recepção recebida pela ré em 10 de Março de 2017, a fim de que o arrendamento não se renovasse por mais cinco anos, com referência à data de 01-07-2018 – facto provado n.º 8.

Significa que o prazo de um ano para a oposição à renovação, por parte da autora, foi respeitado (cf. art. 1110.º, n.º 2, do CC), quer por referência à data de 01-06-2018, quer por referência à data de 01-07-2018.

Sendo assim, a oposição à renovação deste contrato de arrendamento mostra-se válida quer tenhamos em consideração que a renovação ocorreu em 01-06-2018, quer atendamos à data de 01-07-2018, o que era do conhecimento da Ré, pois recebeu à comunicação de oposição à renovação deste contrato de arrendamento em 10-03-2017.

O prazo de um ano previsto para a oposição à renovação de novo contrato, prevista no art. 1110.º, n.º 2, do CC, mostrava-se tempestiva para qualquer daqueles prazos, tendo a ré dela conhecimento e não a contestou junto da autora, nem mesmo quanto ao momento em que, no seu entendimento, tal contrato se renovaria.

Na verdade, a oposição à renovação que autora manifestou sempre seria válida quer para a data de renovação que resulta da lei, quer para aquela que foi estipulada pela autora e que obteve a concordância da ré, porque emitida mais de um ano antes das duas datas.

Nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2)

Condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Julho de 2024.

Jorge Arcanjo (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

António Magalhães