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Jurisprudência
Sumário

I - O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que permite a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente fixadas na lei.

II - O recurso extraordinário de revisão tem a natureza de uma ação autónoma, apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado.

III - Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão para não estarem sujeitos ao prazo de caducidade de cinco anos para a sua instauração terão que respeitar à violação de direitos de personalidade e não a outros direitos.

IV - No processo extraordinário de revisão será preciso observar as recomendações do TEDH.

Decisão Texto Integral
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO1,22398/06.8TBPDL-A.S1


RECORRENTE3SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, SA.


RECORRIDO4AA


***


SUMÁRIO5,6


I – O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que permite a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente fixadas na lei.

II – O recurso extraordinário de revisão tem a natureza de uma ação autónoma, apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado.

III – Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão para não estarem sujeitos ao prazo de caducidade de cinco anos para a sua instauração terão que respeitar à violação de direitos de personalidade e, não a outros direitos.

IV – No processo extraordinário de revisão será preciso observar as recomendações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.



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ACÓRDÃO7



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, SA., veio ao abrigo do disposto pelos arts. 696º/1/f e 698º/1, ambos do CPCivil, interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido, em 2012-10-23, pela 1.ª secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1, pedindo que, seja autorizada a revisão da decisão nacional condenatória proferida, formulando as seguintes conclusões:

A) A Recorrente sustenta o presente pedido de revisão de decisão judicial transitada em julgado no fundamento previsto na al. f) do art. 696.° do CPC, invocando a prolação de acórdão pelo TEDH, instância a que recorreu nos termos do art. 34.° da CEDH, sob a alegação de que a sua condenação no âmbito do processo cível n.º 2.398/06.8..., constitui uma ingerência desproporcional e não necessária, numa sociedade democrática, ao direito de liberdade de expressão e de informação que assiste à Recorrente, de acordo com o disposto no artigo 10.º da CEDH, verificando-se a sua violação pelas instâncias judiciais portuguesas;

B) É de considerar admissível a revisão de decisão judicial (condenatória) transitada em julgado perante decisão proveniente de qualquer instância internacional (também transitada em julgado), desde que essa decisão internacional seja vinculativa do Estado português, exigindo-se, como seu único pressuposto, a ocorrência de inconciliabilidade entre as duas decisões ou de graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o que, em ambos os casos, se verifica na presente situação;

C) A reabertura do processo nacional revela-se indispensável perante uma decisão em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à CEDH, ou, ainda, quando se constate a ocorrência de uma violação da CEDH em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum, o que também se verifica no presente caso;

D) No caso vertente, estamos perante decisão do TEDH condenatória do Estado Português, na qual se considerou que a decisão condenatória proferida pelas instâncias nacionais contra a Recorrente violou o art. 10° da CEDH, por se haver entendido que a sua condenação constitui uma ingerência no direito à liberdade de expressão e de informação, pelo que, há que conceder provimento ao recurso autorizando a revisão da decisão nacional condenatória proferida por esse STJ.

O recurso foi liminarmente admitido8, e o recorrido notificado para responder9.

O recorrido respondeu alegando que “o presente recurso de revisão não poderá ser admitido, porquanto, desde logo, não ser possível afirmar que a recorrente esteja a sofrer consequências particularmente gravosas em resultado da decisão interna proferida pelos Tribunais Portugueses, além de ter sido interposto fora de prazo”.

Colhidos os vistos10, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

1.) Saber qual o regime processual aplicável ao presente recurso extraordinário de revisão.

2.) Saber se o recurso extraordinário de revisão foi tempestivamente interposto.

3.) Saber se está verificado o fundamento de revisão previsto no art. 696º/f, do CPCivil.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS

1.) AA intentou contra SIC, Sociedade Independente de Comunicação SA, Lisboa TV, Informação Multimédia S.A. e BB, ..., ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, no âmbito da qual pediu que os réus fossem condenados a emitir em todos os seus serviços noticiosos de um dia um texto lido pelo 3º réu, informando que todas as imputações feitas ao autor relativamente ao caso de ... e noticiados pela SIC e SIC Notícias dos dias 6,7 e 8 de ... de 2003 e 8 e 9 de ... eram falsas, manifestando desculpas pela ofensa à honra e dignidade do autor e, solidariamente, condenados no pagamento da quantia de 65 758,97€, a título de danos patrimoniais, e em quantia nunca inferior a 400 000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros moratórios à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, com as demais consequências legais.

2.) Nesse processo, foi proferida sentença, a 20-08-20120, que julgando a ação parcialmente procedente por provada, condenou a ré, SIC S.A. a pagar ao autor, AA a quantia de 145 758,97€ (cento e quarenta e cinco mil setecentos e cinquenta e oito euros e noventa e sete cêntimos) e solidariamente com o réu, BB, 40% de tal quantia e, a ré, SIC, SA., em facultar ao autor a retificação ou direito de resposta, no noticiário com maior audiência, quer da SIC, quer da SIC Notícias”.

3.) Tal sentença foi revogada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 20-01-2012, que absolveu o réu, BB do pedido e condenou a ré, SIC, S.A. a pagar ao autor a quantia de 10 000,00€, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da decisão.

4.) Interposto recurso desta decisão, por acórdão de 23-10-2012, o Supremo Tribunal de Justiça, que negando provimento ao recurso apresentado pela ré, SIC, S.A., concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo autor e, consequentemente, condenou a recorrente no pagamento ao recorrido a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, na quantia de 50 000,00€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento e, bem assim, a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, na quantia de 65 758€ (sessenta e cinco mil setecentos e cinquenta e oito euros), igualmente acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

5.) A recorrente reclamou deste acórdão para a conferência do STJ, arguindo a existência de nulidades na decisão por falta de fundamentação, excesso de pronúncia, fundamentação contraditória e, ainda, arguindo a irregularidade da distribuição do processo.

6.) Por acórdão de 16-04-2013, o Supremo Tribunal de Justiça, concedeu provimento parcial à reclamação, mas apenas no respeitante à invocada falta de fundamentação da decisão, na parte relativa à condenação da recorrente no pagamento de juros de mora, contados desde a data da citação, tendo apenas suprido, nessa parte, a omissão de fundamentação, mais declarando que esta última decisão passaria a fazer parte do acórdão reclamado.

7.) Tal decisão transitou em julgado em 02-05-2013.

8.) Não se conformando com tal acórdão, a recorrente, SIC, S.A apresentou queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), invocando que havia sido violado o seu direito à liberdade de expressão e de informação, e o direito a um processo equitativo.

9.) Por acórdão de 27-07-2021, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu11:

a) Declarar a queixa admissível;

b) Declarar que houve violação do artigo 10.º da CEDH;

c) Condenar o Estado Português a pagar à Recorrente:

i) O montante de 4283,57€, acrescido de juros, a título de custos e despesas, num prazo de três meses a partir da data em que a decisão se tornou definitiva (02-11-2021);

ii) Passado o prazo dos três meses acima mencionado, o recorrido deverá pagar juros a uma taxa igual à taxa de juro da facilidade permanente do Banco Central Europeu, acrescida de três pontos percentuais.

10.) O acórdão do TEDH tornou-se definitivo em 27-10-2021.

11.) O recurso extraordinário de revisão foi interposto em 27-12-2021.

2.2. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso12 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER QUAL O REGIME PROCESSUAL APLICÁVEL AO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO.

O presente recurso extraordinário de revisão foi interposto na vigência do atual CPCivil (aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26-06), de decisão proferida em momento prévio à entrada em vigor deste diploma (2013-01-09), no âmbito de uma ação instaurada entes de 2008-01-01.

Neste quadro, uma primeira análise da norma de direito transitório prevista no art. 7º/1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06 (a contrario sensu), poder-nos-ia levar a concluir que o regime processual aplicável seria o anterior ao consagrado pelo DL n.º 303/2007, de 24-08.

De facto, a configuração legal do recurso extraordinário de revisão foi sendo objeto de alterações significativas ao longo dos anos.

Em particular, o fundamento de revisão em análise – a inconciliabilidade da decisão transitada em julgado com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português – apenas foi introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, diploma que, todavia, não excecionava do prazo de caducidade de 5 anos relativo ao direito de interpor recurso, as ações que respeitassem a direitos de personalidade.

Tal ressalva foi introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, que aprovou o atual CPCIVIL.

A versão original deste diploma foi alterada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, que introduziu na previsão do art. 696.º/e, do CPCivil, duas novas situações e passou a prever, na nova alínea h), como fundamento do recurso, ser suscetível a decisão a rever de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, na medida em que se encontrem reunidos os pressupostos previstos no novo art. 696.º-A do CPCivil.

No entanto, tal análise não poderá prescindir da adequada consideração da natureza deste recurso de índole extraordinária, matéria que tem suscitado dissensão na doutrina e na jurisprudência.

Para uns, será uma ação, para outros, um recurso; ainda para outros, um misto de recurso e de ação13.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem-se pronunciando no sentido de atribuir ao recurso de revisão a natureza de ação autónoma, apesar de intimamente ligada a um processo anterior transitado em julgado14,15.

Assim sendo, atribuindo-se a natureza de uma ação autónoma, aplicar-se-á ao presente recurso o regime adjetivo em vigor à data da sua interposição (positivado no atual CPC e aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26-06, com as alterações previstas pela Lei n.º 117/2019, de 13-09) ou, de acordo com o preceituado no art. 7.º/1, a contrario sensu, da Lei n.º 41/2003, de 26-06, em conjugação com os arts. 11.º/1 e 12.º/1 do DL n.º 303/2007, de 24-08 (que estatuíam que as disposições deste diploma não se aplicavam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor), o regime processual em vigor no período anterior ao início de vigência do DL n.º 303/2007?

A primeira alternativa enunciada é a que, a nosso ver, mais se coaduna com a teleologia específica do recurso de revisão.

Isto, porque tendo este recurso a natureza, pelo menos parcial, de uma ação, que visa uma mudança na ordem jurídica operada por uma sentença transitada em julgado, perfila-se, nesta medida, como um processo novo, que principia uma instância recursiva num processo findo, escapando, por isso, ao racional subjacente à norma transitória do art. 7.º/1 da Lei n.º 41/2003, de 26-06, vocacionado para a interposição de um recurso, de natureza ordinária, que inicia uma instância recursiva no âmbito de um processo não findo16.

Concluindo, ao presente recurso extraordinário de revisão será de aplicar o regime adjetivo em vigor à data da sua interposição (positivado no atual CPCivil e aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26-06, com as alterações previstas pela Lei n.º 117/2019, de 13-09).

2.) SABER SE O RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO FOI INTERPOSTO TEMPESTIVAMENTE.

O recorrido alegou que “Da decisão revidenda - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2012 - houve reclamação para a conferência deste STJ, cuja decisão teve lugar por acórdão notificada por via de Ofício datado de 19.04.2013, pelo que decorreram, há muito, os cinco anos que a lei prevê para a interposição do recurso de revisão, na medida em que este apenas foi interposto a 27.12.2021”.

Assim, concluiu que “o presente recurso foi interposto fora de prazo, o que determinará a sua rejeição”.

Vejamos a questão.

O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados, no caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado – art. 697º/2/b, do CPCivil17,18.

No exame preliminar que é exigido ao julgador, impõe-se que se comece pela questão da tempestividade e ultrapassada que seja esta é que se passará aos fundamentos, havendo que analisar, então, primeiramente, se por um lado o recurso foi interposto no prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e, concomitantemente, se não se deixou expirar o prazo de sessenta dias contados da ocorrência de qualquer uma das situações específicas aludidas nas alíneas a) e b) do nº2 do artigo 772º do CPCivil19.

Ora, atenta a data em que foi interposto este recurso extraordinário de revisão (27-12-2021) e, a data em que transitou em julgado a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (19-04-2013), decorreram mais de cinco anos.

Porém, no caso de o recurso extraordinário de revisão respeitar a direitos de personalidade, não se aplicará o prazo de caducidade de cinco anos para a sua instauração, como resulta do disposto no art. 697º/2, do CPCivil.

Assim, respeitará o presente recurso extraordinário de revisão a direitos de personalidade, caso em que a sua apresentação seria tempestiva, por não ser aplicável o prazo de interposição de cinco anos?

Pensamos que sim.

Na sua decisão, o TEDH considerou violado o disposto no art. 10º, da CEDH, isto é, a violação ao direito à liberdade de expressão.

Chamamos direitos de personalidade aos direitos que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade.

Com este nome, eles caracterizam-se como "direitos sobre a própria pessoa" distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objeto, de todos os outros direitos.

O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos. Ficam, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome20.

É o homem, enquanto pessoa, que constitui o fundamento da tutela do art. 70º CC, de acordo com o previsto pelo art. 1º CRP que baseia a República Portuguesa na «dignidade da pessoa humana»21.

O valor pessoal de cada homem constituído ao longo da vida por tudo aquilo que fez ao ser recebido pela sociedade representa a sua honra.

A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância22.

A honra é algo que se tem (conceito objetivo) ou que se sente (conceito subjetivo) que faz parte da dignidade da pessoa23.

Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político24.

A liberdade de expressão, cuja proteção se retira da norma de tutela geral da personalidade contida no art. 70.º/1 do CCivil, integra-se no universo dos direitos de personalidade – ou, de forma mais precisa, constitui “a matriz ou base de fundamentação de uma multiplicidade deste tipo de direitos”25,26 -, sendo um elemento estruturante da personalidade humana, um valor radicado na dignidade da pessoa como ser livre e responsável que “constitui fonte de direitos ou prerrogativas que, por seu turno, participam das notas da universalidade, do caráter erga omnes dos direitos de personalidade e de uma natureza extrapatrimonial”27.

Por sua vez, o art. 10º, nº 1, da CEDH, é um pilar fundamental da constituição europeia da comunicação. A evolução posterior do direito europeu neste domínio tem-se baseado na densificação do direito à liberdade de expressão e na sua aplicação às tecnologias de rádio e de televisão, de um modo não alheio às mudanças das perspetivas político-económicas dominantes28.

A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no artigo 10.º/2, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»29,30.

O TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”31,32,33,34,35.

Porém, certo é que a dita interpretação não tem o valor de uma norma jurídica, nem é atribuída ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a prerrogativa de proceder a uma interpretação autêntica das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem36.

Ora, nos autos, a recorrente, pessoa coletiva, pretende obter uma derradeira tutela dos seus direitos à palavra, à liberdade de expressão e informação e liberdade de imprensa, direitos que se inscrevem no catálogo dos direitos, liberdades e garantias pessoais (arts. 26.º/1, 37.º e 38.º da CRPortuguesa) e se mostram diretamente aplicáveis (art. 18.º/1 da CRP).

A titularidade dos poderes e faculdades inerentes a este “valor da personalidade elevado à categoria de direito fundamental constitucionalmente reconhecido” seja, usualmente, cometida às denominadas “pessoas físicas”37.

Porém, as pessoas coletivas poderão também assumir tal titularidade, de acordo com o princípio da especialidade do fim que vale em matéria de capacidade jurídica destes entes38.

Por força do art. 160.º/1 do CCivil, há que reconhecer às pessoas coletivas, porque titulares de valores e motivações pessoais, alguns dos direitos especiais de personalidade (como sejam o direito à liberdade de expressão do seu pensamento coletivo e o direito à liberdade de imprensa) que se adequem “à particular natureza e às específicas características de cada uma das pessoas jurídicas, ao seu círculo de atividades, às suas relações e aos seus interesses dignos de tutela jurídica”39.

O direito à liberdade de expressão e os conexos direitos de liberdade de informação e liberdade de imprensa constituem um instrumento indispensável ao desenvolvimento do escopo social da recorrente, SIC, S.A., encontrando-se abrangidos pela capacidade de gozo desta pessoa coletiva, na medida em que não se mostram inseparáveis da personalidade singular.

Assim, entendendo o TEDH que a decisão nacional violou o disposto no art. 10º, da CEDH, o recurso extraordinário de revisão respeita à violação da liberdade de expressão.

Os fundamentos do recurso respeitam diretamente à violação do direito à liberdade de expressão que ocorreu com a prolação da decisão nacional, como entendeu o TEDH.

Com este recurso extraordinário de revisão, a recorrente pretende corrigir erros de julgamento por violação do seu direito à liberdade de expressão, que ocorreu com a prolação da decisão nacional.

Concluindo, como o fundamento do presente recurso extraordinário de revisão respeita à violação de direitos de personalidade da recorrente, o mesmo é intempestivo.

No entanto, e ainda que em causa esteja um processo respeitante a direitos de personalidade, subsiste a aplicação de um prazo para interposição do recurso de 60 dias, contados desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado (art. 697.º/2/b) do CPCivil).

Atendendo a que o acórdão do TEDH, prolatado em 27-07-2021, se tornou definitivo em 27-10-2021 (art. 44.º§2 da CEDH), pelo que, na data em que o recurso foi interposto (27-12-2021), não tinha ainda decorrido o prazo de 60 dias consagrado no art. 697.º/2/b) do CPCivil40.

Destarte, atento o estatuído no art. 697º/2/b, do CPCivil, como o presente recurso extraordinário de revisão se mostra intentado tempestivamente, julga-se improcedente a exceção de caducidade deduzida pelo recorrido.

3.) SABER SE ESTÁ VERIFICADO O FUNDAMENTO DE REVISÃO PREVISTO NO ART. 696º/F, DO CPCIVIL.

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português – art. 696º/f, do CPCivil.

Nos casos previstos nas alíneas a) a f) e h) do artigo 696.º, se o fundamento da revisão for julgado procedente, é revogada a decisão recorrida, profere-se nova decisão, procedendo-se às diligências absolutamente indispensáveis e dando-se a cada uma das partes o prazo de 20 dias para alegar por escrito – art. 701º/a, do CPCivil.

Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações – art. 37º/1, da CRPortuguesa.

A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos – art. 37º/4, da CRPortuguesa.

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art. 10º/1, da CEDH.

O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicia – art. 10º/2, da CEDH.

Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário – art. 41º, da CEDH.

Prima facie, há que apurar se se mostra verificado o fundamento de revisão previsto no art. 696º/f, do CPCivil41, isto é, se existe uma contradição ou insusceptibilidade de conciliação entre a decisão revidenda e o acórdão proferido pelo TEDH.

Se a resposta for afirmativa, o recurso será julgado procedente e a decisão impugnada será revogada ou rescindida, terminando a fase rescindente do recurso e dando-se início à fase rescisória.

Se a resposta for negativa, o recurso de revisão será julgado improcedente, subsistindo na ordem jurídica a decisão transitada em julgado.

Ora, o Estado Português aderiu à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro) e declarou, para os efeitos previstos no seu art. 46.º (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção-Geral dos Negócios Políticos, publicado no D.R., II série, de 06.02.1979).

A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 1978 e goza (pelo menos) de força supralegal prevalecendo sobre as leis ordinárias, por força do art. 8º/2 da CRP. Por esta razão, as instâncias nacionais dos Estados Contratantes são a primeira instância de aplicação da CEDH, como decorre do seu artigo 13º. Consequentemente, preceitua o art. 35º da CEDH que só uma vez esgotadas todas as vias de recurso internas, poderá o Tribunal de Estrasburgo intervir42.

O DL nº 303/2007, de 24-08, introduziu um novo fundamento de admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, hoje, inserto na alínea f), do art. 696.º, do CPCivil, nos termos da qual uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, que o preâmbulo daquele diploma justifica como forma de permitir que «a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte», isto é, por forma a possibilitar a execução jurisdicional da decisão do TEDH, através do instituto da revisão da decisão nacional, transitada em julgado, visando, fundamentalmente, dar resposta à falta de meios internos de execução das decisões do TEDH43.

O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção.

Nessas decisões, o TEDH reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente”44,45,46.

Não sendo o TEDH uma instância internacional de recurso, entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento, é, porém, uma entidade internacional vinculativa para o Estado Português, que tem obrigação de cumprir os acórdãos proferidos pelo mesmo, embora faculte ao Estado a escolha dos meios a utilizar para cumprir a obrigação que decorre do art. 46º/1, da CEDH, ou seja, de respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH, nos litígios em que forem partes os Estados signatários, reparando as consequências da violação constatada47.

Porém, a reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum48,49.

No caso vertente, estamos perante uma decisão do TEDH condenatória do Estado Português, considerando que a decisão proferida pela instância nacional contra a recorrente, violou o disposto no art. 10º, da CEDH, pois constituiu uma ingerência ao seu direito à liberdade de expressão.

Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade50.

A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.

No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»51.

O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade Hiper complexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação52.

Necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção53.

Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos54.

A eficácia justificadora da liberdade de expressão perde razão de ser quando se exercite em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e juízo públicos são desnecessários para a formação da opinião pública em atenção à qual se reconhece a sua importância55.

Em síntese, “a liberdade de expressão em sentido amplo pretende desbloquear os canais da comunicação em todos os domínios da vida social, em nome da autonomia individual e coletiva, da voluntariedade da interação social e da descentralização da autoridade até à unidade mais pequena com capacidade de decisão: o indivíduo” 56.

No caso sub judice, o TEDH considerou que o acórdão proferido pela instância nacional violou o disposto no art. 10º, da CEDH, por haver uma ingerência no direito à liberdade de expressão da recorrente.

Vejamos, pois, se há que conceder provimento ao recurso, autorizando a revisão do processo.

Os acórdãos (do TEDH) são essencialmente declaratórios, mas, uma vez constatado que o um Estado violou a Convenção, este fica obrigado a tomar as medidas para pôr fim à violação ou para reparar as suas consequências. Esta obrigação implica que os Estados ponham fim à violação e eliminem todas as consequências dela decorrentes de modo a restabelecer, tanto quanto possível, a situação anterior à violação57.

O TEDH tem entendido a reabertura do processo como uma medida próxima das exigências da restitutio in integrum, de acordo com o princípio primário da restauração natural, mas, no âmbito da solução alternativa entre a reabertura do processo ou o pagamento de uma satisfação equitativa, em conformidade com o princípio da subsidiariedade da restauração por equivalente58.

No que respeita à questão da incompatibilidade ou inconciliabilidade, esta só se produz quando a decisão a rever se opuser a algo afirmado, enquanto pressuposto lógico necessário da decisão internacional, pois que o TEDH não é competente para anular as decisões ou legislações nacionais, mas, apenas, para declarar que foi cometida uma violação e conceder uma reparação razoável, podendo a reparação do direito violado exigir, para além da eventual reparação financeira, a reapreciação do caso judicial59.

Sempre que a decisão do TEDH funciona como justiça substitutiva, resolvendo a questão, em termos finais, como acontece quando condena o Estado Português a pagar ao recorrente uma determinada quantia, acrescida dos montantes que sejam devidos, a título de imposto, por danos materiais e por custas e despesas, rejeitando o pedido de reparação razoável relativamente ao restante, não se está perante duas decisões inconciliáveis, mesmo quando a decisão nacional tenha julgado que não houve violação dos direitos consagrados pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a decisão do TEDH haja declarado o contrário, em virtude de a parte lesada não continuar a sofrer, em consequência da mesma, consequências negativas, particularmente graves, porquanto as mesmas já foram compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, em termos de danos patrimoniais, não exigindo a reparação do direito violado, com vista à reposição integral do status quo ante, para além da compensação financeira determinada, a medida complementar da reapreciação do caso judicial60.

São os Estados que se encontram obrigados a executar as decisões do TEDH, indemnizando as vítimas de violação da CEDH, e não os tribunais portugueses, que não se encontram vinculados pelas decisões daquele órgão, que não é um tribunal de recurso que profira decisões revogatórias das decisões nacionais61.

Os acórdãos do Tribunal são declaratórios no essencial, limitando-se a decidir se, no caso concreto, houve ou não infração a uma ou outra disposição da Convenção e a acordar frequentemente uma soma a título de reparação razoável62,63.

Se o tribunal conclui que há violação da Convenção ou dos seus Protocolos, examina, em seguida, se o direito interno oferece meios de obviar às consequências de tal violação ou, em caso contrário, se há ou não que arbitrar uma reparação à parte lesada64.

No processo de revisão será preciso observar, como é óbvio, as recomendações do Tribunal65.

A recorrente, no TEDH, reivindicou a quantia de 145 988,28 €, a título de danos materiais, correspondente ao montante que tinha sido condenada a pagar ao recorrido a nível interno, a título de danos materiais e danos morais combinados.

A decisão revidenda considerou que o autor sofreu uma violação ilícita da honra, do bom nome e da sua reputação levada a cabo através da divulgação, pela estação de televisão de que é proprietária a ré, SIC, S.A., de conteúdos produzidos por jornalistas que davam conta da existência de uma rede de ....

Em causa está, de modo mais impressivo, uma notícia da edição da SIC Notícias das 10 horas de ...-...-2004, em que o jornalista identificou o recorrido, por lapso, como pertencendo ao grupo dos 12 suspeitos detidos pela Polícia Judiciária no âmbito do mencionado processo, afirmando que o mesmo não ficara detido e acabara por sair do tribunal66.

No que se refere à reportagem de ...-...-2004, o TEDH considerou “existirem razões irrefutáveis para impor uma sanção à empresa requerente” por ter existido uma falsa referência à detenção e interrogatório do recorrido pela polícia.

A censura que o TEDH dirigiu ao STJ prendeu-se com o caráter desproporcionado das indemnizações arbitradas perante a gravidade do prejuízo sofrido pelo recorrido, num quadro em que uma retificação da notícia foi feita pelo canal televisivo horas mais tarde e o demandante retomou o seu papel na política pouco tempo depois do relatório de notícias da empresa requerente, tendo desempenhado funções de deputado na Assembleia da República entre 2005 e 2013.

Nesta base, considerou o TEDH que o montante de indemnização, sendo elevado quando comparado com processos anteriores relativos a Portugal, se mostra suscetível de desencorajar a participação da imprensa em debates sobre assuntos de legítima preocupação pública e tem efeito inibidor na liberdade de expressão e de imprensa.

Conclui, assim, o TEDH pela violação do art. 10.º da CEDH, por se ter verificado uma interferência desproporcional e não “necessária numa sociedade democrática” no direito à liberdade de expressão da recorrente, SIC, S.A..

O TEDH considerou que a forma mais adequada de reparar as consequências dessa violação seria reabrir o processo reclamado (não atribuindo à recorrente a peticionada indemnização correspondente aos valores em cujo pagamento foi condenada pela decisão revidenda), uma vez que o direito interno permite que tal reparação seja efetuada67,68.

O TEDH, não obstante, ter constatado que a decisão revidenda se mostra, no mérito do segmento analisado, contrária à CEDH, absteve-se de atribuir uma compensação razoável à lesada, ora recorrente, consignando, de modo expresso, que a “restitutio in integrum” seria alcançável através da reabertura do processo, mediante a interposição do respetivo recurso de revisão.

Percebe-se que tenha sido esta a via de composição do litígio eleita pelo TEDH, tendo em conta que o juízo de desconformidade com a CEDH formulado se prendeu, não com a atribuição das indemnizações em causa (posto que os factos em causa foram considerados ilícitos), mas com a sua excessiva onerosidade.

Afastar in casu a verificação do fundamento contido no art. 696º/f, do CPCivil, equivaleria, em desrespeito à vinculatividade das decisões do TEDH, denegar tutela à posição jurídica da recorrente que, perante uma violação declarada da Convenção, lhe viu ser recusada a atribuição de uma indemnização razoável, ao abrigo do art. 41º da CEDH, justamente porque se considerou que a reabertura do processo seria o meio idóneo para operar a reparação devida.

Temos, pois, que as consequências gravosas, consistentes na condenação no pagamento de indemnizações não despiciendas, sofridas pela recorrente em decorrência de uma decisão cujo mérito o TEDH considerou violar a CEDH não foram, até o momento, reparadas, subsistindo na esfera jurídica da lesada.

Concluindo, sendo de afirmar a inconciliabilidade entre a decisão do TEDH e a decisão a rever há, ao abrigo do disposto no art. 701.º/1 do CPCivil, julgar o fundamento da revisão procedente e, em consequência, revogar a decisão revidenda.

A tramitação (marcha) do recurso de revisão comporta duas fases distintas: a fase rescindente e a fase rescisória. A fase rescindente destina-se a apreciar o fundamento do recurso, culminado com uma decisão de manutenção (confirmação) ou de revogação da decisão impugnada; a fase rescisória visa a obtenção de uma decisão que venha substituir a decisão recorrida (arts. 698º e ss)69,70,71.

O recurso extraordinário corre por apenso e o requerimento de interposição tem o tratamento da petição inicial de uma ação. Com o requerimento, são apresentados os documentos necessários e é proposta a prova a produzir. A invocação do fundamento é condição de demonstração prévia da viabilidade do recurso72.

Não se prefigurando a necessidade de proceder a ulteriores diligências, em momento prévio à prolação de nova decisão, as partes deverão ser notificadas para, no prazo de 20 (vinte) dias, produzirem alegações por escrito.

Destarte, por se mostrar procedente o fundamento de revisão, deverá ser revogada a decisão e, as partes notificadas para, em 20 (vinte) dias, produzirem alegações por escrito (art. 701.º/1/a, do CPCivil).

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar procedente o fundamento de revisão (art. 696º/f, do CPCivil) e, consequentemente, revoga-se a decisão revidenda.

Notifique-se as partes para, querendo, em 20 (vinte) dias, produzirem alegações por escrito (art. 701.º/1/a, do CPCivil).

Lisboa, 2024-01-0973,74

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Manuel Aguiar Pereira) – 1º adjunto

(Jorge Arcanjo) – 2º adjunto

_____________________________________________

1. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

2. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

3. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

4. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

5. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

6. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

7. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

8. O despacho que admitiu o recurso (proferido pelo tribunal de 1ª instância em 01-03-2022), ainda que tivesse sido proferido por tribunal absolutamente competente, não forma caso julgado formal quanto à sua admissibilidade (neste sentido, decisão singular do STJ de 11-02-2022, Processo: 06.1TBVNG.P1.S1- A). O recurso de revisão comporta duas fases, não necessariamente autonomizáveis: a prevista no art. 700.º do CPC – rescidente, na qual se conhece dos fundamentos do recurso de revisão e que finda com a manutenção ou revogação da decisão revindenda – e a prevista no art. 701.º do CPC – rescisória, que apenas tem lugar se se verificar a revogação da decisão objeto de revisão e onde se desenrola a tramitação legal aí prevista para que seja proferida nova decisão. Ora, o tribunal deverá indeferir o recurso “quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (art. 699.º do CPCivil). O recurso será rejeitado, além do mais, se faltar a legitimidade ativa, se a decisão ainda não tiver transitado em julgado ou se tiver sido excedido algum dos prazos de caducidade previstos no art. 697.º, n.º 2, do CPC. A rejeição liminar pode fundar-se ainda na falta de junção dos elementos documentais que a lei impõe ou na falta de alegação de elementos de facto pertinentes para o preenchimento de cada um dos fundamentos de revisão se, neste caso, se verificar uma verdadeira situação de ineptidão traduzida na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir. Por fim o requerimento deverá ser rejeitado quando se constate que os factos alegados não preenchem os pressupostos da revisão, designadamente, quando não conduzam ao resultado pretendido ou quando inexista uma relação de causalidade entre o facto e a decisão revidenda – António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2022, p. 592. Dos autos consta a certidão, com nota de trânsito em julgado, do acórdão revidendo, bem como da decisão do TEDH, acompanhada da informação acerca do seu caráter definitivo, ambas devidamente instruídas com as correspondentes traduções para língua portuguesa. A recorrente alegou ter sido proferido acórdão pelo TEDH, o qual se mostra inconciliável com o acórdão do STJ, prolatado no âmbito do processo 2398/06.8TBPDL.L1.S1, por ter considerado que a decisão nacional constituiu uma ingerência desproporcional e não necessária, numa sociedade democrática, ao direito de liberdade de expressão e de informação que assiste à recorrente, de acordo com o disposto no artigo 10.º da CEDH. Destarte, os factos alegados pela recorrente são suscetíveis de, em abstrato, integrar a previsão normativa inerente ao fundamento de recurso previsto no art. 696º/f, do CPCivil. Na ausência de circunstâncias que obstem à sua admissibilidade, o presente recurso extraordinário de revisão deverá ser admitido. Uma vez que o recorrido já foi notificado para responder, nos termos do art. 699.º/2 do CPC, o princípio do aproveitamento dos atos dispensa uma nova notificação para o mesmo efeito, devendo a sua resposta ser aproveitada.↩︎

9. Admitido o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias – art. 699º/2, do CPCivil.↩︎

10. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

11. “67 - No que diz respeito às declarações em questão, o Tribunal salienta que, relativamente às notícias dos dias 6 e 7 de dezembro de 2003, embora o R.R. não tenha sido diretamente identificado, ele ainda era facilmente identificável (consultar as alíneas 6-9, 20 e 25 acima). Consequentemente, embora as reportagens tenham sido o resultado de uma investigação jornalística conduzida pela empresa requerente e pelo E..., ambos amplamente considerados pelo público como meios de comunicação social fiáveis, estes foram capazes de lhe causar prejuízo. No que diz respeito à reportagem do dia 9 de ... de 2004, apesar da retificação efetuada horas mais tarde, a empresa requerente aceitou que a falsa referência à detenção e interrogatório do R.R. pela polícia sobre esta reportagem específica tinha violado o direito à reputação e honra do R.R. (consultar a alínea 45 acima). O Tribunal considera também que, quando a empresa requerente declarou que o R.R. tinha sido detido e estava a ser interrogado pela polícia, não agiu de forma responsável, particularmente porque sabia que a notícia foi amplamente divulgada através dos meios de comunicação social, tanto a nível nacional como internacional (consultar as alíneas 14 e 15 acima). Por conseguinte, existiam razões irrefutáveis para impor uma sanção à empresa requerente pela informação falsa. Contudo, o Tribunal salienta que a empresa requerente retificou este erro algumas horas após a divulgação da notícia (consultar a alínea 17 acima), o que, por conseguinte, limitou o prejuízo à reputação do R.R. tanto no âmbito como no tempo (comparar Falter Zeitschriften GmbHv. Áustria, N.º 26606/04, 25, de 22 de fevereiro de 2007). Além disso, o Tribunal afirma que, embora tenha sido provado pelos tribunais nacionais que ainda era possível encontrar referências ao seu potencial envolvimento em tal crime, em diferentes plataformas online (consultar a alínea 20 acima), o R.R. retomou o seu papel na política pouco tempo depois do relatório de notícias da empresa requerente. De facto, serviu como membro do parlamento nacional entre 2005 e 2013 e permanece, até hoje, um político bem estabelecido e ativo (consultar a alínea 37 acima). Por conseguinte, é necessário determinar se o montante que a empresa requerente foi condenada a pagar ao R.R. a título de indemnização por danos, foi proporcional aos danos que lhe foram causados. (Y) Severidade da sanção 69. O Tribunal salienta que o Supremo Tribunal condenou a empresa requerente a pagar ao R,R. 50.000 euros a título de danos morais e 65,758 euros a título de danos materiais. Com o acréscimo de juros legais, o montante total que a empresa requerente teve de pagar foi de 145.988,28 euros (consultar a alínea 36 acima). Embora não seja possível concluir que não houve qualquer prejuízo ao direito do R.R. à reputação e honra, o Tribunal considera difícil aceitar que o prejuízo à reputação do R.R e no presente caso tenha sido de tal gravidade que justificasse uma indemnização dessa dimensão. Esse montante de indemnização, que era elevado quando comparado com processos anteriores relativos a Portugal, analisados pelo Tribunal (comparar Público - Comunicação Social, S.A. e Others v. Portugal, N.º 39324/07, 55, de 7 de dezembro de 2010), também é capaz de desencorajar a participação da imprensa em debates sobre assuntos de legítima preocupação pública e tem um efeito inibidor na liberdade de expressão e de imprensa (comparar Bozhkov v. Bulgária, N.º 3316/04, 55, de 19 de abril de 2011; Medipress-Sociedade Jornalística, Lda v. Portugal, N 55442/12, 45, de 30 de agosto de 2016; e Público - Comunicação Social, S.A. and Others, citado acima, 55; consultar também, mutatis mutandis, Pais Pires de Lima v, Portugal, N.º 70465/12, 67, de 12 de fevereiro de 2019). O Tribunal considera-o, por conseguinte, excessivo nas circunstâncias do presente caso. (8) Conclusão As considerações anteriores são suficientes para permitir ao Tribunal concluir que a interferência no direito à liberdade de expressão da empresa requerente foi desproporcional e não "necessária numa sociedade democrática", na aceção do artigo 10.º da Convenção. Por conseguinte, houve uma violação do artigo 10.º da Convenção. II. APLICAÇÃO DO ARTIGO 41.º DA CONVENÇÃO 72. O artigo 41.º da Convenção dispõe o seguinte: "Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário." A. Danos A empresa requerente reivindicou 145,988,28 euros (EUR) a título de danos materiais, correspondente ao montante que tinha sido condenada a pagar ao R.R. a nível interno, a título de danos materiais e danos morais combinados. A empresa requerente não reivindicou uma indemnização por danos morais, O Governo contestou a reclamação. Na sua opinião, a constatação de uma violação permitiria à empresa requerente apresentar um pedido de revisão da decisão proferida no seu processo nos tribunais nacionais. Assim, o pagamento de uma indemnização por qualquer dano sofrido pela empresa requerente seria prematuro. O Tribunal reitera que uma sentença na qual constate uma violação impõe ao Estado requerido a obrigação legal de pôr termo à violação e reparar as suas consequências. Se a legislação nacional não permitir ou permitir apenas a reparação parcial a ser efetuada, o Artigo 41.º autoriza o Tribunal a proporcionar à parte lesada a compensação que lhe pareça adequada (consultar Iatridis v. Grrece (indemnização) IGC], N.º 31107/96, 32-33, TEDH 2000-XI, e Stojanovié v. Croatia, N.º 23160/09, 80, de 19 de setembro de 2013). A este respeito, o Tribunal salienta que, ao abrigo do artigo 696.º, alínea f) do Código de Processo Civil, um requerente pode solicitar a reabertura do processo civil em relação ao qual o Tribunal tenha considerado uma violação da Convenção (consultar a alínea 40 acima; consultar também Ramos Nunes de Carvalho e Sá v, Portugal IGC], N.ºs 55391/13 e 2 outros, 222, de 6 de novembro de 2018). Tendo em conta a violação que constatou e os motivos dessa constatação (consultar as alíneas 68-70 acima), o Tribunal considera que no presente processo, a forma mais adequada de reparar as consequências dessa violação é reabrir, a pedido da empresa requerente, o processo reclamado. Uma vez que o direito interno permite que tal reparação seja efetuada, o Tribunal considera que não há lugar para a concessão de qualquer montante a título de danos materiais à empresa requerente. Uma vez que a empresa requerente não apresentou qualquer reclamação relativa a danos morais, o Tribunal não é chamado a pronunciar-se a esse respeito” – Acórdão do TEDH de 27-07-2021.↩︎

12. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

13. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 9.ª edição, p. 342.↩︎

14. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2014-01-14, Relator: FONSECA RAMOS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

15. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-07-14, Relator: JORGE DIAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

16. Um raciocínio análogo foi, de resto, efetuado pelos acórdãos do STJ de 14-07-2020 (relatado por Jorge Dias) e de 14-07-2021 (relatado por Ilídio Sacarrão Martins), que entenderam que “as alterações da Lei n.º 117/2019 ao regime do recurso de revisão se aplicam aos processos entrados (como recurso de revisão) após o início da vigência da lei, 01-01-2020, desde que verificados os demais requisitos, nomeadamente o do cumprimento do prazo de caducidade enunciado no art. 697.º, n.º 2, al. b), do CPC.”↩︎

17. No que concerne aos prazos de interposição, que são contados segundo as regras do CPC, há que ponderar, em primeiro lugar, que não podem exceder 5 anos depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, a não ser que o pedido de revisão respeite a direitos de personalidade – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 588.↩︎

18. Fundando-se em decisão de instância internacional ou em decisão suscetível de sustentar pedido de indemnização contra o Estado (als. f) e h)), o prazo conta-se a partir da data em que a decisão se tornou definitiva (al. f)) ou transitou em julgado (al. h)) –ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 588.↩︎

19. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-11-05; Processo: 338-A/2002.P1.S1, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

20. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo 1º, p. 157.↩︎

21. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 44.↩︎

22. A honra constitui uma base para juízos éticos dos seus semelhantes, juízos esses que se repercutem na autoestima de cada um. No seu conjunto, tudo isto dá corpo à integridade moral, formalmente referida no art. 70º/1 – MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, 2004, p. 142.↩︎

23. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.↩︎

24. CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pp. 303/304.↩︎

25. Filipe Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Coimbra, Almedina, 2011, p. 108.↩︎

26. Excluindo dos direitos de personalidade a liberdade de expressão por envolver uma permissão genérica, não específica, de aproveitamento de um bem, vide, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IV, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 2016.↩︎

27. Filipe Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Coimbra, Almedina, 2011, p. 108.↩︎

28. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 299.↩︎

29. CASO ALMEIDA AZEVEDO/PORTUGAL (Queixa 43924/02) Acórdão de 23 de janeiro de 2007.↩︎

30. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

31. CASO URBINO RODRIGUES/PORTUGAL (Queixa 75088/01) - Acórdão de 29 de novembro de 2005.↩︎

32. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) Acórdão de 21 junho de 2016.↩︎

33. A propósito do entendimento assumido pelo THDH, negando, à partida, que um outro bem ou interesse goze de um peso superior ao da liberdade de expressão, são graves, porque levam a que Portugal … seja dos países pertencentes ao Conselho Europeu que revela possuir um dos padrões mais baixos de tutela jurisdicional das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, na medida em que o Estado Português foi condenado nas oito das dez queixas apresentadas nessa matéria junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outras palavras, os tribunais portugueses não têm feito prevalecer, como deviam, os interesses da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa sobre os bens e interesses a que dão primazia (habitualmente, a honra, o bom nome ou a vida privada). Justamente condenado, por desconhecer a importância da liberdade de expressão, resultando esse padrão tanto da jurisprudência ordinária como da jurisprudência constitucional – JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 857, citando Francisco Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pp. 39/84.↩︎

34. O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-04-23, Relator: RODRIGUES DA COSTA, http:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎

35. A liberdade de opinião goza de uma proteção quase absoluta, no sentido de serem inaplicáveis as possíveis restrições permitidas pelo § 2º do citado art.10º, por se revelarem incompatíveis com a sociedade democrática, sendo que tal proteção impede os Estados de discriminarem cidadãos com base nas suas opiniões, não podendo os mesmos sofrer consequências negativas em virtude delas – IOLANDA DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 65.↩︎

36. FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 30.↩︎

37. Filipe Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, 2011, p. 108.↩︎

38. Filipe Albuquerque Matos, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, 2011, p. 51, nota 60.↩︎

39. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 597.↩︎

40. Tal prazo deverá ser contado de acordo com o art. 138º/4 do CPCivil, suspendendo-se a sua contagem no decurso das férias judiciais – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-04-27, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

41. O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que permite a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente fixadas na lei – AMÂNDIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pp. 323/24.↩︎

42. JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 138.↩︎

43. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

44. CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) – acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.↩︎

45. CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.↩︎

46. CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.↩︎

47. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

48. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-11-15, Relator: OLIVEIRA MENDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

49. A reabertura ou reexame do processo interno, mediante a interposição de um recurso extraordinário de revisão de sentença, como princípio da restauração natural e fonte primária da cessação da ilicitude, cumpre as exigências de uma adequada reparação da violação do direito, mas só se revela indispensável, perante a verificação de duas condições cumulativas, ou seja, a constatação pelo TEDH que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária aos princípios fundamentais da CEDH, ou violadora do «iter» procedimental e das respetivas garantias processuais, e cuja gravidade seja manifesta e, simultaneamente, que a parte lesada continue a sofrer, na sequência da decisão nacional, consequências negativas, particularmente, graves, que não possam ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH, mas que, apenas, sejam suscetíveis de ser alteradas com o reexame ou a reabertura do processo, isto é, mediante a «restitutio in integrum» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

50. CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) – acórdão de julho de 2001, n.º 51.↩︎

51. CASO COLAÇO MESTRE, citado, n.º 24.↩︎

52. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 373.↩︎

53. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 373/378.↩︎

54. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 424.↩︎

55. MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 34.↩︎

56. JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 1130.↩︎

57. IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6ª edição, p. 483.↩︎

58. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

59. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

60. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-07-04, Relator: HÉLDER ROQUE, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

61. LEBRE DE FREITAS – RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª edição, p. 229.↩︎

62. IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6ª edição, p. 470.↩︎

63. O TEDH declara a existência de uma violação da Convenção o que tem por consequência que a sentença por si proferida assuma, em princípio, uma dimensão declarativa, ou seja, a tarefa do Tribunal será, por natureza, a de averiguar, e declarar, uma violação que já existe, pondo fim a uma situação de incerteza na ordem jurídica. Daqui decorre a conclusão de que as suas sentenças não são constitutivas do direito pois que não acrescentam nada de novo ao ordenamento jurídico, limitando-se ao reconhecimento judicial de um facto jurídico, com a auctoritas que assume o acórdão. Na verdade, o Tribunal não anula atos jurídicos de direito interno, não modifica ou revoga normas jurídicas internas, não funciona como instância de cassação das decisões dos tribunais internos dos Estados – JOSÉ SANTOS CABRAL, A relação entre as decisões dos tribunais internacionais.↩︎

64. IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6ª edição, p. 470.↩︎

65. IRENEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6ª edição, p. 487.↩︎

66. Considerou, neste particular, o acórdão do STJ em exame: “Para além da esclarecedora circunstância de a reportagem que conteve os factos ilícitos que o A invoca, ter sido, no todo ou em parte, apresentada pela SIC e SIC Noticias como Investigação SIC/E... (v. nomeadamente o ponto N dos factos provados), não se pode (e isto sem qualquer preocupação de análise exaustiva à factualidade provada) deixar de chamar a atenção para o que consta dos factos provados nos pontos AH, AD, BK (a SIC e a SIC Noticias assumiram que a fonte de informação era delas próprias), BV e sobretudo CD e CE onde expressamente se dá por provado que "repórteres da SIC e da SIC Noticias sabiam ser falso que o A estivesse envolvido no processo em questão, que fosse ali arguido ou que tivesse sido inquirido, dado que no dia e na noite em que decorreram os interrogatórios dos arguidos no processo (8 de...) mantiveram-se presentes nas imediações do Tribunal Judicial de ..., pelo menos 2 jornalistas, sendo o 3º R um deles". Perante estes factos provados, e todo o conjunto de outros que indesmentivelmente apontam no mesmo sentido, dúvidas não restam que o direito à honra, o direito ao bom-nome do A foi posto em causa pela conduta (ilícita) dos repórteres da R recorrente (nomeadamente do 3ºR) que sem referirem o nome, mas dando um conjunto de características que permitiram identificar o Autor lhe imputaram, nas reportagens por eles elaboradas e transmitidas pela estação nos dias 6 e 7 de ..., factos que são objetivamente gravemente ofensivos dos seus fundamentais.” O acórdão a rever divergiu do julgamento efetuado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em dois pontos: i) o montante da compensação atribuída a título de danos não patrimoniais; ii) a existência de um nexo de causalidade adequada entre os factos ilícitos e a diminuição de rendimentos do autor, sobretudo após a demissão (a seu pedido) do cargo de Secretário Regional.

No que se refere ao primeiro ponto, a indemnização atribuída pelo Tribunal de 2.ª instância, no valor de €10 000,00, foi elevada pelo STJ para €50 000,00, com base na seguinte linha de raciocínio: “Posto isto, e ponderadas todas as circunstancias relevantes que nos são fornecidas pelos factos provados, circunstâncias que indiscutivelmente que apontam para uma ofensa grave dos direitos fundamentais à honra e bom nome do A , uma ofensa que naturalmente provocou sofrimento tanto a ele como aos seus familiares mais diretos (v. os pontos DZ a EE dos factos provados), dentro dos critérios enunciados e ponderados os montantes que para situações similares, ainda que menos graves, veem sendo atribuídos pela nossa jurisprudência mais recente (v. acórdãos deste STJ de 18/6/2009, relator Alberto Sobrinho, de 25/3/2010, relatora Maria dos Prazeres Beleza, 14/5/2002, relator Ferreira Ramos, que contemplam situações menos graves), julga-se adequado fixar a indemnização devida por danos não patrimoniais sofridos pelo A em € 50 000,00, assim se concedendo, neste segmento e parcialmente a revista ao recurso do recorrente AA”. Já no que concerne aos danos patrimoniais, foi afirmada pelo acórdão revidendo a existência de um nexo de causalidade adequada entre a perda de rendimentos sofrida pelo autor e os factos ilícitos sob escrutínio, num prejuízo que foi computado em €65 758,00, repristinando-se o decidido pelo Tribunal de Primeira Instância.↩︎

67. O recurso extraordinário de revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reação contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-03-12, Relator: SIMA SANTOS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

68. O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento da causa – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-09-15, Relator: NUNO GONÇALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

69. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 669.↩︎

70. A marcha do recurso de revisão consta dos arts. 773º e segs.. Normalmente esta marcha reparte-se por duas fases: a fase rescindente e a fase rescisória. A primeira destina-se a apreciar o fundamento do recurso, mantendo-se ou revogando-se a decisão contestada; a segunda propõe-se conseguir a decisão que deve substituir-se à recorrida – AMÂNDIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 353.↩︎

71. A formulação do juízo rescindente liminar realiza-se sob duas vertentes: na primeira, com sentido formal, cuida-se de saber da correta instrução do recurso; na segunda, com carácter tendencialmente substantivo – sem prejuízo da consideração adjetiva quanto aos pressupostos, como a legitimidade e o interesse em agir – indaga-se se ocorre, ou não, manifesta inviabilidade, isto é, se é de reconhecer de imediato que não há motivo para revisão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-02-04, Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

72. LEBRE DE FREITAS – RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, arts. 676º a 943º, p. 203.↩︎

73. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

74. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎