Logótipo STJ
Jurisprudência
N.º de Processo:
2676/16.8T8ENT.E1.S1
Data:
18/02/2020
Meio Processual:
Jurisprudência:
Votação:
Área Temática:
1ª Secção (Cível)
Trib. de Recurso - Proc.:
Sumário

I - No âmbito do recurso de apelação, pode o apelado, nas suas contra-alegações, e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 636.º do CPC, requerer a ampliação do recurso, tendo tal ampliação por objeto a impugnação de determinados pontos da matéria de facto, com vista à obtenção de alterações na matéria de facto que podem influir decisivamente na solução a dar às questões suscitadas pelo apelante.

II - Podendo a solução a dar pela Relação a tal ampliação influir na apreciação das demais questões suscitadas na revista, impõe-se a anulação do acórdão recorrido a fim de a Relação conhecer da requerida ampliação.

Decisão Texto Integral

 

Revista nº 2676/16.8T8ENT.E1.S1

 

 

 

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

 

 

 

AA intentou ação declarativa comum contra Biosic – Sociedade de Produtos Naturais, LD.ª e MBT Imóveis, S.A., pedindo que lhe seja reconhecido o seu direito de preferência na alienação do prédio identificado na petição inicial e que tem direito a haver para si o referido prédio e que seja a 2ª ré condenada a abrir mão de tal prédio, bem como seja declarada a substituição da 2ª ré pela autora na titularidade daquele direito de propriedade e declarada a modificação do Registo Predial em conformidade.

Alegou para tanto e em resumo que é comproprietária na proporção de ½ do prédio identificado no art.º 1.º e 2.º da petição inicial, tendo o seu marido adquirido igualmente o referido prédio na proporção de ½, que em 2013 o seu marido vendeu a sua quota parte à 1ª ré e que esta vendeu à 2ª ré, entre outros, aquela quota parte – venda esta que não lhe foi comunicada e relativamente à qual tem direito de preferência, na qualidade de comproprietária.

 

Na sua contestação a 1ª ré invocou a simulação absoluta do negócio que esteve na base da aquisição pela autora de metade do aludido prédio e a falsidade da escritura pública que o titulou e bem assim a simulação da venda efetuada à própria ré, com vista a eximir aquele bem ao património do vendedor, considerando que este é avalista na generalidade dos encargos das sociedades de que é sócio. Invoca ainda a simulação da venda à 2ª ré. Em consequência arguiu a nulidade de todos os negócios.

Invoca, ainda a inexistência de direito de preferência, porquanto, sendo prevalência do prédio em causa a parte rústica, tem aplicação o disposto no art.º 1380.º do Código Civil e a autora não é proprietária de qualquer prédio confinante. Mais alega que a autora sabia que a venda à 1ª ré era fictícia porquanto a mesma é sócia da 1ª ré, e ainda a prescrição do direito da autora, porquanto a mesma teve conhecimento da operação em causa desde Setembro de 2015, tendo aprovado a venda em causa e invoca o abuso de direito por parte da autora, porquanto sabe que nunca pagou qualquer preço pela aquisição da sua quota-parte.

 

Por sua vez a 2ª ré invocou a simulação do negócio que titulou a aquisição pela autora da quota de ½, bem como a simulação da venda efetuada da 1ª para a 2ª ré.

Foi admitida a intervenção da sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª e de BB, a título pessoal.

 

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual, na procedência da ação, se reconheceu o direito de preferência da A na compra e venda de ½ do prédio id. em 1.1. dos factos provados, adjudicando-se à A tal quota e se declarou a substituição da 2.ª R pela A no negócio id. em 1.5. dos factos provados titulado pela escritura de 15 de Janeiro de 2016.

 

Na sequência e no âmbito de apelação da ré MBT, a Relação de Évora revogou a decisão recorrida e julgou improcedente a ação, absolvendo as RR dos pedidos.

 

  Inconformada, interpôs a autora o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - A recorrente entende que o Tribunal da Relação decidiu mal: a) ao rejeitar a ampliação do recurso por si peticionada; b) ao alterar, nos termos em que a alterou, a matéria de facto fixada pela 1ª instância; c) ao julgar verificados os requisitos da simulação, fazendo assim improceder a ação.

E aqui se contem, em traços largos, o objeto da presente Revista.

2ª - É manifesto, ao contrário do que foi entendido na 2ª instância, que a ampliação do recurso para questionar a decisão de dar como provados os factos dos pontos 1.9 e 1.10 dos factos provados cabe na previsão do nº 2 do artigo 636° do CPC e que, portanto, deveria ter-se conhecido da mesma.

A remissão para aquele dispositivo processual torna claro que o que a aqui recorrente pretendia com a ampliação do recurso era evitar que aqueles dois factos - que teve por indevidamente provados - pudessem vir a ser relevados para efeitos da procedência do recurso interposto pela apelada no concernente ao mérito da ação, o que - infelizmente e erradamente - veio a suceder.

3ª - Apegando-se a rigor formalista inaceitável, o Tribunal da Relação violou, por erro de interpretação, aquele normativo do n° 2 do artigo 636º do CPC e, portanto, há-de o douto acórdão ser revogado, nesta parte, ordenando-se a baixa do processo à 2ª instância para que aí se conheça da ampliação. Isto, naturalmente, no caso de esse Colendo Tribunal não decidir revogar desde já o douto acórdão na medida em que julgou improcedente a ação, fazendo-a proceder.

4ª - O Tribunal da Relação entendeu "repescar" (pois que todas elas tinham sido julgadas não provadas na 1ª instância) as matérias dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° das contestações das rés afirmando, apoditicamente, sem demonstração alguma, que neles estão alegados todos os requisitos da simulação relativamente ao negócio de 11.03.2010.

E, subsequentemente, socorrendo-se de presunções judiciais, decidiu dar aquelas matérias como provadas e, lendo nelas a presença de todos os requisitos do negócio jurídico simulado, deu como provada a simulação e, por via disso, julgou a ação improcedente.

Contudo - e com todo o respeito - entende a recorrente que, assim procedendo e decidindo, as Exmas. Desembargadoras erraram na análise e valoração dos factos e na interpretação e aplicação do direito. Com efeito,

5ª - Aqueles factos dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° das Contestações das rés foram sujeitos na 1ª instância a prova testemunhal e dados depois como não provados, sendo que a Exma. Juiz, analisando a prova adrede produzida, depois de ter concluído que relativamente àquele negócio de 11.03.2010 não era de aplicar a limitação dos nºs 1 e 2 do artigo 394° do Código Civil, deu-os por não provados (cf pontos 2.1 e 2.2 dos factos não provados).

6ª - Neste contexto, manifestamente, o Tribunal da Relação não poderia ter recorrido a presunções judiciais para dar como provados factos que, tendo na 1ª instância sido sujeitos a prova testemunhal foram, todavia, julgados não provados (cf. fundamentação jurisprudencial invocada acima, na pág. 16). Fazendo-o, violou, nomeadamente, o artigo 351º do Código Civil.

E, anota-se, a Relação não ponderou sobre a prova testemunhal produzida na 1ª instância, nem poderia fazê-lo, pois que as respostas contidas naqueles pontos 2.1 e 2.2 dos factos não provados não foram impugnadas pela apelante.

7ª O recurso é, também neste particular, admissível, pois que o Tribunal da Relação, assim procedendo, agiu fora da previsão do nº 1 do artigo 662º do CPC e, não se estando perante alguma das situações do nº 2, o recurso não está proibido pelo nº 4 do mesmo artigo.

Ademais, face à lei, as presunções são autênticos meios de prova, e é entendimento praticamente pacífico que o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o uso que o Tribunal da Relação fez das presunções judiciais (ver fundamentação jurisprudencial, acima, na pág. 18).

Isto porque, saber se a Relação pode, ou não, em determinadas circunstâncias, usar de um concreto meio de prova, é matéria de direito.

8ª - O método que conduziu à prova dos factos dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° das contestações está viciado, pois que, dos factos provados segundo os quais o preço não foi pago e a sociedade querer evitar a possível oneração dos seus bens pelos credores por passar por dificuldades financeiras, não pode extrair-se, que o negócio em causa foi celebrado com o propósito de esvaziar o valor económico da sociedade para impedir a satisfação dos credores, com o fundamento de que «não se mostra compatível com a realidade normal da experiência de vida que seja vendido um imóvel sem o efetivo pagamento do preço».

E ao Supremo Tribunal de Justiça é lícito conhecer da suficiência e regularidade do método usado em concreto para extrair aquela conclusão (ver fundamentação jurisprudencial, acima, págs. 18 e 19).

9ª - No caso dos autos, considerando os factos provados - aos quais é necessário atermo-nos enquanto permanecerem provados - o preço não foi pago e está lançado na contabilidade da sociedade vendedora como estando em dívida, isto é, como crédito da vendedora sobre os compradores, o seu gerente, único, BB e a aqui recorrente.

Há-de dar-se por seguro que tal crédito/débito foi lançado na contabilidade com a intervenção do BB, pois que, sendo  ele, da parte da sociedade, o único interveniente na venda, foi ele que prestou à contabilidade a informação que está na origem de tal lançamento. Ora,

10ª - Resultando da contabilidade da vendedora que o preço não está pago, a conclusão lógica que o facto permite tirar é a de que o preço ainda não foi pago, mas não a de que os compradores não quiseram pagá-lo e a vendedora não quis recebê-lo.

Se a vendedora lançou na sua contabilidade o crédito correspondente ao preço, é porque conta recebê-lo. E se conta recebê-lo, é porque quis vender.

Se o BB agiu em termos de a contabilidade da sociedade que gere manifestar o crédito dela, sobre si e sobre a recorrente, isso tem de significar: a) que ele admite que a sociedade quis vender; b) que ele se reconhece devedor e, portanto, quis comprar; c) que considera a recorrente devedora e, portanto, reconhece que ela quis comprar.

Como muito bem se escreveu na sentença da lª instância, «o mero não pagamento do preço em causa, não permite concluir pela inexistência da vontade de vender ou adquirir, já que se poderá estar meramente no âmbito de uma obrigação não cumprida.» (ver sentença, pág. 17, não numerada).

11ª - Donde, a conclusão pela vontade de simular a partir do não pagamento do preço não emerge como decorrência lógica razoável do facto de não ter sido pago o preço.

E, portanto, a Relação errou ao decidir dar como provados os factos dos artigos 14° a 17° das contestações e tal decisão deve ser revertida, revogada.

12ª - Mais: é absolutamente ilógico que a sociedade, querendo, com a venda, iludir os credores, tivesse exatamente vendido ao seu gerente, ao BB, «que da generalidade dos seus encargos é avalista.» (cf artigo 23° da contestação da Biosic, que o BB fez sua), pois que assim deixou o bem, na parte vendida ao BB, ao alcance dos credores que com o negócio diz ter querido iludir.

Donde, a simulação também não é decorrência lógica de a sociedade querer transferir para a titularidade de outrem os seus bens para os afastar do alcance dos credores.

13ª - Acresce que os factos provados, devidamente concatenados e interpretados, mostram que os comportamentos da vendedora posteriormente à venda e os dos compradores anteriores e posteriores à aquisição não se revelam compatíveis com a falta de vontade real em celebrar o negócio.

A sociedade vendedora desinteressou-se do destino do prédio, mesmo depois de o seu gerente ter deixado de o habitar, mesmo depois de se ter divorciado da recorrente.

O BB, habitando-o, antes e depois de casado, tendo aí constituído a casa de morada de família, revelou uma ligação ao mesmo perfeitamente compatível com a vontade de comprá-lo; e, vendendo a sua parte, depois de ter cessado a sua relação com a autora, assumiu-se como proprietário, sendo que o tê-lo vendido revela que o não quis conservar para, eventualmente, o fazer reverter para a sociedade.

A recorrente, aí vivendo, já enquanto junta com o BB, já enquanto casada com ele, já depois de divorciada dele, revelou e revela uma ligação ao prédio que aponta decisivamente para a seriedade da compra.

Bem, muito bem, discorreu a este propósito a Exma. Juiz da la instância no segmento da sentença que se deixou transcrita acima, na página 25.

14ª - Acresce ainda que a aqui recorrente nunca foi sócia, nem gerente de Manuel Barroso Tavares, Lda. e nunca teve nela função ou interesse.

Foi casada com o BB em regime de separação de bens e, portanto, nunca teve com ele património em comunhão.

A que título se disponibilizaria, então, para, a troco de nada, se prestar a ajudar a sociedade a defraudar os seus credores? As Exmas. Desembargadoras não no-lo dizem e o processo não o revela.

15ª - O raciocínio que levou as Exmas. Desembargadoras a, partindo do facto provado segundo o qual o preço da compra não está pago, concluir pela prova dos factos dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° está, nas circunstâncias concretas dos autos, viciado, pois que as premissas de que se partiu para afirmar esta consequência não a permitem ou, pelo menos, não a impõem.

E o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer do vício, como se demonstrou pelo dado jurisprudencial transcrito nas páginas 18 e 19.

16ª - O facto de a contabilidade da vendedora manifestar que o preço da compra e venda não está pago, significa, claramente, que a sociedade se afirma credora do preço. E isto não é compatível com a afirmação de que não quis vender.

Esta menção da contabilidade não pode deixar de ter tido ongem no BB que, informando do facto, quis que a sociedade que solitariamente gere se afirmasse credora pelo preço da venda, dele próprio e da então sua mulher.

Se o BB quis tal quanto a si, reconhece que a sociedade quis vender e que ele mesmo quis comprar. E se quis tal quanto à então sua mulher, reconhece que ela quis comprar e a sociedade quis vender-lhe.

17ª - Donde, o raciocínio das Ilustres Desembargadoras que faz depender do não pagamento do preço a prova dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° das contestações carece de razoabilidade lógica, está viciado, pois que daquele dado contabilístico não pode retirar-se que as partes não quiseram pagar nem receber o preço.

18ª - As Exmas. Desembargadoras afadigaram-se à procura de um princípio de prova escrita que «indiciasse» a simulação e lhes permitisse lançar mão da prova testemunhal, e assim poderem contornar a limitação dos nºs 1 e 2 do artigo 394° do Código Civil.

Julgaram encontrar tal princípio de prova escrita na menção contabilística de que o preço não fora pago.

Mas, então, desinteressaram-se completamente da prova testemunhal que não analisaram, saltando logo para as presunções judiciais.

E. com todo o respeito, tal procedimento não é processualmente lícito: se chegaram à admissibilidade da prova testemunhal; se a prova testemunhal foi produzida; se a valoração da prova testemunhal feita em 1 a instância levou à decisão de não dar como provados os factos dos artigos 14°, 15°, 16° e 17 das contestações; então o que o Tribunal teria de fazer era a ponderação de tal prova testemunhal e concluir, se fosse o caso, pela alteração daquelas respostas.

O que não podia era saltar para as presunções judiciais desprezando a prova testemunhal.

19ª - De todo o modo, vê-se bem a partir de tudo quanto vem dito, que o mero facto de constar da contabilidade da vendedora a menção de que o preço está em dívida, não constitui princípio de prova escrita suficiente para derrogar a proibição do nº 2 do artigo 394º do Código Civil, que na circunstância, resultou violado.

20ª - Nas circunstâncias concretas dos autos a simulação, é naturalmente impossível no concernente ao contrato (rigorosamente, contratos, porque de dois contratos de compra e venda se trata) na parte em que BB, Lda. vende a BB.

Isto porque a simulação exige uma estrutura de natureza psicológica de que as pessoas jurídicas não estão naturalmente dotadas e só possível através das pessoas que integram os seus órgãos.

E ainda que a lei ficcione certas qualidades psicológicas em vista da prossecução dos seus fins, cumpre afirmar que a celebração de negócios jurídicos simulados não está nos fins das sociedades comerciais.

21ª - No negócio de 11.03.2010, no que concerne à venda que a sociedade fez ao seu gerente, o BB, só este interveio, nele não tendo tido participação qualquer outro órgão ou pessoa com ligação à sociedade.

Ninguém pode acordar consigo mesmo - é um absurdo - e o BB não poderia acordar consigo mesmo declarar em divergência com a sua real vontade para enganar terceiro.

A simulação é, então, naturalmente impossível.

Pode o BB, na dupla qualidade em que interveio, ter agido com reserva mental; ter simulado é que não pôde.

22ª - E sendo verdade que o que vem de ser dito não se aplica à compra e venda celebrada entre a sociedade e a ora recorrente, verdade é também que aquela impossibilidade - que o BB não poderia ignorar - contraria a tese das rés e dos intervenientes de que todas as partes naquele negócio de 11.03.2010 quiseram simular e, portanto, é inverosímil que se não tivesse querido simular a compra e venda em relação a metade do bem e relativamente à outra metade se quisesse o contrário.

23ª - Então, o Tribunal da Relação, julgando tal negócio simulado, violou o disposto no n° 1 do artigo 240º do Código Civil aplicando-o fora dos seus pressupostos.

Mas violou ainda este dispositivo por ter dado por verificada a simulação sem que concorressem todos os requisitos de que tal dispositivo a faz depender. Com efeito,

24ª - As Exmas. Desembargadoras afirmam que nos pontos 1.8, 1.9 e 1.10 dos factos provados em 1ª instância e naqueles que elas mesmas deram como provados (os dos artigos 14°, 15°, 16° e 17° das contestações) constam todos os requisitos da simulação, logo, também o acordo simulatório.

Mas, salvo o devido respeito, não têm razão, pois que de nenhum daqueles factos pode extrair-se que tenha sido provado (pois que não foi aí alegado) o acordo simulatório.

25ª - As Ilustres Julgadoras não apontam o concreto ponto da matéria de facto de que extraem cada um dos requisitos da simulação. Porém, se a prova do acordo simulatório não estiver no facto segundo o qual «O único propósito do negócio simulado, foi, face às dificuldades financeiras da sociedade BB, Lda., passar os bens imóveis de que era titular para outras pessoas», particularmente, no segmento «o único propósito do negócio simulado foi», não está em mais lado algum. E, manifestamente não está aí.

26ª - Em tal segmento afirma-se, supõe-se, que houve negócio simulado. Mas não se afirma que as partes acordaram, no ato ou anteriormente, declarar divergentemente com as suas reais vontades para enganar terceiro.

Isto é, não se afirma o acordo simulatório mas, como que saltando, afirma-se que o negócio foi simulado.

O raciocínio que levou à conclusão de que existe negócio simulado envolve, então, petição de princípio, pois que não pode afirmar-se o negócio simulado sem antes se afirmar o acordo simulatório. E este não foi afirmado.

27ª - A divergência entre a vontade real e a declarada e o intuito de enganar terceiros só por si não relevam para preencher a simulação, pois que ambos supõem que tenha ocorrido, ou que ocorra no momento das declarações, o acordo simulatório.

Poderá até admitir-se - sem conceder - a hipótese de todos terem declarado divergentemente com as suas reais vontades com aquele intuito. Mas, não concorrendo o acordo simulatório, sobrar-nos-ia uma pluralidade de reservas mentais. Porém, tal pluralidade não faz um acordo simulatório.

Donde, corno dito, quedou violado o n° 1 do artigo 240° do Código Civil.

28ª - Mesmo a expressão «único propósito» é ambígua. Desde logo vem referida, não às pessoas que intervieram no negócio mas sim ao «negócio simulado». E, ainda que pudesse entender-se como referida às pessoas - o que não é o caso - sempre justificaria a pergunta, a que os factos não dão resposta: a que pessoa ou pessoas em concreto? a todos os intervenientes no negócio ou só a algum deles?

Subsiste a razoabilidade da única conclusão legítima: da matéria de facto provada não emerge provado o acordo simulatório; o negócio não pode haver-se como simulado.

29ª - Há-de, então, proceder o recurso, revogando-se o douto acórdão e deixando subsistir na ordem jurídica a sentença da 1ª instância.

 

            A ré MBT apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência da revista.

           

            Colhidos os vistos, cumpre decidir:

 

            Atento o conteúdo das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

            - admissibilidade da ampliação do recurso;

            - poderes de sindicância do STJ relativamente à alteração da matéria de facto pela Relação;

            - falta de fundamento legal par a alteração da matéria de facto;

            - falta de verificação dos requisitos da simulação.

 

 

Foi a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias:

1. Factos provados:

 1.1. Encontra-se inscrita por ap. 2267 de 12/03/2010, a aquisição por compra a favor de BB e de AA, casados entre si em regime de separação de bens, do prédio misto, situado no ..., ..., freguesia de ..., composta a parte urbana de casa de rés-do-chão para arrecadação de produtos e utensílios agrícolas e uma arrecadação com a área coberta de 96,8 m2 e logradouro de 103,2 m2, e a parte rústica de pomar de macieiras, confrontando a norte, sul e nascente com CC e DD, e a poente com quartel, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...– art. 3º da petição inicial.

1.2. Encontra-se inscrita por ap. 3897 de 15/01/2016, a aquisição por compra a favor de MBT Imóveis, S.A. de ½, do prédio id. Em 1.1. – art. 10º da petição inicial.

1.3. Por escritura pública outorgada no dia 11 de Março de 2010 no Cartório Notarial de EE, BB e AA, o primeiro, por si e na qualidade de sócio e gerente da sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª, declararam:

- BB, na qualidade de sócio e gerente “Que a sua representada é dona e legítima possuidora do seguinte bem imóvel:

Prédio misto sito em ... – ..., freguesia de ..., concelho de ... (…) descrito na Conservatória do registo Predial do ... na ficha duas mil novecentas e sessenta e uma, da indicada freguesia, lá registado a favor da sua representada (…)

Que, pela presente escritura, vende a si próprio e à outorgante mulher, em comum e partes iguais, livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço já recebido de CINQUENTA MIL EUROS, o prédio misto acima identificado. ”;

- BB e AA ... que “aceitam a presente venda nos termos exarados.”

- a segunda que “aceita a presente cessão nos termos exarados”. – art. 1º da petição inicial.

1.4. Por escritura pública outorgada no dia 16 de Janeiro de 2013 no Cartório Notarial de EE, BB, por si e na qualidade de gerente das sociedades Manuel Barroso Tavares, Ld.ª, e Biosic – Sociedade de Produtos Naturais, Ld.ª, declarou:

- BB, em nome próprio “Que é dono e legítimo possuidor dos seguintes bens:

Um: METADE do prédio misto sito em ... – ..., n.º 8 de polícia, freguesia de ..., concelho de ... (…) descrito na Conservatória do registo Predial do ... na ficha duas mil novecentas e sessenta e uma, da indicada freguesia, lá registado a favor da sua representada (…)

Dois: METADE da fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao primeiro andar – apartamento 206 (…) do prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de ... na ficha mil seiscentas e noventa e seis, da indicada freguesia (…)

Três: PROPRIEDADE DO SOLO do prédio urbano denominado “lote 1” (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do ... na ficha onze, da indicada freguesia (…)

Que pela presente escritura, vende à sua representada identificada em b), BIOSIC – SOCIEDADE DE PRODUTOS NATURAIS, LDA, pelo preço global já recebido de TREZENTOS E TREZE MIL DUZENTOS E OITENTA E DOIS EUROS E SESSENTA CÊNTIMOS, os bens acima identificados de Um a Três.”

- mais declarou que: “em nome da sua representada BIOSIC – SOCIEDADE DE PRODUTOS NATURAIS, LDA, aceita estas vendas, nos termos exarados.”

1.5. Por escritura pública outorgada no dia 15 de Janeiro de 2016 no Cartório Notarial de EE, BB, na qualidade de gerente da sociedade Biosic – Sociedade de Produtos Naturais, Ld.ª, e administrador único da sociedade MBT Imóveis, S.A., declarou:

- BB, “Que, em nome da sua representada BIOSIC, pela presente escritura e pelo preço global de TREZENTOS E TRINTA E SETE MIL TREZENTOS E NOVENTA E DOIS EUROS E SESSENTA E CINCO CÊNTIMOS, vende à sua representada MBT IMÓVEIS, o seguinte:

Um: Metade do prédio misto sito em ... – ..., n.º … de polícia, freguesia de ..., concelho de ... (…) descrito na Conservatória do registo Predial do ... na ficha duas mil novecentas e sessenta e uma, da indicada freguesia, lá registado a favor da sua representada (…)

Dois: Metade da fracção autónoma designada pela letra “...”, correspondente ao primeiro andar – apartamento 206 (…) do prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de ... na ficha mil seiscentas e noventa e seis, da indicada freguesia (…)

Três: Propriedade do solo do prédio urbano denominado “lote 1” (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do ... na ficha onze, da indicada freguesia (…)

Quatro: Fração autónoma designada pela letra “...”, correspondente à loja n.º ..., do prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do ... na ficha vinte e nove, da indicada freguesia (…)

- mais declarou que “em nome da sua representada MBT IMÓVEIS, aceita esta venda, nos termos exarados (…)

Que o pagamento do preço acima indicado é feito nos termos previstos em contrato particular celebrado entre as suas representadas na presente data (…)”

1.6. A fatura da água referente ao prédio indicado em 1.1. referente a Abril de 2016 foi emitida em nome de Manuel BarrosoTavares, Ld.ª, bem como a fatura da eletricidade referente ao período de 07/03/2015 a 06/03/2016 – art. 34º da contestação de fls. 45 e ss.

1.7. A A. casou civilmente com BB em 8 de Agosto de 2008, casamento dissolvido por divórcio decretado por decisão de 26 de Julho de 2017, transitada em julgado em 2 de Outubro de 2017.

1.8. A sociedade BB, Ld.ª, nunca recebeu o preço de € 50.000,00 – 9º da contestação de fls. 45 e ss. E da contestação de fls. 76 e ss.

1.9. A A. nunca pagou a sua parte do preço na compra referida em 1.3. – arts. 10º da contestação de fls. 45 e ss. E da contestação de fls. 76 e ss.

1.10.. A A. sabe que nunca pagou qualquer valor pela aquisição do prédio referido em 1.1. – art. 58º da contestação de fls. 45 e ss.

 

Dados como provados pela Relação:

1.11. Nem a sociedade Manuel Barroso Tavares Lda tinha intenção de vender o prédio em apreço, nem a aqui Autora – e o seu marido BB  - tinha intenção de o adquirir.

1.12. Daí que o preço nunca tenha sido pago.

1.13. O único propósito do negócio simulado foi, face às dificuldades financeiras da sociedade Manuel Barroso Tavares Lda, passar os bens imóveis de que era titular para outras pessoas.

1.14. Por forma a evitar a sua possível oneração pelos credores da sociedade.

 

2. Factos não provados pela 1ª instância:

2.1. Na realização do negócio referido em 1.3. a sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª, não tinha intenção de vender o prédio aí identificado, nem a A. e BB tinham intenção de o adquirir, daí que o preço nunca tenha sido pago – art. 13º a 15º da contestação de fls. 45. e 14º e 15º da contestação de fls. 76 e ss. (dado como provado pela Relação, nos termos acabados de transcrever).

2.2. O único propósito do negócio referido em 1.3. foi, face às dificuldades financeiras da sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª, passar os bens imóveis de que era titular para outras pessoas de forma a evitar a sua possível oneração pelos credores da sociedade – art. 16º e 17º da contestação de fls. 45. e 16º da contestação de fls. 76 e ss. (dado como provado pela Relação, nos termos acabados de transcrerever).

2.3. As faturas da água e da luz referentes ao prédio id. em 1.1. continuaram a ser pagas pela sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª - art. 34º da contestação de fls. 45 e ss.

2.4. A venda de ½ do prédio id. em 1.1. por BB à R. Biosic foi “simulada” – art. 18º da contestação de fls. 45 e ss.

2.5. A sociedade Biosic, Ld.ª, nunca pagou o preço que corresponde à soma das parcelas de € 30.960,00 e € 113,02 – art. 22º da contestação de fls. 45 e ss.

2.8. A simulação foi efetuada conquanto o sócio gerente da R. Biosic não pretendia ser proprietário de nenhum imóvel, uma vez que é avalista da generalidade dos encargos das sociedades de que é sócio e, nessa medida, temia que esse património viesse a ser onerado pelos credores – arts. 23º e 24º da contestação de fls. 45 e ss.

2.9. Existiu uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada por parte dos outorgantes da escritura indicada em 1.5. - art. 25º da contestação de fls. 45 e ss. e 20º da contestação de fls. 76 e ss.

2.10. A R. Biosic não teve intenção de vender o imóvel id. em 1.1. à MBT Imóveis, S.A., nem esta teve intenção de o comprar - arts. 27º e 28º da contestação de fls. 45 e ss. e 21º da contestação de fls. 76 e ss.

2.11. O preço referente ao imóvel id. em 1.1. ficou fora do contrato particular referido em 1.5. - art. 29º da contestação de fls. 45 e ss. e 22º da contestação de fls. 76 e ss.

2.12. A A. sabia que a venda referida em 1.5. era fictícia – art. 45º a 47º da contestação de fls. 45 e ss.

2.13. A A., na qualidade de sócia da 1ª R., teve conhecimento de que a venda referida em 1.5. iria ser efetuada, pelo menos, desde o início de Setembro de 2015 – art. 53º da contestação de fls. 45 e ss.

2.14. A A. sabia e aprovou a venda referida em 1.5. e sabia que a venda referida em 1.5. se deveu exclusivamente a razões de planeamento fiscal – rts. 54º e 55º da contestação de fls. 45 e ss.

 

Quanto à ampliação do recurso (apelação):

 

Nas contra-alegações que apresentou no âmbito do recurso de apelação da ré MBT para a Relação, a autora, ali recorrida, pediu a ampliação do recurso “ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 636º do CPC”, no sentido de se darem como não provados os seguintes pontos da matéria de facto dados como provados:

1.9. A A. nunca pagou a sua parte do preço na compra referida em 1.3.

1.10. A A. sabe que nunca pagou qualquer valor pela aquisição do prédio referido em 1.1

 

Todavia, tal ampliação não foi admitida pela Relação, não admissão essa fundamentada no acórdão recorrido nos seguintes termos:

“A recorrida vem, nas contra-alegações, ampliar o recurso pedindo a alteração dos pontos 1.9 e 1.10 provados, a saber …, mas nada conclui relativamente à influência dessas alterações nas questões suscitadas pela recorrente, ou seja, não integra essa alteração em qualquer fundamento previsto no n.º 1 do art.º 684.º-A do CPC.

Por via da ampliação do recurso, a recorrida pode lograr a apreciação das questões que integram o objeto do recurso tal como é delimitado pela recorrente.

A ampliação do recurso prevista no artigo 684.º-A destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação não considerado na sentença recorrida, quando determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente (por exemplo, se numa ação de despejo o autor invoca várias causas de resolução e a sentença que o venha a decretar só considera uma delas, então convirá que o autor (vencedor), no caso de recurso, proceda à ampliação às outras causas prevenindo a necessidade da sua apreciação se decair na que foi antes considerada como suficiente).

Como refere o José Lebre de Freitas, citado pelo Ex.mo Procurador Geral Adjunto, (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003), em anotação ao art.º 684.º-A, “o n.º 1 prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da ação (causas de pedir) ou da defesa (exceções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.

No caso dos autos, a ampliação do recurso não reúne aqueles pressupostos, por traduzir uma impugnação autónoma da matéria de facto, que é inconclusiva quanto a qualquer fundamento jurídico, pois a A nada requer em consequência da requerida impugnação da matéria de facto, pelo que, com tal objetivo, a recorrida teria que ter recorrido no prazo legal e não limitar-se a pedir a ampliação.

Por isso, não sendo admissível, no contexto referido, não conheceremos da matéria da ampliação.”

 

É contra tal entendimento que se manifesta a autora recorrente, segundo a qual a requerida ampliação cabe na previsão do nº 2 do artigo 636° do CPC, razão pela qual se deveria ter conhecido da mesma, e que a remissão para aquele dispositivo processual torna claro que o que a aqui recorrente pretendia com a ampliação do recurso era evitar que aqueles dois factos - que teve por indevidamente provados - pudessem vir a ser relevados para efeitos da procedência do recurso interposto pela apelada no concernente ao mérito da ação.

Assim, segundo a recorrente, o acórdão recorrido deve ser revogado nesta parte, ordenando-se a baixa do processo à 2ª instância para que aí se conheça da ampliação.

 

E, desde já se diga que, a nosso ver, com inteira razão.

Vejamos:

 

Conforme se alcança do fundamento invocado e supra transcrito para rejeitar a ampliação do recurso, a Relação apenas teve em consideração a disposição constante do nº 1 do artigo 684º-A do CPC.

Todavia o certo é que tal artigo faz parte do anterior CPC, de 1961, sendo a sua redação correspondente à atual redação do artigo 636º do CPC vigente.

Assim, haveremos de ter por certo que a Relação se queria referir ao nº 1 deste artigo, no qual se estabelece que “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.”

 

Todavia o certo é que no nº 2 deste mesmo artigo do CPC vigente também se estabelece que Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.”

           

Resulta assim desta disposição que, no âmbito da apelação da ré MBT, a autora, enquanto recorrida, podia, nos termos requeridos, pedir a ampliação do recurso, no sentido de, por via da respetiva impugnação, obter a alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida – com vista a obstar à procedência das questões suscitadas pela apelante.

Neste sentido o acórdão do STJ de 27.04.2017, proferido na revista n.º 2750/14.5T8FNC.L1.S1 – 6.ª Secção - Pinto de Almeida (Relator), onde se considerou que “Na situação prevista no n.º 2 do art. 636.º do CPC não está em causa um fundamento da ação ou da defesa, mas determinados pontos da matéria de facto, que o recorrido pretende ver alterados, prevenindo também a possibilidade de virem a proceder as questões suscitadas pelo recorrente, por forma a que se mantenha a decisão em que obteve vencimento. A impugnação da decisão de facto, no âmbito da ampliação do objeto do recurso, tem carácter subsidiário e não é meio idóneo para se lograr obter uma decisão mais favorável do que a recorrida.

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 29.06.2017, proferido na revista n.º 554/12.9TVLSVB.L1.S1 – 7.ª Secção - Fernanda Isabel Pereira (Relatora) in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f437de0049576cfb8025814f0053a75a?OpenDocument:

“I – O art. 636.º, n.º 2, do CPC permite que o recorrido, apesar de ter obtido vencimento na causa, impugne, nas respetivas contra-alegações e a título subsidiário, a decisão sob recurso quanto a pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a possibilidade de procedência das questões por este suscitadas. 

II – Esta ampliação do recurso refere-se à matéria de facto e salvaguarda a parte que logrou ter êxito na ação perante o risco de ver alterado o sentido decisório por força da decisão da impugnação fáctica. 

III – A dedução formal da ampliação do recurso tem de ser expressa apenas no caso do n.º 1 do citado art. 636.º, onde está subordinado à expressão «desde que o requeira», sendo apenas exigível na hipótese do n.º 2 que a contra-alegação de recurso evidencie com clareza que o recorrido pretende impugnar matéria de facto na decorrência do recurso interposto pelo vencido.”

     

E o certo é que as alterações da matéria de facto pretendidas pela autora ora recorrente, no âmbito da por si requerida ampliação do recurso de apelação, se afiguram de todo relevantes no sentido de poderem influir decisivamente na solução dada às questões ali suscitadas pela ré apelante.

 

Em face do exposto – e porque o conhecimento das demais questões suscitadas na revista se mostra prejudicado, porque dependente da solução a dar à ampliação do recurso de revista – impõe-se anular o acórdão recorrido e ordenar que a Relação conheça da ampliação.

 

Em síntese:

I. No âmbito do recurso de apelação, pode o apelado, nas suas contra-alegações, e ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 636º do CPC, requerer a ampliação do recurso, tendo tal ampliação por objeto a impugnação de determinados pontos da matéria de facto, com vista à obtenção de alterações na matéria de facto que podem influir decisivamente na solução a dar às questões suscitadas pelo apelante.

II. Podendo a solução a dar pela Relação a tal ampliação influir na apreciação das demais questões suscitadas na revista, impõe-se a anulação do acórdão recorrido a fim de a Relação conhecer da requerida ampliação.

 

Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em anular o acórdão recorrido e em determinar que a Relação conheça da ampliação do recurso requerida pela autora apelada, ora recorrente – e bem assim, sendo caso disso, das demais questões suscitadas pela ré apelante.

 

Custas pela recorrida.

 

                                   Lisboa, 18 de fevereiro de 2020

 

                                              

 

Acácio das Neves (Relator)

 

                                              

 

Fernando Samões

 

                                              

 

Maria João Vaz Tomé