Sumário
I. Dos procedimento cautelares não cabe recurso de revista, exceto nas situações previstas no nº 2º do art. 629º do CPC.
II. Decretado pela 1ª instância o arresto da participação social de que o 1º requerido era titular (na sociedade 2ª requerida) e que transmitiu, por doação, aos 5º, 6º e 7º requeridos: as sociedades 2ª, 3ª e 4ª requeridas, recorreram, nos termos do art. 372º, nº 1, al. a), do CPC, de tal decisão (impugnando o arresto dessa participação social e de outros bens apenas a elas relativos), a qual foi confirmada por acórdão da Relação de 29.09.2022, transitado em julgado; os 1º, 5º, 6º e 7º requeridos deduziram, nos termos do citado art. 372º, nº 1, al. b), oposição ao arresto, na sequência do que, tramitada essa oposição, designadamente com realização da audiência de julgamento, foi, por acórdão de 05.12.2023, levantado o arresto da mencionada participação social.
III. Nos termos do art. 621º do CPC , “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo, não impedindo o preceito que, em novo processo, se discuta e dirima aquilo que a decisão não definiu [e que não tinha que definir].
IV. A autoridade do caso julgado não exclui a possibilidade de se recorrer à sua parte motivadora quando tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exato conteúdo da sentença, aplicando-se à sua interpretação o disposto nos arts. 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Cód. Civil.
V. Decorrendo da fundamentação do Acórdão de 29.09.2022 (pelas razões referidas no seu texto) que, segundo ele, era na oposição ao arresto que o direito de defesa deveria ser exercido e que cabia/cabe a tal oposição (e não ao recurso objeto desse acórdão) o conhecimento e decisão do pressuposto do arresto relativo à invocada nulidade da transmissão da participação social por simulação (esta a causa de pedir do arresto), nele se aludindo também à falta de legitimidade das 2ª, 3ª e 4ª requeridas para discutirem em tal recurso a validade da transmissão já que nela não intervieram, é de concluir que o mencionado acórdão relegou para a oposição ao arresto o conhecimento de tal questão (embora tendo conhecido do periculum in mora).
VI. Tendo em conta o referido, o mencionado Acórdão de 29.09.2022 deve ser interpretado no sentido de que, tendo embora mantido o arresto, o fez porém salvaguardando o que viesse a ser decidido no âmbito da oposição ao mesmo quanto à questão da invocada nulidade da transmissão, interpretação que é também a que melhor se conjuga ou compatibiliza com a tramitação processual do arresto e, na economia dessa tramitação, conforme art. 372º, nº 1, al. b), do CPC), com o exercício do direito de defesa e com os princípios do contraditório, da igualdade das partes (art. 4º do CPC) e do direito a processo equitativo ( art. 20º, nºs 1 e 4, da CRP).
VII. E, assim, o Acórdão recorrido, de 05.12.2023, não viola o aparente caso julgado formado pelo Acórdão de 29.09.2022.
VIII. A admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC pressupõe a existência de identidade das situações subjacentes a ambos os arestos, identidade essa que passa, não pela subsunção jurídica em abstrato, mas sim por essa subsunção a um suporte factual que seja essencialmente idêntico.
Decisão Texto Integral
Recorrente: Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Recorridos: AA (1º Requerido)
BB (5ª Requerida)
CC (6º Requerido)
DD (7ª Requerida)
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório (no que poderá relevar ao recurso de revista, sendo os sublinhados da nossa autoria):
Do processo principal:
1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A (de ora em diante designada apenas por CGD), aos 26.01.2021, intentou procedimento cautelar de arresto contra:
1.º AA,
2.º G..., SGPS, S.A.,
3.º T..., Lda,
4.º S..., S.A.,
5.º BB,
6.º CC,
7.º DD,
Pedindo que fosse decretado o arresto de:
1) 42,50% do capital social da sociedade “G..., SGPS, Lda, com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva .......41;
2) a totalidade do capital social da sociedade “T..., Lda”, com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva .......19;
3) do prédio urbano denominado de lote n.º 13 do loteamento Rua ..., descrito na CRP de ... sob a ficha n.º 421, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5216;
4) a totalidade do capital social da sociedade “S..., S.A., com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa coletiva .......99; e
5) do prédio rústico denominado de lote n.º AL11, sito na ..., descrito na CRP de ... sob a ficha n.º ..99, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..75.
1.1. Produzida prova testemunhal, sem audiência prévia dos Requeridos, foi, aos 07.12.2021, proferida pela 1ª instância decisão [retificada por decisão de 03.06.2022] que decidiu:
“Nestes termos, julgo procedente, por provada, o presente procedimento cautelar de arresto e, em consequência, determino o arresto da participação social e dos bens indicados no requerimento inicial:
1) 42,50% do capital social da sociedade “G..., SGPS, Lda”, com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva .......41;
2) totalidade do capital social da sociedade “T..., Lda”, com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva .......19;
3) prédio urbano denominado de lote n.º 13 do loteamento ..., descrito na CRP de ... sob a ficha n.º .21, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5216;
4) totalidade do capital social da sociedade “S..., S.A., com sede no Largo ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva .......99.
5) prédio rústico denominado de lote n.º AL11, sito na ..., descrito na CRP de ... sob a ficha n.º ..99, da freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6575.” [o realce e sublinhado corresponde ao segmento que releva no presente recurso de revista].1
Do Apenso A:
2. As sociedades Requeridas G..., SGPS, S.A., T..., Lda e S..., S.A., não se conformando com a decisão referida em I.1.1., interpuseram recurso de apelação, pedindo a sua revogação e levantamento do arresto decretado, tendo sido, aos 29.09.2022, proferido Acórdão que decidiu nos seguintes termos:
“Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pelas Requeridas G..., SGPS, S.A., T..., Lda e S..., S.A. parcialmente procedente, determinando-se o levantamento do arresto das participações sociais que a sociedade G..., SGPS, S.A. detém no capital social da T..., Lda e S..., S.A. bem como dos dois imóveis que integram respetivamente o património de cada uma destas duas sociedades, mantendo-se no demais.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.”
Ou seja, manteve o arresto de 42,50% da participação social na sociedade “G..., SGPS, Lda
Voltando ao Processo Principal:
3. Já os Requeridos BB (5ª Requerida), CC (6º Requerido) e DD (7ª Requerida), aos 02.05.2022, bem como AA (1º Requerido), aos 09.05.2022, vieram apresentar oposição ao arresto mencionado, pedindo, a final, a alteração da decisão da matéria de facto (provada e não provada) e a consequente improcedência do procedimento cautelar, ordenando-se o levantamento de todos os arrestos que foram decretados.
3.1. Tramitada a oposição ao arresto (com a presentação de resposta pela CGD e realizada audiência final), aos 19.07.2022, foi proferida decisão que manteve o arresto que havia sido decretado, mormente, no que ora releva ao recurso de revista, da participação social de 42,50% no capital social da sociedade “G..., SGPS, Lda.
3.2. Inconformados com a decisão referida em 3.1. (decisão de oposição ao arresto), os Requeridos AA (1º), aos 19.08.2022, e BB (5ª), CC (6º) e DD (7ª), estes aos 22.08.2022, vieram interpor recurso de apelação da mencionada decisão.
A Requerente (CGD) contra-alegou em ambos os recursos.
3.3. Após baixa dos autos à 1ª instância para efeitos do disposto no art. 617º, nº 1, al. c), do CPC determinada pelo Exmº Relator (despacho de 01.09.2023) e subsequente decisão da 1ªinstância de 14.09.2023 (julgando improcedentes as nulidades de sentença invocadas, salvo um lapso de escrita), o Tribunal da Relação de Lisboa, aos 05.12.2023, proferiu o acórdão ( do qual veio a ser interposto o recurso de revista ora em apreço), que decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, acorda-se em julgar as apelações procedentes por provadas, alterando a matéria de factos nos termos constantes do ponto 2.7. do presente acórdão e revogando o despacho final recorrido, datado de 19 de julho de 2022, de fls. 1262 a 1281 dos autos principais, que julgou improcedentes as oposições ao arresto e manteve o decretado pelo despacho de 7 de dezembro de 2021, de fls. 179 a 193, sendo aquele substituído pela decisão de julgar as oposições ao arresto procedentes, por provadas, ordenando-se, em consequência, o levantamento do arresto ainda subsistente sobre as ações correspondentes a 42,50% do capital social da sociedade G..., SGPS, S.A.
- Custas pela Apelada (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).” [sublinhado nosso]
Ou seja, determinou o mencionado acórdão o levantamento do arresto sobre as ações correspondentes a 42,50% do capital social da sociedade G..., SGPS, S.A..
Do Apenso B (este do qual consta o recurso de revista):
4. Aos 03.01.2024, a Requerente (CGD), ora Recorrente, veio interpor recurso de revista, invocando o disposto nos art.ºs 370º, n.º 2, a contrario, 629º, n.º 2, alíneas a) e d) e 631º, n.º 1, todos do CPC, do Acórdão mencionado em I.3.3. (de 05.12.2023, que determinou o levantamento do arresto sobre as ações correspondentes a 42,50% do capital social da sociedade G..., SGPS, S.A.), tendo formulado as seguintes conclusões:
“I) O douto Acórdão recorrido, proferido nos autos em 05.12.2023, a fls…, em suma, julgou procedente os recursos de Apelação que tinham sido interpostos pelos Requeridos AA, BB, CC e DD, da douta sentença, proferida nos autos em 19.07.2022, a fls..., pelo que revoga a mesma e, em consequência, julga as oposições ao arresto deduzidas pelos Recorridos procedentes, por provadas, ordenando, em consequência, o levantamento do arresto (ainda subsistente) sobre as ações correspondentes a 42,50% do capital social da sociedade G..., SGPS, S.A.
II) Contudo, salvo o devido e merecido respeito, que é muito, afigura-se à aqui Recorrente CGD que o doutamente decidido, a fls…, enferma de errada aplicação de Direito, não tendo sido considerados todos os elementos constantes dos autos.
III) O presente recurso de revista deverá ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 629º, n.º 2, alínea a) do CPC, uma vez que douto Acórdão recorrido violou a força vinculativa, eficácia, autoridade e intangibilidade do caso julgado do anterior douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.09.2022, bem como o disposto no art. 205º/2 da CRP e nos arts. 613º e 619º e segs. do CPC – neste sentido, Doutrina e Jurisprudência supra citadas.
IV) O presente recurso de revista deverá também ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, uma vez que o douto Acórdão recorrido e os doutos Acórdãos fundamento, proferidos pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 11.07.2002, da 2ª Secção Cível, Agravo n.º 5910/02-2 e pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 16.01.2018, proc. n.º 1094/14.7TBLRA.C1 decidiram de forma oposta as mesmas questões fundamentais de direito, ao abrigo da mesma regulamentação jurídica, pelo que a identidade das questões fundamentais de direito não suscita dúvidas.
V) Com efeito, no douto Acórdão fundamento de 11.07.2002 decidiu-se que «sendo o elenco factual a considerar exactamente o mesmo que esteve subjacente ao decretamento do arresto sobre os direitos da requerida acima enunciados, a redução da providência, nos termos em que foi feita, envolve a reapreciação – no plano da subsunção dos factos ao direito aplicável – pelo Tribunal de 1ª instância do que anteriormente decidira, reapreciação essa carecida de legalidade, quer porque sobre a matéria se esgotara o poder juridicional daquele Tribunal – art.º 666º n.º’s 1 e 3 -, quer porque sobre a mesma se formara já caso julgado, visto não ter sido interposto recurso da decisão inicialmente proferida, assente naqueles mesmos pressupostos de facto – art.º 677º». E,
VI) No douto Acórdão fundamento de 16.01.2018 decidiu-se que «Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal».
VII) As situações de facto subjacentes aos arestos citados supra são coincidentes no essencial – cfr. Doutrina e Jurisprudência supra citadas.
VIII) Sendo certo que, não se verificou qualquer alteração substancial da regulamentação e princípios jurídicos aplicáveis que pudesse ter determinado as soluções opostas das mesmas questões fundamentais de Direito, devendo ser seguida in casu a posição assumida nos doutos Acórdãos fundamento.
IX) Assim, o decidido no douto Acórdão recorrido, com o devido e merecido respeito, que é muito, viola, de forma clara, o disposto das normas do CPC relativas à formação do caso julgado, nomeadamente, art.º’s 619º, n.º 1, 620º, n.º 1 e 621º do referido diploma.
X) O douto acórdão recorrido pode, assim, ser objecto de revista com fundamento tanto na ofensa do caso julgado, no sentido deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça poder aferir se o Venerando Tribunal da Relação observou a disciplina processual a que aludem os citados art.º’s 619º, n.º 1, 620º, n.º 1 e 621º, todos do CPC, como também na oposição de julgados [cfr. art.º 629º, n.º 2, alínea d) do CPC].
XI) Posto isto, diga-se que se, nos termos do disposto no art.º 372º, n.º 1 do CPC, o requerido que não tenha sido ouvido antes do decretamento da providência, pode, em alternativa, recorrer do despacho que a decretou ou deduzir oposição, então os Requeridos AA, BB, CC e DD, ao optarem por não recorrer da decisão de 1ª instância de 07.12.2021, que decretou o arresto, estão a conformar-se com a «(...) aplicação do direito aos factos dados como provados (...)» - cfr. Doutrina supra citada.
XII) Isto porque, o exercício de uma dessas alternativas preclude a possibilidade de exercício da outra – cfr. Jurisprudência supra citada.
XIII) Se num momento anterior, foi proferida decisão, para mais, do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou provada a existência dos respectivos pressupostos para o decretamento do arresto sobre os bens em questão, Acórdão que transitou em julgado, então nos presentes autos tomada está decisão, transitada em julgado, quanto à existência / verificação dos referidos pressupostos – neste sentido, Doutrina supra citada.
XIV) O caso julgado formal torna, assim, insusceptível que a primeira decisão, tomada sobre a existência / verificação dos pressupostos para o decretamento do arresto sobre os bens em questão, possa vir a ser alterada, por posterior decisão, proferida nesse mesmo processo.
XV) O douto Acórdão recorrido viola, assim, o caso julgado formal formado nos autos sobre tal questão.
XVI) A verdade é que, a Requerente CGD fez prova indiciária dos requisitos para o decretamento do arresto.
XVII) Com efeito, em sede de providências cautelares, a lei processual exige apenas a prova indiciária dos requisitos para o seu decretamento – neste sentido Jurisprudência supra citada.
XVIII) Ora, atendendo a todo o comportamento do 1º Requerido, em conluio com os 5º, 6º e 7º Requeridos, que se consubstanciou na subtracção de garantia patrimonial do crédito da Requerente em momento anterior à prestação do seu aval [vide factos provados na decisão de 07.12.2021, n.º’s 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 (em particular), 44 (na redacção resultante da alteração ordenada por no douto Acórdão recorrido), 45, 51, 52, 53, 54, 57, 58, 59, 60, 61 (na redacção resultante da alteração ordenada por no douto Acórdão recorrido), 68, 70, 71 (na redacção resultante da alteração ordenada por no douto Acórdão recorrido) e 72; e na decisão de 19.07.2022, n.º’s 2, 11, 14, 15, 17], por maioria de razão, nada impedirá os Requeridos de, em mais uma actuação concertada, dissipar o património que permaneceu arrestado (participação que o 1º Requerido AA era titular na G..., SGPS, S.A.), frustrando as legítimas expectativas de ressarcimento do crédito da Requerente.
XIX) Em momento algum os Recorridos impugnaram expressa e especificamente que o património arrestado eventualmente não estaria na eminência de ser vendido!
XX) Assim, in casu, a Requerente fez prova do periculum in mora – vide Doutrina supra citada.
XXI) Por outro lado, foi feita prova da probabilidade séria de existência de crédito da CGD.
XXII) Com efeito, a livrança em questão, datada de 20 de Dezembro de 2009, com o número de série ................53, na qual o 1º Requerido prestou o seu aval (doc. 14 junto na petição inicial), foi dada à execução por parte da CGD no âmbito do processo nº 28357/18.0... que corre termos pelo Juizo de Execução de ... – Juiz ... no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, tendo o avalista, 1º Requerido, confessado expressamente (art.º 217º da Oposição), e resulta dos factos provados (vide factos provados na decisão de 07.12.2021, n.º’s 26, 27, 28, 46 e 47), que não embargou nem se defendeu nessa execução e nunca invocou nesse processo a nulidade da livrança.
XXIII) Significa isto que a decisão tomada nesta acção executiva quanto à validade e eficácia da livrança e do aval e bem assim, do crédito da CGD sobre o 1º Requerido já transitou (há muito tempo, sublinha a CGD) em julgado, cfr. art.º 619º, n.º 1 do CPC.
XXIV) Tal decisão consubstancia caso julgado material relativo à validade da livrança, à validade do aval por si prestado na mesma, e sobre a dívida do 1º Requerido emergente desse aval – neste sentido Doutrina e Jurisprudência supra citada.
XXV) Acresce que, a Requerente demonstrou a “probabilidade da procedência da impugnação” – cfr. art.º 392º, n.º 2 do CPC – pelo que é lícito o arresto da participação social que o 1º Requerido AA detinha no capital social da sociedade G..., SGPS, S.A...
XXVI) Sendo certo que tal bem é susceptível de arresto, de acordo com o art.º 392º, n.º 2 do CPC, 605º, n.º 1 e 619º, ambos do CC – neste sentido Doutrina e Jurisprudência supra citadas.
XXVII) Da prova que a Requerente logrou produzir, e que vem provada das instâncias, em particular os factos provados supra indicados, resulta que a conduta do 1º Requerido visou frustrar as legítimas expectivas da Credora CGD através da alienação do seu património – facto esse que justifica a tutela cautelar do credor.
XXVIII) In casu, o 1º Requerido AA detinha património (participações sociais em várias empresas, nomeadamente, da G..., SGPS, S.A.) que, antes de prestar o aval na operação concedida pela CGD à SF..., SGPS, S.A., transferiu a favor dos seus familiares, só aceitando prestar o aval quando não detinha qualquer património.
XXIX) Aliás, como comprova a correspondência junta aos autos entre 2018 e Dezembro de 2019, dada como provada, desde Dezembro de 2008 a CGD vinha solicitando a prestação da garantia pessoal do aval de Recorrente, que o vinha recusando, sendo que, apenas três dias antes de se comprometer a prestar o aval, na sequência da solicitação da CGD, dispôs da sua participação social na G..., SGPS, S.A..
XXX) A dissipação de bens por parte do Requerido, após a Requerente lhe ter solicitado a prestação do aval, e no decurso de negociações entre as partes com vista à reestruturação do empréstimo, é contrária à ordem pública, aos bons costumes.
XXXI) A tese inicialmente adiantada pelo Recorrente, de que as transmissões das participações sociais configurariam uma pretensa “sucessão em vida”, e que parece transparecer da fundamentação do douto Acórdão recorrido, não pode colher qualquer provimento, porquanto, o que ficou provado é que o 1º Requerido apenas doou o activo, pelo que, não estamos em face de uma sucessão operante.
XXXII) Por outro lado, o Recorrente nunca informou a CGD da alienação de património que fez, devendo-o fazer, atento os deveres de boa fé negocial – vide Doutrina e Jurisprudência supra citadas.
XXXIII) Ora, a actuação do 1º Requerido, como atestam os factos dados como provados, violou claramente o princípio de boa fé nas negociações que decorreram até à prestação de aval por parte daquel, em garantia do empréstimo concedido à sociedade SF..., SGPS, S.A., pelo que, este Colendo Supremo Tribunal de Justiça não poderá dar cobertura à actuação em manifesta má fé por parte daquele.
XXXIV) Em matéria de cumprimento da obrigação, rege o princípio geral da responsabilidade ilimitada do devedor.
XXXV) Tal negócio – doação da participação social que permaneceu arrestada – é, pois, nulo.
XXXVI) A CGD, à luz do disposto no art.º 392º, n.º 2 do CPC, tem apenas de alegar factos que tornem provável a procedência da impugnação – o que fez!
XXXVII) Face ao exposto, e salvo o devido e merecido respeito, que é muito, mal andou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quando conclui no sentido inverso, impondo-se, por isso, a revogação do aí decidido.
XXXVIII) O douto Acórdão recorrido fez, assim, menos correcta interpretação e aplicação da Lei, violando, designadamente, as normas constantes dos art.º’s 370º, n.º 2 a contrario, 372º, n.º 1, 391º, n.º 1, 392º, n.º 2, 613º, n.º 1, 619º, n.º 1, 620º, n.º 1, 621º, 629º, n.º 2, alíneas a) e d), 735º, todos do CPC, art.º’s 227º, 601º, 605º, n.º 1 e 619º, 817º, todos do CC, art.º’s 2º, 9º, 18º, 204º, 205º, n.º 2 e 268º, n.º’s 4 e 5, todos da CRP.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o douto Acórdão recorrido e, em consequência, julgando-se as oposições ao arresto improcedentes, mantendo-se o arresto ainda subsistente sobre a participação social do 1º Requerido na sociedade G..., SGPS, S.A., com as legais consequências, (…)”
4.1. AA contra-alegou invocando, em síntese:
A. A inadmissibilidade do recurso de revista por:
i) extemporaneidade do mesmo;
ii) Manifesta inexistência de ofensa de caso julgado, cuja invocação consubstancia manifesto erro na qualificação jurídica do fundamento do recurso;
iii) Quanto à invocada oposição de julgados:
- Incumprimento dos requisitos formais (art. 637º, nº 2, do CPC) por falta de junção de cópia do acórdão fundamento, este o Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, tendo junto apenas uma impressão extraída da base de dados da dgsi.pt;
- Falta de comprovativo do trânsito em julgado dos acórdãos fundamento, sendo que o mesmo não se presume.
iv) Ausência de requisitos substanciais para que exista contradição de julgados, não se verificando os pressupostos do art. 629º, nº 2, do CPC:
-Quanto ao acórdão da Relação de Lisboa (RL) de 11.07.2002: as situações objeto dos dois acórdãos não são coincidentes, nem análogas ou equiparáveis; o acórdão fundamento não versa sobre a mesma questão fundamental de direito em causa na decisão recorrida;
- Quanto ao acórdão da Relação de Coimbra (RC) de 16.01.2018: o acórdão recorrido a ele não se opõe; as situações objeto dos dois acórdãos não são coincidentes, nem análogas ou equiparáveis, quer quanto às situações de facto, quer de direito; o acórdão fundamento não versa sobre a mesma questão fundamental de direito.
- A Recorrente procura suscitar perante o STJ a reapreciação da questão de mérito subjacente à providência cautelar requerida, nomeadamente a questão da prova da simulação de determinados atos negociais, o que, no domínio das providências cautelares e no âmbito do ar. 629º, nº 2, al. d), do CPC não é admissível.
- Ainda que fosse admitido recurso por oposição de julgados, tal não tornaria admissível a reapreciação de todas as questões de facto e de direito constantes das conclusões XVI a XXXVII que, assim, se devem ter por não escritas.
B. Subsidiariamente, prevenindo o caso de o recurso ser admitido, deve o mesmo ser considerado totalmente improcedente, pois que a decisão recorrida optou pela mais correta solução jurídica.
4.2. BB, CC e DD, também contra-alegaram no sentido de ser negada a revista e improcedente o recurso, concluindo em síntese referindo o seguinte:
A. Inadmissibilidade do recurso:
i) Não se verifica o invocado caso julgado, formal ou material, não podendo a revistas ser admitida ao abrigo art. 629º, nº 2, al. a);
ii) não se verifica também oposição de julgados: nenhum dos acórdãos fundamento se reporta a situações de facto ou de direito idênticas às decisões objeto do acórdão recorrido:
- no Acórdão da RL de 2002, tendo havido uma oposição ao arresto, sem que dela tivesse resultado alteração da matéria de facto, entendeu-se que não poderia ser alterada a providência decretada;
- No Acórdão da RC de 2018, no âmbito de uma ação de impugnação pauliana, decidiu-se ser possível recorrer à prova por presunção para prova da simulação de um negócio jurídico de transmissão de bens entre sociedades com o intuito de desvalorizar a participação de um dos sócios;
iii) falta a junção de certidão ou cópia do Acórdão da RC o que determina a rejeição imediata do recurso;
iv) O Acórdão da RL de 29.09.2022 proferido no Apenso A não faz caso julgado, tendo sido proferido com base nos factos alegados pela Recorrente antes de exercido o contraditório pelos Recorridos subsequente ao decretamento da providência, sendo que, na sequência da oposição ao arresto, na decisão desta (oposição) e da apelação dela interposta a matéria de facto foi alterada.
v) O recurso às presunções judiciais não justifica a contradição de julgados, pois no acórdão recorrido apreciou-se a matéria de facto e deu-se como não provada a simulação e não foi afastado o recurso às presunções, não havendo contradição de julgados;
vi) A revista ao abrigo do art. 629º, nº 2, não permite ao STJ conhecer de outras questões que não a ofensa do caso julgado e a contradição de julgados, pelo que deve ter-se por não escrita a matéria de págs. 32 a 75 das alegações de recurso, por extravasar o âmbito do recurso e os poderes de cognição deste Tribunal (arts. 629 e 370, nº 4, do CPC)
B. Caso se entenda ser admitir o recurso:
- “49- Não faz qualquer sentido uniformizar jurisprudência, no sentido de determinar que: tendo uma decisão de primeira instância decretado um arresto, sem audição da parte contrária; ao qual se seguiu a oposição dos requeridos; da qual resultou alteração da matéria de facto; então, ainda assim, a primeira decisão seria imutável! Tratar-se-ia de um absurdo conceitual e de um esvaziar, totalmente ilegal do conteúdo e da razão de ser do instituto da oposição e uma violação disposto no artigo 372 nº 1 alínea b) e no artigo 3 e 640 e 662 do CPC.”
- Quanto à alegada contradição com o acórdão do TRC, a solução recorrida é a única consentânea com os factos provados”.
5. Determinado, por despacho da relatora de 23.02.2024, o cumprimento do disposto no art. 654º, nº 2, ex vi do art. 655º, nº 2, ambos do CPC, veio a Recorrente pronunciar-se nos termos do requerimento de 11.03.2024, concluindo no sentido da tempestividade e admissibilidade do recurso de revista.
6. Por despacho da ora relatora de 16.03.2024, o recurso foi considerado tempestivo e, bem assim, foi determinada à Recorrente a junção aos autos de “ certidão dos acórdãos fundamento da Relação de Lisboa de 11/07/2002 e da Relação de Coimbra de 16.01.2018, sob pena de rejeição do recurso no que se reporta ao fundamento em causa (na parte em que é interposto ao abrigo do art. 629º, nº 1, al. d), do CPC, por alegada contradição entre o acórdão recorrido e os dois mencionados acórdãos)”, ao que aquela deu cumprimento conforme requerimento de 01.04.2024.
7. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 2ª parte, do CPC.
*
II. Questões prévias quanto à alegada extemporaneidade do recurso de revista e junção, quanto ao Acórdão do TRC de 16.01.2018, de mera impressão da base de dados da dgsi.pt e da falta de certificação, quanto a ambos os acórdãos fundamento, do trânsito e julgado dos mesmos.
Os Recorridos vieram invocar a extemporaneidade do recurso bem como a sua inadmissibilidade conforme já acima referido.
Quanto à alegada extemporaneidade do recurso, já foi o mesmo julgado tempestivo conforme despacho da ora relatora de 16.03.2024, nada mais havendo a decidir quanto a tal questão.
Quanto à invocada rejeição do recurso decorrente da junção, quanto ao Acórdão do TRC de 16.01.2018, de mera impressão da base de dados da dgsi.pt e da falta de certificação, quanto a ambos os acórdãos fundamento, do trânsito em julgado dos mesmos, não assiste razão aos Recorridos uma vez que, na sequência do despacho da ora relatora de 16.03.2024 de convite a tal junção, para o qual se remete, veio a Recorrente dar cumprimento ao mesmo, juntando certidão dos acórdãos fundamento com certificação do transito em julgado de tais acórdãos. Assim, e tendo em conta o mais já referido no citado despacho de 16.03.2024, designadamente no que toca à jurisprudência do Tribunal Constitucional no mesmo indicada, carece de fundamento a rejeição do recurso de revista pretendida pelos Recorridos com tal motivação.
Deste modo, não se verificam tais fundamentos de rejeição do recurso.
*
III. Objeto do recurso de revista
Tendo em conta as conclusões do recurso de revista, são as seguintes as questões suscitadas pela Recorrente:
a. Violação, pelo Acórdão recorrido, do caso julgado formado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.09.2022 [proferido no apenso A] que manteve o arresto sobre as ações no capital social da sociedade “G..., SGPS, Lda (2ª Requerida) de que foi titular o 1º Requerido (e por este transmitidas, por doação, aos 5º, 6º e 7º Requeridos), com a consequente admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. a), do CPC2 e respetiva consequência.
b. Contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão (fundamento) do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2002, com a consequente admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 629º, n.º 2, alínea d), e respetiva consequência.
c. Contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão (fundamento) do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.01.2018, com a consequente admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 629º, n.º 2, alínea d), e respetiva consequência;
d. Contradição entre o Acórdão ora recorrido e o já mencionado Acórdão de 29.09.2022, que fundamentou a invocação da violação do caso julgado.
e. Se foi feita prova indiciária suficiente dos requisitos de procedência do arresto da mencionada participação social, mormente da simulação por parte dos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos na sua transmissão e do periculum in mora.
*
IV. Decisão da matéria de facto proferida pelas instâncias (1ª instância e pelo Acórdão ora recorrido)
Para melhor compreensão e enquadramento, entende-se ser de, desde já, consignar os seguintes pontos da decisão da matéria de facto proferida pelas instâncias, que a seguir se transcrevem 3:
A. Da decisão proferida aos 07.12.2021 (que decretou o arresto)
“A.1.Factos Provados:
1. A Requerente dedica-se à atividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.
(…)
3. O 1.º Requerido foi titular de uma participação social no capital social da sociedade G..., SGPS, S.A., bem como Presidente do Conselho de Administração – cfr. doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido». [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[De entre as várias empresas que fazem parte do denominado Grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A., encontra-se a sociedade a G..., SGPS, S.A. sociedade da qual o aqui 1.º Requerido foi titular de uma participação social no capital social daquela, bem como Presidente do Conselho de Administração – cfr. doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.]
4. A 2.º Requerida, a sociedade G..., SGPS, S.A., por sua vez, é titular da totalidade do capital social da sociedade “T..., Lda”, a aqui 3.º Requerida – cfr. doc. 2 cfr. doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
(…)
6. A 2.º Requerida, a sociedade G..., SGPS, S.A., também é titular da totalidade do capital social da sociedade “S..., S.A.”, a aqui 4.º Requerida, participação social essa que, igualmente, é objeto dos presentes autos – cfr. doc. 4 e documento junto em audiência a fls. 171 a 177, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
(…)
8. Para além das sociedades acima referidas, e sem prejuízo de outras empresas deste Grupo, existe a sociedade “SF..., SGPS, S.A.” sociedade detida pelo aqui 1.º Requerido – cfr. doc. 6, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
9. Com os presentes autos, a requerente visa garantir o efeito de uma decisão judicial a proferir na ação declarativa de nulidade [por simulação] que a Requerente irá instaurar contra o 1.º Requerido por forma a que o património de que este era titular responda pela dívida de que o mesmo tem para com a Requerente.
10. No âmbito da sua atividade creditícia, no dia 30 de dezembro de 2004, a Requerente celebrou com a sociedade SF..., SGPS, S.A., doravante abreviadamente designada por SF..., SGPS, S.A., um contrato de mútuo com penhor e promessa de penhor de ações, ao qual internamente foi atribuído o nº PT00359140029708091, mediante o qual concedeu à SF..., SGPS, S.A. um empréstimo no montante de €46.250.000,00 (quarenta e seis milhões duzentos e cinquenta mil euros) – cfr. doc. 7, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
11. A referida quantia, da qual a SF..., SGPS, S.A., desde logo se confessou devedora, destinou-se a apoio à tesouraria, tendo o aludido contrato sido celebrado pelo prazo de 5 anos menos um mês a contar da data da outorga.
12. Ficou consignado no aludido contrato de mútuo que o capital em dívida venceria juros a uma correspondente à Euribor a seis meses apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período de contagem de juros, acrescida de uma margem de 1,15%, donde resultava, na ocasião, na aplicação da taxa de juro nominal de 3,368% ao ano.
13. Mais se previu que, em caso de mora, a CGD poderia cobrar sobre o capital exigível e juros correspondentes aos períodos mínimos legalmente previstos, comissões e outros encargos, juros calculados à taxa de juros remuneratórios prevista no contrato acrescida de uma sobretaxa de 2% a título de cláusula penal.
14. Pelo mesmo instrumento e para garantia do capital mutuado, juros e demais despesas, foram constituídas as seguintes garantias:
a) A SF..., SGPS, S.A. constituiu 1º penhor, com entrega, a favor da Requerente sobre 9.572.392 (nove milhões, quinhentas e setenta e duas mil e trezentas e noventa e duas) ações do BCP que era legítima titular;
b) I... - Investimentos..., SGPS, S.A.. constituiu 1º penhor, com entrega, a favor da Requerente sobre 20.427.608 (vinte milhões, quatrocentos e vinte e sete mil e seiscentos e oito) ações do BCP que era legítima titular;
c) a SF..., SGPS, S.A. prometeu constituir 1º penhor, com entrega, a favor da Requerente sobre ações do BCP ou sobre um depósito a prazo, sempre que tal seja necessário para manter o rácio de cobertura do montante em dívida – cfr. clausula 15.º do contrato junto como doc. 7, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
15. Mais ficou consignado que a SF..., SGPS, S.A. se obrigava a manter em qualquer momento de vigência do contrato um Rácio de Cobertura do montante em dívida pelo valor das ações dadas em penhor superior a 1,2 (um virgula dois) – cfr. cláusula 12ª do contrato junto como doc. 7, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
16. As ações empenhadas e acima mencionadas, tinham, à data de constituição do penhor, o valor correspondente a 120% do capital mutuado, sendo obrigação expressa da SF..., SGPS, S.A., manter tal rácio de cobertura, apurado nos termos da clausula 12ª do contrato, durante todo o seu prazo de vigência.
17. De forma a cumprir o rácio acima mencionado e não tendo a mutuária procedido à amortização de capital, diante da desvalorização dos valores mobiliários dados em penhor e de forma a repor o já referido rácio de cobertura, a SF..., SGPS, S.A. e a I... - Investimentos..., SGPS, S.A., por aditamento celebrado em 11 de junho de 2008 procederam ao reforço dos penhores constituídos através de penhor de outras ações representativas do capital social do BCP, respetivamente 2.920.725 ações e 6.232.867 ações – cfr. doc. 8, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
18. Para o mesmo efeito e por Aditamento ao contrato celebrado em 29 de setembro de 2008, a SF..., SGPS, S.A. voltou a proceder ao reforço de penhor mediante a constituição de um penhor sobre o direito de crédito emergente do depósito a prazo no valor de um milhão e quinhentos mil euros – cfr doc. 9, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
19. Ainda no referido Aditamento as partes acordaram, igualmente, em alterar o prazo contratual para 30 de dezembro de 2009, bem como a taxa de juro para a Euribor a 6 meses, acrescida de uma margem de 1,2% – cfr. o já mencionado doc. 9, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
20. Mais tarde, as partes acordaram em celebrar um outro Aditamento ao contrato em 29 de dezembro de 2009, através do qual ficou consignado (i) a alteração do prazo contratual para 91 meses a contar da data de celebração, a (ii) alteração da taxa de juro para a Euribor a 6 meses, acrescida de uma margem de 2% bem como (iii) o rácio de cobertura do montante em dívida, tendo ainda a SF..., SGPS, S.A., para titulação das responsabilidades decorrentes do contrato entregue à CGD uma livrança em branco devidamente por si subscrita, autorizando a CGD a proceder ao preenchimento nos termos do consignado no clausula 4ª deste aditamento – cfr. doc. 10, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
21. Posteriormente, em 24 de Maio de 2010, as partes celebram o 4º Aditamento ao contrato, nos termos do qual consignaram que o capital em dívida, na ocasião, ascendia a € 31.823.366 e que encontrava-se o rácio de cobertura da dívida em 98%, acordando as partes que para reforço das garantias das responsabilidades emergentes do contrato o aqui 1º Requerido, AA, prestaria o seu aval na livrança entregue à CGD pela SF..., SGPS, S.A. – cfr. doc. 11, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
22. Assim, através do instrumento contratual datado de 24 de maio de 2010, o aqui 1.º Requerido prestou o seu aval na livrança subscrita pela mutuária SF..., SGPS, S.A. e entregue à CGD, autorizando a CGD a proceder ao seu preenchimento nos termos da cláusula 2º do aditamento junto como doc. 11, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
23. Em 31 de dezembro de 2012, tal contrato foi objeto de um 5º Aditamento, nos termos do qual as partes acordaram em alterar (i) o prazo contratual por mais 5 anos a contar de 30.07.2012, bem como (ii) a taxa de juro contratual para a Euribor a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao da data revisão do indexante, arredondada para a milésima de ponto percentual mais próxima e acrescida de um spread de 2%, donde resultava, na ocasião, na aplicação da taxa de juro nominal de 2,362% e que (iii) o capital em dívida seria amortizado numa única prestação com vencimento em 30.07.2017 – cfr. doc. 12, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
24. Ainda no âmbito do 5º Aditamento ao contrato de mútuo, as partes acordaram em, para além das garantias já constituídas, constituir para garantia do aludido contrato penhor a favor da CGD sobre 60.000,00 ações escriturais ao portador representativas do capital social da Q..., SGPS, S.A: – cláusula 8º do doc.12.
25. Finalmente, em 16 de outubro de 2014, o contrato de mútuo foi objeto de 6.º e último Aditamento, nos termos do qual as partes procederam à alteração da cláusula 8ª do 5º Aditamento – cfr. doc. 13, cujo teor se dá integralmente por reproduzido
26. O contrato chegou ao termo do prazo e o valor em dívida não foi liquidado pela mutuária SF..., SGPS, S.A., pelo que considerando a amortização efetuada através do produto da venda das ações, permaneceu em dívida, a título de capital, a quantia de €29.262.604,25 (vinte e nove milhões duzentos e sessenta e dois mil seiscentos e quatro euros e vinte e cinco cêntimos).
27. Considerando o não pagamento daquela quantia, a CGD deu cumprimento à convenção de preenchimento da livrança entregue e subscrita pela SF..., SGPS, S.A. e avalizada pelo aqui 1.º Requerido e procedeu ao preenchimento do título pelo valor de € 38.977.572,26 (trinta e oito milhões, novecentos e setenta e sete mil quinhentos e setenta e dois euros e vinte e seis cêntimos), com data de vencimento em 29.08.2018 – cfr. doc. 14, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
28. Sendo que, apesar de interpelados, nenhum dos responsáveis – a SF..., SGPS, S.A. e o aqui 1º Requerido – procedeu ao respetivo pagamento.
29. O aqui 1.º Requerido era à data da concessão do crédito e sucessivas alterações, bem como presentemente o Presidente do Conselho de Administração da sociedade mutuária, a SF..., SGPS, S.A. – cfr. o já junto doc. 6, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
30. E, para além da intervenção do 1º Requerido na operação de crédito acima descrita, foi, igualmente, interveniente noutras operações bancárias celebradas pela Requerente com várias empresas do Grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A. [denominado o Grupo de empresas da família AA]. [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[E, para além da intervenção do 1º Requerido na operação de crédito acima descrita, foi, igualmente, interveniente noutras operações bancárias celebradas pela Requerente com várias empresas do Grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A. [denominado o Grupo de empresas da família AA], do qual faz parte a sociedade SF..., SGPS, S.A.]
31. Na vigência do contrato de mútuo supra descrito, por carta datada de 03/12/2008 a Requerente comunicou à mutuária SF..., SGPS, S.A. que se verificava um incumprimento do rácio de cobertura estabelecido no aludido contrato – cfr. doc. 15, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
32. E, no seguimento das negociações entre as partes, por comunicação eletrónica de 12 de dezembro de 2008 dirigida ao Senhor Dr. EE [também ... e interlocutor do grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A. junto da aqui Requerente], a Requerente comunicou que, perante o incumprimento do rácio de coberto de 46.250 milhões de euros do financiamento concedido à SF..., SGPS, S.A., tinha deliberado as seguintes alterações ao empréstimo: “(…) A CGD mantém a sua disponibilidade para a realização de operações semelhantes às agora aprovadas, que possibilitem a redução da dívida no financiamento da SF..., SGPS, S.A. e como tal contribuir para o cumprimento do Rácio de Cobertura contratualmente definido.
2) alterações ao financiamento da SF..., SGPS, S.A. no valor de € 46,250 Mio
- Aval do Dr. AA, enquanto o Rácio de Cobertura for inferior a 120%; (…)” – cfr. doc. 16, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
33º º E, por nova comunicação eletrónica datada de 20 de janeiro de 2009, a Requerente fez um ponto de situação do financiamento da SF..., SGPS, S.A. donde resulta que diante da situação do mesmo tornava-se premente, entre outros, que “(…) sejam implementados os aditamentos contratuais relativos ao teor da deliberação da CGD, nomeadamente o respeitante à intervenção do aval pessoal do Dr. AA (enquanto o Rácio de Cobertura se situar abaixo de 120%), bem como a implementação da condição de venda das ações para liquidação dos financiamentos hipotecários. (…)” – cfr. doc. 17, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
34º Mais tarde, por comunicação eletrónica datada de 14 de abril de 2009, novamente a Requerente, entre outros assunto, reforçou a necessidade de, no que respeita ao financiamento concedido à SF..., SGPS, S.A., “ Estabelecer um rácio de cobertura mínimo de 80%, mas com o aval do Dr. AA, com a condições de ser liberto assim que o rácio de cobertura atinja os 100%.” – cfr. doc. 18, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
35º E, no seguimento de reuniões e contactos, a Requerente por fax datado de 02 de julho de 2009 comunicou, no que respeita ao financiamento concedido à SF..., SGPS, S.A., que tinha aprovado o seguinte “(…) 3..SF..., SGPS, S.A.
Montante: 39.782,916, sendo este valor reduzido com a realização das operações anteriormente descritas
Taxa: Euribor 6m+2,75%spread
Prazo: Aumento do prazo de 30/12/2009 para 30/07/2012
Rácio de cobertura: Rácio de Cobertura de 1,2, sendo aceite pela CGD a existência de um Rácio de Cobertura mínimo de 90% até 31/12/2009 e mínimo de 100% em 2010 e seguintes, considerando a cotação média da ação BCP nos últimos 10 dias
Garantia: Aval pessoal do Dr. AA enquanto o rácio de Cobertura se mantiver abaixo do nível de 1, penhor de 39.153.596 ações do BCP e Penhor de Deposito a Prazo de 1,5 Mio. (…)” – cfr. doc. 19, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
36º- Por carta de 24 de julho de 2009, a SF..., SGPS, S.A. respondeu à carta da Requerente datada de 02.07.2009 a solicitar a apreciação da Requerente para três pontos que entendiam ser de relevância extraordinária, sendo desde logo o 1.º ponto o Aval do Dr. AA [1.º Requerido], alegando para tanto o seguinte:
“(…)
1 – Aval do Dr. AA
Julga-se ser reconhecido que nunca se questionou, dentro das possibilidades, disponibilizar as garantias necessárias ao conforto da operação, afetando patrimónios a estas operações. É também do conhecimento de V. Exas. que esse património é alheio à génese desta operação sendo o mesmo integrante do património pessoal/empresarial do Dr. AA.
Existiu por essa via uma atitude de inteira solidariedade e comprometimento do Dr. AA para com a Caixa Geral de Depósitos, não constituindo o seu aval um fator relevante e indicador do seu envolvimento acrescido na situação.
Dada a cobertura atualmente existente e a disponibilidade da Caixa Geral de Depósitos para, até fim de 2009, conceder um rácio de cobertura de 09%, solicitamos a dispensa desta solicitação, assumindo, desde já o compromisso de resolução da situação, caso o rácio de cobertura se coloque, de forma sustentada, abaixo dos referidos 90% até dezembro de 2009 e 100% a partir dessa data.
Naturalmente que nesta atitude não está qualquer objetivo de não envolvimento, pois como referido, o mesmo já é muito relevante e indicador de inequívoca solidariedade para com a Caixa Geral de Depósitos, mas tão somente a dificuldade formal e pessoal de ser tomada esta decisão, uma que ao longo de dezenas de anos de atividade profissional e empresarial, essa decisão nunca foi exercida, solicitando-se a compreensão de V. Exas. para este enquadramento. (…)” – cfr. doc. 20, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
37.º Em resposta à carta da SF..., SGPS, S.A., a Requerente, em 28 de julho de 2009, esclareceu, no que respeita ao Aval do aqui 1.º R. que “ Desde que, no momento da contratação das alterações contratuais que resultarão das novas condições aprovadas pela CGD, o rácio de cobertura do financiamento à SF..., SGPS, S.A. seja inferior a 100%, não será exigível o aval do Dr. AA.” – cfr. doc. 21, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
38º. Posteriormente, no seguimento das conversações das partes, a Requerente, por email datado de 29 de dezembro de 2009, pelas 15.23h, remeteu para o Sr. Dr. FFdo Grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A. o 3.º aditamento ao contrato de mútuo da SF..., SGPS, S.A., incorporando os ajustamentos acordados entre as partes, solicitando que o mesmo fosse assinado em 4 versões com as assinaturas devidamente reconhecidas na qualidade de poderes para o ato, acompanhado da respetiva livrança com Aval – cfr. doc. 22, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
39º- Na minuta do 3º Aditamento remetida em anexo ao email anteriormente referido já constava como 4º outorgante o Sr. Dr. AA, aqui 1º Requerido – cfr. doc. junto doc. 22, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
40º- Por email do mesmo dia - 29/12/2009 – pelas 17.08h o Sr. Dr. FF remeteu um email para o Sr. Dr. GG, na ocasião Diretor Central na Requerente, acusando a receção das aludidas minutas e fazendo referência que das mesmas constava o aval do 1.º Requerido e que tal circunstância sempre foi tida como “situação a contornar” e termina solicitando que seja retirada da minuta a faculdade do aval – cfr. doc. 23, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
41º- Ao que a Requerente, através do Sr. Dr. GG, respondeu por email do mesmo dia às 17.28h, esclarecendo que mais alterações à redação do contrato não seriam viáveis e que o aval do Dr. AA [aqui 1.º Requerido] só seria exigível se o rácio de cobertura fosse inferior a 100% - cfr. doc. 24, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
42º -Por email datado de 30 de dezembro de 2009, pelas 11.05h, o Sr. Dr. FF respondeu ao email mencionado no artigo anterior através do qual remeteu à Requerente uma carta assinada pelo aqui 1.º Requerido, datada de 29 de dezembro de 2009, em que este declara o seguinte: “Exmos. Senhores, Após as conversas havidas e no âmbito da V. carta de 28 de julho passado, venho confirmar que aceito o conteúdo da mesma, no que ao meu aval pessoal diz respeito.
(…)
Não obstante, declaro a minha disponibilidade para, a pedido da Caixa Geral de Depósitos, caso e quando o referido rácio seja inferior a 100% e se dentro de um prazo de 15 dias úteis não for reposto esse nível de cobertura, avalizar pessoal este contrato.” – cfr doc. 25, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
43º- Desde o primeiro momento em que foi solicitado pela Requerente o aval do 1.º Requerido e até 29/12/2009, este recusou-se ou manifestou uma total indisponibilidade para tal, com o propósito de não afetar o seu património pessoal à operação de financiamento levada a cabo entre a Requerente e a SF..., SGPS, S.A. – doc. 20, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
44. A 29 de Dezembro de 2009, o 1.º Requerido sabia que as garantias constituídas no contrato de mútuo - penhor sobre ações - não atingiam o rácio de cobertura do valor em dívida. [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[ A 29 de Dezembro, o 1.º Requerido sabia que as garantias constituídas no contrato de mútuo - penhor sobre ações - não atingiam o rácio de cobertura do valor em dívida, ou seja, os bens dados em garantia eram insuficientes para liquidar o valor em dívida à data].
45º- A 26/12/2009, o 1 Requerido transmitiu a participação social de que era titular na sociedade G..., SGPS, S.A. à sua mulher e filhos, respetivamente BB, CC e DD – cfr. doc. 26, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
46º Com vista a obter a cobrança do crédito referido em 27, a Requerente instaurou em 19.12.2018, Ação Executiva com Processo Sumário, a qual corre seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução de ... - Juiz ..., Proc. n.º 28357/18.0..., contra o aqui 1.º Requerido AA e a SF..., SGPS, S.A., para obter o pagamento da quantia global de € 39.417.367,42, reportada à data de 07.12.2018 (sendo €38.977.572,26 a título de capital [valor aposto na livrança], € 422.879,96 a título de juros vencidos desde 30/08/2018 até 07/12/2018, à taxa legal de 4% e € 16.915,20 a título de Imposto de selo) e ainda dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%, conforme cópia do Requerimento Executivo que ora junta como doc. 27 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos.
47º Os ali executados AA e SF..., SGPS, S.A., foram sido citados em 13.03.2019 e 14.03.2019, respetivamente, cfr. docs. n.º 28 e 29, não apresentaram quaisquer Embargos de Executado ou Oposição à penhora cfr. doc. 30, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
48º Nos aludidos autos foram penhorados os seguintes bens, cfr. Autos de Penhora que aqui se juntam como docs. 31, 32 e 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos:
1- notificação ao Centro Nacional de Pensões em 10.01.2019:
- 1/3 da pensão de reforma que o mesmo aufere
2) Auto de Penhora de 19.02.2019:
- saldo de conta D.O. n.º 114/.......35 - Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal) no valor de €4.894,55;
- saldo de conta D.O. n.º 0020DDA...48 – Millennium BCP no valor de €3.253,33;
- penhora de valores mobiliários (600.000 ações) PT .....................01 - Q..., SGPS, S.A: [sociedade entretanto declarada insolvente - cfr. doc. 34, cujo teor se dá integralmente por reproduzido]
3) Auto de Penhora de 20.10.2019:
- penhora de bens móveis, da residência do executado.
49º No âmbito do processo executivo identificado no facto 46, apenas foi recebido pela ali Exequente CGD, S.A., aqui Requerente, a quantia global de €38.674,38, nas datas a seguir discriminadas, cfr. docs. 35, 36 e 37, cujo teor aqui de dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos:
- 13.11.2019: €16.344,07
- 11.06.2020: €13.702,22
- 07.10.2020: €8.628,09
50.º Para além dos valores supra identificados, a CGD recebeu em 23.04.2018, ou seja, antes da entrada em juízo da execução referido no facto 46, e como tal já considerada na dívida aí peticionada a quantia de €146.921,44 (cento e quarenta e seis mil novecentos e vinte e um euros e quarenta e quatro cêntimos) por força da venda das ações que foram dadas de penhor, ao abrigo do disposto nos nºs 6 a 9 da cláusula 15ª, do Contrato inicial.
51º- Posteriormente às datas supra discriminadas nos artigos antecedentes não foi recebida qualquer outra quantia, nem efetuada qualquer amortização, pelo que o crédito da Requerente à data de 22 de outubro de 2021, ascende ao total de €44.035.682,56 (quarenta e quatro milhões, trinta e cinco mil seiscentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente a €38.977.572,26 de capital, acrescida de juros atualizados a essa data.
52º A ora Requerente, na sequência das diligências para identificação de bens suscetíveis de penhora no âmbito do processo executivo referido no facto 46, titularidade dos aí Executados AA e SF..., SGPS, S.A., teve conhecimento através do livro de registo de ações, que em 26.12.2009, que o 1º Requerido AA procedeu à transmissão de todos os valores mobiliários nominativos de que era titular no capital social da G..., SGPS, S.A. a favor da sua mulher e filhos, respetivamente, 5º, 6º e 7º Requeridos , cfr. se comprova pelo teor do livro de registo de ações cuja cópia aqui se junta como doc. 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos.
53º- A G..., SGPS, S.A., é detida a 99,9998% pela família AA, sendo atualmente a sua estrutura acionista a seguinte:
BB – 67,5%
CC – 16,25%
DD – 16,25%
M........... – 0,0002% - cfr. o já junto doc. 26, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
54º- Até 28 de Dezembro de 2009, a estrutura acionista da G..., SGPS, S.A. era a seguinte:
AA – 42,50%
BB – 42,50%
CC – 7,50%
DD – 7,50%
M........... – 0,01% - cfr. o já junto doc. 26, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
(…)
56º- A sociedade G..., SGPS, S.A. é titular a 100% do capital social das sociedades T..., Lda e S..., S.A., respetivamente 3ª e 4ª Requeridas.
(…)
59º A 5ª Requerida, BB, é casada com o 1º Requerido, conforme doc. 41, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
60º Os 6º e 7º Requeridos, CC e a DD são filhos do 1º e 5º Requeridos, conforme docs. 42 e 43 juntos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
61.º Os 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos tinham relações familiares entre si, sendo que os 5º, 6º e 7º Requeridos já participavam na estrutura acionista da empresa, tendo a transmissão da participação social do 1.º Requerido na G..., SGPS, S.A., nos termos descritos em 45, permitido a transferência desse património do 1º Requerido para os 5º, 6º e 7º Requeridos, impossibilitando que essa participação social pudesse vir a responder por dívidas do 1º Requerido ou a penhora dessa participação social, enquanto bem que fazia parte do seu património. [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[Atentas as relações familiares entre os 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos, bem como o facto de os 5º, 6º e 7º Requeridos já participarem na estrutura acionista da empresa, a transmissão da participação social do 1 Requerido na G..., SGPS, S.A., nos termos descritos em 49 e 56, permitiu a transferência do património do 1º Requerido para os 5º, 6º e 7º Requeridos, evitando, os 1º, 5º, 6º e 7º requeridos, que essa participação social viesse a ter que responder pela dívida do 1º Requerido e a penhora dessa mesma participação social.]
62º A 2.º Requerida, a sociedade G..., SGPS, S.A., é titular da totalidade do capital social da sociedade “T..., Lda”, a aqui 3.º Requerida, (…)
63º.º A 2.º Requerida é também titular da totalidade do capital social da sociedade “S..., S.A.”, a aqui 4.º Requerida, (…)
(…)
67º Num cenário de penhora no âmbito da ação executiva instaurada pela CGD, subsequente à decisão favorável que venha a ser proferida na ação que a CGD visa instaurar, o arresto dos bens identificados no requerimento executivo, permitirá a sua venda judicial com vista ao ressarcimento (senão total, pelo menos parcial) do crédito da aqui Requerente.
68º- A Requerente não tem conhecimento de mais quaisquer outros bens que não os referidos nos factos 62 e 63 suscetíveis de penhora, titularidade do 1º Requerido.
(…)
70º - Os aqui 5º, 6º e 7º Requeridos fazem parte do conselho de administração das 2º, 3º e 4º Requeridas.
71º- O 1.º Requerido sabia da existência do direito de crédito da Requerente sobre a sociedade SF..., SGPS, S.A.
[ Os Requeridos [1.º, 5.º, 6.º e 7.º] sabiam da existência do direito de crédito da Requerente.] [Alterado pelo Tribunal da Relação]
72º- O 1º requerido transmitiu a suas participações sociais que tinha na sociedade S..., S.A., a 26-12-2009, a favor dos 5º a 7º Requeridos, e, estes, por sua vez transmitiram a sua participação para a sociedade G..., SGPS, S.A..”
A.2. Factos não provados:
Decidiu ainda o Tribunal da Relação aditar à decisão 07.12.2021 “os seguintes 3 pontos de factos que se julgam agora por não provados”:
1) O 1º Requerido, AA, foi ... do BCP»
2. De entre as várias empresas que fazem parte do denominado Grupo I... - Investimentos..., SGPS, S.A., encontra-se a sociedade a G..., SGPS, S.A.
3º- Os 5.º, 6.º e 7.º Requeridos sabiam da existência do direito de crédito da Requerente.
B. Da decisão proferida aos 19.07.2022 (que julgou da oposição ao arresto)
B.1. Factos provados:
“(…)
2. As ações dadas em penhor valiam àquela data €32.889.017,30.
3. Por mail enviado pelo Dr. GG, em representação da CGD, datado 30 de Dezembro de 2009, às 12h29m dirigido a FF lê-se:
“Dr. FF,
Considerando o exposto, a CDG aceita que o Dr. AA não outorgue o aditamento contratual que seja retirada a clausula 5ª e que, por tal lapso, seja ajustado o teor da cláusula 4ª, desde que a CGD receba a carta anexa assinada pelo Dr. AA”- cfr doc. fls. 976 cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
4. O 1º requerido é casado no regime de separação de bens, desde 1965, com a 5ª requerida BB – cfr doc. fls. 375v e 376v cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
5. Os 6 e 7 Requeridos eram a 26 de Dezembro de 2009 acionistas e administradores da G..., SGPS, S.A. (eleitos para o seu Conselho de Administração a 31 de Janeiro de 2005).- cfr doc. fls. 387 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
(…)
11. Os acionistas da SF..., SGPS, S.A. são os 1 e 5 requeridas, IP..., Lda e V..., Lda. – cfr doc. fls. 595 a 600, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
12. Em 31 Dezembro de 2020, a S..., S.A. passou a ser detida pela G..., SGPS, S.A. – cfr doc. fls. 173 a 176 cujo teor se dá por reproduzido.
13. A partir de 2011, a Sociedade T..., Lda passou a ser detida pela G..., SGPS, S.A. – (Menção Desp ..91/2011-12-23 da certidão de registo comercial junta a fls. 412 e seguintes e cujo teor se dá integralmente reproduzido.
14. O 1 requerido até à data de 26/12/2009 era titular de 106250 ações da G..., SGPS, S.A. e de 4960 ações da sociedade S..., S.A..
15. As participações sociais na sociedade G..., SGPS, S.A. até 26 de Dezembro de 2009 eram as seguintes:
a. - AA – 42,50% (1º requerido)
b. - BB – 42,50% (5º requerida)
c. - CC – 7,50% (6º requerido)
d. - DD - 7,50% (7º requerido)
e. - M........... – 0,01%. –
16. Consta na Relatório da II Comissão Parlamentar de Inquérito á Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e Gestão do Banco, a pág. 57 e 58, “(…)”
17. A requerente quando celebrou o contrato de mútuo a 30 de Dezembro de 2004 com a SF..., SGPS, S.A. solicitou informação sobre quem eram os sócios da mesma – cfr doc. de fls. 48 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
(…)
25. O 1 requerido foi fundador e co fundador da Associação Portuguesa de Empresas Familiares, constituída a 14 de Outubro de 1998 - cfr doc. 977 verso e seguintes.
26. - Associação constituída no Grande Auditório da CGD – cfr doc fls. 1002 cujo teor se dá por reproduzido.
27. - Associação de que o 1 requerido foi presidente da Direção durante cerca de 9 anos – entre 1998-2007 – cfr documento de fls. 1000 e seguintes cujo teor se dá integralmente reproduzido.
28. - Na mesma data em que a associação foi constituída, 14 de Outubro de 1998, decorreu a Conferência “A Empresa Familiar na Economia do Século XXI” – cfr. programa junto como documento n.º 30 junto a fls. 1030 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
29. - Tal conferência foi apoiada pela Requerente e decorreu no Grande Auditório da Caixa Geral de Depósitos – cfr. o referido documento n.º 30 junto a fls. 1030 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
30. - Uma das intervenções em tal Conferência debruçou-se precisamente sobre “A Sucessão nas Empresas Familiares”, proferida pela Dra. HH, Presidente da Cátedra da Empresa Familiar no Instituto ... – cfr. o mesmo documento n.º 30 junto a fls. 1003 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
31. - Já em 24 de Novembro de 1999, o 1.º Requerido, na sua qualidade de Presidente da Direção da APEF, assumiu também ativamente a organização do “I Congresso APEF”, precisamente dedicado ao tema “A Preparação da Sucessão – Chave de Continuidade das Empresas Familiares” – cfr. programa que ora se junta como documento n.º 31 junto a fls. 1003 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
32. - Tendo o 1.º Requerido presidido ao encerramento de tal evento – cfr. o referido documento n.º 31 junto a fls. 1030 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
33. - Também no II Congresso, realizado em 6 e 7 de Março de 2001, foi proferida uma intervenção dedicada ao tema “Assegurar a Sucessão: medida essencial do Governo da Empresa Familiar” pelo Professor Joachim Schwass do International Institute for Management Development de Lausanne – cfr. programa do II Congresso APEF que ora se junta como documento n.º 32 junto a fls. 1004 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
34. - O 1.º Requerido presidiu ainda ao encerramento do III Congresso da APEF, no qual se debateu também “A Organização para a Mudança da Família detentora de Patrimónios Empresariais” – cfr. programa do III congresso APEF, que ora se junta como documento n.º 33 junto a fls 1005 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
35. - Também nas newsletters que foram sendo publicadas pela APEF, o tema da sucessão nas empresas familiares teve sempre papel de destaque.
36. - Na generalidade de tais publicações, constam artigos e informações sobre o tema da sucessão nas empresas familiares – cfr. newsletters que ora se juntam como documento n.º 34, com especial destaque para o artigo “Planear a Sucessão na Empresa Familiar”, no Número Um de tal publicação, da autoria da Dra. Maria Manuela Ferreira Loureiro – cfr doc junto a fls 1006 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
37. - Na publicação que a APEF fez dos respetivos Estatutos, o 1.º Requerido teve oportunidade de subscrever um texto de introdução em que se realçava logo no início: “A preocupação sentida por todos os fundadores de empresas com a continuidade do seu património empresarial” – cfr. publicação que ora se junta como documento n.º 35 – cfr doc. junto a fls. 1014 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
38. - No exercício das funções de Presidente da Direção da APEF, o 1.º Requerido teve oportunidade de expor a membros do Governo a relevância de um correto processo de sucessão familiar – cfr. ofício dirigido à Sra. Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia, que ora se junta como documento n.º 36 junto a fls. 1025 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
39. - A atividade do 1.º Requerido no referido período foi orientada para a preparação de um processo de sucessão em vida nas empresas que havia criado.
40. - Em Assembleia Geral eletiva, realizada em 26 de Março de 2007, foi proposta a sua eleição como Sócio Honorário da Associação Portuguesa das Empresas Familiares, conforme consta da respetiva ata: “(…) ao abrigo do artigo 6º, número 3 dos Estatutos da APEF, propunham a eleição do Senhor Dr. AA como Sócio Honorário desta Associação, distinção essa merecida pelo facto de ter sido o fundador da APEF, ter planeado e executado uma estratégia vencedora para uma Associação com um corpo associativo coeso, relevante e com implantação nacional, ser um empresário de sucesso, exemplo para as novas gerações.”
41. - Admitida e posta à votação a precedente proposta, a Assembleia Geral aprovou, por aclamação, a referida nomeação, tendo sido decidido que a mesma ficasse lavrada em Ata.” – cfr. ata junta como documento n.º 29 junto a fls 990 e seguintes cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
42. - Na função de Presidente da Direção, o 1.º Requerido teve oportunidade de aprofundar os seus conhecimentos sobre este tema da transição entre gerações, nas empresas familiares, em vida.
43. - Foi precisamente esse o caminho que o 1.º Requerido pretendia percorrer.
44. - Em 2009, o 1.º Requerido atingira 72 anos de idade sofreu problemas de saúde, que o levaram a ser submetido a várias intervenções cirúrgicas, em Portugal e na ... – cfr. relatórios médicos que ora se juntam como documentos n.ºs 38 e 39 de fl.s 1036 e seguintes cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
45. - Em Junho de 2006, o 1.º Requerido tinha passado à situação de pensionista, por velhice – cfr. notificação da Segurança Social, que ora se junta como documento n.º 20 junto a fl.s 842 e seguintes cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
46. - A consultora espanhola UNILCO, SL – é especializada exclusivamente na consultoria à “Empresa Familiar” – cfr. sítio Internet www.unilco.com.
47. - O 1.º Requerido manteve-se na gestão das sociedades por um determinado período após a realização da doação, tendo abdicado da gestão: em Maio de 2010 quanto à 2.ª Requerida e em Julho de 2014 quanto à 4.ª Requerida.
48. - A renovação do contrato de mútuo no final de 2012, ocorreu numa situação em que o valor das garantias especiais afetas à satisfação do crédito da Requerente, calculado nos termos contratuais, se havia reduzido, representando em 31 de Dezembro de 2012 não mais do que 9,31% do valor em dívida:
a. -31-Dez-2012, das 39.153.592 das ações empenhadas, com a cotação €0,077 (cotação da ação BCP) e o valor em divida de € 32.381.479,63 (valor da divida) representava 9,31% de rácio de cobertura
b. - a 24-mai-2010, das 39.153.592 das ações empenhadas, com a cotação de €0,669 e o valor em dívida era de €31.823.366,00, representava 82,30% de ratio de cobertura.– cfr. Cláusula 12.ª, n.º 2, alínea a) do Contrato de Mútuo junto com o Requerimento Inicial como documento n.º 7, bem como os 2.º, 4.º e 5.º Aditamentos ao Contrato de Mútuo, juntos com o Requerimento Inicial como documentos n.ºs 9, 11 e 12 e, ainda, a certidão que revela a cotação da ação BCP neste período, junta como documento n.º 1 a fls. 500 cujo teor se dá integralmente como reproduzida.
49. Conforme consta na certidão do registo comercial a sociedade G..., SGPS, S.A., por deliberação de 31.05.2010, os opoentes BB, DD e CC passaram a ser os membros do Conselho de Administração, respetivamente, como Presidente, a primeira e vogais, os dois restantes – cfr doc. de fls. 387 e seguintes cujo teor se dá integralmente por reproduzido. [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[49. Conforme consta na certidão do registo comercial a sociedade G..., SGPS, S.A., por deliberação de 31.08.2022, os opoentes BB, DD e CC passaram a ser os membros do Conselho de Administração, respetivamente, como Presidente, a primeira e vogais, os dois restantes – cfr doc. de fls. 387 e seguintes cujo teor se dá integralmente por reproduzido.]
50. Pela insc. 3, Ap 38/20140704 na certidão comercial da sociedade G..., SGPS, S.A., foi inscrita a alteração da forma de obrigar a sociedade passando a sociedade a obrigar-se com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração e opoente BB e na sua falta ou impedimento pela assinatura conjunta de dois administradores. – cfr doc. fls. 387 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
51. - Os opoentes deliberaram, por si, pelo menos, desde 31 de Maio de 2010, a aprovação de contas de todos os exercícios nomearam conselhos de administração os membros dos órgãos de Fiscalização e os membros da mesa da Assembleia geral, enquanto titulares do conselho de administração em conformidade com o que consta no registo comercial e livro de registo de ações.
52. Em 2020, os acionistas da G..., SGPS, S.A. deliberaram um aumento de capital, passando-o de € 250.000,00 para € 450.000,00€, mediante a emissão de 200.000 novas ações, tendo a acionista BB subscrito 103.750 novas ações, enquanto DD e CC subscreveram 48.125 ações cada.(Cfr. AP. ...42/20200123 constante da certidão de matrícula junta a fl.s 387 a fls 390, cujo teor se dá integralmente por reproduzido e do livro registo de ações junto a fls. 231 a 270 cujo teor se dá integralmente por reproduzido).
53. Após esse aumento a Sociedade passou a ter o capital social de € 450.000,00, dividido em quatrocentas e cinquenta mil ações nominativas de 1,00€, o qual ficou repartido do seguinte modo: 303.750 ações pertencentes a BB, 73.125 ações pertencentes a DD e 73.125 ações pertencentes a CC – cfr doc. fls. 387 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
54. - Em 2016, a Opoente BB detinha 7.920 ações no capital social da Sociedade S..., S.A.. cfr. fl.s 172 a 177 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
55. Em 24 de fevereiro de 2016, BB, transmitiu a quase totalidade das suas participações sociais, tendo ficado apenas titular de 7 ações e cedeu então à sua filha DD 3.995 ações e ao seu filho CC 3.995 ações (vd livro registo de ações junto requerente).
56. Em 2020, os Opoentes cederam as suas participações à G..., SGPS, S.A. que ficou detentora de 99,97% do capital social – cfr doc fls. 172 a 177 cujo teor se dá por reproduzido.
57. Desde 21 de julho de 2014, e até à data da transmissão das suas participações sociais, na Sociedade S..., S.A., os Opoentes CC, BB e DD eram os seus únicos Administradores e, desde pelo menos 31 de maio de 2010, participaram, por si só, nas Assembleia Gerais, aprovaram as contas, nomearam os membros do Conselho de Administração, os membros da Mesa da Assembleia Geral, designaram o fiscal único, e tomaram todos os atos, como acionistas, da competência da Assembleia Geral, atos próprios de titulares das ações de que foram possuidores e inerentes ao exercício dessa qualidade de acionistas - cfr. doc. fls. 396 a 398 cujo teor se dá integralmente por reproduzido. [Alterado pelo Tribunal da Relação]
[Desde 21 de julho de 2014, e até à data da transmissão das suas participações sociais, na Sociedade S..., S.A., os Opoentes CC, BB e DD eram os seus únicos Administradores e, desde essa data, participaram, por si só, nas Assembleia Gerais, aprovaram as contas, nomearam os membros do Conselho de Administração, os membros da Mesa da Assembleia Geral, designaram o fiscal único, e tomaram todos os atos, como acionistas, da competência da Assembleia Geral, atos próprios de titulares das ações de que foram possuidores e inerentes ao exercício dessa qualidade de acionistas - cfr. doc. fls. 396 a 398 cujo teor se dá integralmente por reproduzido.]
(…)
61 . A livrança dada à execução no âmbito do processo 28357/18.0..., que corre termos nos juízos de execução de ... – J..., não foi objeto de protesto por parte da ali exequente, ali requerente.
62 . A livrança junta aos autos como doc. 11 e 12 pelo 1 requerido foi inutilizada, aquando da subscrição do quarto aditamento ao contrato de mútuo com penhor e promessa de penhor entre a CGD e SF..., SGPS, S.A. e o aqui 1º requerido, por na data da assinatura desse aditamento, a 24 de Maio de 2010, ter sido entregue uma outra livrança que foi subscrita pela SF..., SGPS, S.A. e avalizada pelo 1 requerido – cfr documentos de fls. 635 v e 636 e fls. 88 cujo teor se dá integralmente reproduzido.
63- O 1º Requerido nunca foi titular de mais do que 106.250 ações da sociedade G..., SGPS, S.A.; [aditado pelo Tribunal da Relação]
64- As 106.250 ações de que o 1.º Requerido foi titular representam atualmente 23,61% do capital da sociedade G..., SGPS, S.A. [aditado pelo Tribunal da Relação]
65- Nas negociações tendentes à prestação de aval pelo 1.º Requerido nunca foi comunicada ou solicitada qualquer informação sobre qualquer concreto bem do património do 1.º Requerido. [aditado pelo Tribunal da Relação]
66. Em 26 de dezembro de 2009 a Requerente não era credora do 1.º Requerido. [aditado pelo Tribunal da Relação]
B.2. Factos não provados
(…)
21) - não se provou no que concerne ao contrato de mútuo estabelecido entre a Requerente e SF..., SGPS, S.A. que, em caso de reforço de garantias, a requerente deveria exigir reforço apenas mediante penhor sobre mais ações do BCP ou eventualmente depósitos a prazo.
22) - não se provou que a requerente assumiu que realmente não tinha sido acordada a prestação de aval pessoal do 1.º Requerido.
23) Eliminado pelo Tribunal da Relação.
[não se provou que a Requerente a 26-12-2009 só era credora da SF..., SGPS, S.A. mutuária no contrato de mútuo e não era à data da celebração das doações, a 26-12-2009, credora do 1 requerido].
24) - não se provou caminho que, durante cerca de três anos, o 1.º Requerido e os membros da sua família mais próxima (mulher e filhos) percorreram, apoiados pela consultora espanhola UNILCO, SL – especializada exclusivamente na consultoria à “Empresa Familiar” – cfr. sítio Internet www.unilco.com.
25) - não se provou que acerca do modelo de transmissão em vida pelo 1.º Requerido aos seus sucessores, de acordo com a determinação da vontade do 1.º Requerido, teve sessões de trabalho individuais de informação e esclarecimento com a Consultora UNILCO que com cada um dos mencionados 5.ª, 6.º e 7.ª Requeridos, respetivamente mulher, filho e filha do 1.º Requerido.
26) - não se provou processo que levou à assunção, por tais familiares, em Abril de 2005, (no dia em que o 1.º Requerido completou 68 anos) de um programa integrador das novas gerações nas empresas criadas pelo 1.º Requerido.
27) - não se provou marcando assim o 1.º Requerido, pela solenidade do dia, a sua vontade de transmitir ainda em vida a titularidade e a gestão das empresas que tinha criado, ocorrendo a transmissão no futuro, caso a caso.
28) - não se provou programa integrador das novas gerações foi assumido, não só pelo 1.º Requerido, como também pelos 5.ª, 6.º e 7.ª Requeridos, numa manifestação da vontade destes últimos de virem a receber, gradualmente, ainda em vida do 1.º Requerido, funções de gestão e o património empresarial pertencente ao 1.º Requerido.
29) - assumindo a responsabilidade de assegurar a continuidade do património empresarial da família, para as próximas gerações (ao invés de eventualmente o mesmo ser alienado a terceiros).
30) - não se provou que para marcar essa vontade do 1.º Requerido de continuidade do património empresarial na família, de geração em geração, por transmissão em vida, o 1.º Requerido nas palavras que dirigiu a sua mulher e filhos, dirigiu-se também aos netos, apelando à sua preparação e integração, no futuro e de uma forma progressiva, enquanto terceira geração.
31) - não se provou que nas palavras emocionadas que o 1.º Requerido nessa data dirigiu à mulher, filhos e netos, salientou a sua vontade de transmitir em vida e o caminho, até aí percorrido, como forma de assegurar a continuidade, transmissão que iria ocorrer ao longo de anos vindouros, caso a caso.
32) - não se provou mantendo-se o 1.º Requerido, em cada transmissão, disponível, e próximo, durante alguns anos, como forma de assegurar uma transmissão suportada, sólida e pacífica.
33) - não se provou tendo percebido que esses processos devem ser preparados e executados de forma detalhada e com tempo.
34) - não se provou percebeu também que a prática internacional, em especial no país vizinho, apontava para a elaboração de um programa integrador das novas gerações, no âmbito do processo de transmissão familiar em vida.
35) - não se provou que as doações efetuadas pelo 1 Requerido, a 26 de Dezembro de 2009, a favor dos 5 a 7 requeridos, fizeram apenas parte do percurso referido em 22 a 40.
36) - não se provou que tais doações, consistiram assim na concretização de um processo, longamente preparado, para a gradual transição da titularidade do património empresarial do 1.º Requerido para os seus sucessores, processo que o 1.º Requerido sempre pretendeu concretizar ainda em vida.
37) - não se provou que passando a ser os donatários a exercer efetivamente os direitos inerentes à titularidade das participações que lhes foram doadas desde a data da doação a 26-12-2009.
38) - não se provou que a 26-12-2009, o 1 requerido não esperava que a requerente lhe viesse a exigir qualquer garantia pessoal.
39) - não se provou que os 6 e 7 requeridos não sabiam da relação do 1 requerido com a Caixa Geral de Depósitos, à data da doação.
40) - não se provou que os 6 e 7 requeridos não sabiam da relação entre a SF..., SGPS, S.A. e a Requerente, à data da doação.
41) - não se provou que a requerente a 30 de dezembro de 2009, abdicou da obtenção da garantia pessoal do 1 requerido.
42) - não se provou que à data das doações em dezembro de 2009, os opoentes desconheciam a existência de um qualquer crédito da requerente sobre o requerido AA.”
*
V. Da fundamentação jurídica constante dos Acórdãos de 29.09.2022 e de 05.12.2023 (este o ora recorrido)
Porque poderá relevar à apreciação das questões em apreço no presente recurso de revista [mencionadas nas als. a), b), c) e d), do objeto do recurso] deixamos desde já transcritos os seguintes excertos da fundamentação dos mencionados Acórdãos de 29.09.2022 e de 05.12.2023 [pese embora a sua extensão, afigura-se-nos relevante para melhor compreensão]:
1. Do Acórdão de 29.09.2022:
“III. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação e ampliação da decisão sobre a matéria de facto;
- da retificação da sentença efetuada e arresto do “capital social”;
- da ilegalidade do arresto por os bens arrestados não pertencerem ao devedor;
- da inexistência de periculum in mora suscetível de fundamentar o arresto.
(…)
Da impugnação da matéria de facto:
(…)
- da ampliação da matéria de facto
Vêm as Recorrentes alegar que da sentença não constam factos essenciais à decisão que decorrem dos documentos juntos aos autos que identifica, requerendo que se proceda à ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 662.º n.º 1 do CPC, aditando à mesma 36 pontos com a seguinte redação:
(…)
As Recorrentes 2ª, 3ª e 4ª Requeridas, sem terem deduzido oposição à providência decretada, como podiam ter feito, vêm desta forma pretender que sejam aditados novos factos aos factos dados como indiciados, integrando matéria que não foi em concreto alegada pela Requerente na presente providência e que decorre em grande medida de documentos que foram juntos pelos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos na oposição à providência que vieram deduzir.
Por outro lado, concluem que com estes factos não pode dizer-se que houve um acordo simulatório entre o 1º, 5.º, 6.º e 7.º Requeridos, na transmissão da participação social do 1ª Requerido, sendo que estes Requeridos vieram opor-se à providência decretada com esse fundamento, estando em causa uma relação jurídica na qual as Recorrentes não foram parte, que tem a sua sede própria de apreciação naquela oposição, já que foram os próprios Requeridos que ao optarem por diferentes formas de reagir ao arresto, vieram cindir as questões a apreciar em cada uma delas.
O art.º 372.º do CPC regendo sobre o contraditório subsequente ao decretamento da providência, estabelece:
“1- Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
2 - O requerido pode impugnar, por qualquer dos meios referidos no número anterior, a decisão que tenha invertido o contencioso.
3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.”
Tal como expressamente estabelece o n.º 1 deste artigo é lícito ao Requerido que não tenha sido ouvido antes do decretamento da providência, em alternativa, recorrer ou deduzir oposição. Deverá recorrer quando considere que a providência não devia ter sido deferida em face dos elementos apurados – al. a); deverá deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução- al. b).
Cabe por isso ao Requerido avaliar as razões pelas quais pretende exercer o contraditório, na medida em que cada um dos procedimentos alternativos ali previstos se alicerça em diferentes fundamentos e tem um objetivo diverso, como resulta de cada uma das alíneas do n.º 1 deste artigo, estando impedido de cumulativamente recorrer e deduzir oposição.
O direito ao contraditório conferido pelo legislador ao Requerido que se vê afetado como decretamento de uma providência cautelar, prevendo duas vias processuais alternativas para o seu exercício, implica, naturalmente, que o mesmo não pode em simultâneo interpor recurso da decisão proferida e deduzir oposição, antes tem de optar pelo procedimento que considere mais favorável à sua defesa, de acordo com a finalidade que cada uma das diferentes formas de reagir permite atingir.
Como se refere a este propósito, com toda a propriedade, no Acórdão do TRG de 2 de junho de 2021 no proc. 1237/18.1T8BGC-A.G1 in www.dgsi.pt : “Tratando-se de dois meios de reação contra a sentença que decrete a providência cautelar sem audiência prévia do requerido ou requeridos, que na expressão do n.º 1 do art. 372º são “alternativos”, daqui deriva, por um lado, que o requerido ou requeridos da providência cautelar não podem usar desses dois meios de reação em simultâneo, e por outro lado, não podem escolher livremente entre um desses meios de reação, pois que a opção por um ou outro dos meios de reação que a lei lhes faculta depende dos fundamentos que invoquem. Quando o requerido “entenda que, face aos elementos apurados, a providência cautelar não devia ser deferida”, isto é, quando pretenda apenas imputar à decisão que decretou a providência cautelar, sem audiência prévia daquele, erro de direito, por entender que a facticidade apurada, quando subsumida ao quadro jurídico aplicável, não permitia ao tribunal decretar o procedimento cautelar, por não estarem preenchidos os pressupostos fácticos e/ou jurídicos necessários ao respetivo decretamento, ou quando pretenda impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, (mas mediante a apresentação exclusivamente de prova documental de que disponha e que seja dotada de força probatória legal, nos termos da al. a), do n.º 1 do art. 342º, o requerido terá de interpor recurso da sentença que decretou a providência cautelar, nos termos gerais, naturalmente, caso o processo comporte a interposição de recurso ordinário, questionando o acerto da decisão, tanto no que respeita aos factos considerados provados (face à prova documental, com força probatória legal que junta aos autos), como quanto à verificação dos pressupostos legais de decretamento da providência cautelar. Já se o processo não admitir recurso ordinário ou o requerido pretender “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência decretada ou determinar a sua redução, isto é, caso pretenda alegar novos factos (não alegados pelo requerente da providência cautelar, em sede de requerimento inicial, mas que são agora alegados pelo requerido, em sede de oposição, estando-se aqui perante a alegação de factos principais constitutivos de exceções que o requerido pretenda invocar com vista a impedir, extinguir ou modificar os factos alegados e perfunctoriamente provados pelo requerente da providência cautelar e de onde fez derivar o direito que visou acautelar com o decretamento da providência cautelar que requereu e que lhe foi deferida, ou a alegação de factos instrumentais que visem abalar a convicção do julgador quanto à verificação de factos essenciais que tenham constituído fundamento da providência) ou quando pretenda produzir novos meios de prova, mas sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova ele agora arrolados ou carreados para os autos em sede de oposição), tendentes a afastar os fundamentos da anterior decisão que decretou a providência cautelar, abalando a convicção do julgador quanto à verificação dos factos que tenham constituído fundamento do decretamento da providência, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 372º, aquele terá de deduzir oposição, no prazo geral de 10 dias (art. 293º, n.º 2, ex vi art. 365º, n.º 3).”.
No presente recurso, como aliás no processo quando os diversos Requeridos se “repartem” de forma a exercer o seu contraditório através das duas formas legalmente previstas, os Recorrentes parecem querer usar o recurso para atingir o objetivo que o legislador associa à oposição, meio processual que optaram por não exercer, mas de que pretendem ilegitimamente beneficiar por via da ampliação da matéria de facto que aqui requerem.
Na situação em presença os 2º, 3º e 4º Requeridos ao optaram por interpor recurso da sentença, nos termos do art.º 372.º n.º 1 al. a) do CPC, por entenderem que face aos elementos apurados a mesma não devia ter sido decretada, abdicaram de deduzir oposição, de acordo com a al. b) e com base nos seus fundamentos, pelo que não podem agora em sede de recurso vir alegar novos factos que não foram invocados pela Requerente e produzir novos meios de prova, o que fazem indicando os documentos que os restantes Requeridos juntaram na oposição que deduziram, numa tentativa de trazer para a apreciação do recurso as razões que apenas podem estar nos fundamentos da oposição que escolheram não apresentar.
Não é por isso lícita a ampliação da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes, em violação do art.º 372.º n.º 1 do CPC, razão porque se rejeita a mesma.
(…)
- da ilegalidade do arresto por os bens arrestados não pertencerem ao devedor
(…)
Com interesse para a questão que aqui se discute, uma vez que o arresto requerido tem por objeto bens que pelo menos formalmente são de terceiros - pessoas singulares diferentes do devedor e sociedades comerciais - importa ter ainda em conta o disposto no art.º 392.º n.º 2 do CPC que dispõe: “2- Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.”
A circunstância de estarmos perante uma transmissão de bens do devedor ocorrida antes da constituição da sua dívida não constitui impedimento ao arresto, o que têm é de verificar-se os requisitos que permitem concluir pela viabilidade da impugnação das transmissões, sendo esta a exigência do n.º 2 do art.º 392.º do CPC – neste sentido vd. Acórdão do TRC de 8 de março de 2006 in www.dgsi.pt.
Passando ao caso em presença, constata-se que, de acordo com o que refere a Requerente, a providência de arresto visa garantir o efeito de uma decisão judicial a proferir em ação declarativa de nulidade, por simulação, que a Requerida irá instaurar, de forma a que o património de que este era titular possa responder pela sua dívida.
Não podendo deixar de registar-se que a Requerente não distingue de forma concretizada a causa de pedir relativamente a cada um dos pedidos de arresto e a cada um dos Requeridos, verifica-se que aqueles pedidos assentam em causas de pedir diversas: por um lado, no que diz respeito aos Requeridos pessoas singulares seus familiares, o seu pedido assenta na existência de negócios simulados por eles realizados que tiveram como objeto a transmissão das participações sociais do devedor para os seus familiares, cuja nulidade pretende obter em ação que intentará; por outro lado, com referência às sociedades comerciais demandadas, invoca o “instituto do abuso de personalidade coletiva” por o Requerido ter adquirido os imóveis objeto do arresto através delas, sociedades que por si eram controladas.
Nos invocados negócios simulados de transmissão das participações sociais do Requerido para os seus familiares, e na parte em que estas constituem o objeto do arresto, as sociedades Recorrentes, enquanto pessoas coletivas com personalidade jurídica individualizada dos seus sócios não são parte legítima, por não serem as titulares de tal relação material controvertida. Verifica-se aliás que tal cisão é feita pelos próprios Requeridos, quando ao serem notificados do arresto, os Requeridos pessoas singulares deduziram oposição, enquanto que as Requeridas pessoas coletivas vieram interpor recurso da mesma, cada um deles optando pela alternativa que considerou mais conveniente à defesa dos seus interesses para efeitos de exercerem o contraditório, de forma que não deixa de ser questionável, na medida em que, conforme estabelece o art.º 372.º do CPC não lhes é lícito usarem em simultâneo os dois procedimentos.
Constata-se também que essa mesma cisão foi feita pelo tribunal de 1ª instância, quando decide da oposição apresentada pelos Requeridos pessoas singulares, já que expressamente ressalva e decide apenas sobre o arresto que incide nos pontos 1 e 4 da decisão inicial de arresto, ou seja sobre a transmissão das participações sociais efetuadas pelo 1º Requerido a favor dos seus familiares, pelo facto do demais ter sido objeto do recurso interposto pelas sociedades Requeridas.
O art.º 240.º do C.Civil, com a epígrafe “simulação”, dispõe, no seu n.º 1 que: “Se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declaratário, o negócio diz-se simulado.” Acrescenta o nº 2 deste artigo que o negócio simulado é nulo.
Pode assim dizer-se que são três os requisitos do negócio simulado:
- a existência de um acordo entre declarante e declaratário;
- a divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declaratário; e
- a intenção de enganar terceiros.
As transmissões das participações sociais feitas pelo Requerido aos 5.º, 6.º e 7.º Requeridos, antes de prestar o seu aval pessoal a favor da Requerente, constituem os negócios simulados, cuja nulidade é pretendida pela Requerente, por terem visado retirar o património daquele da alçada dos credores, integrando-se na qualificação de um contrato simulado na previsão do art.º 240.º do C.Civil, entendendo a Requerente que o 1º Requerido é o verdadeiro titular de tais participações sociais e pretendendo que as mesmas possam responder pelo seu crédito.
Afigurando-se pelas razões expostas, que as Recorrentes não foram parte em tais negócios de transmissão das participações sociais e que a questão da a viabilidade da impugnação dos negócios por simulação está a ser discutida e apreciada em sede da oposição ao arresto que foi deduzida pelos intervenientes em tais negócios, cuja sentença integra a decisão de arresto inicialmente proferida nesta parte, não importa aqui tomar posição sobre a questão que é colocada pelas Recorrentes da invocada inexistência de acordo simulatório no qual não foram parte.
Feitas estas considerações prévias, vejamos então se pode dizer-se que o arresto decretado é ilegal, por não incidir sobre bens do devedor.
(…)
Como se referiu, há que distinguir o arresto das participações sociais transmitidas pelo 1º Requerido a favor dos seus familiares e que representam 42,50% do capital social da Sociedade G..., SGPS, S.A., dos restantes bens arrestados. Quanto àquele arresto, a provável procedência da ação de nulidade por simulação que a Requerente irá intentar permitirá concluir que estamos perante participações sociais que foram adquiridas pelos 5º, 6º e 7º Requeridos por via do mencionado acordo simulatório, sendo que a nulidade do negócio é suscetível de fazer retornar tais participações à esfera jurídica do devedor, integrando-se esta situação precisamente na previsão do art.º 392.º n.º 2 do CPC.
Já o mesmo não se verifica no que respeita aos restantes bens arrestados, na medida em que não estamos perante bens que foram adquiridos ao devedor e cuja aquisição aqui seja impugnada ou em posterior ação, nem tão pouco os factos provados permitem dizer que estamos perante bens que são do 1º Requerido e não das respetivas sociedades suas titulares, o que só poderia dizer-se na conclusão de que estamos perante um abuso da personalidade coletiva, como invocou a Requerente.
(…)
Conclui-se assim que não pode haver lugar ao arresto das participações sociais que a sociedade G..., SGPS, S.A. detém no capital social das sociedades T..., Lda e S..., S.A., bem como dos dois imóveis que integram o património de cada uma destas sociedades, respetivamente, por não estar demostrado que se tratam de bens do devedor 1º Requerido, como é exigência do art.º 391.º do CPC.
- da inexistência de periculum in mora suscetível de fundamentar o arresto
(…)
No entanto, a perspetiva da declaração de nulidade de tais negócios, suscetível de acontecer em futura ação em que a sua simulação venha a ser verificada, representa o elemento revelador do risco de dissipação de tal património do Requerido, através dos seus familiares detentores de tais direitos, o que se alicerça precisamente no seu comportamento anterior, revelado nos pontos 45, 52, 61 e 71 dos factos apurados.
É o anterior comportamento dos Requeridos pessoas singulares, revelado na séria probabilidade dos negócios de transmissão das participações sociais do devedor que foram adquiridas pelos seus familiares terem sido simulados, visando subtrair este seu património à garantia dos credores, que fundamenta o justo receio da lesão do direito de crédito da Requerente, no sentido de poderem ser de novo alienadas as participações sociais que agora estão na detenção dos 5º, 6º e 7º Requeridos e que correspondem a 42,50% do capital social da 2ª Requerida Sociedade G..., SGPS, S.A., assim ameaçando o direito da Requerente.
O procedimento cautelar de arresto pretende acautelar o risco de perda de garantia patrimonial que se encontra associado à possibilidade de dissipação do património por parte do devedor que assim pode colocar em causa a garantia do credor de poder ver satisfeito o seu crédito.
Os factos mostram que os 1º, 5º 6º e 7º Requeridos tiveram uma conduta que visou subtrair do património do 1º Requerido as participações sociais que o mesmo detinha e que correspondem a 42,50% do capital social da 2ª Requerida, concretizando formalmente a “saída” das participações sociais do património do devedor, de modo a que estas não fossem suscetíveis de responder pelas suas dívidas, atividade que revela o perigo de no futuro os Requeridos agirem de igual forma, praticando novos atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração de tais bens, considerar-se preenchido o conceito de justo receio de perda de garantia patrimonial, que constitui requisito necessário ao decretamento da providência de arresto.” [fim de transcrição; realce e sublinhados nossos]
E, seguidamente, tal acórdão decidiu nos termos já apontados, isto é, determinando “o levantamento do arresto das participações sociais que a sociedade G..., SGPS, S.A. detém no capital social da T..., Lda e S..., S.A.. bem como dos dois imóveis que integram respetivamente o património de cada uma destas duas sociedades, mantendo-se no demais”, ou seja, mantendo o arresto quanto à participação social na mencionada sociedade G..., SGPS, S.A.”. [sublinhados nosso]
2. Do Acórdão de 05.12.2023 (o ora recorrido):
“(…)
Como já vimos, uma parte dessa decisão mostra-se prejudicada pela procedência dos recursos que vieram a ser julgados no apenso “A”, que determinaram o levantamento da apreensão de todos os bens, com exceção do arresto que incide sobre as participações sociais de que o 1.º Requerido foi titular na sociedade G..., SGPS, S.A.
Portanto, neste momento, apenas resta apreciar se deve ser mantida a decisão que ordenou o arresto de ações correspondentes a 42,50% do capital social da Sociedade G..., SGPS, S.A.
A decisão de arresto dessa percentagem do capital social justificava-se por ter sido a parte de que o 1.º Requerido, AA, teria sido titular na mencionada sociedade, tendo assim feito parte do seu património pessoal.
Era, portanto, a integridade do património do 1.º Requerido que a providência cautelar de arresto visava preservar, porquanto, a Requerente seria credora daquele, relativamente a uma dívida no valor de €44.035.682,56, titulada por livrança avalizada pelo mesmo, a qual deu lugar a uma ação executiva, que corre termos perante o Juiz ...do Juízos de Execução de ..., como processo n.º 28357/18.0..., no âmbito do qual haviam apenas sido penhorados bens no valor de €38.674,38.
Em suma, o património do 1.º Requerido seria insuficiente para garantir a satisfação do crédito da Requerente, tendo esta vindo a descobrir que o mesmo em alienou, a título gratuito e a favor da sua esposa e filhos, os aqui 5.º a 7.º Requeridos, precisamente as ações correspondentes a 42,50% do capital social da Sociedade G..., SGPS, S.A., que aqui se visavam arrestar.
Daqui decorre que os bens arrestados encontram-se, neste momento, na esfera jurídica dos 5.º a 7.º Requeridos, os quais não são os devedores da Requerente. Ou seja, pretendia-se com o presente procedimento cautelar apreender bens que não são do devedor, ou já não são do devedor.
Por regra é o património do devedor que serve de garantia geral das obrigações por si assumidas (cfr. Art. 601.º e 817.º do C.C.), sendo o arresto a providência adequada a garantir um crédito, sempre que o credor tenha justificado receio de o devedor vir a alienar, ocultar ou dissipar o seu património, frustrando dessa maneira a possibilidade do credor ver satisfeito o seu crédito (vide: Marco Filipe Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, 2017, 3.ª Ed., pág.s 215 a 218).
No caso concreto, essa alienação já se mostrava consumada à data em que foi requerido e depois decretado o arresto, pois a petição inicial desta providência cautelar deu entrada em juízo em 26/10/2021 (cfr. fls. 1 do processo principal) e a transmissão das ações em causa do 1.º para os 5.º a 7.º Requeridos ocorreu a 26 de dezembro de 2009 (cfr. facto provado 45º do despacho que decretou o arresto).
Dito isto, o dano estava consumado, não sendo o arresto já adequado para garantir a integridade do património do devedor, que era o 1.º Requerido, dado que os 5.º a 7.º Requeridos nada tinham a ver com a relação creditícia estabelecida entre aquele primeiro e a Requerente. Os 5.º a 7.º Requeridos são apenas, e só, os atuais titulares dos bens arrestados.
Ainda assim, nada obsta que a providência cautelar de arresto tenha por finalidade garantir a integridade do património do devedor que indevidamente tenha sido transmitido para terceiros com o propósito de frustrar a satisfação do crédito.
(…)
No caso concreto, a hipótese da impugnação pauliana da transmissão das ações mostra-se de difícil procedência, pela simples razão de que já decorreram mais de 5 anos sobre a data da alienação das ações e, portanto, semelhante ação correria sério risco de naufragar pela mera invocação da caducidade prevista no Art. 618.º do C.C..
Ressalva-se, no entanto, que a ação principal possa ser a ação de declaração de nulidade do ato de transmissão, por simulação, que a Requerente, no artigo 10.º da petição inicial do arresto, identifica como sendo sua intenção vir a instaurar (cfr. fls. 4).
(…)
Simplesmente, existem diferenças consideráveis entre os dois tipos de ações. Enquanto para a ação de impugnação pauliana relativa ato de alienação gratuita, parte-se da constatação objetiva de que houve uma diminuição da garantia patrimonial do crédito (corpo do Art. 610.º do C.C.), devendo verificar-se que: o crédito é anterior ao ato de alienação, ou, sendo posterior, que foi realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (Art. 610.º al. a) do C.C.); daí devendo resultar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa possibilidade (cfr. Art. 610.º al. b) do C.C.); irrelevando a boa-fé de alguma das partes (cfr. Art. 612.º n.º 1, 2.ª parte do C.C.). Já para a ação de declaração de nulidade por simulação é necessário que haja: acordo simulatório entre declarante e declaratário; divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real das partes; e a intenção de enganar terceiros (cfr. Art. 240.º n.º 1 do C.C.). Só se estiverem reunidos todos esses requisitos o negócio será nulo (cfr. Art. 240.º n.º 2 do C.C.).
Dito isto, sendo esta última a ação que a Requerente pretendia instaurar contra os Requeridos, o pressuposto da existência do direito de crédito não se bastava só com a constatação objetiva de que o 1.º Requerido avalizou uma livrança, com base na qual foi instaurada uma ação executiva pela credora contra esse devedor e os bens aí penhorados eram insuficientes para garantir a satisfação do crédito da Requerente da presente providência.
O pressuposto da existência do crédito passava certamente pela demonstração da dívida do 1.º Requerido, mas para poderem ser arrestados bens que se encontram na esfera jurídica de terceiros, não devedores, teria de ser demonstrado igualmente que existiam indícios sérios de que a ação de declaração de nulidade do ato de transmissão das ações do 1.º Requerido para os 5.º a 7.º Requeridos poderá vir a ser julgada por procedente.
Como foi explicitado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de novembro de 2010 (Proc. n.º 308-B/2002.C1 – Relatora: Judite Pires, disponível em www.dgsi.pt): «3. – No caso de haver transferência formal para terceiros da titularidade dos bens do devedor, deverá o requerente, por aplicação analógica do art. 407 nº 2 CPC, alegar factos concretos que permitam concluir que a transmissão para terceiros foi simulada, na modalidade de simulação absoluta».
No mesmo sentido decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2 de junho de 2021 (Proc. n.º 1237/18.1T8BGC-A.G1 – Relator: José Alberto Moreira Dias, disponível no mesmo sítio), mas no que se refere ao caso da ação principal ser uma impugnação paulina, reconhecendo-se nesse caso que compete ao credor, requerente da providência cautelar de arresto, o ónus de provar, ainda que perfuntoriamente, os factos tendentes a demonstrar a provável procedência dessa ação impugnação principal.
Do nosso ponto de vista não poderia ser doutro modo, sob pena do arresto constituir uma invasão injustificada do património de terceiros, fundada apenas na manifestação de interesse do credor em instaurar determinada ação contra aqueles.
Ora, este é o ponto central da decisão que decretou o arresto, porque se sustentou na conclusão de que a transmissão das participações sociais correspondente a 42,59% do capital social se traduzir numa diminuição do património do 1.º Requerido, para logo concluir pela viabilidade duma “ação de impugnação” desse ato e pela consequente existência do direito (cfr. últimos 3 parágrafos a fls. 191 verso).
Já no despacho em que se apreciou as oposições, agora reportando-se à ação de nulidade por simulação, limitou-se a suportar o arresto porque esse direito é reconhecido aos credores nos termos do Art. 605.º do C.C. (cfr. fls. 1279).
Com o devido respeito, não se nega que os credores têm legitimidade para invocar a nulidade de atos praticados pelos devedores, quer sejam anteriores ou posteriores à constituição do crédito, desde que nisso tenham interesse, não sendo necessário que o ato produza ou agrave a insolvência do devedor (cfr. Art. 605.º do C.C.). A questão é que não basta assistir-lhe o direito, é necessário, para lograr obter a apreensão judicial de bens de terceiros, demonstrar que a ação a que corresponde o exercício desse direito terá condições objetivas mínimas para vir a ser julgada por procedente. É que, a não ser assim, como justificar o disposto no Art. 374.º do C.P.C., quando aí se consagra a responsabilidade civil do Requerente duma providência que for julgada injustificada.
Todos os atos judiciais que conduzem à restrição de direitos dos cidadãos, seja de natureza patrimonial ou não, devem ser justificados e não apenas em meras intenções subjetivas e não concretizáveis em termos factuais e de direito.
Julgamos assim que é ilegítimo o arresto de bens de terceiros, não devedores, só fundado na mera intenção do credor de vir a instaurar contra eles uma ação de declaração de nulidade do ato de transmissão desses concretos bens e na consideração de que essa possibilidade está consagrada na lei, sem que haja um mínimo de evidência de que essa ação possa vir a ser julgada por procedente.
Ora, no caso dos autos, a matéria de facto provada no despacho que decretou o arresto resume-se à constatação de que houve uma transmissão de ações (facto provado 45), que há um crédito titulado por livrança avalizada pelo devedor, que está em cobrança em ação executiva e não foi objeto de embargos pelos executados (factos provados 46 e 47), sendo que os bens penhorados são insuficientes para garantir o pagamento (factos provados 48 a 51) e a transmissão de ações evitava que esses bens respondessem pela dívida e a possibilidade de serem objeto de penhora (cfr. facto provado 61, que agora tem nova redação, conforme ponto 2.7. do presente acórdão).
Quanto à simulação: nada.
Aliás, a Requerente nada havia alegado que sustentasse que o negócio da transmissão das ações era simulado.
Após os requerimentos de oposição, a prova produzida apenas nos trouxe de novo que a intenção do 1.º Requerido era aprofundar o tema da transmissão entre gerações de empresas familiares, num contexto de problemas de saúde e da sua avançada idade (cfr. factos provados 42 a 44), tendo abdicado da gestão da sociedade G..., SGPS, S.A. em maio de 2010 (cfr. facto provado em 47), a qual passou para os demais Requeridos (cfr. facto provado em 51 com nova redação no ponto 2.7 do presente acórdão), que até decidiram mais tarde aumentar o capital social dessa sociedade (cfr. factos provados 52 e 53).
Ora, a prova destes factos é incompatível com conclusão sobre a existência duma simulação absoluta do negócio de transmissão das ações.
Se o 1.º Requerido doou as ações e, logo de seguida, deixa a gestão da empresa, que passa a ser exercida de facto pelos donatários, não só se indicia que foi efetivamente querida a transmissão das ações, como a mesma se traduziu em efeitos práticos conformes a essa vontade. Pelo que, não há indícios da existência de acordo simulatório.
Também não há indícios da existência de divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real. Embora possa subsistir a suspeita indiciária de que possa ter existido alguma vontade da parte do 1.º Requerido, que conhecia a existência do crédito (cfr. facto provado 71 - com nova redação dada no ponto 2.7 do presente acórdão), de assim poder vir a prejudicar a Requerente, sua (futura) credora, na estrita medida em que no momento da doação estava a ser negociado, por exigência do banco, que o mesmo prestasse aval ao crédito emergente do contrato de mútuo celebrado em 30 de dezembro de 2004.
De todo o exposto, resulta que a prova indiciária produzida não permite concluir pela existência séria e verosímil do direito da credora poder vir a penhorar as ações que foram transmitidas por doação do 1.º Requerido a favor dos 5.º a 7.º Requeridos.
Pelas mesmas razões, mesmo o pressuposto do “periculum in mora”, aqui decorrente do justificado receio de perda de garantia patrimonial, ele afirma-se de forma contraditória e inconsistente, porque, por um lado, o 1.º Requerido já consumou o dano e, portanto, o arresto já não tem o efeito preventivo pretendido; mas, por outro, tudo leva crer, pela natureza familiar desta empresa, que o propósito dos adquirentes é manter as ações na sua titularidade e, em consequência, não existem indícios mínimos que seja sua intenção desfazerem-se desse património. Pelo que, a ser instaurada uma ação de nulidade desse ato de transmissão por simulação, que hipoteticamente venha a ser julgada por procedente, não se vislumbra que a mesma não venha a ter a sua eficácia assegurada no âmbito da esfera patrimonial dos Requeridos.
Julgamos que estas razões são mais que suficientes para determinar a procedência das oposições ao arresto e a consequente revogação da decisão recorrida, que decidiu manter o despacho que decretou o arresto, (…)”. [sublinhados nossos]
E decidiu-se nos termos já apontados, ou seja, no sentido de revogar “ o despacho final recorrido, datado de 19 de julho de 2022, de fls. 1262 a 1281 dos autos principais, que julgou improcedentes as oposições ao arresto e manteve o decretado pelo despacho de 7 de dezembro de 2021, de fls. 179 a 193, sendo aquele substituído pela decisão de julgar as oposições ao arresto procedentes, por provadas, ordenando-se, em consequência, o levantamento do arresto ainda subsistente sobre as ações correspondentes a 42,50% do capital social da sociedade G..., SGPS, S.A.”
***
VI. Da admissibilidade (ou não ) do recurso de revista
1. Nos termos do art. 370º, nº 2, do CPC, das decisões proferidas em procedimento cautelar não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo nos casos em que o recurso é sempre admissível, quais sejam, no caso, as previstas no art. 629º, nº 2, als. a) e d), tendo em conta os fundamentos invocados pela Recorrente.
2. Da admissibilidade (ou não) do recurso de revista com fundamento no do art. 629º, nº 2, al. a), do CPC, por alegada violação do caso julgado formado pelo Acórdão da Relação de 29.09.2022
Por decisão da 1ª instância de 07.12.2021, foi decretado o arresto (sem prévia audição dos requeridos) da participação social de que o 1º Requerido era titular na sociedade G..., SGPS, S.A. (2ª Requerida) e que transmitiu, por doação, aos 5º, 6º e 7º Requeridos.
As 2ª, 3ª e 4ª requeridas, respetivamente G..., SGPS, S.A., T..., Lda e S..., S.A. 4, optaram por não deduzir oposição a tal decisão, mas sim dela recorrer (art. 372º, nº 1, al. a), do CPC).
Por sua vez, os 1º, 5º, 6º e 7º requeridos optaram por deduzir oposição (art. 372º, nº 1, al. b), do mesmo).
O processado relativo aos mencionados recurso e oposição prosseguiu paralelamente sendo que: por acórdão de 29.09.2022, proferido no âmbito do recurso de apelação interposto pelas 2ª, 3ª e 4ª requeridas e transitado em julgado, foi decidido manter o arresto da mencionada participação social de 42,50% (apenso A); e, por acórdão de 05.12.2023 (o ora recorrido), proferido no âmbito da oposição ao arresto apresentada pelos 1º, 5º, 6º e 7º requeridos, foi decidido levantar o arresto quanto à mencionada participação social de 42,50%.
A Recorrente invoca, como fundamento da admissibilidade do recurso de revista, o disposto no citado art. 629º, nº 2, al. a), alegando que o acórdão ora recorrido viola o caso julgado formado pelo mencionado acórdão, transitado em julgado, de 29.09.2022, proferido no Apenso A, no âmbito do recurso de apelação interposto pelas 2ª, 3ª e 4ª requeridas, em que foi decidido manter o arresto da mencionada participação social de 42,50%.
Por sua vez, os Recorridos (1º, 5º, 6º e 7º Requeridos) defendem o contrário, invocando, em síntese, os direitos de defesa e do contraditório, no âmbito dos quais e nos termos do art. 372º, nº 1, al. b), do CPC, ao invés de recorrerem como o fizeram as 2º, 3ª e 4º requeridas e no qual, recurso, não intervieram, optaram por deduzir oposição ao arresto, sendo que a tese da ora Recorrente constituiria violação do direito de defesa.
2.1. O arresto consiste num ato de apreensão judicial de bens (art. 391º, nº 2), resultando dos segmentos decisórios contantes dos dois Acórdãos decisões que se apresentam como aparentemente [adiante retomaremos a expressão] contraditórias entre si: uma (de 29.09.2022), transitada em julgado, que determinou a manutenção do arresto da participação social de 42,50% na sociedade “G..., SGPS, Lda (participação que o 1ª Requerido transmitiu, por doação, aos 5º, 6º e 7º Requeridos); outra, de 05.12.2023 (o Acórdão ora recorrido), que determinou o levantamento desse arresto.
Tendo em conta o fundamento invocado pela Recorrente e o disposto no art. 629º, nº 2, al. a), nos termos do qual “2. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível o recurso: “a) Com fundamento (…), ou na ofensa do caso julgado”, importa pois apreciar do alcance do caso julgado formado pelo Acórdão de 29.09.2022, mormente se o mesmo é oponível aos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos e, por consequência, se o mesmo foi (ou não) violado pelo acórdão ora recorrido, este de 05.12.2023.
2.2. De harmonia com o art. 619º, nº 1, relativo ao caso julgado material, do CPC/2013: “1. Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Por sua vez, nos termos dos arts. 580º e 581ª:
- Art. 580: “ 1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado. 2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. (…)”.
- Art. 581º: “1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
O art. 620º, que se reporta ao caso julgado formal, determina que: “ 1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. 2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º”,
E, o art. 621º, que se reporta ao alcance do caso julgado, que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
Por sua vez, conforme art. 628º, “[a] decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Por fim, de harmonia com o art. 625º do mesmo, “1. Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. 2. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”.
De forma sintética, quanto ao caso julgado e autoridade do caso julgado, como é sabido, visam, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito ou questão concreta já definida por decisão anterior, evitando colocar o tribunal na situação de se contradizer, com a consequente impossibilidade de cumprimento de duas decisões contraditórias (ou de reafirmar o que já havia sido decidido), princípio esse que, como é assinalado pela doutrina e jurisprudência, se desenvolve numa dupla vertente: uma vertente negativa (exceção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
A função negativa do caso julgado é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o artigo 581.º, n.º 1 do CPC, a saber: dos sujeitos (quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica), do pedido (quando em ambas as causas se visa obter o mesmo efeito jurídico) e da causa de pedir (quando a pretensão deduzida em ambas procede do mesmo facto jurídico). Já a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a sua função positiva, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
2.3. No caso, as partes, Requerente e Requeridos (1º a 7º) no procedimento cautelar de arresto são as mesmas. O que ocorre é que exercitaram, separadamente, o seu direito de defesa de modo distinto, o que deu origem a dois diferentes acórdãos:
- um, o Acórdão da Relação de 29.09.2022 (Apenso A)- proferido no âmbito do recurso interposto apenas pelas 2ª, 3ª e 4ª Requeridas da decisão proferida pela 1ª instância, de 07.12.2021 que havia decretado o arresto [art. 32º, nº 1, al. a)], Acórdão esse que o manteve e que transitou em julgado;
- outro, o Acórdão da Relação de 05.12.2023, ora recorrido (Apenso B) – proferido no âmbito da oposição ao arresto apresentada apenas pelos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos [art. 372º, nº 1, al. b)] e do recurso interposto da decisão da 1ª instância de 17.09.2022 proferida nessa oposição (que o havia mantido), Acórdão esse que, revogando esta decisão, decretou o seu levantamento.
Tratam-se aparentemente de duas decisões contraditórias e inconciliáveis [na medida em que não é possível, simultaneamente, manter-se a apreensão judicial do bem e proceder ao levantamento dessa apreensão].
Mas, dizemos aparentemente, uma vez que importa analisar e interpretar o Acórdão de 19.09.2022 para melhor se compreender o alcance da sua parte decisória, em que se determina a manutenção do arresto da participação social que o 1º Requerido detinha no capital social da 2ª Requerida e que transmitiu aos 5º, 6º e 7º Requeridos.
2.4. A autoridade do caso julgado forma-se perante a concreta decisão que foi proferida, de tal modo que não podem coexistir duas decisões de execução incompatível.
O caso julgado e a sua autoridade, atenta a teoria da substanciação, deve ser aferida em função não apenas da concreta pretensão formulada, mas em função também da causa de pedir, que a delimita 5.
E, conforme o art. 621º do CPC , “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”, mas só em exata correspondência com o seu conteúdo, não impedindo o preceito que, em novo processo, se discuta e dirima aquilo que a decisão não definiu [e que não tinha que definir].
Como vem sendo entendido, deve recorrer-se à parte motivadora da sentença quando tal se mostre necessário para reconstruir e fixar o real conteúdo da decisão, isto é, para interpretar e determinar o verdadeiro sentido e o exato conteúdo da sentença em causa.
Como dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, pp. 754/755 “[a] determinação do âmbito objetivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exata do seu conteúdo (dos seus “precisos limites e termos”). Releva, nomeadamente, para o efeito a leitura que a sentença faça sobre o objeto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo autor e pelo réu reconvinte: o caso julgado tem a extensão objetiva definida pelo pedido e pela causa de pedir (…), mas não é indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça da extensão de um e de outra, de tal modo que, violado, em efetivo contraditório, o art. 608-2 ou o art. 609-1, sem que seja arguida a nulidade da sentença, esta pode constituir caso julgado sobre a própria definição do objeto do processo, ficando este a ser mais amplo, mais reduzido ou diverso do que era na realidade.”
Assim também Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pp. 696/697 “embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”.
Na jurisprudência, vejam-se, designadamente, os Acórdãos do STJ de 12.03.2014, Processo 177/03.3TTFAR.E1.S1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta que “1 – A determinação do âmbito do caso julgado de uma decisão judicial pressupõe a respectiva interpretação, não bastando na sua concretização do seu sentido considerar a parte decisória da mesma, cumprindo tomar em consideração também a respectiva fundamentação e a relação desta com o dispositivo, visando garantir a harmonia e a coerência entre estas duas partes, devendo atender-se ainda a todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, de forma a permitir concluir-se sobre o sentido que se quis atribuir à decisão”, bem como o de 01.07.2021, Proc. 726/15.4T8PTM.E1.S1: “I. A falta de indicação, na sentença, dos fundamentos jurídicos em que o julgador se alicerçou para proferir a decisão, não exonera o Tribunal ad quem do dever de interpretar a sentença recorrida para que daí retirar o sentido que se lhe quis emprestar e, dessa forma, garantir-lhe eficácia. II. Sendo a sentença um ato jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objetivação da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, ou seja, tem de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. III. Para alcançarmos o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respetiva elaboração. IV. O pedido, a causa de pedir e os fundamentos de facto e de direito da sentença são importantes meios auxiliares da sua interpretação, na medida em que permitem retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar. V. Na interpretação da sentença deve ainda atentar-se na regra de que «o acto jurídico se presume regular» e partir-se do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito.”
2.5. No caso:
No recurso de apelação então interposto pelas 2ª, 3ª e 4ª Requeridas, estas, para além do mais (mormente quanto ao arresto relativo aos interesses que lhes respeitavam6), impugnaram também a decisão da 1ª instância de arrestar a participação social que o 1º Requerido detinha na sociedade G..., SGPS, S.A. (2ª Requerida) e que transmitiu por doação aos 5º, 6º e 7º Requeridos alegando, em síntese, não se verificar a simulação dessa transmissão, nem, por consequência, a sua nulidade 7.
A decisão que foi proferida no Acórdão de 29.09.2022, o qual transitou em julgado, foi a de negar o levantamento do arresto. E é certo também que, na sua fundamentação, concretamente na parte relativa à apreciação do requisito do periculum in mora, se alude ao comportamento dos 1º, 5º, 6º e 7º requeridos, relativo à transmissão da mencionada participação social, para concluir no sentido da verificação de tal requisito – cfr. transcrição já acima feita 8.
Não obstante, nessa fundamentação (quer em sede de fundamentação da reapreciação da matéria de facto impugnada, que negou a sua ampliação por se tratar de matéria alegada na oposição ao arresto e que não poderia, por isso, ser objeto do recurso, quer em sede de fundamentação jurídica), foi também e previamente feita uma “cisão” entre o objeto desse recurso (interposto pelas 2º, 3º e 4º Requeridas relativo aos bens referentes apenas a estas) e o objeto da oposição ao arresto (apresentada pelos demais requeridos), fundamentação de onde se conclui que, segundo tal Acórdão, cabia/cabe à oposição ao arresto o conhecimento e decisão do pressuposto do arresto relativo à invocada nulidade da transmissão da participação social por simulação, aludindo-se também à falta de legitimidade dos 2º, 3º e 4º requeridos para discutirem no recurso a validade da tal transmissão já que nela não intervieram– cfr. transcrição também já acima feita, para onde se remete, mas de que, relembrando, se destaca o seguinte:
“- da ampliação da matéria de facto
(…)
Tal como expressamente estabelece o n.º 1 deste artigo é lícito ao Requerido que não tenha sido ouvido antes do decretamento da providência, em alternativa, recorrer ou deduzir oposição. Deverá recorrer quando considere que a providência não devia ter sido deferida em face dos elementos apurados – al. a); deverá deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução- al. b).
Cabe por isso ao Requerido avaliar as razões pelas quais pretende exercer o contraditório, na medida em que cada um dos procedimentos alternativos ali previstos se alicerça em diferentes fundamentos e tem um objetivo diverso, como resulta de cada uma das alíneas do n.º 1 deste artigo, estando impedido de cumulativamente recorrer e deduzir oposição.
O direito ao contraditório conferido pelo legislador ao Requerido que se vê afetado como decretamento de uma providência cautelar, prevendo duas vias processuais alternativas para o seu exercício, implica, naturalmente, que o mesmo não pode em simultâneo interpor recurso da decisão proferida e deduzir oposição, antes tem de optar pelo procedimento que considere mais favorável à sua defesa, de acordo com a finalidade que cada uma das diferentes formas de reagir permite atingir.
(…)
No presente recurso, como aliás no processo quando os diversos Requeridos se “repartem” de forma a exercer o seu contraditório através das duas formas legalmente previstas, os Recorrentes parecem querer usar o recurso para atingir o objetivo que o legislador associa à oposição, meio processual que optaram por não exercer, mas de que pretendem ilegitimamente beneficiar por via da ampliação da matéria de facto que aqui requerem.
Na situação em presença os 2º, 3º e 4º Requeridos ao optaram por interpor recurso da sentença, nos termos do art.º 372.º n.º 1 al. a) do CPC, por entenderem que face aos elementos apurados a mesma não devia ter sido decretada, abdicaram de deduzir oposição, de acordo com a al. b) e com base nos seus fundamentos, pelo que não podem agora em sede de recurso vir alegar novos factos que não foram invocados pela Requerente e produzir novos meios de prova, o que fazem indicando os documentos que os restantes Requeridos juntaram na oposição que deduziram, numa tentativa de trazer para a apreciação do recurso as razões que apenas podem estar nos fundamentos da oposição que escolheram não apresentar.
Não é por isso lícita a ampliação da matéria de facto pretendida pelos Recorrentes, em violação do art.º 372.º n.º 1 do CPC, razão porque se rejeita a mesma.
(…)
- da ilegalidade do arresto por os bens arrestados não pertencerem ao devedor
(…)
Nos invocados negócios simulados de transmissão das participações sociais do Requerido para os seus familiares, e na parte em que estas constituem o objeto do arresto, as sociedades Recorrentes, enquanto pessoas coletivas com personalidade jurídica individualizada dos seus sócios não são parte legítima, por não serem as titulares de tal relação material controvertida. Verifica-se aliás que tal cisão é feita pelos próprios Requeridos, quando ao serem notificados do arresto, os Requeridos pessoas singulares deduziram oposição, enquanto que as Requeridas pessoas coletivas vieram interpor recurso da mesma, cada um deles optando pela alternativa que considerou mais conveniente à defesa dos seus interesses para efeitos de exercerem o contraditório, de forma que não deixa de ser questionável, na medida em que, conforme estabelece o art.º 372.º do CPC não lhes é lícito usarem em simultâneo os dois procedimentos.
Constata-se também que essa mesma cisão foi feita pelo tribunal de 1ª instância, quando decide da oposição apresentada pelos Requeridos pessoas singulares, já que expressamente ressalva e decide apenas sobre o arresto que incide nos pontos 1 e 4 da decisão inicial de arresto, ou seja sobre a transmissão das participações sociais efetuadas pelo 1º Requerido a favor dos seus familiares, pelo facto do demais ter sido objeto do recurso interposto pelas sociedades Requeridas.
(…)
Afigurando-se pelas razões expostas, que as Recorrentes não foram parte em tais negócios de transmissão das participações sociais e que a questão da a viabilidade da impugnação dos negócios por simulação está a ser discutida e apreciada em sede da oposição ao arresto que foi deduzida pelos intervenientes em tais negócios, cuja sentença integra a decisão de arresto inicialmente proferida nesta parte, não importa aqui tomar posição sobre a questão que é colocada pelas Recorrentes da invocada inexistência de acordo simulatório no qual não foram parte.” [sublinhados nossos]
Pese embora em tal Acórdão não haja sido extraída a conclusão que, eventualmente, decorreria ou melhor se compatibilizaria com tal “cisão”, qual seja o não conhecimento do objeto desse recurso no que toca ao arresto dessa participação social (ou relegando-o expressamente para o oportuno conhecimento do objeto da oposição que corria termos), afigura-se-nos ainda assim e de forma clara que foi aquele – relegar para a oposição ao arresto o conhecimento de tal questão - o alcance do referido a propósito de tal “cisão” entre o objeto desse recurso (interposto pelos 2º, 3º e 4º Requeridos) e o objeto da oposição ao arresto (apresentada pelos demais requeridos) e à referência de que era nessa, oposição, que o direito de defesa deveria ser exercido e a questão deveria ser apreciada, seja de harmonia com a tramitação processual legalmente prevista, seja por falta de legitimidade substantiva das 2ª, 3ª e 4ª Requeridas para discutir tal questão já que não foram as intervenientes no acto. Ou seja, o mencionado acórdão não conheceu, nem pretendeu conhecer, da questão da nulidade, por simulação, da transmissão da participação social, tendo como que cindido os pressupostos do arresto, relegando o conhecimento do primeiro (relativo a essa transmissão) para a oposição à execução, mas conhecendo do segundo (periculum in mora).
Ou seja, em tal enquadramento e pressuposto, o referido a propósito do periculum in mora, embora tendo, pelo menos ao que parece, servido para justificar a manutenção do arresto, o Acórdão relegou, todavia, para a oposição ao arresto o exercício do direito de defesa por parte dos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos e a apreciação do pressuposto relativo à invocada nulidade, por simulação, da transmissão da participação social, sendo que o art. 621º não poderá impedir que, no local próprio (oposição ao arresto), se discuta e dirima aquilo que ele mesmo (acórdão) não definiu e que considerou dever ser definido no local próprio, com a devida intervenção das partes com legitimidade e interesse para o efeito.
O segmento decisório do mencionado Acórdão de 29.09.2022 deve, pois, ser interpretado no sentido de que, tendo embora mantido o arresto, o fez porém sem prejuízo do que viesse a ser decidido no âmbito da oposição ao mesmo, que corria termos e em que era colocada a questão da verificação desse pressuposto prévio, entendimento que é, também, o que melhor se conjuga ou compatibiliza com a tramitação processual do arresto e, na economia dessa tramitação.
Com efeito:
O arresto é decretado sem prévia audiência da parte contrária, determinando o art. 372º do CPC , sob a epígrafe Contraditório subsequente ao decretamento da providência, que: “ 1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º. 2 - O requerido pode impugnar, por qualquer dos meios referidos no número anterior, a decisão que tenha invertido o contencioso. 3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.”
Solicitado o arresto, o mesmo, numa primeira fase, corre (realizando-se as diligências de prova indicadas pelo requerente ou determinadas oficiosamente pelo tribunal) sem audição prévia do requerido, que só após o seu decretamento e execução, será então notificado para exercer o seu direito de defesa, dada a necessidade de observância do contraditório, princípio estruturante do direito processual (art. 3º CPC), bem como da igualdade das partes (art. 4º do CPC), decorrentes do princípio da igualdade e do princípio do direito a processo equitativo conforme art. 20º, nºs 1 e 4, da CRP, direito de defesa esse que poderá ser exercido, em alternativa, optando o arrestado por uma de duas vias: i) recorrendo, quer quando não se conforme por razões jurídicas, quer quando não se conforme com a decisão da matéria de facto por a pretender impugnar nos termos do art. 640º do CPC; ou ii) deduzir oposição “se pretender alegar outros factos ou produzir outros meios de prova suscetíveis de infirmar os fundamentos da anterior decisão ou de levar à redução dos seus limites, recaindo sobre o requerido o ónus da prova respetivo” – António Santo Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 3ª edição, Almedina, p. 478.
E, os mesmos autores, ob. citada, pp. 478/479, “4. No âmbito da oposição, o juiz deve expressar na decisão que venha a proferir a nova convicção que puder formar a partir de uma discussão mais alargada proporcionada pelo exercício do contraditório, com resultados na revogação da medida ou na sua redução aos justos limites, de acordo com o que, ainda que em termos também provisórios, resultar apurado nesta fase do procedimento. 5. Não estando de modo algum vinculado pelo teor da anterior decisão que foi decretada sem audiência contraditória, o juiz deve sentir-se livre para revê-la se acaso concluir que a versão dos factos inicialmente trazida pelo requerente não corresponde à verdade ou que este acentuou em demasia os aspetos que lhe convinham, omitindo aqueles que o prejudicava (cf. RE 21-05-20, 257/19, RG 25-2-21, 321/19. (…). 7: No caso da oposição, a decisão que venha a ser proferida em face dos novos factos ou dos novos meios de prova complementa e integra a decisão inicial, podendo redundar na manutenção da providência, na sua revogação (se os novos elementos determinarem a formação de convicção oposta à anterior (…)”.
Como diz Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2017, 3ª Edição, Almedina, p. 362, “(…), mesmo que o tribunal decida decretar uma providência cautelar sem o contraditório prévio do requerido, a medida cautelar escolhida não pode assumir uma feição irremediável ou irreversível, sob pena de violação do principio do processo equitativo, ínsito nos arts. 6º da CEDH9, 10º da DUDH10. 14º, nº 1, do PIDCP11 (…)” .
Ora, a interpretação do Acórdão de 29.09.2022 conforme acima entendemos é, como referido, a que melhor se compatibiliza com o regime processual do arresto e com os mencionados princípios do direito de defesa e do contraditório que, no âmbito do arresto, são exercidos diferidamente (após a execução do arresto), e sendo de relembrar que os 1º, 5º, 6º e 7º Recorridos não intervieram em tal recurso, antes tendo optado pela oposição ao arresto.
Interpretado, assim, o segmento decisório de tal Acórdão, isto é, no sentido de que, tendo embora mantido o arresto, mas salvaguardando o que viesse a ser decidido no âmbito da oposição ao mesmo – aliás este o local próprio onde a questão devia e deve ser dirimida e com os intervenientes que a devem discutir por serem os titulares do bem e interesses em jogo (os 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos, e não as 2ª, 3ª e 4ª Requeridas que com ele nada têm a ver) como aliás reconhecido no Acórdão de 29.09.2022 - afigura-se-nos que o Acórdão ora recorrido não viola o aparente caso julgado formado por aquele outro, sendo ele (o Acórdão recorrido), em termos práticos, o “prevalecente”.
E, assim sendo, como se nos afigura que é, não se verifica a invocada violação do caso julgado, não sendo o recurso de revista, por consequência, admissível.
*
3. Da admissibilidade (ou não) do recurso de revista, ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, com fundamento em contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2002
3.1. Alega a Recorrente, nas conclusões IV) e V), que: “IV) O presente recurso de revista deverá também ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 629º, n.º 2, alínea d) do CPC, uma vez que o douto Acórdão recorrido e os doutos Acórdãos fundamento, proferidos pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 11.07.2002, da 2ª Secção Cível, Agravo n.º 5910/02-2 e pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra em 16.01.2018, proc. n.º 1094/14.7TBLRA.C1 decidiram de forma oposta as mesmas questões fundamentais de direito, ao abrigo da mesma regulamentação jurídica, pelo que a identidade das questões fundamentais de direito não suscita dúvidas. V) Com efeito, no douto Acórdão fundamento de 11.07.2002 decidiu-se que «sendo o elenco factual a considerar exactamente o mesmo que esteve subjacente ao decretamento do arresto sobre os direitos da requerida acima enunciados, a redução da providência, nos termos em que foi feita, envolve a reapreciação – no plano da subsunção dos factos ao direito aplicável – pelo Tribunal de 1ª instância do que anteriormente decidira, reapreciação essa carecida de legalidade, quer porque sobre a matéria se esgotara o poder jurisdicional daquele Tribunal – art.º 666º n.º’s 1 e 3 -, quer porque sobre a mesma se formara já caso julgado, visto não ter sido interposto recurso da decisão inicialmente proferida, assente naqueles mesmos pressupostos de facto – art.º 677º».
3.2. Dispõe o art. 629º, nº 2, al. d), do CPC que: “2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: (…); d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”
No caso, estamos perante recurso de revista interposto do Acórdão da Relação de 05.12.2023 que julgou do mérito da oposição ao arresto [da participação social do 1º Requerido na 2ª Requerida e que transmitiu, por doação, aos 5º, 6º e 7º Requeridos] deduzida pelos Recorridos e que lhe pôs termo, decisão de que não cabe recurso de revista por motivos estranhos à alçada do tribunal, conforme art. 370º, nº 2, do CPC, nos termos do qual “2. Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.
Esclareça-se que, independentemente da questão da exigibilidade, ou não, da verificação, também, dos requisitos gerais de admissibilidade relativos ao valor da ação e da sucumbência, tal questão não se coloca no caso uma vez que o valor da causa é superior ao da alçada da Relação e, o da sucumbência (tendo por objeto o arresto das ações de que o 1ª Requerido era titular e que foram transmitidas, ora em causa, e seu valor), é também superior a metade do valor de tal alçada.
Importa, pois, apreciar da existência, ou não, da contradição invocada entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2002, este o acórdão fundamento.
3.3. Sobre a admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do preceito ora em análise escreve António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª Edição, Almedina, pp. 75 a 77:
“O apuramento da contradição jurisprudencial obedecerá a critérios semelhantes aos que se referiram quanto à previsão da al. c) do nº 2 do art. 629º ou aos utilizados para efeitos de admissibilidade da revista excecional (art. 672º, nº 2, al. c)) ou do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (art 688º, nº 1).
O acesso especial ao Supremo, ao abrigo da al. d) do nº 2 do art. 629º, depende de pressupostos que devem ser apreciados com rigor, obstando a que, de modo enviesado, se consiga aceder ao terceiro grau de jurisdição em casos que extravasam o âmbito do preceito legal.
A admissibilidade do recurso de revista está, assim, condicionada:
(…)
- Contradição: pressupõe que exista uma efetiva contradição de acórdãos, oposição que deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta; não bastando para o efeito uma qualquer divergência relativamente a questões laterais ou secundárias, a questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos (ratio decidendi), sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou em torno de meros obtir dicta;
- Identidade: deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e no outro aresto (acórdão da Relação ou do Supremo que sirva de contraponto), não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória;
- Quadro normativo: a divergência deve verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico;
- Requerimento de interposição: como requisito de natureza formal, cumpre ao recorrente invocar a contradição jurisprudencial motivadora do recurso de revista, nos termos do art. 637º, nº 2, juntando cópia do acórdão-fundamento (da Relação ou do Supremo) anteriormente transitado em julgado;
-Requisito negativo: constitui obstáculo a este recurso de revista o facto de o acórdão da Relação sobre que incide ter acatado a solução adotada em acórdão de uniformização de jurisprudência.
Tal como ocorre com as demais situações em que é assegurada uma via especial de acesso ao Supremo, a admissão do recurso com fundamento em contradição jurisprudencial tem como único objetivo o de reapreciar o acórdão recorrido a partir da resposta que seja dada à questão essencial de direito, ficando afastadas as demais questões que se sujeitam à regra geral.”
Relativamente ao núcleo factual dos acórdãos, é de referir que o mesmo se imporá na medida em que interfira no enquadramento jurídico do caso, “quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, seja idêntico. Com o esclarecimento de que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica devem ser coincidentes num e noutro caso, pouco importando que sejam diferentes os elementos acessórios da relação” – Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed, p.116.
A oposição de julgados supõe, pois e necessariamente, a existência de identidade das situações subjacentes a ambos os arestos, identidade essa que passa, não pela subsunção jurídica em abstrato, mas sim por essa subsunção a um suporte factual que seja essencialmente idêntico. Ou seja, não basta a mera alegação, em abstrato, do sentido do entendimento jurídico sufragado no acórdão fundamento sem a devida demonstração da identidade factual essencial que lhe estava subjacente.
3.4. No caso, para além do referido nas conclusões transcritas, a Recorrente, em sede de alegações, limita-se a acrescentar que se está perante “situação processual absolutamente idêntica”, sem outra alegação ou demonstração dessa alegada identidade.
De todo o modo, a situação processual não é idêntica [e, isto, não se considerando aspetos factuais de natureza meramente acessória que resultaram da matéria de facto dada como provada no âmbito da oposição deduzida pelos Requeridos na presente oposição].
Com efeito:
O invocado e transcrito pela Recorrente foi efetivamente afirmado no acórdão fundamento, acórdão esse proferido também num procedimento cautelar de arresto, em que a aí requerida havia também deduzido oposição.
Todavia, como decorre da sua leitura, de tal oposição (a que se reporta o acórdão fundamento) não resultou qualquer alteração à matéria de facto que havia sido considerada na decisão que decretou o arresto, e, por essa razão, o acórdão fundamento se pronunciou no sentido do alegado pela Recorrente, como nele se diz e se transcreve:
“(…)
Ouvida a testemunha arrolada pela requerida, veio a ser proferida decisão que, embora não tendo introduzido qualquer alteração à matéria de facto anteriormente julgada provada, reduziu o âmbito do decretado arresto, ordenando o seu levantamento quanto ao direito e acção da requerida sobe a herança aberta por óbito de seu pai.
(…).
No caso dos autos, a requerida optou pela dedução de oposição, sendo certo, porém, que na apreciação desta o Tribunal de 1ª instância, como se disse já e claramente resulta da decisão recorrida, manteve inalterados os pressupostos de facto em que se fundara a decisão inicial que decretara o arresto.
E sendo assim, de modo algum podemos concordar com a decisão recorrida quando reduziu a providência decretada. Esta redução, podendo resultar, como se viu, de oposição deduzida pelo requerido, tem de fundar-se em factos diversos dos anteriormente apurados, que a determinem, (….).
Sendo o elenco factual a considerar exatamente o mesmo que esteve subjacente ao decretamento do arresto sobre os direitos da requerida acima enunciados, a redução da providência, nos termos em que foi feia, envolve a reapreciação – no plano da subsunção dos factos ao direito aplicável – pelo Tribunal da 1ª instância do que anteriormente decidira, reapreciação essa carecida de legalidade, quer porque sobre a matéria se esgotara o poder jurisdicional daquele Tribunal – art.º 666º n.º’s 1 e 3 -, quer porque sobre a mesma se formara já caso julgado, visto não ter sido interposto recurso da decisão inicialmente proferida, assente naqueles mesmos pressupostos de facto – art.º 677º”.
Ou seja, pressuposto de tal decisão foi o de que, não obstante a oposição, inexistiu qualquer alteração da matéria de facto e, por essa razão, não podia a 1ª instância voltar a apreciar, do ponto de vista jurídico, o que já havia sido decidido na decisão que decretou o arresto.
Ora, esta não é a situação dos autos em que, da oposição, resultaram factos “novos” [isto é, não considerados na 1ª decisão, de 07.12.2021, que havia decretado o arresto] que o acórdão recorrido considerou relevantes e em que também se baseou para decretar o levantamento do arresto, como resulta do seguinte excerto que, embora já transcrito no ponto V.2. do presente acórdão, aqui se relembra:
“Ora, no caso dos autos, a matéria de facto provada no despacho que decretou o arresto resume-se à constatação de que houve uma transmissão de ações (facto provado 45), que há um crédito titulado por livrança avalizada pelo devedor, que está em cobrança em ação executiva e não foi objeto de embargos pelos executados (factos provados 46 e 47), sendo que os bens penhorados são insuficientes para garantir o pagamento (factos provados 48 a 51) e a transmissão de ações evitava que esses bens respondessem pela dívida e a possibilidade de serem objeto de penhora (cfr. facto provado 61, que agora tem nova redação, conforme ponto 2.7. do presente acórdão).
Quanto à simulação: nada.
Aliás, a Requerente nada havia alegado que sustentasse que o negócio da transmissão das ações era simulado.
Após os requerimentos de oposição, a prova produzida apenas nos trouxe de novo que a intenção do 1.º Requerido era aprofundar o tema da transmissão entre gerações de empresas familiares, num contexto de problemas de saúde e da sua avançada idade (cfr. factos provados 42 a 44), tendo abdicado da gestão da sociedade G..., SGPS, S.A. em maio de 2010 (cfr. facto provado em 47), a qual passou para os demais Requeridos (cfr. facto provado em 51 com nova redação no ponto 2.7 do presente acórdão), que até decidiram mais tarde aumentar o capital social dessa sociedade (cfr. factos provados 52 e 53).
Ora, a prova destes factos é incompatível com conclusão sobre a existência duma simulação absoluta do negócio de transmissão das ações.
Se o 1.º Requerido doou as ações e, logo de seguida, deixa a gestão da empresa, que passa a ser exercida de facto pelos donatários, não só se indicia que foi efetivamente querida a transmissão das ações, como a mesma se traduziu em efeitos práticos conformes a essa vontade. Pelo que, não há indícios da existência de acordo simulatório.” [sublinhado nosso]
Como resulta do transcrito, e pese embora o segmento do Acórdão recorrido em que se refere “a prova produzida apenas nos trouxe de novo (…)”, o certo é que a oposição trouxe algo de “novo”, não tendo o acórdão recorrido limitado-se a considerar insuficientes, para o decretamento do arresto, os factos 45, 46, 47, 48 a 51 e 61 já constantes da decisão inicial (de 07.12.2021) que o havia decretado. Para a decisão do levantamento do arresto, o acórdão recorrido teve em conta também a factualidade contida nos nºs 42, 43, 44, 47, 51, 52 e 53 da decisão de oposição ao mesmo (decisão de 19.07.2022) e que resultou da prova produzida no âmbito dessa oposição, factualidade essa que teve como relevante e que considerou ser incompatível com a existência de simulação absoluta do negócio de transmissão das ações, esta, simulação, o fundamento do arresto das mesmas.
Salienta-se que não está em causa, para efeitos da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista do art. 629º, nº 2, al. d), a apreciação da bondade, ou não, da decisão de mérito objeto do acórdão recorrido, sendo que, para os efeitos ora em apreço, o que releva é a existência da contradição de decisões, o que pressupõe a semelhança das situações de facto, que deverá mostrar-se de contornos equivalentes naquilo que interessa à aplicação da norma jurídica.
Ora, no caso, tal não se verifica. A decisão recorrida, como referido, não se operou “sobre o mesmo núcleo factual” que estava subjacente ao acórdão fundamento, não havendo, por consequência, identidade da questão apreciada em ambas as decisões – no acórdão recorrido foi também tida em conta factualidade, que aí se considerou relevante, resultante da oposição ao arresto, sendo que o acórdão fundamento assentou na circunstância de, da oposição ao arresto, não ter resultado qualquer alteração à decisão da matéria de facto constante da decisão que havia determinado o arresto.
Consequentemente, também não se verifica a extinção do poder jurisdicional (art. 613º, nº 1) nem violação do caso julgado, mais se remetendo para as considerações jurídicas tecidas no ponto VI. 2. do presente acórdão, relativas ao caso julgado.
Ora, assim sendo, o recurso de revista não é admissível com o fundamento ora em apreço – contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2002 por inexistência de contradição entre ambos, pelo que não deverá ser admitido.
*
4. Da admissibilidade (ou não) do recurso de revista, ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, com fundamento em contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.01.2018
4.1. Como fundamento da admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), invoca ainda a Recorrente contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão (fundamento) proferido aos 16.01.2018 pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 1094/14.7TBLRA.C1, cujas situações de facto, diz, são coincidentes no essencial e que decidiu de forma oposta a mesma questão fundamental de direito, pois que decidiu que «Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal”, devendo ser seguida in casu a posição assumida” no Acórdão fundamento. [cfr. Conclusões IV, VI e VIII)].
No corpo das alegações refere que a oposição se verifica quanto à “mesma questão fundamental de direito – prova indiciária de simulação absoluta” – pois no acórdão recorrido decidiu-se que “a prova (produzida) é incompatível com conclusão sobre a existência duma simulação absoluta do negócio” e, no acórdão fundamento, relativamente à questão da prova indiciária de simulação absoluta, decidiu-se “de forma absolutamente oposta, face ao uso de “presunções judiciais” aplicáveis a indícios probatórios similares”.
Concretizando, diz que:
a) No acórdão recorrido, apesar de se considerarem provados os factos contidos nos nºs 43, 44, 45, 53, 54, 59, 60, 61, 70, 71 e72 da decisão que decretou o arresto e, da decisão de 19.07.2022 que o manteve, nºs 2, 11, 14, 15 e 17, donde resulta que “in casu, o 1º Requerido AA detinha património (participações sociais em várias empresas, nomeadamente, da G..., SGPS, S.A..)que, antes de prestar o aval na operação concedida pela CGD à SF..., SGPS, S.A., transferiu a favor dos seus familiares, só aceitando prestar o aval quando não detinha qualquer património,
Decidiu-se, de forma absolutamente incongruente, que “a prova destes factos é incompatível com conclusão sobre a existência duma simulação absoluta do negócio de transmissão das ações. Se o 1.º Requerido doou as ações e, logo de seguida, deixa a gestão da empresa, que passa a ser exercida de facto pelos donatários, não só se indicia que foi efetivamente querida a transmissão das ações, como a mesma se traduziu em efeitos práticos conformes a essa vontade. Pelo que, não há indícios da existência de acordo simulatório. Também não há indícios da existência de divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real. Embora possa subsistir a suspeita indiciária de que possa ter existido alguma vontade da parte do 1.º Requerido, que conhecia a existência do crédito (cfr. facto provado 71 - com nova redação dada no ponto 2.7 do presente acórdão), de assim poder vir a prejudicar a Requerente, sua (futura) credora, na estrita medida em que no momento da doação estava a ser negociado, por exigência do banco, que o mesmo prestasse aval ao crédito emergente do contrato de mútuo celebrado em 30 de dezembro de 2004.
De todo o exposto, resulta que a prova indiciária produzida não permite concluir pela existência séria e verosímil do direito da credora poder vir a penhorar as ações que foram transmitidas por doação do 1.º Requerido a favor dos 5.º a 7.º Requeridos” (v. fls. 119 e 120 do acórdão recorrido);
b) No acórdão fundamento decidiu-se de “forma oposta a mesma questão fundamental de direito – prova indiciária de simulação absoluta -, tendo-se determinado o seguinte:
“ Nos casos em que venha invocado a outorga de contratos simulados deve recorrer-se naturalmente ao uso de presunções judiciais para descobrir a real intenção das partes.
Devendo recorrer-se a vários indícios socialmente típicos para descortinar a intenção das partes, tais como: o indício necessitas; o indício affectio; o indício interpositio; o indício pretium vilis; o indício retentis possessionis; o indício sigillum; o indício disparitesis; o indício domínio; a constituição, perante a iminência do assédio dos credores ou execução do património, de outra sociedade para a qual se transfere o património da primeira, continuando a ter-se o domínio de facto da nova sociedade, compondo-se esta das mesmas pessoas físicas da primeira sociedade, permanecendo o objecto social idêntico, com a coincidência das instalações no mesmo sítio e tendo como gerente a companheira do sócio/gerente originário. (…)
Atento o disposto no art. 240º, nº 1, do CC (…) são três os requisitos da simulação:
- um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário;
- no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
- com o intuito de enganar terceiros.
Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal (vide M. Cordeiro, Tratado de D. Civil II, Parte Geral, 4ª Ed., 2014, pág. 886, e Acds. do STJ de 30.5.1995, CJ., T II, pág. 119, de 4.3.1997, CJ, T. I, pág. 124, de 9.10.2003, CJ, T. 3, pág. 93, e de 29.5.2007, Proc.07A1334, em ww.dgsi.pt). Por outro lado, a simulação pode ser absoluta ou relativa (esta última prevista no art. 241º do CC) e fraudulenta ou inocente.
É absoluta quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum.
Na simulação absoluta, as partes conjecturaram uma mudança, quando, na realidade, o status real permanece inalterado. Por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial: simula-se vender para evitar que os bens sejam executados, para iludir credores ou para que um determinado bem não seja considerado para efeitos de partilhas de herança ou de divórcio.
E é fraudulenta quando, além de se querer enganar alguém, se quer prejudicar outrem.
Regra geral, a simulação será fraudulenta: as partes não pretendem criar apenas uma falsa aparência para o exterior, tendo ainda como fim imediato, retirar benefícios em prejuízo de terceiros (vide M. Cordeiro, ob. cit., pág. 888).
No nosso caso temos por inequívoco que existe uma simulação absoluta e fraudulenta, para prejudicar a A. com a dita permuta, não só se visava impedir a cobrança do crédito de que esta é titular sobre a C (…), Lda, considerando que tal sociedade ficou despojada de todo o seu património (…), mas pretendia-se, também – circunstância esquecida e não abordada, ainda que minimamente, na fundamentação da decisão apelada, mas deveras importante para compreensão total do caso em apreço -, esvaziar o valor económico da quota, da mencionada sociedade (…), já que despida de todo o seu património imobiliário tal quota valeria zero ou pouco mais que isso.
É isto que revelam indubitavelmente, devidamente ponderados e conjugados globalmente, os factos provados (…). Como assim, perante tal simulação, há que declarar a nulidade da aludida permuta” (v. Doc. 2, adiante junto; cfr., em sentido absolutamente semelhante, o Ac. RE de 08.10.2020, Proc. 2676/16.8T8ENT.E1, in www.dgsi.pt).”
Conclui a Recorrente que “No citado acórdão fundamento, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.01.2018, foi assim decidido que, face “ao uso de presunções judiciais para descobrir a real intenção das partes”, existe prova indiciária de simulação absoluta fraudulenta em caso absolutamente semelhante ao presente, face a indícios probatórios similares, como a transmissão de património para familiares, mediante acordo entre os contratantes, “impossibilitando que (o mesmo) pudesse vir a responder por dívidas” do transmitente e devedor, ludibriando terceiros credores, com o intuito de dissipar património, estando assim, em ambos os casos, preenchidos os requisitos da simulação absoluta, previstos no art. 240º do Cód. Civil”.
4.1. No pontos antecedentes (VI.3.2. e 3.3.), para onde se remete, já foram referidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do citado art. 629º, nº 2, al. d), do CPC.
4.2. Quanto à fundamentação jurídica do Acórdão recorrido já a deixámos consignada no ponto V.2. do presente acórdão, mas relembrando e sintetizando (tudo, de acordo com o mencionado acórdão):
- a Requerente é credora do 1º Requerido (avalista), mostrando-se o património deste insuficiente para garantir tal crédito;
- O 1º Requerido alienou a título gratuito as ações que detinha na sociedade G..., SGPS, S.A. (2ª Requerida) a favor da sua esposa e filhos, os 5º, 6º e 7º Requeridos;
- mostrando-se a alienação consumada à data do requerimento de arresto, os bens encontram-se na esfera jurídica de terceiros, pelo que o arresto só se poderia verificar por via ou da impugnação pauliana (que seria de difícil procedência dado o risco da invocação da sua caducidade – art. 618º do Cód. Civil) ou da declaração de nulidade do ato de transmissão, por simulação, da participação social do 1º Requerido, esta a opção exercida pela Requerente no art. 10º do requerimento inicial de arresto, no qual refere que irá intentar a respetiva ação de nulidade;
- a impugnação pauliana e a simulação são realidades distintas: naquela, as declarações de vontade correspondem à vontade dos declarantes e, tratando-se de ato de alienação gratuita, basta a constatação objetiva da diminuição da garantia patrimonial do crédito; nesta, nulidade do negócio por simulação, é necessário que haja: acordo simulatório entre declarante e declaratário; divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real das partes; e a intenção de enganar terceiros;
- para a procedência do arresto teriam que existir indícios sérios de que a ação de declaração da nulidade transmissão das ações poderia vir a ser julgada procedente, para o que seria necessário a alegação de factos de onde resultasse a simulação (absoluta), não bastando a constatação de que da transmissão de 42,5% do capital social resulta diminuição do património e a invocação do disposto no art. 605º do Cód. Civ., nem a mera intenção do credor vir a instaurar ação de declaração de nulidade da transmissão;
- no caso, “a matéria de facto provada no despacho que decretou o arresto resume-se à constatação de que houve uma transmissão de ações (facto provado 45), que há um crédito titulado por livrança avalizada pelo devedor, que está em cobrança em ação executiva e não foi objeto de embargos pelos executados (factos provados 46 e 47), sendo que os bens penhorados são insuficientes para garantir o pagamento (factos provados 48 a 51) e a transmissão de ações evitava que esses bens respondessem pela dívida e a possibilidade de serem objeto de penhora (cfr. facto provado 61, que agora tem nova redação, conforme ponto 2.7. do presente acórdão)”, mas nada dizendo a 1ª instância, nem nada tendo sido alegado, que sustentasse a simulação do negócio;
- para além dos mencionados factos, da factualidade provada decorrente da oposição apenas resultou “a intenção do 1.º Requerido era aprofundar o tema da transmissão entre gerações de empresas familiares, num contexto de problemas de saúde e da sua avançada idade (cfr. factos provados 42 a 44), tendo abdicado da gestão da sociedade G..., SGPS, S.A. em maio de 2010 (cfr. facto provado em 47), a qual passou para os demais Requeridos (cfr. facto provado em 51 com nova redação no ponto 2.7 do presente acórdão), que até decidiram mais tarde aumentar o capital social dessa sociedade (cfr. factos provados 52 e 53)”,
- Factualidade que “é incompatível com a conclusão sobre a existência duma simulação absoluta do negócio de transmissão das ações” pois que “Se o 1.º Requerido doou as ações e, logo de seguida, deixa a gestão da empresa, que passa a ser exercida de facto pelos donatários, não só se indicia que foi efetivamente querida a transmissão das ações, como a mesma se traduziu em efeitos práticos conformes a essa vontade. Pelo que, não há indícios da existência de acordo simulatório”;
- E “Também não há indícios da existência de divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real. Embora possa subsistir a suspeita indiciária de que possa ter existido alguma vontade da parte do 1.º Requerido, que conhecia a existência do crédito (cfr. facto provado 71 - com nova redação dada no ponto 2.7 do presente acórdão), de assim poder vir a prejudicar a Requerente, sua (futura) credora, na estrita medida em que no momento da doação estava a ser negociado, por exigência do banco, que o mesmo prestasse aval ao crédito emergente do contrato de mútuo celebrado em 30 de dezembro de 2004”,
- Donde, refere, “que a prova indiciária não permite concluir pela existência séria e verosímil do direito da credora poder vir a penhorar as ações que foram transmitidas por doação do 1.º Requerido a favor dos 5.º a 7.º Requeridos”;
- Também o pressuposto do “periculum in mora” “afirma-se de forma contraditória e inconsistente, porque, por um lado, o 1.º Requerido já consumou o dano e, portanto, o arresto já não tem o efeito preventivo pretendido; mas, por outro, tudo leva crer, pela natureza familiar desta empresa, que o propósito dos adquirentes é manter as ações na sua titularidade e, em consequência, não existem indícios mínimos que seja sua intenção desfazerem-se desse património. Pelo que, a ser instaurada uma ação de nulidade desse ato de transmissão por simulação, que hipoteticamente venha a ser julgada por procedente, não se vislumbra que a mesma não venha a ter a sua eficácia assegurada no âmbito da esfera patrimonial dos Requeridos”.
Consignamos ainda que, no art. 10º do requerimento inicial do arresto, a Requerente alegou que: “10.º Com os presentes autos, a requerente visa garantir o efeito de uma decisão judicial a proferir na acção declarativa de nulidade [por simulação] que a Requerente irá instaurar contra o 1.º Requerido por forma a que o património de que este era titular responda pela dívida de que o mesmo tem para com a Requerente e assim obstar ao perigo de dissipação de bens e/ou reduzir o valor desse património por força da transmissão ou oneração de activos a terceiros, nos temos que infra se descreverão.”
4.3. Quanto ao acórdão fundamento, foi a seguinte a decisão da matéria de facto nele dada como provada:
“1. A A. contraiu casamento com R (…), de quem se divorciou, por douta sentença, proferida em 21.04.2008 e transitada em julgado em 05.05.2008.
2. Na sequência do divórcio, foi instaurado inventário com vista à partilha dos bens comuns, distribuído ao 4º Juízo Cível de (...)sob o nº 7865/05.8...-D, em que foi nomeado cabeça de casal R (…)
3. Foi relacionado no inventário, por requerimento de25.02.2009, e como bem comum a partilhar (inicialmente sob averba 8 da relação de bens, posteriormente, sob passou a verba10) - uma quota social, em nome de R (…), na sociedade comercial por quotas C (…), Ldª., no valor nominal de 6.110,27€.
4. Tal quota de € 6.110.27 (verba 10), na conferência de interessados ocorrida em 08/07/2011 (e que inicialmente esteve marcada para 07/06/2010 e 24/09/2010), foi adjudicada à interessada, ora A., que a licitou, pelo valor de 50.000 €.
5. No mesmo inventário fora acusada a falta de relacionamento de um crédito de 54.800 € do património comum sobre a sociedade C (…), Ldª., por mútuo inicial dos interessados de75.000 €.
6. Na sequência de decisão proferida nesse inventário, os interessados (A. e R (…)) foram, quanto a esta questão do crédito, remetidos para os meios comuns, por decisão de 31.07.2009.
7. Foi então proposta, pela Autora, a competente ação contra o ex-marido R (…) e contra a sociedade C (…), Ldª., com vista ao reconhecimento desse crédito pelos RR. e condenação da Ré a restituir ao património comum da A. e ex-marido a quantia de 52.579,33 €, ação que correu termos pelo 1º Juízo Cível de (...)sob o nº 2129/10.8...
8. Em tal ação, que os RR contestaram, foi proferida douta sentença em 06.05.2013, transitada em julgado em 26.06.2013,que julgou a ação procedente, condenado a C (…) Ldª. a restituir ao património comum da A. e ex-marido a quantia de 52.579,32€, acrescida dos juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação (22/4/2010) até integral pagamento, bem como condenado o aí R. R (…) a reconhecer que a quantia mencionada constitui um crédito do casal sobre a Ré C (…).
9. A A., no mês de outubro de 2014, preparando-se para instaurar a competente execução contra a C (…), Lda., indagou da situação do património da Sociedade C (…) Lda..
10. No serviço de Finanças de (...) consta que o prédio urbano a que corresponde o artigo matricial 1 (...) , sito na x (...) , (...) ,composto por armazéns e atividade industrial, está inscrito em nome de C (…), Lda.
11. Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2 (...) /......19 como barracão destinado a oficina e logradouro e a sua aquisição mostra-se inscrita a favor de J (…) através da apresentação .58 de 2012/01/03 por permuta efetuada com C (…) Lda.
12. C (…), Lda., tinha, desde 1992, como sócios R (…) e J (…)
13. Por escrito denominado de “permuta”, a que se refere a escritura pública outorgada em 03/01/2012 no Cartório do Notário (…) de 2 (...) , R (…) divorciado, e J (…) e mulher, L (…)(intitulando-se ambos os intervenientes masculinos como únicos sócios da sociedade C (…), Ldª, e R (…) ainda na qualidade de gerente da mesma), declararam que:
- O J (…) declarou ceder à sociedade C (..), Ldª., a sua quota própria no valor nominal de 1.745,79 €, que nela possuía, pelo preço de 23.000 €;
- Em troca, e para pagamento do preço de 23.000 €, a sociedade declarou dar ao J (…) o prédio urbano composto de barracão destinado a oficina e logradouro, sito na x (...) , (...) ,inscrito na matriz sob o artº. 1 (...) , a que atribuíram o valor de 23.000 €, com o valor patrimonial de 26.552,78 € e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 2 (...) .
14. Por essa mesma escritura, o então sócio J (…) nominal de 872,90 €, declarou que a cedia também por 1.000 € à sociedade C (…), Ldª.
15. Com data de 24.11.2010, R (…) e J (…) constituíram uma outra sociedade denominada CII (…) Distribuição, Lda., com sede na Zona Industrial de (...) , exatamente com sede e a laborar no edifício acima referido em 10, 11 e 13, e onde a sociedade C (…), Lda., tinha, de facto, a sua sede e exercia, desde a compra do terreno e construção do barracão, toda a sua atividade.
16. A sociedade CII (…), Ldª, foi constituída por R (…), com uma quota no valor nominal de 3.500 €, e por J (…), com uma quota no valor nominal de 1.500 €, exatamente com a mesma percentagem (70% / 30%) que detinham na sociedade C (…),Ldª., sendo a gerência atribuída a R (…)
17. Consta da certidão de matrícula da sociedade CII (…), Ldª.,que, em 24/2/2011, o R (…) declarou ceder, gratuitamente, a quota de 3.500 € à própria sociedade CII (…), Lda..
18. No imóvel propriedade de C (…), Lda, encontra-se a laborar a sociedade CII (…), Lda., utilizando todo o equipamento da C(…), Lda., nomeadamente o equipamento básico, equipamento de transporte, equipamento administrativo e outros constante do mapa do imobilizado corpóreo de 2009: máquinas eletrónicas, aparelho de reprodução de som, balanças, compressores, computadores, ferramentas e utensílios, equipamento de serralharia, centrais telefónicas privativas, tractores e empilhadores, mobiliário, grupo eletrogenio Secode, transformador 30Kvas 380Volts, Volkswagen Sharan, empilhador Mitsubishi Gáz, ar condicionado, gerador motor Lombardini, máquina electrosoldar, BMW 525tds ..-AO-.., Kangoo ..-CO-.. Misto, martelo Makita HM1200B, fotocopiadora Xerox + PCP4 3Ghz, software ZoneSoft ZSFact, telemóvel Nokia N91,motoenxada 6.5 HP Active.
19. Por escrito datado de 03.01.2011, a C (…) Lda., declarou darde arrendamento a CII (…), Lda., sendo ambas representadas por R (…) e J (…) as instalações daquela, por 10 anos, com início em 3/1/2011 e pela renda anual de 6.000 €, ou seja, 500€/mês.
20. Na certidão de matrícula da CII (…) Lda., consta que, em 09/04/2012, sendo seu gerente R (…), aquela sociedade declarou ceder à companheira do R (…) (M (…)) a quota de 3.500 € que o R (…) havia cedido gratuitamente à sociedade.
21. Na certidão de matrícula da CII (…), Lda., consta que, em30/11/2012, foi nomeada sua gerente M (…).
22. Pelo contrato de permuta a que alude a escritura de 03.01.2012, a C (…) Lda desfez-se de todo o património imobiliário que tinha.
23. O contrato de arrendamento datado de 03.01.2011 visou também retirar património à esfera jurídica da C (…), Lda..
24. A CII (…), Lda., foi constituída para desviar para a propriedade desta todo o ativo corpóreo e equipamentos da C(…) Lda.
25. Na prática dos atos acima descritos, R (…) atuou sempre em conluio com J (…) e, mais tarde em conluio com M (…),prestando as declarações por si ou em nome das sociedades que representavam com vista a prejudicarem a A. e impedirem-na de satisfazer o crédito peticionado e declarado na ação 2129/10.8..., descapitalizando a C (…), Lda.,
26. J (…) é vizinho da A. e tinha e tem conhecimento de que:
- ocorreu o divórcio entre a A. e o R (…);
- corria, à data dos factos, o inventário subsequente para partilhados bens comuns;
- a sociedade C (…), Lda., era demandada nos termos peticionados na referida ação ordinária nº 2129/10.8...;
- o imóvel descrito em 10. 11. e 13. tinha sido avaliado em abril de 2007 em € 425.000,00;
27. O imóvel descrito em 10., 11. e 13. tem um valor não inferiora € 327.000,00.
28. As vontades declaradas na referida escritura de permuta dos intervenientes, (…), não correspondam às suas vontades reais.” [sublinhados nossos]
É de referir que o nº 28 dos factos provados foi introduzido pelo Tribunal da Relação, na sequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto aduzida pela aí A/Recorrente quanto ao facto, não provado, que então constatava da sentença [que havia dado como não provado que “nos atos acima referidos, não correspondam as vontades reais dos intervenientes às vontades efetivamente declaradas”].
E, tal alteração, resultou da ilação que o Tribunal da Relação, no acórdão fundamento, retirou de um conjunto de outros factos, designadamente, como nele se refere: “(…) o indício retentis possessionis, que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar poderes sobre a coisa nos atos acima referidos, não correspondam as vontades reais dos intervenientes às vontades efetivamente declaradas, que no caso está presente pois o imóvel e respectivos equipamentos é utilizado pela CLS II cujo gerente de facto e sócio maioritário, através da sua companheira, é o R. (..); (…) o indício domínio, como é elucidativo o facto de em sede de acção judicial o principal, o R. (…) o cúmplice, o (…), a CLS II e a companheira do R. (…) estarem patrocinados pelo mesmo advogado, quando em tese podem ocorrer incompatibilidades de interesse, sendo inclusive de notar que na fase inicial do processo o R. (…) até chegou a conferir poderes à mandatária forense, em nome da C(…) Lda como sócio desta quando já não o era, o que revela que intimamente ainda se via como “dono” da dita sociedade; finalmente o facto de ser cada vez mais frequente que o titular de uma sociedade perante a iminência do assédio dos credores, no caso a A., ou execução do património, constituir simuladamente outra sociedade para a qual transfere o património da primeira, continuando a ter o domínio de facto da nova sociedade, compondo-se esta das mesmas pessoas físicas da primeira sociedade, permanecendo o objecto social idêntico, com a coincidência das instalações no mesmo sítio e tendo como gerente a companheira do sócio/gerente originário, como aconteceu na nossa situação em apreço (vide Luís Pires de Sousa, ob. cit., págs. 264/275).
(…)
De sorte que tudo ponderado e analisado se impõe concluir que estamos perante um caso de simulação, pelo que a aludida impugnação factual da A. procede, devendo o indicado facto não provado (que ficará em letra minúscula) passar a provado sob28. (a negrito), nos seguintes termos:
28. As vontades declaradas na referida escritura de permuta dos intervenientes, (…), não correspondam às suas vontades reais.” [sublinhados nossos]
4.4. Diz a Recorrente existir contradição entre ambos os acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito – prova indiciária da simulação absoluta – face à utilização de presunções judiciais aplicáveis a indícios probatórios similares.
É evidente que a Recorrente discorda da decisão recorrida entendendo que a Relação deveria ter concluído no sentido da existência de simulação absoluta, o que se prende, todavia, com a apreciação de mérito relativamente à existência, ou não, da simulação.
Porém, o que importa, primeiramente, apurar é da existência, ou não, de contradição entre o julgado nos dois arestos quanto à mesma questão de direito, pressuposto este da admissibilidade do recurso de revista, relembrando-se que, por regra, este não é admissível nas decisões proferidas em procedimento cautelar, salvo nos casos previstos no art. 629º, nº 2, concretamente na sua al. d).
E, desde já avançando, entendemos que não se verifica a invocada contradição.
4.5. De acordo com o que se diz no acórdão recorrido, para a declaração de nulidade por simulação (absoluta) é, nos termos do art. 240º do Cód. Civil, necessário que concorram os seguintes pressupostos: acordo simulatório entre declarante e declaratário; divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real das partes; e a intenção de enganar terceiros.
Nos termos do art. 682º, nº 2, e 674º, nº 3, a possibilidade de apreciação pelo STJ da matéria de facto está confinada às situações em que o facto esteja admitido por acordo das partes nos articulados ou plenamente provado por confissão ou por prova documental, ambas com força probatória plena, ou quando a matéria de facto seja decidida em contradição com meio de prova vinculada ou seja, quando a lei exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (quando, por exemplo, sendo exigível prova por documento, o facto seja dado como provado por prova testemunhal).
Por outro lado, tem sido, também, entendimento do Supremo Tribunal de Justiça12 o de que não cabe no âmbito do recurso de revista sindicar a decisão das instâncias de dar como provado factos com recurso a presunções judiciais (arts. 349º e 351º do Cód. Civil) salvo quando se mostrem desprovidas de qualquer base factual ou patenteiem manifesta ilogicidade. As presunções judicias estão sujeitas à livre apreciação do julgador, pelo que, fora das mencionadas situações, o facto que haja sido provado com base em presunção, não é sindicável pelo STJ, estando-lhe vedada a indagação de erro intrínseco à própria apreciação e valoração da prova sujeita à livre apreciação do julgador.
E, nas declarações negociais, o apuramento da vontade real da parte consubstancia matéria de facto da exclusiva competência da 1ª instância e do tribunal da Relação, a este propósito se dizendo no Acórdão deste STJ de 29.02.2024, Proc. 3158/19.1T8LSB.L1.S1 que: “De acordo com a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o apuramento da vontade real dos declarantes, em matéria de interpretação de negócio jurídico, constitui matéria de facto que, como tal, está subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista. Cfr. os acórdãos de 08/11/2012 (proc. n.º 37/05.3TBBRR.L1.S1), de 05/05/2016 (proc. n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1), de 18/10/2018 (proc. n.º 2687/13.5TBLLE.E1.S1), de 28/03/2019 (proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1), de 24/10/2019 (proc. n.º 56/14.9T8VNF.G1.S1), de 08/04/2021 (proc. n.º 453/14.0TBVRS.L1.S1), de 07/07/2021 (proc. n.º 1391/18.2T8CSC.L1.S1), de 17/11/2021 (proc. n.º 4113/18.4T8ALM.L1.S1) e de 02/02/2022 (proc. n.º 527/19.0T8FND.C1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.”
4.6. Tecidas tais considerações, vejamos o caso concreto.
Neste, as situações factuais subjacentes a ambos os acórdãos são, pelo menos quanto a um aspeto essencial, diferentes, qual seja o relativo à divergência entre a vontade real do declarante e a vontade declarada, pressuposto necessário da simulação.
Com efeito, no acórdão fundamento, foi, no nº 28, dado como provado pela Relação, com recurso a presunção judicial (com base, entre outros indícios, na circunstância de o réu continuar, de facto, a exercer os seus poderes na nova sociedade como se de gerente de facto se tratasse), que “28. As vontades declaradas na referida escritura de permuta dos intervenientes, (…), não correspondam às suas vontades reais”. Ou seja, foi dado como provada a existência de divergência entre a vontade real e a declarada.
Ora, tal pressuposto de facto, que se mostra relevante [e não irrelevante ou meramente acessório] , não consta dos factos provados do acórdão recorrido, donde decorre que o quadro factual essencial não é idêntico, o que tanto basta para a inexistência de contradição.
E isso mesmo decorre também da fundamentação subjacente aos juízos presuntivos constantes do acórdão recorrido e do acórdão fundamento:
- no acórdão recorrido teve-se em conta os factos dados como provados nos nºs 42 a 44, 47, 51 (este com a redação introduzida pela Relação), 52 e 53 da oposição ao arresto para se concluir, em síntese, que o 1º Recorrido deixou de ter o domínio de facto sobre a sociedade/sua quota social, que foi real e efetivamente transmitida (e não apenas do ponto de vista formal) verificando-se uma convergência (e não divergência) entre a vontade negocial real e a vontade declarada pelo 1º Requerido quanto à transmissão das ações efetivamente pretendida [“(…) que foi efetivamente querida a transmissão das ações, como a mesma se traduziu em efeitos práticos conformes a essa vontade. Pelo que, não há indícios da existência de acordo simulatório. Também não há indícios da existência de divergência entre a vontade negocial declarada e a vontade real. (…)].
- por sua vez, no acórdão fundamento, para além do mais, teve-se em conta que o aí réu pretendeu manter e manteve o domínio de facto sobre a nova sociedade (constituída com o propósito de subtrair à anterior os bens que a integravam): [“(…) que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar poderes sobre a coisa nos atos acima referidos, não correspondam as vontades reais dos intervenientes às vontades efetivamente declaradas, que no caso está presente pois o imóvel e respectivos equipamentos é utilizado pela CLS II cujo gerente de facto e sócio maioritário, através da sua companheira, é o R. (..); (…) o que revela que intimamente ainda se via como “dono” da dita sociedade; (…)continuando a ter o domínio de facto da nova sociedade, (…)”] – sublinhados nossos.
Acresce dizer, em complemento, que, conforme nº 3 dos factos não provados do acórdão recorrido, foi dado como não provado que “ 3º- Os 5.º, 6.º e 7.º Requeridos sabiam da existência do direito de crédito da Requerente”, enquanto que, nos nºs 23 e 24 dos factos provados no acórdão fundamento, foi dado como provado que “23. O contrato de arrendamento datado de 03.01.2011 visou também retirar património à esfera jurídica da C (…), Lda. 24. A CII (…), Lda., foi constituída para desviar para a propriedade desta todo o ativo corpóreo e equipamentos da C(…) Lda.”, bem como o já mencionado nº 28, donde tudo resulta o conhecimento do crédito por parte do declaratário no negócio simulado. - sublinhados nossos.
Ora, face ao mencionado quadro factual e correspondente fundamentação jurídica, não existe contradição de julgados entre os dois acórdãos.
Alega ainda a Recorrente, a fundamentar a invocada contradição, que, no acórdão fundamento, se disse que “Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal”.
Tanto no acórdão recorrido, como no acórdão fundamento é referido que são três os requisitos da simulação: um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário; no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes; com o intuito de enganar terceiros.
Ora, tal afirmação, invocada pela Recorrente, reporta-se ao terceiro dos mencionados requisitos como se diz no acórdão fundamento. Porém, o que está essencialmente em causa no acórdão recorrido é a existência de divergência entre a vontade real e a declarada, este o segundo desses requisitos.
Concluindo, o recurso de revista não é, também, admissível com fundamento em contradição com o Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018, pelo que não se verifica a situação prevista no art. 629º, nº 2, al. d).
*
6. Contradição entre o Acórdão ora recorrido e o já mencionado Acórdão de 29.09.2022, que fundamentou a invocação da violação do caso julgado
Por fim, invoca ainda a Recorrente contradição entre o Acórdão recorrido e o já mencionado Acórdão de 20.09.2022, proferido no apenso A., a que já cima se aludiu a propósito da questão do invocado caso julgado, para cujas considerações se remete [ponto VI. 2 a 2.5. do presente acórdão], assim como se remete para o referido quanto ao Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018 [ponto VI. 4. a 4.6.], sendo apenas de salientar, para além do que já se deixou referido quanto ao Acórdão de 29.09.2022, que, da oposição ao arresto, resultou provada matéria de facto que não constava da decisão inicial que o decretou (e que serviu de suporte a esse Acórdão de 29.09.2022), mormente a constante dos nºs 42 a 44, 47, 51 (este com a redação introduzida pela Relação), 52 e 53 dos factos provados na oposição ao mesmo e na qual o Acórdão ora recorrido se baseou para concluir no sentido da inexistência de divergência entre a vontade negocial real e a vontade declarada pelo 1º Requerido quanto à transmissão das ações, efetivamente pretendida, o que afasta a oposição de julgados e a previsão do art. 629º, nº 2, al. d), mais se realçando que, não sendo a revista admissível, como não é, não cabe apreciar da bondade, ou não, do mérito do acórdão recorrido.
Diga-se, quanto ao periculum in mora, que a apreciação da existência, ou não, de eventual contradição se mostra irrelevante, na medida em que sempre seria necessária a verificação da invocada contradição quanto ao prévio pressuposto relativo à nulidade, por simulação, da transmissão da mencionada participação social, contradição que não se verifica.
Assim, o recurso de revista não é também admissível com tal fundamento.
*
VII. Se foi feita prova indiciária suficiente dos requisitos de procedência do arresto da mencionada participação social, então do 1º Requerido e que foi transmitida para os 5º, 6º e 7º Requeridos, na sociedade G..., SGPS, S.A. (2ª Requerida), mormente da simulação por parte dos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos nessa transmissão e do periculum in mora.
Nos termos do art. 370º, nº 2, das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso de revista, salvo nos casos em que o recurso é sempre admissível.
A questão em epígrafe prende-se com o julgamento do mérito do procedimento cautelar do arresto, pelo que dela não cabe recurso de revista a menos que, na procedência e/ou admissibilidade do recurso de revista objeto das questões anteriores, designadamente da alegada contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão da Relação de Coimbra de 16.01.2018 e/ou entre aquele e o Acórdão de 29.09.2022 (proferido no apenso A), fosse de dela conhecer.
Ora, uma vez que o recurso de revista foi julgado inadmissível, não pode este Supremo conhecer da questão de saber se foi feita prova indiciária suficiente (ou não) dos requisitos de procedência do arresto da mencionada participação social, mormente da simulação por parte dos 1º, 5º, 6º e 7º Requeridos na sua transmissão e do periculum in mora. Diga-se ainda, quanto a este, periculum in mora, que a apreciação da existência, ou não, de tal pressuposto se mostra irrelevante, na medida em que sempre seria necessária a verificação do prévio pressuposto relativo à nulidade, por simulação, da transmissão da mencionada participação social, relativamente ao qual, como já referido, não é admissível o recurso de revista.
***
VIII. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em não admitir o recurso de revista interposto pela Recorrente, Caixa Geral de Depósitos, SA.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 09.05.2024
Relatora: Cons. Paula Leal de Carvalho
Adjuntos: Cons. Ana Paula Lobo
Cons. Fernando Baptista de Oliveira
______
1. Mais foi fixado à ação “o valor que lhe foi atribuído”, valor este que foi o de € 44.035.682,56, sendo de referir que, conforme certidão do registo comercial junto com o requerimento inicial de arresto, o valor do capital social é de €450.000,00 (ap. ...42/20201231).
2. Os preceitos invocados sem outra menção de origem pertencem ao CPC, aprovado pela Lei42/2013, de 26.06.
3. Omitem-se alguns factos que, de todo em todo, não se nos afiguram relevantes e, para melhor compreensão, consignar-se-á, em itálico, a redação já com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação e, abaixo, entre parenteses, a redação original.
4. Em tal recurso, as aí Recorrentes puseram em causa o arresto, para além de outros bens, da mencionada participação social, alegando, em síntese, não se encontrar indiciada a simulação da transmissão das ações do 1º Requerido para os 5º, 6º e 7º Requeridos e a sua consequente nulidade, bem como a inexistência de periculum in mora.
De referir ainda que o mencionado acórdão, na parte em que determinou o levantamento do arresto dos demais bens, mormente relacionados com as 3º e 4ª requeridas no arresto, respetivamente, T..., Lda e S..., S.A. e as questões que, quanto a estas, se colocaram no recurso por elas interpostos e apreciadas nesse Acórdão de 29.09.2022, é irrelevante para o caso ora em apreço pois que, quanto a esse segmento, não se coloca qualquer questão.
5. Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 692 e segs.
6. Arresto das participações sociais da 2ª Requerida nas 3ª e 4ª Requeridas e dos imóveis.
7. Das conclusões desse recurso constava o seguinte:
“38. Para justificar o direito a arrestar os bens das Recorrentes Sociedades, a Recorrida invoca, sem o demonstrar, que as doações efetuadas em 26 de dezembro de 2009 pelo Requerido AA aos Requeridos, relativas às participações sociais na Sociedade G..., SGPS, S.A. e S..., S.A. seriam nulas por simuladas. Porém a alegada simulação funda-se, unicamente, na relação familiar entre os 1º, 5º, 6º, 7º Requeridos (Cfr. ponto 61 da SENTENÇA) o que é manifestamente insuficiente para fundamentar a simulação das doações e a sua consequente nulidade.
39. Sem qualquer justificação de direito ou de facto, foi requerido e deferido numa espécie de desconsideração da personalidade jurídica imprópria que nenhuma doutrina reconhece, em que os bens da Sociedade responderiam por dívidas de quem não é seu sócio, o arresto de quem não é devedor e cujo capital não pertence ao devedor.
40. A simulação ocorre sempre que exista um acordo entre o declarante e o declaratário, feito no intuito de enganar terceiros, consistindo na celebração de um negócio nulo onde se verifica divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes. (Cfr. o n.º 1 e 2 do artigo 240 do Código Civil).
41. Neste caso, porém, entre os declarantes das doações identificadas nos autos não houve qualquer acordo no sentido de enganar terceiros, nomeadamente a Recorrida, nem houve qualquer divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos declarantes e como tal, também não há nos autos, resquício de prova deste acordo, nem podia haver: quem queria doar doou e quem recebeu queria receber.
42. À data das doações, em dezembro de 2009, não existia qualquer crédito da Recorrida sobre o Requerido AA, como resulta claramente da SENTENÇA.”
8. Mas que, e por facilidade de leitura, aqui se relembra:
“- da inexistência de periculum in mora suscetível de fundamentar o arresto
(…)
No entanto, a perspetiva da declaração de nulidade de tais negócios, suscetível de acontecer em futura ação em que a sua simulação venha a ser verificada, representa o elemento revelador do risco de dissipação de tal património do Requerido, através dos seus familiares detentores de tais direitos, o que se alicerça precisamente no seu comportamento anterior, revelado nos pontos 45, 52, 61 e 71 dos factos apurados.
É o anterior comportamento dos Requeridos pessoas singulares, revelado na séria probabilidade dos negócios de transmissão das participações sociais do devedor que foram adquiridas pelos seus familiares terem sido simulados, visando subtrair este seu património à garantia dos credores, que fundamenta o justo receio da lesão do direito de crédito da Requerente, no sentido de poderem ser de novo alienadas as participações sociais que agora estão na detenção dos 5º, 6º e 7º Requeridos e que correspondem a 42,50% do capital social da 2ª Requerida Sociedade G..., SGPS, S.A., assim ameaçando o direito da Requerente.
O procedimento cautelar de arresto pretende acautelar o risco de perda de garantia patrimonial que se encontra associado à possibilidade de dissipação do património por parte do devedor que assim pode colocar em causa a garantia do credor de poder ver satisfeito o seu crédito.
Os factos mostram que os 1º, 5º 6º e 7º Requeridos tiveram uma conduta que visou subtrair do património do 1º Requerido as participações sociais que o mesmo detinha e que correspondem a 42,50% do capital social da 2ª Requerida, concretizando formalmente a “saída” das participações sociais do património do devedor, de modo a que estas não fossem suscetíveis de responder pelas suas dívidas, atividade que revela o perigo de no futuro os Requeridos agirem de igual forma, praticando novos atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração de tais bens, considerar-se preenchido o conceito de justo receio de perda de garantia patrimonial, que constitui requisito necessário ao decretamento da providência de arresto.”
9. Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
10. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
11. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
12. Cfr., designadamente, Acórdãos do STJ de 17-10-2019, Proc. 1703/16.3T8PNF.P1.S1, de 19.10.2021, Proc. 295/20.3T8VRL.G1.S1 e de 17.01.2023, Proc. 286/09.5TBSTS.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E António Santos Abrantes Geraldes, ob. citada, pp. 477 e segs; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil, Vol I, 3ª Edição, Almedina, p.879.