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Jurisprudência
Sumário

I. Nos termos da al. f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando seja declarada, pelo Tribunal Constitucional («TC»), a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.

II. Em interpretação conforme à Constituição (n.º 3 do artigo 282.º) só poderá ocorrer revisão com este fundamento, no pressuposto de que tal norma tem natureza penal de conteúdo menos favorável ao arguido, quando o TC proferir decisão em contrário à ressalva do caso julgado constitucionalmente imposta; não havendo decisão em contrário, ficam intocados todos os casos julgados que tenham aplicado a norma declarada inconstitucional.

III. As normas da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que o TC declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, no acórdão n.º 268/2022, relacionam-se com a conservação, pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações de dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves, tal como definidos no direito nacional, pelas autoridades nacionais competentes.

IV. Os dados tratados e armazenados são dados que respeitam a comunicações, nos seus vários modos de realização, iniciando-se cada registo com o estabelecimento da comunicação e terminando com o seu fim; excluem-se dados que, podendo ser idênticos, não foram tratados com respeito a comunicações efetuadas (por exemplo, dados relativos à identificação de assinantes obtidos e tratados no âmbito da relação contratual com o fornecedor de serviços).

V. A Lei n.º 32/2008 transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, de 15 de março, que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, de 12 de junho, adotada com base no artigo 95.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (que dizia respeito ao funcionamento do mercado interno, antigo 1.º pilar da União), que teve como principal objetivo harmonizar as disposições dos Estados-Membros relativas às obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações assegurarem a conservação desses dados, em derrogação aos artigos 5.º, 6.º e 9.º da Diretiva 2002/58/CE, que transpôs os princípios estabelecidos na Diretiva 95/46/CE (transposta para o direito interno pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, substituída pelo RGPD) para regras específicas do sector das comunicações eletrónicas.

VI. O n.º 1 do artigo 15.º º da Diretiva 2002/58/CE, transposta para o direito interno pela Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, que se mantém em vigor, prevê que, com aquela finalidade, os Estados-membros possam adotar medidas legislativas e enumera as condições de restrição da confidencialidade e de proibição do armazenamento de dados de tráfego e de localização (metadados), mas não é aplicável às atividades do Estado em matéria penal, que constituía domínio de cooperação intergovernamental (anterior 3.º pilar da União).

VII. Há que distinguir entre operações de conservação de dados, regulada por normas de “direito comunitário” (anterior 1.º pilar) e operações de acesso aos dados, regulada por normas processuais penais nacionais e do anterior 3.º pilar da União (distinção que deve manter-se após o Tratado de Lisboa, com a abolição da “pilarização” de Maastricht), que constituem operações de tratamento de dados pessoais diferentes e, enquanto tal, ingerências distintas e autónomas em direito fundamentais – no caso, o direito de reserva da vida privada, incluindo o direito à proteção de dados pessoais, que, salvaguardados os princípios, admitem restrições necessárias à proteção de outros direitos, em particular do direito à liberdade e segurança.

VIII. Cabe ao direito nacional determinar as condições em que os prestadores de serviços devem conceder às autoridades nacionais competentes o acesso aos dados de que dispõem, no âmbito do processo penal, para investigação e perseguição da criminalidade grave, com respeito pelos princípios e regras essenciais do processo penal, nomeadamente pelos princípios da proporcionalidade, do controlo prévio de um órgão jurisdicional, do contraditório e do processo equitativo (cfr. acórdãos TJUE de 21.12.2016, Tele2 Sverige AB, proc. C‑203/15; de 6.10.2020, La Quadrature du Net e o., proc. C-511/18, C-512/18 e C-520/18;  de 2.3.2021, H. K. e Prokuratuur, proc. C-746/18; e de 5.4.2022, G. D. e Commissioner of An Garda Síochána e o., proc. C-140/20).

IX. O acesso a dados pessoais, pelas autoridades competentes, enquanto operação de tratamento de dados, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais, que respeita estas regras e princípios, rege-se atualmente pela Diretiva (UE) 2016/680, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes, no âmbito das investigações e dos processos penais, transposta para o direito interno pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto.

X. Sendo a conservação dos dados para efeitos de investigação criminal, relativamente a crimes graves, tal como definidos pela lei nacional, admitida pelo artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58/CE (e na Lei 41/2004, que a transpõe), a Diretiva 2006/24/CE visou, face às grandes divergências de leis nacionais que criavam sérias dificuldades práticas e de funcionamento do mercado interno, estabelecer normas de harmonização, no espaço da União Europeia, de conservação de dados de tráfego e dados de localização, bem como dados conexos – que são normas que determinam a finalidade de tratamento dos dados (respeito pelo princípio da finalidade, um dos princípios que, a par dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade, presidem ao tratamento de dados pessoais) – mas não regulou, nem podia regular, a atividade das autoridades públicas (órgãos de polícia criminal e autoridades judiciárias – Ministério Público, juízes e tribunais) com competência para assegurar a realização daquela finalidade, através do processo penal.

XI. Situando-se numa dimensão diversa, a Lei n.º 32/2008 não revogou nem estabeleceu normas de natureza penal ou processual penal, de que as autoridades judiciárias se devam socorrer para acesso e aquisição da prova ou para assegurar a sua validade no processo; tais atividades dispõem de regime próprio definido pelas leis penais e processuais penais nacionais e, no que se refere aos domínios de competência da União Europeia (UE) no espaço de liberdade, segurança e justiça – que constitui competência repartida entre a UE e os Estados-Membros (artigo 5.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE) –, pelo artigo 82.º do TFUE e pela Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, transposta pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto.

XII. A obtenção, no processo penal, de dados em posse de fornecedores de serviços de comunicações é regulada por outras disposições legais: pelos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do CPP e pela Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, de 24 de fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa (Budapeste, 2001), ratificada por Portugal.

XIII. O Tribunal Constitucional não declarou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nos termos do acórdão n.º 268/2022 se estendem ao caso julgado, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º da Constituição, pelo que esta declaração de inconstitucionalidade não constitui fundamento de revisão de sentença previsto alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

XIV. A declaração de invalidade da Diretiva n.º 2006/24/CE pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por acórdão de 08.04.2014, em pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.º do TFUE (nos processos apensos Digital Rights Ireland Ltd (C‑293/12) e Kärntner Landesregierung (C‑594/12), anterior ao acórdão em que o recorrente foi condenado, não constitui fundamento de revisão da sentença a que se refere a al. g) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, segundo o qual a revisão é admissível quando “uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.

XV. Para além de a lei exigir que a sentença seja posterior à condenação, a sentença do TJUE não constitui, “uma sentença vinculativa” do Estado Português, na aceção deste preceito, o qual foi pensado para as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (tendo presente o n.º 1 do artigo 46.º da CEDH).

XVI. Uma sentença do TJUE que, em recurso prejudicial, declara, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, uma diretiva inválida apenas se dirige diretamente ao órgão jurisdicional que colocou a questão ao TJUE; o facto de a decisão do TJUE constituir razão suficiente para qualquer outro órgão jurisdicional considerar tal ato inválido, em resultado da obrigação geral de garantir o primado do direito da União, abstendo-se de praticar atos contrários que prejudiquem a sua efetividade (neste sentido se podendo falar de uma eficácia erga omnes – cfr. o acórdão TJUE C-66/80, de 13.5.1981), não lhe confere o estatuto de sujeito processual destinatário daquela decisão, de modo a que se deva considerar como uma sentença vinculativa fundamento da revisão.

XVII. Assim, não havendo fundamento, é negada a revisão da sentença condenatória.

Decisão Texto Integral

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 28 de junho de 2021, do Juízo Central Criminal de ... – Juiz 4, confirmado pelo acórdão da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 2021, transitado em julgado em 19.01.2022, que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º n.º 1 e 24.º al. j) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22/1, na pena de oito anos de prisão.

2. Fundando o recurso nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal («CPP») e 29º nº 6 da Constituição, por referência ao Acórdão do Tribunal Constitucional («TC») n.º 268/2022, de 19.4.2022, e à invalidade da Diretiva 2006/24/CE declarada no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE»), de 8.4.2014, Digital Rights Ireland Ltd e outros, C-293/12 e C-594/12, conclui a motivação dizendo (transcrição):

«I – Vem o Recorrente AA, ao abrigo do disposto no Art.º 449.º n.º 1 als. e), f) e g) do CPP, peticionar a REVISÃO DE SENTENÇA do Douto Acórdão proferido nestes Autos em 28 de Junho de 2021, posteriormente confirmado na íntegra pelo Douto Acórdão da Relação de Lisboa – ... Secção, em 14 de Dezembro de 2021, já transitado, que o condenou na pena de oito anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artºs 21º nº 4 e 24º alª j) do DL 15/93 de 22/1.

II – O Douto Acórdão ora recorrido menciona conversas telefónicas entre o Recorrente AA e os co-arguidos BB e CC e outros não intervenientes no processo, nos Factos Provados nºs 55, 56, 62, 81, 82, 150, 156, 163, 164, 186, 206, 207, 209, 211, 212, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 229 e 230, e reconhece na sua “II.3 Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto” que para formar a sua convicção “foram relevantes os seguintes meios de prova”:

“Apenso IV (Transcrições de intercepções telefónicas do alvo .......80 associado ao arguido AA);

“Apenso VI (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo .......40 associado ao arguido AA);

Apenso VII (Transcrições de intercepções telefónicas do alvo ......40 associado ao arguido AA”.

III – A relevância dessas Intercepções telefónicas resulta igualmente do Relatório da PJ de fls. 5064 a 5122 (18º Vol. dos Autos), dado que no início do processo nem se falava do Arguido, mas apenas de um grupo de guineenses que se dedicaria ao tráfico de cocaína do Brasil para Portugal (Informação PJ de 8/5/2017 – fols.2 do 1º Vol.), e só bastante mais tarde o seu telefone .......16, operado pela MEO, passa também ele a ser alvo de escutas, como se pode verificar pelo Auto Intercalar de Interceção e Gravação de Conversações ou Comunicações de Fls. 3834 a 3843 – Vol.15 dos Autos.

IV – Para se aferir do nexo de causalidade entre essas interceções e a prisão do Recorrente basta verificar que a última interceção feita ao telefone do Arguido AA é registada às 10.45h do dia 23/2/2020 (Fls. 40 do Apenso VII), e na sequência do seguimento que lhe é feito é detido às 12.30h do mesmo dia (Factos Provados nºs 214 a 236).

V – Detenção que só foi possível devido aos metadados fornecidos pela operadora MEO. Isto é, a análise dos dados obtidos a partir dos ficheiros arquivados naquela operadora constituem metadados ou dados de dados oriundos de um IP, que fornecidos à PJ foram de per si a base essencial da investigação, Acusação e condenação, mediante a localização e seguimento do referido telemóvel. Dados tão mais importantes quanto o Arguido nunca confessou os factos, nem prestou declarações na audiência de Julgamento, pelo que esses dados nunca foram “confirmados” ou “validados” por outro meio de prova.

VI – O acesso a esses dados, como é sabido, é feito ao abrigo da Lei nº 32/2008 de 17 de Julho. Acontece que, na sequência de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 8.04.2014, que declarou a invalidade da Diretiva 2006/24/CE, veio o Tribunal Constitucional, por Acórdão 268/2022 de 19.04.2022, decidir:

“a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4º da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, conjugada com o artigo 6º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 26º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9º da Lei nº 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no nº 1 do artigo 35º e do nº 1 do artigo 20º, em conjugação com o nº 2 do artigo 18º, todos da Constituição”.

VII – Face a este novo quadro legal, a que Portugal está adstrito (artº 8º nºs 3 e 4 da Constituição) forçoso é concluir que os meios de prova utilizados para condenar o Recorrente são proibidos por lei (artº 126º nº 3 do CPP). Como decidiu o STJ em Acórdão de 14.7.2010, “as proibições de prova dão lugar a provas nulas – artº 32º nº 8 da CRP. A lei proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade…”.

VIII – Sobre as consequências dessas proibições, refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (“Comentário do Código de Processo Penal”, Ed.UCE, Fls. 338): “A prova proibida contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova (artigo 122º nº1 do CPP, lido à luz da jurisprudência do acórdão do TC nº 198/2004). É inválida toda a prova subsequente que esteja lógica e valorativamente dependente de uma prova antecedente também ela inválida. O apuramento do efeito à distância (Fernwirkung) da proibição de prova ou, dito de outro modo, dos “frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisonus tree) há-de, pois, resultar de uma necessária ponderação do nexo que liga a prova proibida e a prova mediata dela resultante”. No caso presente, resulta evidente esse nexo entre a prova proibida (obtenção dos referidos metadados, que permitiram a localização e identificação dos suspeitos e a interceção das suas comunicações) e os actos subsequentes da investigação, que conduziu à acusação e condenação dos mesmos.

IX – Quer a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 8.04.2014, quer o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 de 19.42022, são inconciliáveis com esta condenação, e põem gravemente em causa a sua justiça, por inobservância de um processo justo e equitativo.

ESTANDO ASSIM REUNIDOS OS PRESSUPOSTOS DO ART.º 449.º N.º 1 ALS. e), f) e g) DO CPP, DEVE SER CONCEDIDA A REVISÃO E DECRETADA A LIBERTAÇÃO IMEDIATA DO ARGUIDO, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA !!!

Meios de prova:

- Apensos IV, VI e VII dos Autos; Informação PJ de Fls.2 – 1º Vol; Relatório PJ de Fls. 5064 a 5122.»

3. Respondeu o Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, dizendo, em conclusões, no sentido da improcedência do recurso (transcrição):

«1. A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, verificadas no âmbito dos presentes autos, foram autorizadas, durante o inquérito, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, ao abrigo e em respeito pelo disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º do Código de Processo Penal.

2. A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações foram ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, ao abrigo e em respeito pelo disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º do Código de Processo Penal.

3. A declaração de inconstitucionalidade resultante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 03 de junho de 2022, não afeta a prova obtida ao abrigo e em respeito pelo disposto nos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal.

4. A prova obtida através de escutas telefónicas, ou de dados e registos obtidos e juntos aos autos, ao abrigo e em respeito pelo disposto nos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal, é absolutamente válida.

5. A declaração de inconstitucionalidade resultante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 03 de junho de 2022 não constitui fundamento de revisão de sentença previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.»

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, com sólida fundamentação na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, consigna a Senhora Juíza do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição):

«(…)

Dado que não se impõe realizar mais quaisquer diligências, cumpre emitir informação sobre o mérito do pedido, nos termos do art. 454.º do CPP.

O arguido foi condenado na pena de oito anos de prisão, por acórdão proferido em 28/6/2021, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 14/12/2021, transitado em 19/1/2022, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. no artigo 24.º, al. j) e 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1.

O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, com consagração constitucional no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, constitui um meio processual vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça, fazendo prevalecer o princípio da justiça material sobre a segurança do direito e a força do caso julgado. Estes princípios essenciais do Estado de Direito cedem perante novos factos ou a verificação da existência de erros fundamentais de julgamento adequados a porem em causa a justiça da decisão.

Atendendo ao caracter excepcional que qualquer alteração do caso julgado pressupõe, o Código de Processo Penal prevê, de forma taxativa, nas alíneas a) a g) do artigo 449.º, as situações que podem, justificadamente, permitir a revisão da sentença penal transitada em julgado.

Dispõe o art. 449.º do Código de Processo Penal que:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

Vem o arguido interpor recurso de revisão ao abrigo das als. f) e g) do art. 449.º do Código de Processo Penal, o que pressupõe uma declaração pelo Tribunal Constitucional, com forca obrigatória geral, de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que haja servido de fundamento a condenação e uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.

Dada a invocação da al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP importa também chamar à colação o art. 282.º da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe que:

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.”

O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 é datado de 19-04-2022, e foi publicado em Diário da República n.º 108, 1.ª Serie, em 03-06-2022 e foi ali decidido:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

Constata-se assim que o acórdão do Tribunal Constitucional foi proferido depois de terem sido julgados os factos e proferida a condenação nestes autos, com trânsito em julgado, quer pelo Tribunal da 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que a condenação do arguido transitou em julgado em 19/1/2022.

No acórdão do Tribunal Constitucional não foi tomada decisão nos termos do art. 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual se entende que se encontram ressalvados os casos julgados.

Isto é, é nosso entendimento que a al. f) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP deve ser sujeita a uma interpretação conforme ao artigo 282.º, n.º 3, parte final, da CRP, no sentido de só constituir fundamento de revisão a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral relativamente aos casos julgados determinados pelo Tribunal Constitucional (Sic Acórdão do STJ de 06-09-2022, proferido no Proc. n.º 4243/17.0T9PRT-K.S1, disponível em www.dgsi.pt.).

Assim sendo, é nosso entendimento que não é aplicável aos presentes autos, o fundamento de revisão previsto na al. f) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Conforme consta, entre outros, do Acórdão do STJ de 30-11-2022, proferido no Proc n.º 71/11.4JABRG-G.S1, disponível em www.dsgi.pt “(…), uma vez que não houve decisão em contrário do TC, nos termos do art. 282.º, n.º 2, 2.ª parte, deve manter-se incólume o caso julgado. Não havendo, assim, lugar à aplicação da al. f) do nº 1 do art. 449.º do CPP. Cf., v.g., Acórdão deste STJ proferido no Proc. n.º 79/13.5JBLSB-C.S1; Acórdão deste STJ, de 06-09-2022.”

Sempre se dirá que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 chamado à colação pelo recorrente incide apenas sobre algumas normas da Lei nº 32/2008 de 17 de Julho que se referem ao acesso a dados conservados pelas operadoras por conversações e/ou comunicações telefónicas pretéritas, sendo tais normas e apenas estas que foram declaradas inconstitucionais.

Sobre os dados relativos a conversações e/ou comunicações telefónicas em tempo real versam os artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal e o Acórdão do Tribunal Constitucional em questão não se pronunciou sobre tais normativos e não questionou a sua vigência e constitucionalidade.

No âmbito das intercepções telefónicas, incluindo a localização celular dos aparelhos aquando das mesmas, o registo trace-back e a respectiva facturação detalhada, estamos perante recolha de prova em tempo real e para o futuro e não qualquer tipo de dado que esteja já armazenado e preservado.

Ora, há que distinguir naturalmente a prova decorrente de dados de tráfego conservados em sistemas informáticos e a que se refere a Lei n.º 32/2008 de 17 de Julho, da prova resultante de dados de tráfego interceptados e conhecidos em tempo real a que é aplicável o regime das intercepções telefónicas - artigo 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Veja-se claramente neste sentido, o Acórdão do STJ de 06-09-2022, Proc. n.º 618/16.0SMPRT-B.S1 - 3.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt “[…] VI. Os arts.187 a 189, do CPP, regulam o recurso aos dados relativos a conversações ou comunicações telefónicas em tempo real, enquanto o acesso aos dados conservados pelas operadoras por conversações ou comunicações telefónicas passadas é regulado pela Lei nº32/2008, de 17 Julho; o nº1, do art.187 citado, delimita o objecto dessa regulação como “a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas”, o que representa comunicações a ocorrer, conversações ou comunicações telefónicas em tempo real. Já se o que interessa processualmente são comunicações passadas, localizadas no tempo e no espaço, chama-se à colação a Lei nº32/2008, de 17 de Julho, VII. São, pois, dois meios de prova diferentes, um as escutas telefónicas, outro a conservação e transmissão dos dados. O primeiro regulado nos arts 187 a 190 do CPP. O segundo previsto nos artigos 4º, 6º e 9º da L. 32/2008, agora declarados inconstitucionais nos termos do acórdão nº 268 do Tribunal Constitucional.”

Os dados recolhidos nos autos a que alude o recorrente e que também constam como fundamento da condenação, mormente várias sessões de intercepções telefónicas daqueles alvos decorrem da aplicação do regime previsto no artigo 187.º a 190.º e 269.º n.º 1 als. e) e f) do Código de Processo Penal e sobre o mesmo não versa o citado Acórdão.

As transcrições das comunicações interceptadas foram judicialmente autorizadas nos autos conforme decorre dos respectivos despachos e não se tratam de elementos de prova subsumíveis ao citado Acórdão do Tribunal Constitucional.

Ao contrário do invocado pelo arguido, ora recorrente, os dados recolhidos (intercepções telefónicas) e que o mesmo refere que devem ser declarados nulos, e que juntamente com demais prova sustentam os factos do acórdão condenatório, resultam de despachos judiciais dados ao abrigo dos artigos 187º, n.º 1, al. a), a 189.º, n.ºs 1 e 2 e 269.º n.º 1 als. e) e f) todos do Código de Processo Penal e não decorrem da aplicação da Lei n.º 32/2008 de 17 de Julho que aliás nem citam para fundamentar tais despachos, pois, o que se pretendia era a recolha de dados de conteúdo em tempo real e para o futuro e não aproveitar dados já armazenados.

Não existe qualquer vício na prova que fundamenta a condenação, designadamente nas intercepções telefónicas invocadas, porém também cumpre salientar que a prova sindicada no recurso de modo algum é a única valorada pelo Tribunal ou sequer a decisiva, mas sim uma variedade de prova produzida que, conjugada entre si, permitiu chegar ao juízo de condenação.

Por outro lado, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia de 8/4/20142 apenas concluiu que a Directiva 2006/24 é inválida, sendo certo que tal Directiva se debruça sobre dados conservados e não já sobre intercepções telefónicas em tempo real, conforme supra explanado.

Desta feita, entendemos que toda a prova que fundamenta a condenação do ora recorrente é valida, com coberturas legal e constitucional, ou seja, não padece de qualquer vício e consequentemente inexiste qualquer fundamento para a revisão do acórdão condenatório.

Por tudo o que atrás se expos, é nosso entendimento que deverá ser negada a revisão.»

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, também com sólida e atualizada fundamentação na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, emitido parecer, igualmente no sentido da denegação da revisão (transcrição):

«(…)

Atento o referido, quer pelo MP, quer pelo senhor juiz, pouco a acrescentar no sentido de que o recurso de revisão interposto pelo arguido não deverá ser admitido.

Na verdade, tal como o recorrente refere, a sua oposição cinge se ao facto de a prova contra si reunida ter tido por base as provas obtidas por interceção telefónica e localização de dados , dando até como exemplo o facto de, logo em seguida a ter sido escutado e localizado, acabar por ter sido detido pela Polícia Judiciária.

Ora, a Lei nº 32/2008, de 17 de julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, define o seu objeto no artº. 1.º, estabelecendo, no seu n.º 1, que regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas, tem por objeto a conservação e transmissão dados d e tráfego e de localização e ainda, de dados conexos necessários à identificação de assinantes e usuários registados, para fins de investigação e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, mas apenas quanto aos metadados conservados ou, preferindo se, armazenados, respeitantes a comunicações, efetivas ou tentadas, já ocorridas.

Ou seja, estão fora do seu âmbito de aplicação os dados de conteúdo de conversações e comunicações telefónicas em tempo real, portanto, as interceções telefónicas, bem como os dados de tráfego e de localização em tempo real, inerentes à efetivação deste meio de obtenção de prova, cuja regulamentação se encontra prevista nos arts. 187º a 189º do CPP.

Neste sentido o entendimento unânime da jurisprudência, nomeadamente deste STJ (a título de exemplo, os acórdãos de 06.09.2022 proferidos nos processos 618/16.0SMPRT B.S1 e 4243/17.0T9PRT K.S1, relatados pelos Conselheiros Ernesto Vaz Pereira e Teresa de Almeida, respetivamente). Veja se o referido neste último acórdão, quando ali se refere que não se podem confundir «a disponibilidade, no momento do início da interceção, de um número de telefone ou de uma IMEI (International Mobile Equipment Identity ou Identificação Internacional de Equipamento Móvel), não no contexto de comunicações pretéritas, mas destinada à interceção, em tempo real e no futuro, com o fornecimento de dados armazenados pelos operadores, ao abrigo, com o fim e o âmbito da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho».

Sucede que, como se viu, as interceções telefónicas onde foi «apanhado» o ora recorrente foram autorizadas com base nas normas atrás citadas do Código de Processo Penal, não tendo havido recurso à Lei nº 32/2008, de 17 de julho, muito menos às normas que o Tribunal Constitucional veio a declarar inconstitucionais.

Logo por aqui se terá de concluir pela improcedência do pedido.

Mas, mesmo se assim não fosse e para além de, como resulta da decisão recorrida, não terem sido apenas os elementos obtidos através das interceções telefónicas a formar a convicção dos julgadores --, para além disto, há a lembrar que, mesmo a ter existido no caso recurso a ‘metadados’ através dos meios censurados pelo TC, isso nunca teria reflexo no caso concreto:

A declaração de inconstitucionalidade em causa não pode afetar decisões já transitadas em julgado, como é a que condenou o ora recorrente. Isto porque o art.º 282.º da Constituição da República Portuguesa, visando a salvaguarda do princípio da segurança jurídica, dispõe, para os casos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, que a mesma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado , mas ficando (nº 3) «ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido».

Sucede que o acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022, não excecionou a ressalva do caso julgado, pelo que mesmo a ser a matéria dos autos abrangida pela previsão da norma declarada inconstitucional não teria qualquer efeito.

Nesse sentido, unanimemente entenderam já os Acórdãos deste STJ proferidos nos processos atrás mencionados, bem como a título meramente exemplificativo os que o foram em 21.9.2022, no Processo 79/13.5JBLSB C.S1 [Relator Ernesto Vaz Pereira]), em 12.10.2022, no Processo 83/03.1TAOER.A.S1 [Relatora Teresa Féria], em 12.10.2022, no Processo 2909/18.6JAPRT.A.S1 [Relatora Ana Barata de Brito]; e em 10.11.2022, no Processo 35/15.9PESTB Z.S2 [Relatora Maria do Carmo Silva Dias]. E ainda o referido pelo MºPº no Tribunal recorrido o Acórdão de 13.0 4.2023, proferido pelo Exmo. Conselheiro Lopes da Mota, aqui relator, no processo 4778/11. 8 JFLSB B.S1.

Todos eles, com larga referência a doutrina a propósito da matéria, que nos dispensamos aqui de reproduzir, sem dúvidas chegaram à conclusão da não aplicação da declaração de inconstitucionalidade ora em causa a casos já transitados em julgado, como é o aqui tratado.

E daqui que terá de naufragar o pedido de revisão ora formulado, pois que só se se entendesse pela aplicação ao caso da doutrina emanada pelo TC se poderia e ainda assim, cumprindo verificar outros elementos (que não ocorrem, como atrás se viu) colocar a possibilidade de ser determinada a revisão, atentas as exigências desta figura (nomeadamente a existência de elementos que, em nome da Justiça, levassem a ultrapassar os princípios da segurança e certeza jurídica decorrentes do caso julgado).

Em conclusão:

No caso concreto em análise, não foi com recurso aos chamados metadados que se recolheu prova relativamente à atividade penalmente relevante levada a cabo pelo recorrente AA

Antes através de variados meios de prova, referi dos na fundamentação da decisão, apenas entre os quais se contavam interceções telefónicas;

As quais foram efetuadas mediante prévia autorização judicial, ao abrigo do disposto nas normas contidas no Código de Processo Penal;

Não havendo recurso às normas da Lei nº 32/2008, de 17 de julho;

Relevância alguma para o caso decorrendo da declaração de inconstitucionalidade contida no Acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional;

Sendo ainda que, se tivesse existido o recurso às normas em questão, mesmo assim seria inconsequente o pedido, por a declaração de inconstitucionalidade invocada pelo recorrente não ter efeitos retroativos, em nada beliscando a decisão transitada em julgado que determinou a sua condenação.

Pelo que deverá, de acordo com o disposto no art.º 455.º, n.º 3, do CPP, ser negada a revisão pedida pelo arguido AA.»

6. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

7. Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos foi o processo remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

8. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos, com base na motivação que se segue.

8.1. Factos provados

«1. Desde Agosto de 2017, pelo menos, o arguido BB dedicou-se ao tráfico de estupefacientes, nomeadamente cocaína, mas também de outras substâncias psicotrópicas, mormente heroína, actividade que exerceu, pelo menos a partir de Março de 2018, integrado em grupo.

(…)

3. O “modus operandi” do arguido BB passou pela angariação de “correios de droga” enviados para o Brasil, para receberem e transportarem, no interior do organismo, produto estupefaciente em embalagens cilíndricas, vulgarmente designadas por “bolotas”, tendo essas substâncias como destino diversos países da Europa, nomeadamente Espanha e Suíça, e o Reino Unido.

(…)

5. Algum desse produto estupefaciente teve como destino o mercado nacional, sendo vendido e distribuído na região de Lisboa.

(…)

46. A partir de Março de 2018, o arguido AA passou a colaborar com o arguido BB na actividade de tráfico de estupefacientes.

47. O arguido AA agia sob as ordens e orientações que lhe eram emanadas pelo arguido BB, na prossecução da descrita actividade de tráfico de estupefacientes.

(…)

55 e 56. Em 13 de Junho de 2018, após ter viajado para Hamburgo, o arguido BB conversou com o indivíduo que utiliza o número .......14 e com o arguido AA, tendo este transmitido ao primeiro “ainda não fizemos o coiso ... porque disse-lhe que costuma fazer por trinta e três”. Nessa conversa, o arguido AA confrontou o arguido BB com a circunstância de este ter dito ao indivíduo que “são trinta e cinco”. Nessa conversa, o arguido BB, após confrontado pelo indivíduo que utiliza o número .......14, com o preço que lhe transmitira, “que era a trinta e cinco”, decidiu “se der.

(…)

62. A partir de finais de Junho de 2018, os arguidos BB e AA intensificaram os contactos entre si não só pessoalmente, como também por telefone.

63. Pelo menos entre os meses de Agosto e Dezembro de 2018, o arguido AA esteve a residir na Rua ..., n.° 10, ...°, ..., em ..., sendo, naquelas imediações avistados os diversos carros, à data, associados não só ao referido arguido como ao seu agregado familiar.

64. No dia 23 de Agosto de 2018, o arguido BB encontrou-se com o arguido AA, na residência deste.

65. Nos dias 27 de Agosto de 2018, 13 e 26 de Setembro de 2018, os arguidos BB e AA encontraram-se estabelecimento “Padaria ...”, sito na Rua ..., no ....

(…)

68. No dia 13 de Setembro de 2018, às 18 horas e 41 minutos, o indivíduo que utiliza o número de telemóvel ..........89 pediu ao arguido BB para não cozinhar, afirmando “eu cozinho”, referindo-se ao corte de produto estupefaciente

(…)

72. No dia 18 de Outubro de 2018, os arguidos BB e AA voltaram a encontrar-se no exterior da referida “Padaria ...”, sita na Rua ....

73. Mais tarde naquele dia, o arguido AA foi almoçar com DD, no restaurante “Irmãs Raposo”, sito na Rua Associação ..., Lote C, ..., em ....

74. A partir de Outubro de 2018, a agência de viagens E...., explorada pelo arguido BB e utilizada, também, para a aquisição dos títulos de viagens visando o transporte de produtos estupefacientes da América do Sul para o território nacional e disseminação por outros países da Europa, passou a adquirir determinado tipo de viagens, não recorrendo a consolidadoras e operadoras.

(…)

77. No dia 7 de Novembro de 2018, já depois de se deslocar à zona de ..., mais concretamente à Quinta ..., para se encontrar com um indivíduo do sexo feminino cuja identidade não foi apurada, o arguido AA deslocou-se ao Centro Comercial ..., local onde laborava, à data, a agência E...., a fim de ali almoçar com o arguido BB.

(…)

79 e 80. No desenrolar daquele almoço, realizado no estabelecimento “D...... ........... . ....”, sito no rés-do-chão do acima referido centro comercial, os arguidos BB e AA mantiveram uma conversa no âmbito da qual aquele perguntou “foste lá”, tendo o segundo respondido afirmativamente e que uma mulher cuja identidade não foi apurada só tinha a perder se não baixasse o preço. Nessa conversa, o arguido BB disse ter tratado de “avião, estadia, transporte e tudo...”, concluindo “esse serviço foi bom, arranjei transporte”.

81. Na noite de 6 de Novembro de 2018, pelas 22 horas e 20 minutos, o arguido AA foi contactado pelo indivíduo utilizador do telemóvel com o número .......58 que lhe perguntou se, numa emergência, “aquele teu amigo não era capaz de trazer um assunto para nós, aí”, tendo aquele respondido que ia tentar.

82. Aos primeiros minutos de dia 7 de Novembro de 2018, o arguido AA voltou a conversar com o indivíduo utilizador do telemóvel com o número .......58 e, ainda, com um terceiro indivíduo não identificado que com este se encontrava, tendo o segundo descrito a mala na qual era transportado o produto estupefaciente.

83. Pelo arguido AA não foi prestada colaboração, no momento da chegada da mala, por entender que “não há hipótese” e por receio de expor os seus contactos no aeroporto e considerar amadora a forma como a situação foi tratada.

84. No dia 21 de Novembro de 2018, o arguido AA e EE viajaram do aeroporto de ..., em Madrid, com destino a ..., na Venezuela, no voo UX71, operado pela A.. ......, com passagens adquiridas na agência G......, sita na cidade do ....

85. O regresso, inicialmente marcado para o dia 28 daquele mês, acabou por ser antecipado, tendo arguido AA e EE viajado para Madrid, no voo UX88, operado pela companhia A.. ......, com origem em ..., na República Dominicana.

(…)

92. Durante a sua estadia em território nacional, FF foi acompanhado pelo arguido AA e pelo indivíduo EE, tendo sido estes que o recolheram no Aeroporto de Lisboa, no dia 18 de Dezembro de 2018, fazendo-se transportar no veículo da marca Ford, modelo Fiesta, com matrícula ..-VB-.., conduzida pelo arguido AA a qual, à data, era utilizada pelo arguido BB.

93. FF ficou alojado numa fracção autónoma não identificada do prédio sito no número 12 da Avenida ..., em ..., localizando-se prédio próximo da habitação do arguido AA.

94. No dia da sua partida, foi o arguido AA que procedeu ao seu transporte para o Aeroporto ....

96. Entre os dias 14 a 24 de Janeiro de 2019, o arguido AA e EE realizaram uma viagem à Colômbia, cujo itinerário consistiu em sair de ..., Espanha, para Cali, no voo AV ..15, seguindo de Cali para Medellín, no voo AV ..42, viajando, no dia 20 de Janeiro de 2019, no voo AV..51 de Medellín para Bogotá e regressando, daquela cidade, no voo AV ..10 tendo Madrid como destino.

97. Aquando da chegada a Madrid do arguido AA e de EE, à sua espera encontrava-se GG, cidadão venezuelano radicado em Madrid que havia estado em Portugal no ano anterior.

98. Estas viagens foram adquiridas, através da agência de viagens E...., propriedade do arguido BB, e o número de contacto associado à sua aquisição foi o que era por este habitualmente utilizado, a título pessoal.

99. Entre os dias 22 e 27 de Janeiro de 2019, o arguido BB esteve em Madrid.

100. Após o regresso dos arguidos BB e AA a território nacional, estes encontraram-se, pelo menos, no dia 29 de Janeiro de 2019.

101. No dia 19 de Fevereiro de 2019, o arguido AA manteve conversações telefónicas com dois indivíduos, utilizadores do número espanhol .... ... ... .02, tendo o primeiro se identificado com o nome “HH” e o segundo que contactava da parte do indivíduo “HH”, sendo o assunto abordado o negócio de produto estupefaciente, sendo que pelos dois indivíduos não identificados foi transmitido disporem de substâncias psicotrópicas, em Espanha e na Holanda.

102. No dia 20 de Março de 2019, o arguido AA encontrou-se com II, nas imediações da residência deste.

103. Por forma a escudarem-se ao controlo dos órgãos de polícia criminal, os arguidos BB e AA, bem como todos aqueles que os foram contactando no âmbito da actividade de tráfico de estupefacientes que vinham desenvolvendo, utilizaram não só aplicações de telemóvel para estabelecerem comunicações importantes entre si – sabendo que as mesmas, por serem encriptadas, não estavam sujeitas a intercepção – bem como telefones especialmente preparados para o efeito com o sistema operativo EncroChat.

104. Alguns contactos presenciais entre o arguido AA e EE foram realizados no interior dos veículos habitualmente por eles conduzidos, parqueados em locais – mormente no Bairro do ..., ..., em ..., local de residência deste último – que, pelas suas especificidades geográficas e socioeconómicas, bem sabiam obstar à actuação dos órgãos de polícia criminal, ou noutras zonas em que a presença de pessoas ou veículos que não costumam frequentar as imediações seria facilmente assinalada, como sucedeu no dia 20 de Março de 2019.

105. Os arguidos BB e AA continuaram a encontrar-se no estabelecimento “Padaria ...”, sito na Rua ..., em ....

106. No dia 3 de Abril de 2019, o arguido AA e EE deslocaram-se à cidade do ..., onde pernoitaram no Hotel Ibis ..., sito na Rua Dr...., daquela urbe, sendo a respectiva reserva efectuada por EE e paga em numerário.

107. O arguido AA e EE regressaram à cidade de Lisboa no dia 4 de Abril de 2019.

(…)

114. No dia 29 de Abril de 2019, o arguido BB tratou de vários assuntos com o indivíduo JJ, nomeadamente a possibilidade de aquele lhe pedir um empréstimo de vinte mil euros e sobre um episódio relacionado com tráfico de estupefacientes, entre um indivíduo identificado como “Tino” e o arguido AA.

115. Na actividade de tráfico de estupefacientes, exercida conjuntamente pelos arguidos BB e AA, o primeiro liderava e tomava as decisões, agindo o segundo em cumprimento das instruções dadas por aquele.

116. No grupo organizado para o exercício da actividade de tráfico de estupefacientes que integrava o arguido BB e o arguido AA, estes assumiam as posições referidas no ponto anterior.

117. Em momento posterior à conversa telefónica estabelecida em 29 de Abril de 2019, JJ, que se encontrava, à data, a residir no Reino Unido, deslocou-se a Portugal, tendo chegado, no dia 12 de Maio de 2019, ao Aeroporto Humberto Delgado, no voo TAP TP..57, proveniente do ..., em ...; e, quando da sua saída da estrutura aeroportuária lisboeta, por volta das 22 horas e 12 minutos, tinha, à sua espera, o arguido BB, ao volante do veículo Volkswagen Polo, matrícula ..-..-ZE.

118. Depois de ter entrado para o dito veículo, ambos abandonaram o local, tendo-se dirigido a dois terminais de multibanco de dependências bancárias do banco Santander Totta, por forma a ali realizarem movimentos bancários não concretamente apurados.

119. No período temporal em que se encontrou em Portugal, o indivíduo e o arguido BB mantiveram comunicações no sentido de concretizar o empréstimo acima referido.

(…)

121. Os arguidos BB e AA e o indivíduo identificado por “KK” encontraram-se, ao almoço do dia 31 de Maio de 2019, no estabelecimento comercial D...... ........... . .....

(…)

124. Os arguidos BB e AA mantiveram encontros pessoais com regularidade.

126. No dia 12 de Junho de 2019, o arguido AA e LL dirigiram-se, no veículo Citroen C2, habitualmente utilizado pelo primeiro, ao restaurante “C......”, sito na Rua do ..., n.º 176, ..., em ..., onde se encontraram com um terceiro indivíduo, não identificado.

127. Após terem estado os três reunidos, no interior do referido estabelecimento de restauração, entre as 13 horas, aproximadamente, e as 15 horas e 10 minutos, estiveram cerca de 20 minutos, a conversar junto do veículo utilizado pelo indivíduo não identificado, marca Renault Laguna, com matrícula ..-IQ-...

(…)

133 e 134: No dia 22 de Junho de 2019, o arguido AA recebeu produto estupefaciente cujo grau de pureza foi pelo mesmo indicado situar-se entre 94/95.

(…)

136, 137, 138, 139 e 142. Em data anterior a 3 de Julho de 2018, pelo arguido AA ou pelo arguido BB, com o conhecimento do outro, foi preparada a viagem de um indivíduo com o objectivo de efectuar transporte de produto estupefaciente, sendo o destino ..., transporte que veio a ser efectuado.

140. No dia 6 de Julho de 2019, o arguido BB diz ao indivíduo que utiliza o telefone nº .......79, “o que o colega fez, está em conta, só que não tem margem ...Separámos há bocado. Está a fazer muito barato”, concluindo o arguido que o preço “compensa”.

141. No dia 16 de Julho de 2019, o arguido BB disse ao indivíduo que utiliza o telefone nº .......79 que ele e o arguido AA tiveram que “tomar o carro” do indivíduo que efectuou o transporte de produto estupefaciente, para vendê-lo, para, dessa forma, “minimizar” o prejuízo que sofreram, considerando que por esse indivíduo foi transportado “trinta e cinco”, perspectivando obter, com a venda do veículo “nem uns bons sete mil”.

143. No dia 16 de Julho de 2019, o indivíduo que utiliza o telefone nº .......79 perguntou ao arguido BB qual o preço de uma peça, tendo este respondido “vinte e cinco...porque fizemos vinte e cinco e meio, para podermos conseguir quinhentos”.

144. No dia 7 de Julho de 2019, o arguido BB descolocou-se a ..., no voo FR..41 operado pela Ryanair.

(…)

146. Na tarde do dia 11 de Julho de 2019, os arguidos BB e AA, bem como EE, encontraram-se no Centro Comercial de ..., onde se deslocaram ao Piso 2, Loja 51, “A.. ............”, onde o primeiro esteve por aproximadamente 20 minutos, enquanto o segundo permaneceu no interior da loja durante 2 horas, encontrando-se acompanhado do terceiro durante grande parte do tempo, que ocasionalmente se deslocou ao interior da loja.

147. No dia 18 de Julho de 2019, os arguidos BB e AA voltaram a dirigir-se à loja “A.. ............”, sita na loja 51, Piso 2 do Centro Comercial ....

148. Nos dias 11 e 18 de Julho de 2019, os arguidos BB e AA dirigiram-se ao referido estabelecimento comercial, tendo o segundo, no dia 12 de Agosto de 2019, enviado, via Western Union, a quantia de €750,00, para a cidadã brasileira MM, com domicílio em ..., na Colômbia, onde o dinheiro foi levantado.

149. No mês de Agosto de 2019, os arguidos BB e AA, no exercício da actividade de tráfico de estupefacientes, passaram a ter a colaboração de um indivíduo do sexo feminino, ao qual competia as funções de angariar e organizar “correios de droga”, dialogando, na execução de tais funções, essencialmente com o arguido BB.

150. Em Setembro de 2019, o arguido AA manteve conversações com os seguintes números de origem colombiana: ............62, ............32 e ............79, e espanhola ...........93.

(…)

154. No dia 12 de Setembro de 2019, o arguido AA começou a utilizar a aplicação Telegram, por forma a impedir que as suas comunicações fossem rastreadas.

(…)

156. No dia 14 de Setembro de 2019, o arguido AA contactou com o indivíduo que utiliza o número espanhol ...........93 e tratou com o mesmo de aspectos relativos a negociações tendentes à importação de produto estupefaciente da América do Sul para a Europa, dando conhecimento que tem um contacto no Brasil capaz de proceder ao envio.

157. Nesse dia, 14 de Setembro de 2019, o indivíduo que utiliza o número espanhol ...........93 aceitou falar “com o patrão no dia seguinte”, estando convicto que “no Brasil não têm nada”.

158. O mencionado número de telefone espanhol, para o qual o arguido AA ligou, no dia 14 de Setembro de 2019, encontrava-se, à data, registado em nome de NN, cidadã venezuelana, com domicílio na ..., em Madrid, sendo este igualmente o domicílio associado a GG.

159. No dia 23 de Setembro de 2019, o indivíduo do sexo feminino mencionado no ponto 149, na execução das tarefas que lhe estavam acometidas, falou com OO, utilizando este o número de telefone ... ... .32.

160. Na sequência desta conversa, OO comunica a terceiro que um outro indivíduo “mais experiente” que ele e que toda a vida se havia dedicado ao tráfico internacional de estupefacientes, nomeadamente ao transporte de tais substâncias, tinha sido detido, em Oslo, na posse de produto estupefaciente, e que o indivíduo do sexo feminino mencionado no ponto 149 lhe havia pedido que entregasse, a esse indivíduo, a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), mas que na Noruega só permitiam fazer transferências até € 5.000,00 (cinco mil euros).

(…)

163. No dia 22 de Outubro de 2019, o indivíduo que utiliza o telemóvel .......58 e o arguido AA conversaram sobre percentagens de pureza de produto estupefaciente, referindo que o grau de pureza de um produto estupefaciente situava-se na ordem dos 20% enquanto de outro produto estupefaciente, o grau de pureza era de 40%.

164. Nessa conversa, o indivíduo que utiliza o telemóvel .......58 informou o arguido AA que estava, naquele momento, a proceder ao corte de produto estupefaciente com um terceiro indivíduo a quem se referiu como “puto”.

165. No dia 23 de Outubro de 2019, EE transmite ao arguido AA que tinha substâncias psicotrópicas disponíveis para, naquele dia, serem entregues.

(…)

167. No dia 19 de Novembro de 2019, o indivíduo do sexo feminino mencionado no ponto 149, quando acompanhada de PP, contactou telefonicamente o arguido BB questionando-o sobre a necessidade, ou não, da identificação completa daquele para viajar para o Brasil.

168. Posteriormente, o indivíduo do sexo feminino - mencionado no ponto 149 - disse a PP para não falar de tudo ao telefone, tendo este sido esclarecido pelo arguido BB quanto aos elementos necessários à emissão do bilhete para efectuar a viagem com o propósito de transportar produto estupefaciente.

169. Passados dois dias, o indivíduo do sexo feminino - mencionado no ponto 149 - solicitou ao arguido BB para que tirasse o “coiso” para PP

(…)

185. No dia 16 de Dezembro de 2019, o indivíduo do sexo feminino - mencionado no ponto 149 – voltou a ser contactada telefonicamente relativamente a OO, por um indivíduo utilizador do número ... ... .56, que a informou que aquele não estava bem de saúde e precisava que lhe arranjasse um advogado, o que o primeiro informou já ter feito na véspera.

186. Ao mesmo tempo, o arguido AA manteve a actividade de tráfico de estupefacientes que vinha desenvolvendo, tendo, no dia 27 de Novembro de 2019, perguntado ao indivíduo que identifica por “QQ” se explicou que aquilo “só dá para o cheiro, para fumar não dá”, referindo-se ao produto estupefaciente que estava a vender a um contacto daquele, obtendo resposta afirmativa. Por esse indivíduo identificado por “QQ foi transmitido ao arguido AA que “eles trabalham ao quilo dele”, “vai a todos os lados”, “levam a clientes” ..., e “nunca ficaram a dever um cêntimo”.

187. O arguido AA procedeu ao envio, via Western Union, da quantia de €1.000,00, no dia 13 de Dezembro de 2019, para RR.

(…)

206. No dia 18 de Fevereiro de 2020, os arguidos AA e CC, utilizador do número de telefone ... ... .32, mantiveram conversações telefónicas, com o objectivo de combinarem a vinda deste à região da grande Lisboa, de forma a adquirir-lhe produtos estupefacientes.

207. Já anteriormente, em concreto, no dia 10 de Dezembro de 2019, o arguido CC tinha contactado o arguido AA, perguntando-lhe se o café ainda estava aberto, que gostava de lá ir, talvez no sábado seguinte, e usando terminologia relacionada com estabelecimentos de restauração como “café com leite”, “cafezinho”, “cereais para misturar no café” como código para produto estupefaciente, acabaram por combinar dizer alguma coisa na Sexta-Feira caso conseguisse concretizar o encontro no Sábado seguinte.

(…)

209. Pelas 11 horas de Sábado, dia 14 de Dezembro de 2019, o arguido CC por telefone, comunicou ao arguido AA que já se encontrava em Lisboa, na zona da “rotunda da variante”, tendo ambos acordado encontrar-se dali a pouco, nas imediações do parque de estacionamento do Intermarché.

210. Efectuado o encontro entre os arguidos CC e AA, este vendeu ao primeiro, produto estupefaciente de qualidade, em quantidade e por preço não apurados.

211. No dia seguinte, pelas 14 horas e 10 minutos, o arguido CC contactou telefonicamente o arguido AA e disse-lhe que tinha “tomado um café” depois de almoçar e que o mesmo não era grande coisa, pois estava a ressacar.

212. Depois desta situação, os arguidos CC e AA voltaram a estabelecer contactos telefónicos, no sentido de este se deslocar a Lisboa a fim de vir adquirir junto do segundo, produto estupefaciente, no entanto, tal encontro não se concretizou porquanto o alegado proprietário do café se encontrava doente.

213. Na prossecução da actividade de tráfico de estupefacientes, o arguido agia sob instruções do arguido BB.

214. No dia 18 de Fevereiro de 2020, os arguidos AA e CC voltaram a manter conversação telefónica, na qual o primeiro lhe perguntou quando é que vinha a Lisboa, residindo o segundo no norte do país.

215. Em resposta, o arguido CC afirmou ter saudades de um “cafezinho” e questionou o arguido AA se o homem tem estado “com o café fechado”, ambos se referindo ao arguido BB.

216, 217, 218, 219 e 220. Os arguidos CC e AA mantiveram conversação com o propósito de o primeiro adquirir, ao segundo, produto estupefaciente. Com esse propósito, pelas 22 horas e 14 minutos, o arguido CC voltou a contactar o arguido AA, tendo este lhe perguntado se o encontro poderia ser no Domingo, remetendo a decisão final para o dia seguinte.

221. No dia 22 de Fevereiro de 2020, o arguido AA contacta o arguido BB e pergunta-lhe se pode “mandar vir” o arguido CC. O arguido AA obteve autorização do arguido BB para confirmar o encontro com o arguido CC.

222 e 223. Após, o arguido AA contactou o arguido CC e combinou com este o encontro entre as 10h00 e as 10h30m do dia seguinte.

224. No dia 23 de Fevereiro de 2020, pelas 09h47, o arguido CC telefonou para o arguido AA e disse-lhe que já estava no Intermarché de ..., tendo este lhe pedido mais 10 minutos.

225. Cerca das 10h25 do referido dia, o arguido AA saiu da sua residência, sita na Rua ... n.º 10, ..., ao volante do veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 308, com matrícula ..-ZM-.., e dirigiu-se para o local onde o arguido CC o aguardava.

(…)

227. Pelas 10h33, o arguido AA chegou ao parque de estacionamento do Intermarché, parou junto do veículo automóvel da marca Opel, modelo Vectra, com matrícula ..-..-HB, que CC conduziu até ao local, vindo da zona de .... Após, entraram ambos no dito estabelecimento comercial.

228. Instantes depois, os arguidos AA e CC vieram para o exterior e abandonaram o local, conduzindo cada um deles os respectivos veículos automóveis, seguindo a marcha na estrada M501-1, sentido ..., parando no posto de combustível do Intermarché, onde os abasteceram com combustível, abandonando o local, pelas 10h45m, em direcção a ..., pela auto-estrada A1.

229 e 230. Às 10h45m, o arguido AA contactou o arguido BB e disse-lhe que estava com o arguido CC, tendo o segundo informado que estava em casa e que seria ali o encontro.

231. Perante a confirmação obtida da parte do arguido BB, os arguidos AA e CC dirigiram-se, num primeiro momento ao parque de estacionamento anexo às instalações da A.... . .......... .......... . ........ .. .......... . ......., onde estacionaram o veículo automóvel de CC, seguindo ambos, depois, no veículo do arguido AA, em direcção à Avenida ....

232. Chegados ao local, cerca das 11h10m, o arguido AA entrou no prédio correspondente ao lote 18, que é o prédio, em cujo 1.º andar esquerdo habita o arguido BB, local onde este lhe entregou produto estupefaciente para que depois fosse entregue ao arguido CC, o que efectivamente sucedeu.

233. Cerca das 11h25, os arguidos AA e CC saíram do Bairro da ... e dirigiram-se para a A.... . .......... .......... . ........ .. .......... . ......., local onde o veículo automóvel de CC permaneceu estacionado.

234. Assim que chegaram ao aludido local, o arguido CC entrou no seu veículo automóvel, tendo depois seguido, cada um dos arguidos nos respectivos veículos automóveis, em direcção a Norte.

235. Pelas 12h15m, quando se preparava para proceder ao pagamento das portagens da A1, na saída de ..., o arguido CC detinha, na sua posse, três embalagens, contendo, no seu interior, heroína com peso bruto total de 170,00 g (cento e setenta gramas) e peso líquido de 148,500gramas, com um grau de pureza de 14%, permitindo efectuar 210 doses; bem como uma balança digital, de cor prateada, com a indicação aposta “200g/0.01g QC/Pass” e cinquenta euros, em notas do BCE.

236. Pelas 12h30, quando se encontrava no parque de estacionamento do estabelecimento comercial Campera, sito no ..., o arguido AA detinha, para além de dois telemóveis, a quantia de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros), dividida em várias notas do BCE.

237. No dia 24 de Fevereiro de 2020, o arguido BB detinha na sua posse um telemóvel e a quantia de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros), fraccionada em várias notas do BCE.

238. No dia 10 de Março de 2020, pelas 16 horas, o veículo de marca Citroen, modelo C2, com matrícula ..-FX-.., também utilizado pelo arguido AA - e cujo registo de propriedade está em nome do seu filho -, encontrava-se à porta da sua residência.

239. O arguido BB conhecia as características estupefacientes dos produtos que adquiriu e que destinava a ceder a terceiros a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro, produtos que obteve de vendedores localizados na América do Sul e que pretendeu disseminar em território nacional bem como noutros países da ..., utilizando para o efeito os denominados “correios de droga” e a agência de viagens E...., actividade que exerceu conjuntamente com o arguido AA, a partir de Março de 2018, cabendo àquele o poder de decisão no grupo que integrava com este.

240. O arguido AA integrou o referido grupo com o arguido BB, agindo sob as ordens e instruções que directamente lhe eram por este transmitidas, no período de Março de 2018 a 23 de Fevereiro de 2002, e conhecia as características estupefacientes dos produtos que adquiriu e deteve para venda e que destinava a ceder a terceiros a troco de dinheiro e com intenção de obter lucro, produtos que eram obtidos de vendedores localizados na América do Sul e que pretendeu disseminar em território nacional, bem como noutros países da Europa.

241. O arguido CC conhecia as características estupefacientes dos produtos estupefacientes que adquiriu ao arguido AA e que este, por sua vez, os recebeu, para transacionar, do arguido BB, produtos que o primeiro destinava à venda a terceiros a troco de dinheiro, além do consumo próprio.

244. O arguido CC destinava todos os objectos que detinha na sua posse e acima descritos para serem utilizados na actividade de cedência a terceiros dos produtos estupefacientes em causa. O dinheiro detido pelo arguido AA era produto da actividade de tráfico de estupefacientes.»

8.2. Da motivação da decisão em matéria de facto consta que o tribunal da condenação fundamentou a sua decisão com base nas seguintes provas, que apreciou critica e detalhadamente:

«Para formar a convicção do tribunal, foram relevantes os seguintes meios de prova os quais foram apreciados de forma crítica e concatenada, de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 127º do Código de Processo Penal:

- as declarações prestadas, em audiência de julgamento, pelo arguido CC, bem como as declarações prestadas pelo mesmo arguido e pelos arguidos BB e AA, em primeiro interrogatório judicial, após advertidos de que as declarações então prestadas podiam ser valoradas pelo juiz, em audiência, mesmo que, nessa fase, fosse exercido o direito ao silêncio;

- o depoimento prestado, em audiência, pelas testemunhas: SS - Inspectora da Polícia Judiciária cujo conhecimento sobre os factos relativamente aos quais depôs advém de, no exercício das suas funções, ter participado na investigação desde o início até Fevereiro, data em que a investigação ficou a cargo da testemunha TT -, UU - Inspectora da Polícia Judiciária cujo conhecimento sobre os factos relativamente aos quais depôs advém de, no exercício das suas funções na UNICTE, ter participado na investigação desde o início, tendo intervindo em diligências externas na companhia da Inspectora SS, nomeadamente na diligência que culminou na detenção dos arguidos AA e VV e nas buscas realizadas nas residências dos arguidos BB e AA, bem como dos veículos utilizados pelos mesmos e do veículo pertencente a um familiar de AA -, WW - Inspector da Polícia Judiciária cujo conhecimento sobre os factos relativamente aos quais depôs advém de, no exercício das suas funções, ter intervindo na chefia da actividade investigatória, participando na diligência que culminou na detenção de dois dos arguidos, AA e CC -, XX - Inspector da Polícia Judiciária que participou numa vigilância realizada no ano de 2018 e na operação que culminou na detenção dos dois arguidos -, TT - Inspector da Polícia Judiciária, desde Fevereiro de 2020 (no início da investigação era estagiário), advindo o seu conhecimento dos factos sobre os quais depôs da sua intervenção [a sua primeira intervenção na investigação], em 21 de Novembro de 2019, na vigilância de um encontro entre duas pessoas suspeitas que não chegaram a ser acusadas e na participou na operação realizada no dia 22 de Novembro de 2019, à testemunha YY, tendo, a partir de 17/18 de Fevereiro, lhe sido atribuído este processo e, nessa sequência, participado na operação que culminou na detenção dos arguidos AA e CC no dia 23 de Fevereiro, no acompanhamento das conversas interceptadas, bem como nas buscas domiciliárias à residência dos arguidos BB e CC -, ZZ - Inspector da Polícia Judiciária cujo conhecimento dos factos sobre os quais depôs advém de, no exercício das suas funções, ter participado em diligências externas para verificar a rotina dos arguidos e na operação que culminou com a detenção de o arguido CC -, AAA - Inspector da Polícia Judiciária cujo conhecimento dos factos sobre os quais depôs advém de, no exercício das suas funções, ter participado em diligências externas com vista a apurar a residência dos arguidos e na operação que culminou com a detenção dos arguidos CC e AA -, YY – a testemunha foi advertida, nos termos do artigo 133º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo prestado depoimento sobre os factos vertidos nos pontos 6 e 22 da acusação -, BBB - a testemunha foi advertida, nos termos do artigo 133º, nº2, do Código de Processo Penal, tendo prestado depoimento sobre os factos relacionados com a viagem de CCC em Janeiro de 2020 -, DDD – a testemunha é amigo do arguido AA, tendo o seu depoimento incidido sobre as condições pessoais e económicas deste -, EEE – a testemunha depôs sobre as condições pessoais e económicas do arguido AA -, FFF – a testemunha declarou exercer funções, na agência de viagens “E.... .......” do arguido BB, localizada em ..., desde há cerca de três anos, pelo que tem conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs -, GGG – o conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs advém do exercício de funções na qualidade de técnica de turismo na agência M....., sediada em ..., desde 2016, tendo esta agência como cliente a sociedade “A..., Lda” -, HHH – a testemunha é gerente da agência de viagens de turismo “A..., Lda”, desde 2017, pelo que tem conhecimento directo da relação entre essa agência e a agência “E.... .......”, tendo sido esse o objecto do seu depoimento; e III - técnica de turismo, a exercer funções na “U..., Lda”, desde há 31 anos, advindo dessa circunstância o seu conhecimento directo sobre os factos relativamente aos quais depôs;

_ apenso I (certidão do Processo 705/15.1...);

- apenso II (Informação Fiscal e Patrimonial do arguido BB e do indivíduo JJJ). Consta desse apenso, por referência ao arguido BB, que não apresentou declaração de rendimentos em relação aos anos de 2016 e 2017 (fls. 14 do anexo 1); não possui bens imóveis registados em seu nome (apenso II); possui veículos automóveis registados em seu nome (fls. 19 do anexo 1 – apenso II): veículo ..-..-LS, adquirido em 2/4/2015;

- apenso III (Informação de transferências de numerário);

- apenso IV (Transcrição de Intercepções telefónicas do Alvo .......80 associado ao arguido AA);

- apenso V (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo .......40 associado a KKK);

- Apenso VI (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo .......40 associado ao arguido AA);

- apenso VII (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo ......40 associado ao arguido AA);

- apenso VIII (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo ......40 associado a LLL);

- apenso IX (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo .......40 associado a KKK);

- apenso X (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo ......40 associado a arguido BB);

- apenso XI (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo ......40 associado a LLL);

- - apenso XII (Transcrições de Intercepções telefónicas do Alvo .......40 associado a II);

_ conversas interceptadas e transcritas em autos juntos a fls. 6777 e seguintes;

- relatório patrimonial e financeiro relativo aos arguidos BB e AA, de fls. 4675 a 4711;

_ documentos juntos a fls. 6570 e seguintes;

_ extracto dos movimentos de cliente U..., Lda de fls. 5926 a 5959;

_ lista nominal da selecção nacional da Guiné Bissau – fl. 6348 - e factura junta a fls. 6369, sem data e com o nº1;

_ lista de movimentos da relação entre U..., Lda e a agência de viagens E... Lisboa referente ao período de 16 de Setembro de 2018 a 27 de Março de 2020, juntos a fls. 5926 a 5952 (valor €485.328,69);

_ lista de movimentos da relação entre U..., Lda e a agência de viagens E... Bissau referente ao período de 15 de Setembro de 2019 a 11 de Setembro de 2020, juntos a fls. 5953 a 5956 (valor €70.646,27; de Março de 2020 a Setembro de 2020, totaliza a quantia de €2.917,00);

_ lista de movimentos da relação entre U..., Lda e a agência de viagens E... Damaia referente ao período de 6 de Dezembro de 2019 a 23 de Novembro de 2020, juntos a fls. 5954 a 5959 (valor €51.948,00);

_ extracto de conta de “A..., Lda”, referente ao período de 2017 a 31/12/2020, junto a fls. 6370 (€7.719,54);

_ extractos de conta da agência de viagens E... Lisboa com a agência U..., Lda referente ao período de 18 de Setembro de 2018 a 28 de Fevereiro de 2020, juntos a fls. 5812 a 5833;

_ extractos de conta da agência de viagens E... Damaia com a agência U..., Lda referente ao período de 6/12/2019 a 28 de Fevereiro de 2020, juntos a fls. 5834;

_ extractos de conta da agência de viagens E... Bissau com a agência U..., Lda referente ao período de 26/4/2019 a 28 de Fevereiro de 2020, juntos a fls. 5835 a 5837;

_ lista de reserva de viagens da agência de viagens E.... com a agência U..., Lda, junta a fls. 5838 e seguintes, de 26/3/2019 a 26/3/2020;

_ cópia de trinta bilhetes comercializados pela agência E.... nos quais consta o número de telemóvel do arguido BB – .......66 -, como contacto associado à reserva e à própria viagem – fls. 6250 e seguintes; cópia de bilhetes comercializados pela agência E.... nos quais consta o número de telemóvel do arguido BB – .......66 -, como contacto associado à reserva e à própria viagem – fls. 6350 e seguintes;

_ (1) relatório de diligência de fls. 6, reportada à operação realizada no dia 4 de Maio de 2017, na Avenida ... Quinta ..., com vista a apurar a residência do arguido BB;

_ (2) relatório de diligência de fls. 7, reportada à operação realizada no dia 4 de Maio de 2017, no ..., com vista a apurar a existência da agência de viagens E...., instalada na loja nº11, explorada pelo arguido BB e fotografias de fls. 8 e 9;

_ (3) relatório de diligência de fls. 40, reportada à operação realizada no dia 11 de Julho de 2017, no ...;

_ (4) relatório de diligência de fls. 117, reportada à operação realizada no dia 22/8/2017, na ..., com vista a localizar a residência de JJJ;

_ (5) relatório de diligência de fls. 214 e 215, reportada à operação realizada no dia 21/9/2017, na Rua Alves ..., nº13, ..., com vista a localizar a residência de JJJ;

_ (6) relatório de diligência de fls. 216, referente à operação realizada no dia 28/9/2017, na Rua ..., nº13, ..., com vista a localizar a residência de JJJ; no Centro Comercial ... e no Centro Comercial ...;

_ (7) relatório de diligência de fls. 308, referente à operação realizada no dia 24/10/2017, no Centro Comercial ...;

_ (8) relatório de diligência de fls. 356, referente à operação realizada no dia 8/11/2017, na Rua da ..., e ...;

_ (7) relatório de diligência de fls.308, referente à operação realizada no dia 24/10/2017, no Centro Comercial ..., sito na Rua Francisco ..., Lisboa, e fotografias n.ºs 1 a 4, juntas a fls. 310 a 314.

_ (8) relatório de diligência de fls.354, referente à operação realizada no dia 8/11/2017, na Rua da ..., e Rua ... ...

_ (9) relatório de diligência de fls.358, referente à operação realizada no dia 13/11/2017, na Rua da ...;

_ (10) relatório de diligência de fls.390, referente à operação realizada no dia 16/11/2017, no aeroporto de ... e fotografias de fl.s 391 e 392 [passaporte, do boarding pass – destino final ... – e autorização de residência; indivíduo MMM];

_ (11) relatório de diligência de fls.393, referente à operação realizada no dia 21/11/2017, no aeroporto de ... [indivíduo LLL: viagem para ..., no dia 21/11/2017];

_ auto de visionamento – fl.s 650 a 656 - das imagens de CCTV, fornecidas pelo aeroporto de Lisboa, referente à viagem efectuada pelo arguido BB, no voo TP 568, no dia 27/01/2018, às 07h20m, com destino a Hamburgo; e à viagem de regresso a Lisboa, no dia 30/01/2018, no voo FR das 23h15, da companhia aérea Ryanair;

_ (12) relatório de diligência de fls.601, referente à operação realizada no dia 7/2/2018, no Centro Comercial da ... e no Shopping Center ...;

_ (13) relatório de diligência de fls. 657, referente à operação realizada no dia 20/2/2018, no Centro Comercial ...;

_ (14) relatório de diligência de fls. 659, referente à operação realizada no dia 22/2/2018, no aeroporto de Lisboa e fotografias dos passaportes [fl. 661 e 662] e do bilhete de viagem – fl. 663 – Lisboa/Luanda, em 24/9/2017 e Lisboa/Luanda de 20/5/2017;

_ (15) relatório de diligência de fls. 686, referente à operação realizada no dia 6/3/2018, no aeroporto de Lisboa [viagem do arguido BB, com destino a ...];

_ (16) relatório de diligência de fls.837, referente à operação realizada no dia 28/3/2018, na Rua Francisco ..., ...;

_ (17) relatório de diligência de fls.871, referente à operação realizada no dia 20/4/2018, no ..., sito na Rua Francisco ..., Campo Grande, Lisboa;

_ (12) relatório de diligência de fls.1105, referente à operação realizada no dia 9/5/2018, na Avenida Almirante Reis, Martim Moniz e Rossio;

_auto de visionamento de registo de imagens – fl.s 1165 a 1181 - captadas pelo circuito de videovigilância do estabelecimento comercial "Macdonald’s", localizado na ... [as imagens gravadas correspondem ao período das 20h30m às 21h dia 09/05/2018];

_ (13) relatório de diligência de fls.1103, referente à operação realizada no dia 25/5/2018, na Avenida Almirante Reis, Martim Moniz e Rossio;

_ (14) relatório de diligência de fls.1239, referente à operação realizada no dia 15/6/2018, na Rua Francisco ..., ..., Praça ..., ..., Rua ..., Bairro Quinta ...;

_ (15) relatório de diligência de fls.1270, referente à operação realizada no dia 20/6/2018, no ... [MMM: regresso de ..., no voo HV..51 da companhia aérea transa via];

_ (16) relatório de diligência de fls.1275 e fotogramas de fls. 1278 e 1279, referente à operação realizada no dia 22/6/2018, no ... [BB: regresso no dia 22/06/2018 a Lisboa, no voo TP .67, com origem em Hamburgo];

_ (17) relatório de diligência de fls.1280 a 1284 e fotogramas, referente à operação realizada no dia 22/6/2018, no Aeroporto Humberto Delgado, Lisboa, e Rua Abel ... n.º 13,14° D, ..., ...;

_ (18) relatório de diligência de fls.1284 e 1285, referente à operação realizada no dia 27/6/2018;

_ (19) relatório de diligência de fls.1287 a 1289, referente à operação realizada no dia 28/6/2018, no

Aeroporto Humberto Delgado [embarque do indivíduo GG, de nacionalidade ...] e fotografias n.ºs 2,3 e 4.

_ (20) relatório de diligência de fls.1347, referente à operação realizada no dia 12/7/2018, nas imediações ..., sito na Rua Francisco ... Campo Grande, Lisboa;

_ (21) auto de visionamento de imagens de CCTV – fls. 1617 [C...... ...... ......., no dia 25 de Junho, entre as 15 e as 16h; Macdonald’s no C...... ...... ......., no dia 25/6/2018, entre as 14h40-

_ (22) relatório de diligência de fls.1690, referente à operação realizada no dia 17/8/2018, nas imediações do Shopping Center de ..., ...;

_ (23) relatório de diligência de fls.1691 referente à operação realizada no dia 17/8/2018, na Rua ..., n° 10 ...;

_ (24) relatório de diligência de fls.1691 referente à operação realizada no dia 20/8/2018, na Rua ..., n° 10, ....

_ (25) relatório de diligência de fls.1692: operação realizada no dia 20/8/2018, na Rua ..., n° 10 .... Nesta operação, a Polícia Judiciária observou a viatura Ford S-Max, com a matrícula ..-DL-.. estacionada junto ao Citroen C2, com a matrícula ..-FX-.., nos locais de estacionamento daquela rua. Nada mais de relevante foi observado.

_ (26) relatório de diligência de fls.1692 referente à operação realizada no dia 21/8/2018;

_ (27) relatório de diligência de fls.1698 referente à operação realizada no dia 22/8/2018, na Rua José António Veríssimo Silva, n° 10 3° D, Vialonga; Av. das Descobertas, no Infantado;

_ (28) relatório de diligência de fls.1700 referente à operação realizada no dia 23/8/2018;

_ (29) relatório de diligência de fls.1705 referente à operação realizada no dia 27/8/2018;

_ (30) relatório de diligência de fls.1740 e 1744 referente à operação realizada no dia 13/9/2018;

_ (31) relatório de diligência de fls.1778 e 1779 referente à operação realizada no dia 25/9/2018;

_ (32) relatório de diligência de fls.1780 a 1785: operação realizada no dia 26/9/2018;

_ (33) relatório de diligência de fls.1842 a 1844 referente à operação realizada no dia 18/10/2018, nas imediações da Rua ... em ... e imediações do Bairro de ...;

_ (35) relatório de diligência de fls.1919 a 1922: operação realizada no dia 7/11/2018;

_ (36) relatório de diligência de fls.2067 e 2068 referente à operação realizada no dia 20/11/2018;

_ (37) relatório de diligência de fls.2140 a 2142 referente à operação realizada no dia 20/12/2018, nas

imediações da rua ..., 10 - 3. ° D, Avenida ..., ambas em ...;

Praceta Pedro ..., ...; Rua Cooperativa ... e

Avenida ...;

_ (38) relatório de diligência de fls.2143, referente à operação realizada no dia 20/12/2018;

_ (39) relatório de diligência de fls.2144, referente à operação realizada no dia 21/12/2018;

_ (40) relatório de diligência de fls.2158 referente à operação realizada no dia 27/12/2018;

_ (41) relatório de diligência de fls.2164 a 2170 referente à operação realizada no dia 28/12/2018;

_ (43) relatório de diligência de fls.2175 referente à operação realizada no dia 3/1/2019, em ... e ...;

_ (44) relatório de diligência de fls.2262, referente à operação realizada no dia 24/1/2019, em Lisboa, ...;

_ (45) relatório de diligência de fls.2344 e 2347, referente à operação realizada no dia 29/1/2019, nas imediações da Rua ... em ...;

_ (46) relatório de diligência de fls.2502 referente à operação realizada no dia 18/3/2019, no Shopping Center de ..., Avenida ..., ...;

_ (47) relatório de diligência de fls.2503, referente à operação realizada no dia 20/3/2019;

_ (48) relatório de diligência de fls.2547 referente à operação realizada no dia 2/4/2019;

_ (49) relatório de diligência de fls.2586, referente à operação realizada no dia 5/4/2019;

_ (50) relatório de diligência de fls.2588, referente à operação realizada no dia 9/4/2019;

_ (51) relatório de diligência de fls.2639, referente à operação realizada no dia 22/4/2019;

_ (52) relatório de diligência de fls.2642: operação realizada no dia 23/4/2019;

_ (53) relatório de diligência de fls.2694 e 2695: operação realizada no dia 26/4/2019;

_ (54) relatório de diligência de fls.2731 a 2733: operação realizada no dia 12/5/2019;

_ (55) relatório de diligência de fls.2772 e 2773 e reportagem fotográfica de fls. 2774 a 2778, referente à operação realizada no dia 31/5/2019;

_ (56) relatório de diligência de fls.2798 a 2802: operação realizada no dia 4/6/2019;

_ (57) relatório de diligência de fls.2821 e 2822 e reportagem fotográfico de fls. 2823 a 2825, referente à operação realizada no dia 12/6/2019;

_ (58) relatório de diligência de fls.3107: operação realizada no dia 28/6/2019. Nesta operação, a Polícia Judiciária visualizou a chegada de AA e BB à “Padaria ...”. Nada mais foi observado.

_ (59) relatório de diligência de fls. 2978 a 2986: operação realizada no dia 11/7/2019, no shopping center de ..., sito na Avenida ... em ...;

_ (60) relatório de diligência de fls. 2988 a 2990, referente à operação realizada no dia 17/7/2019;

_ (61) relatório de diligência de fls. 2999 a 2996, referente à operação realizada no dia 18/7/2019;

_ (62) relatório de diligência de fls. 3100, referente à operação realizada no dia 26/08/2019;

_ (63) relatório de diligência de fls.3146, referente à operação realizada no dia 9/9/2019;

_ (64) relatório de diligência de fls.3146, referente à operação realizada no dia 23/9/2019;

_ Auto de visionamento das imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro Comercial de ..., de fl. 3486 (não foi possível observar a presença de EE, AA e o terceiro indivíduo);

_ (65) relatório de diligência de fls.3348 e 3349 (operação realizada no dia 29/10/2019);

_ (66) relatório de diligência de fls.3390 a 3392 (operação realizada no dia 14/11/2019);

_ (67) relatório de diligência de fls.3396 e 3397 e reportagem fotográfica de fls. 3398 a 3401(operação realizada no dia 21/11/2019);

_ (68) relatório de diligência de fls.3402 e 3403 (operação realizada no dia 22/11/2019, no Aeroporto de Lisboa);

_ (69) relatório de diligência de fls.3468 e reportagem fotográfica de fls. 3470 a 3472(operação realizada no dia 28/11/2019;

_ (70) relatório de diligência de fls.3473 e reportagem fotográfica de fls. 3474(operação realizada no dia 29/11/2019;

_ (71) relatório de diligência de fls.3476 e reportagem fotográfica de fls. 3477 e seguintes (operação realizada no dia 3/12/2019);

__ (72) relatório de diligência de fls.3537 e 3538 (operação realizada no dia 14/12/2019);

_ (73) relatório de diligência de fls.3703 e seguintes (operação realizada no dia 23/1/2020);

_ (74) relatório de diligência de fls. 3706 e 3707 (operação realizada no dia 24 de Janeiro de 2020);

_ (75) relatório de diligência de fls. 3850 a 3852 e reportagem fotográfica de fls. 3854 (operação realizada no dia 23 de Fevereiro de 2020, em Vialonga, Bairro da ..., Quinta ... - ...);

_ (76) relatório de diligência de fls. 5027(operação realizada no dia 24 de Julho de 2020, em ...);

_ (77) relatório de diligência de fls. 5059(operação realizada no dia 27 de Julho de 2020, em ...);

_ ficha de fls. 51, referente ao veículo Hyundai Accent, com a matrícula ..-..-PG, associado a JJJ (informação prestada a fls. 49 e ficha junta a fls. 51);

_ ficha de automóvel, de fls. 53, referente ao veículo marca Mercedes Benz 200d, matrícula ..-..-LS, em nome do arguido BB (encontra-se penhorado no âmbito do NUIPC 2644/14.4... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte-...);

_ ficha de veículos (fls. 53 e seguintes);

_ informação prestada quanto a NNN – fls. 5025 e 5026 (chegou a Noruega no voo TP.44, com origem em Lisboa; foi detido no dia 21 de Setembro de 2019, no aeroporto de Oslo - Noruega, com 520 gramas de cocaína na sua posse;

_ cópia do bilhete emitido em nome de PP – fl. 5058 – do dia 30/11/2019, com origem em ...-São Paulo e destino Madrid; e no dia 1/12/2019, com partida em Madrid e destino Orly/Paris;

_ informação prestada a fls. 3466 [no dia 21 de Novembro de 2019, OO foi detido na gare de autocarros de ..., encontrando-se na posse de produto estupefaciente – cocaína;

_ Informação prestada a fls. 3467 [a passagem aérea adquirida em 22/11/2019, na agência E...., para PP, no dia 30/11/2019, de São Paulo – Madrid, foi cancelada por BB; a viagem de 22/11/2019, foi anulada;

_ Auto de visionamento das imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Centro Comercial de ..., de fl. 3486 (não foi possível observar a presença de EE, AA e o terceiro indivíduo).

_ informação de fls. 3672[a passagem aérea, no voo TAP .46 – viagem no dia 8/1/2020, para Genebra, com regresso no dia 9/1/2020 - para OOO foi adquirida em 6/1/2020 e o contacto telefónico associado era o por si utilizado];

_ informação de fls. 3674 (estadia do arguido BB, na deslocação ao ..., no dia 28/12/2019 a 30/12/2019);

_ informação de fls. 3675 (estadia de OOO, na deslocação ao ..., no dia 27/12/2019);

_ informação de fls. 3701 e ficha de registo automóvel de fls. 3702 (titularidade do veículo Volkswagen, Transporter, matrícula ..-..-DD, propriedade de PPP, utilizado pela esposa de EE];

_ ficha de registo automóvel de fl.s 3709 [viatura Citroen C4 de matrícula ..-..-UD];

_ ficha de registo automóvel de fl.s 3859 [viatura Opel Vectra, de matrícula ..-..-HB];

_ ficha de registo automóvel de fl.s 3863 e fls. 4080 [viatura Peugeot de matrícula ..-ZM-..: registada em nome de QQQ];

_ informação de fls. 3829 (o arguido RRR é titular do número ... ... .32);

_ auto de apreensão de fls.2858 [arguido CC: peso bruto 170gramas (cento e setenta gramas), uma balança digital, com a indicação aposta “200g/0.01g QC/Pass” e cinquenta euros, em notas do BCE];

_ auto de apreensão de fls.2859 [arguido AA: detinha dois telemóveis e a quantia de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros)];

_ auto de notícia e de detenção em flagrante delito, junto a fls. 3865 [arguido CC e arguido AA];

_ auto de apreensão de fls.3961 [arguido BB: detinha na sua posse um telemóvel e a quantia de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros)];

_ auto de apreensão de fls.4031 e 4032 [arguido BB];

_ auto de apreensão de fls.4033 e 4145 [residência do arguido BB: um cartão SIM - fls. 4147];

_ auto de apreensão de fls.4143 [residência do arguido AA: nada foi apreendido];

_ auto de apreensão de fls.4149 [residência do arguido AA: nada foi apreendido];

_ reportagem fotográfica de fls. 4174 a 4179;

_ informação prestada pela Segurança Social a fls. 4192 (EE);

_ documentação clínica junta a fls. 4296 e seguintes (arguido SSS sofre de doença oncológica crónica do sangue – trombocitose essencial);

_ informação clínica junta a fls. 4484 e 4485 (fls. 4304) prestada pela DGRSP, datada de 16/4/2020 (arguido SSS é seguido no Hospital de ... por comorbilidades do foro hematológico e pneumológico; foi observado por psiquiatra e psicóloga, no Estabelecimento Prisional, tendo ficado sujeito a terapêuticas dirigidas à ansiedade e insónia); relatório clínico de fls. 4563;

_ certidão extraída do processo nº 428/19.2... junta a fls. 5314 e seguintes e liquidação da pena a fls. 5421 (o arguido CC foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 3meses de prisão efectiva);

_ certidão da Conservatória do Registo Comercial de fls. 5415 e seguintes (o arguido BB é representante legal da sociedade “E....”, localizando-se a sede desta em Bissau; pela apresentação de 5/6/2019, foi registada a designação de represente efectuada por deliberação de 13 de Maio de 2019, tendo sido nomeado representante TTT);

_ documento de fls. 6348, intitulada lista da selecção nacional da ...”, documento de fls. 6349 intitulado “lista dos bilhetes emitidos” e cópias de bilhetes emitidos em nome de jogadores juntas a fls. 6350 a 6368; documento de fls. 6369, intitulado factura “E....”, com o nº1 e sem data _ ficha da viatura da marca Mercedes Benz, modelo Classe A, de cor preta, com a matrícula ..-VS-.. junta a fls. 2782 (a viatura é propriedade da empresa de aluguer de viaturas "D..............");

_ certidão de fls. 2847 e seguintes extraída do Processo nº 2/19.3..., contendo a acusação deduzida contra UUU);

_ relatório patrimonial e financeiro de fls. 4675 e seguintes;

_ informação prestada pela E......, a fl.s 5024: VVV foi detido com 520 gramas de cocaína;

_ relatório de exame, elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica, junto a fls. 5165 (149,124 gramas de heroína – peso líquido; balança com resíduos de cocaína);

_ auto de exame directo junto a fls. 4732 (veículo Citroen, matrícula ..-FX-..);

_ auto de exame directo junto a fls. 4737 (veículo Peugeot, matrícula ..-ZM-..);

_ exame pericial aos telemóveis apreendidos aos arguidos BB e AA, junto a fls. 5011 e 5015;

_ auto de visionamento do conteúdo dos telemóveis apreendidos aos arguidos: telemóveis apreendidos ao arguido BB: o contacto de KKK está registado no telemóvel do arguido BB;

_ relatório de exame pericial junto a fls. 4161 a 4614 (não foram detectados vestígios lofoscópicos na película que envolvia o produto estupefaciente);

_ relatório de exame pericial, elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica, junto a fls. 5297 e completado a fls. 5442 (produtos apreendidos ao arguido CC: 149,124 gramas – peso líquido);

(…)

O tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (…).

(…)

ii. O Ministério Público indica como prova do conteúdo de elevado número de pontos da acusação conversas interceptadas que se encontram mencionadas/sumariadas em autos intercalares de intercepção e gravação de conversações ou comunicações e cuja transcrição não foi ordenada.

Dispõe o nº 9 do artigo 188º do Código de Processo Penal que “Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que: a) O Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação”.

Assim, constituem elementos de prova as conversas interceptadas que estão transcritas nos apensos iv a xii e indicados como elementos de prova. As conversas interceptadas cuja transcrição em auto não foi ordenada não podem ser valoradas como meio de prova.

(…)»

9. A revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, que dispõe: “[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.” Norma de idêntico alcance se encontra no artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos que – como se referiu no acórdão de 04.05.2023, Proc. n.º 16/18.0GAOAZ-D.S1, em www.dgsi.pt, que a partir de agora se segue de perto – confere aos Estados-Partes uma larga margem de apreciação e de conformação para regularem o exercício deste direito nas leis nacionais (assim, acórdão TEDH Krombach c. França, n.º 29731/96, de 13.02.2001, par. 96).

Os artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP) estabelecem as «condições» da revisão, por via de recurso extraordinário que a autorize, com realização de novo julgamento, possibilitando a quebra do caso julgado de sentença condenatória que deva considerar-se «injusta», por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos no n.º 1 daquele preceito. A linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença, por esgotamento ou não utilização das vias processuais de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do CPC), como componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), define-se, assim, enquanto garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que, por aqueles motivos, se revelem «injustas».

O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento, que justifica a realização de novo julgamento, contido no numerus clausus das alíneas do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, que densifica o n.º 6 do artigo 29.º da Constituição, sobrepõe-se, como se tem afirmado, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso.

Como já se viu, o recorrente fundamenta a sua pretensão de revisão da sentença condenatória nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

Porque o pedido se funda diretamente na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 de 19.04.2022, de que, na alegação do recorrente resultaria uma condenação com base em «prova proibida», apreciar-se-ão conjuntamente estas duas questões, a partir da primeira.

a) Dos fundamentos do recurso previstos nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP

10. Estabelecem as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, aditadas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

(…)».

Esclareceu-se na Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na origem desta alteração legislativa, aditando ao n.º 1 do artigo 449.º do CPP as atuais alíneas e), f) e g), que: «[a]crescentam-se novos fundamentos ao recurso extraordinário de revisão: a descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas; a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha constituído ratio decidendi; a existência de sentença vinculativa do Estado português, proferida por instância internacional, que se afigura inconciliável com a condenação ou suscita graves dúvidas sobre a sua justiça (artigo 449.º)».

Com a introdução do fundamento de revisão constante da al. f), veio o legislador suprir a inexistência, no ordenamento infraconstitucional, de um meio processual especificamente ordenado à regulação dos efeitos de repercussão das decisões do Tribunal Constitucional (TC) nas sentenças penais transitadas, nos termos do artigo 282.º da Constituição, que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma, de conteúdo menos favorável ao arguido, que tenha integrado a ratio decidendi da condenação. É em conformidade com esta teleologia que deve ser determinado o sentido e o alcance da norma desta alínea f), o que impõe que se deva precisar o efeito das declarações de inconstitucionalidade normativa com força obrigatória geral pelo TC, com a vinculatividade que é estabelecida pela Constituição [assim, o recente acórdão de 13.04.2023, Proc. 4778/11.8JFLSB-B.S1, que seguidamente se segue de perto, remetendo, neste ponto, para o acórdão de 09.03.2023, Proc. 476/18.0PIPRT-AR.S1 (Leonor Furtado), em www.dgsi.pt].

De notar que a possibilidade de requerer a revisão pressupõe formalmente, por um lado, o trânsito em julgado da sentença condenatória e, por outro, a publicação, posterior ao trânsito, de acórdão do TC, o qual só ganha eficácia jurídica com a publicação na 1.ª série do Diário da República, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, nº 2, al. h), da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, e 3.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.

11. Nesta matéria, consagrando uma regra de retroatividade ex tunc, dispõe o artigo 282.º, n.º 1, da Constituição que “a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral” – equivalente à “declaração de nulidade” das normas declaradas inconstitucionais (Gomes Canotilho / Vital Moreira, infra; assim, também, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, Coimbra Editora, 2001, p. 97)) – “produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

A esta regra constitucional é, porém, constitucionalmente oposta a restrição da intangibilidade do caso julgado, nos termos estabelecidos no n.º 3 do mesmo preceito, segundo o qual “ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.”

Ou seja, para que uma decisão judicial penal transitada em julgado, aplicando uma norma posteriormente declarada inconstitucional com força obrigatória geral, possa ser afetada – o que, como se viu, só pode ocorrer através de procedimento de revisão autorizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em diferimento de pedido com o citado fundamento da al. f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP em recurso extraordinário de revisão (artigos 449ss do CPP) –, é necessário que o TC o declare expressamente mediante decisão que afaste a regra da preservação do caso julgado, na verificação do pressuposto de que tal norma tem natureza penal de conteúdo menos favorável ao arguido (sobre esta ressalva, cfr. Jorge Miranda, loc. cit., pp. 261-263, nela incluindo “leis penais ou processuais penais de carácter substantivo”, quando da declaração de inconstitucionalidade “resultar uma redução da pena ou uma exclusão, isenção ou limitação da responsabilidade”).

O que significa que, em interpretação conforme à Constituição da alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, o seu conteúdo se limita restritivamente, em conjugação com o n.º 3 do artigo 282.º da lei fundamental: só poderá ocorrer revisão com este fundamento quando o TC proferir decisão em contrário à ressalva do caso julgado constitucionalmente imposta. Não havendo decisão de exceção (identificação de casos julgados abrangidos) à regra de exceção (que ressalva todos os casos julgado), nos termos do artigo 282.º, n.º 3, da Constituição, ficam intocados todos os casos julgados que tenham aplicado a norma declarada inconstitucional.

É este o entendimento que, em jurisprudência uniforme, tem vindo a ser reiterado por este Supremo Tribunal de Justiça, em mais de três dezenas de acórdãos proferidos em recursos extraordinários de revisão com fundamento na invocação do acórdão do Tribunal Constitucional 268/2022, de 19 de abril de 2022, todos publicados em www.dgsi.pt.

Citando Gomes Canotilho/Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, Pág. 1041, nota V, convocada em vários acórdãos): “O sentido da norma do 282, nº 3, da CRP só pode ser este: (1) em princípio, a declaração de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) não implica «revisão» dos casos julgados em que se tenha aplicado a norma declarada inconstitucional (ou ilegal); (2) todavia, os casos julgados que incidam sobre matéria penal, disciplinar ou de mera ordenação social poderão ser revistos, se da revisão resultar (por efeito da desaplicação da norma considerada inconstitucional ou ilegal) uma decisão de conteúdo mais favorável ao arguido (cfr. art. 29.º-4); (3) a possibilidade de revisão de sentenças constitutivas de caso julgado em matéria penal ou equiparada não é automática, pois tem de ser expressamente decidida pelo TC na sentença que declarar a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma.” [cfr. os primeiros acórdãos, de 06-09-2022, proferidos no proc. 618/16.0SMPRT-B.S1 (Ernesto Vaz Pereira) e no proc. 4243/17.0T9PRT-K.S1 (Teresa de Almeida), em www.dgsi.pt].

a.1) As normas declaradas inconstitucionais

12. As normas da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, no acórdão n.º 268/2022 (publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 03.06.2022), relacionam-se com o armazenamento (conservação) de dados em arquivos, durante o período de 1 ano, pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações.

Relembrando a decisão, disse o Tribunal Constitucional:

“[…] Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros. […]”.

13. A Lei n.º 32/2008 regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações, e que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas.

A Diretiva n.º 2006/24/CE, adotada com base no artigo 95.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (que dizia respeito ao funcionamento do mercado interno – antigo 1.º pilar da União), teve como principal objetivo harmonizar as disposições dos Estados-Membros relativas às obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações assegurarem a conservação de dados de tráfego e de localização, mas não de conteúdo, bem como de dados conexos, necessários para identificar o assinante ou o utilizador dos serviços de comunicações eletrónicas, para determinar a data, a hora, a duração e o tipo de uma comunicação e o equipamento de comunicação dos utilizadores, bem como para localizar o equipamento de comunicação móvel durante um determinado período, de 6 meses a dois anos (artigo 6.º), tendo em vista garantir a disponibilidade desses dados – que são os dados indicados no artigo 5.º, a que corresponde o artigo 4.º da Lei n.º 32/2008 – para efeitos de investigação, de deteção e de repressão de crimes graves, tal como definidos no direito nacional de cada Estado-Membro, em derrogação aos artigos 5.º (sobre “confidencialidade das comunicações”), 6.º (sobre “dados de tráfego”) e 9.º (sobre “dados de localização para além dos dados de trafego”) da Diretiva 2002/58/CE, que transpôs os princípios estabelecidos na Diretiva 95/46/CE relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados [transposta pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro, atualmente substituída pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados – Regulamento (UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril (RGPD)] para regras específicas do sector das comunicações eletrónicas.

14. Importa à economia da decisão clarificar e precisar quais os dados que, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, deveriam ser conservados, pois que a questão dos efeitos da inconstitucionalidade apenas diz respeito a estes dados, excluindo-se todos e quaisquer outros, em particular os dados que revelem o conteúdo das comunicações, cuja conservação é proibida, sem prejuízo do disposto na Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, e na legislação processual penal relativamente à interceção e gravação de comunicações (como expressamente estabelece o artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 32/2008, que se mantém em vigor).

Assim:

Dispunha o artigo 4.º (“Categorias de dados a conservar”), da Lei n.º 32/2008, que os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações deveriam conservar as seguintes categorias de dados (n.º 1):

«a) Dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação;

b) Dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação;

c) Dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação;

d) Dados necessários para identificar o tipo de comunicação;

e) Dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento.»

Dispondo os números seguintes:

«2 - Para os efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, os dados necessários para encontrar e identificar a fonte de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:

i) O número de telefone de origem;

ii) O nome e endereço do assinante ou do utilizador registado;

b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) Os códigos de identificação atribuídos ao utilizador;

ii) O código de identificação do utilizador e o número de telefone atribuídos a qualquer comunicação que entre na rede telefónica pública;

iii) O nome e o endereço do assinante ou do utilizador registado, a quem o endereço do protocolo IP, o código de identificação de utilizador ou o número de telefone estavam atribuídos no momento da comunicação.

3 - Para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, os dados necessários para encontrar e identificar o destino de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel:

i) Os números marcados e, em casos que envolvam serviços suplementares, como o reencaminhamento ou a transferência de chamadas, o número ou números para onde a chamada foi reencaminhada;

ii) O nome e o endereço do assinante, ou do utilizador registado;

b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) O código de identificação do utilizador ou o número de telefone do destinatário pretendido, ou de uma comunicação telefónica através da Internet;

ii) Os nomes e os endereços dos subscritores, ou dos utilizadores registados, e o código de identificação de utilizador do destinatário pretendido da comunicação.

4 - Para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, os dados necessários para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, a data e a hora do início e do fim da comunicação;

b) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) A data e a hora do início (log in) e do fim (log off) da ligação ao serviço de acesso à Internet com base em determinado fuso horário, juntamente com o endereço do protocolo IP, dinâmico ou estático, atribuído pelo fornecedor do serviço de acesso à Internet a uma comunicação, bem como o código de identificação de utilizador do subscritor ou do utilizador registado;

ii) A data e a hora do início e do fim da ligação ao serviço de correio electrónico através da Internet ou de comunicações através da Internet, com base em determinado fuso horário.

5 - Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, os dados necessários para identificar o tipo de comunicação são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas nas redes fixa e móvel, o serviço telefónico utilizado;

b) No que diz respeito ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet, o serviço de Internet utilizado.

6 - Para os efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1, os dados necessários para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores, ou o que se considera ser o seu equipamento, são os seguintes:

a) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede fixa, os números de telefone de origem e de destino;

b) No que diz respeito às comunicações telefónicas na rede móvel:

i) Os números de telefone de origem e de destino;

ii) A Identidade Internacional de Assinante Móvel (International Mobile Subscriber Identity, ou IMSI) de quem telefona;

iii) A Identidade Internacional do Equipamento Móvel (International Mobile Equipment Identity, ou IMEI) de quem telefona;

iv) A IMSI do destinatário do telefonema;

v) A IMEI do destinatário do telefonema;

vi) No caso dos serviços pré-pagos de carácter anónimo, a data e a hora da activação inicial do serviço e o identificador da célula a partir da qual o serviço foi activado;

c) No que diz respeito ao acesso à Internet, ao correio electrónico através da Internet e às comunicações telefónicas através da Internet:

i) O número de telefone que solicita o acesso por linha telefónica;

ii) A linha de assinante digital (digital subscriber line, ou DSL), ou qualquer outro identificador terminal do autor da comunicação.

7 - Para os efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1, os dados necessários para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel são os seguintes:

a) O identificador da célula no início da comunicação;

b) Os dados que identifiquem a situação geográfica das células, tomando como referência os respectivos identificadores de célula durante o período em que se procede à conservação de dados.»

De notar que todos os dados tratados e armazenados ao abrigo deste normativo, agora especificados, são dados que respeitam a comunicações, nos seus vários modos de realização, iniciando-se cada registo com o estabelecimento da comunicação e terminando com o seu fim [assim, salientando este aspeto, o acórdão de 06-09-2022 (Teresa de Almeida), Proc. n.º 4243/17.0T9PRT-K.S1]. O que exclui dados que, podendo ser idênticos, não foram tratados (processados) com respeito a comunicações efetuadas (por exemplo, dados relativos à identificação de assinantes obtidos e tratados no âmbito da relação contratual com o fornecedor de serviços).

15. O n.º 1 do artigo 15.º da Diretiva 2002/58/CE, que se mantém em vigor, transposta para o direito interno pela Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, que também se mantém em vigor, prevê que, para efeitos de investigação, de deteção e de repressão de crimes graves, os Estados-membros possam adotar medidas legislativas, enumerando as condições em que podem restringir a confidencialidade e a proibição do armazenamento de dados de tráfego e de localização, mas não é aplicável às atividades do Estado em matéria de direito penal (como expressamente declara o artigo 1.º, n.º 3), que, então, constituía domínio de cooperação intergovernamental (anterior 3.º pilar da União, instituído pelo Tratado de Maastricht).

Dispõe o artigo 15.º, n.º 1, aplicando «determinadas disposições da Directiva 95/46//CE», que não dizia respeito a matérias penais (artigo 3.º, n.º 2, e ponto 13 do preâmbulo), que: «1. Os Estados-Membros podem adoptar medidas legislativas para restringir o âmbito dos direitos e obrigações previstos nos artigos 5.º e 6.º, nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.º e no artigo 9.º da presente directiva sempre que essas restrições constituam uma medida necessária, adequada e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar a segurança nacional (ou seja, a segurança do Estado), a defesa, a segurança pública, e a prevenção, a investigação, a detecção e a repressão de infracções penais ou a utilização não autorizada do sistema de comunicações electrónicas, tal como referido no n.º 1 do artigo 13.º da Directiva 95/46/CE. Para o efeito, os Estados-Membros podem designadamente adoptar medidas legislativas prevendo que os dados sejam conservados durante um período limitado, pelas razões enunciadas no presente número. Todas as medidas referidas no presente número deverão ser conformes com os princípios gerais do direito comunitário, incluindo os mencionados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia.»

Na transposição deste preceito, a Lei n.º 41/2004 (artigo 1.º) limitou-se a dizer que: «4 - As exceções à aplicação da presente lei que se mostrem estritamente necessárias para a proteção de atividades relacionadas com a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado e a prevenção, investigação e repressão de infrações penais são definidas em legislação especial. 5 - Nas situações previstas no número anterior, as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem estabelecer procedimentos internos que permitam responder aos pedidos de acesso a dados pessoais dos utilizadores apresentados pelas autoridades judiciárias competentes, em conformidade com a referida legislação especial.»

16. Nesta conformidade, havendo sempre que, no regime anterior ao Tratado de Lisboa (o qual, apesar da eliminação dos pilares, continua a prever bases jurídicas distintas), quando foram adotadas as diretivas, distinguir entre atividades (operações) de conservação de dados – reguladas por normas de “direito comunitário” (anterior 1.º pilar) – e atividades (operações) de acesso aos dados – reguladas por normas processuais penais nacionais e do anterior 3.º pilar da União –, as quais constituem ingerências distintas e autónomas em direitos fundamentais (no caso, o direito de reserva da vida privada, incluindo o direito à proteção de dados pessoais, que, salvaguardados os princípios, admitem restrições necessárias à proteção de outros direitos, em particular do direito à liberdade e segurança), cabe ao direito nacional determinar as condições em que os prestadores de serviços devem conceder às autoridades nacionais competentes o acesso aos dados de que dispõem, no âmbito do processo penal, para investigação e perseguição da criminalidade grave, com respeito pelos princípios e regras essenciais do processo penal, nomeadamente pelos princípios da proporcionalidade, do controlo prévio de um órgão jurisdicional, do contraditório e do processo equitativo (cfr., a este propósito, os acórdãos TJUE de 21.12.2016, Tele2 Sverige AB, proc. C‑203/15; de 6.10.2020, La Quadrature du Net e o., proc. C-511/18, C-512/18 e C-520/18; de 2.3.2021, H. K. e Prokuratuur, proc. C-746/18; e de 5.4.2022, G. D. e Commissioner of An Garda Síochána e o., proc. C-140/20. Sobre o sentido e alcance da jurisprudência do TJUE nestas matérias cfr. Adam Juszczak/Elisa Sason, Recalibrating Data Retention in the EU, The Jurisprudence of the Court of Justice of the EU on Data Retention – Is this the End or is this the Beginning?, EUCRIM, Issue 4/2021, pp. 238-266, em https://eucrim.eu/articles/recalibrating-data-retention-in-the-eu/#docx-to-html-fnref49).

O acesso a dados pessoais, pelas autoridades competentes, enquanto operação de tratamento de dados, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais, que respeita estas regras e princípios, encontra-se atualmente regulado pela Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas autoridades competentes para estes efeitos, no âmbito das investigações e dos processos penais, transposta para o direito interno pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto, suprindo uma lacuna de regulamentação e, ao mesmo tempo, reforçando a proteção de direitos fundamentais neste domínio, que, até então, era a que resultava da Convenção 108 do Conselho da Europa para a Proteção das Pessoas Singulares no que diz respeito ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais (de 28.01.1981), desenvolvendo e aprofundando o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Sendo a conservação dos dados para efeitos de investigação criminal, relativamente a crimes graves, tal como definidos pela lei nacional, admitida pelo artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58/CE (e na Lei 41/2004, que a transpõe), nas condições que o TJUE explicita nos acórdãos acima citados, a Diretiva 2006/24/CE visou (face às grandes divergências de leis nacionais que criavam sérias dificuldades práticas e de funcionamento do mercado interno) estabelecer normas de harmonização, no espaço da União Europeia, de conservação de dados de tráfego e dados de localização, bem como dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado – que são normas que determinam a finalidade de tratamento dos dados pelos fornecedores de comunicações (respeito pelo princípio da finalidade, um dos princípios que, a par dos princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade, presidem ao tratamento de dados pessoais) – mas não regulou, nem podia regular, a atividade das autoridades públicas (órgãos de polícia criminal e autoridades judiciárias – Ministério Público, juízes e tribunais) com competência para assegurar a realização daquela finalidade, através do processo penal.

17. Situando-se, pois, numa dimensão diversa, a Lei n.º 32/2008 não alterou, não revogou, nem estabeleceu normas de natureza penal ou processual penal, de que as autoridades judiciárias se devam socorrer para acesso e aquisição da prova ou para assegurar a sua validade no processo; tais atividades dispõem de regime próprio definido pelas leis penais e processuais penais nacionais e, no que se refere aos domínios de competência da União Europeia (UE) no espaço de liberdade, segurança e justiça – que constitui competência repartida entre a UE e os Estados-Membros (artigo 5.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE) –, pelo artigo 82.º do TFUE e pela citada Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, transposta pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto.

A obtenção, no processo penal, de dados em posse de fornecedores de serviços de comunicações é regulada por outras disposições legais – pelos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal e pela Lei n° 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), que transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa (Budapeste, 2001; RAR n.º 88/2009 e DPR n.º 91/2009, de 15 de setembro) [cfr., por todos, com referências a acórdãos anteriores, o acórdão de 08.11.2022, Proc. 107/13.4P6PRT-D.S1 (Conceição Gomes)], tendo em conta a Diretiva (UE) 2016/680 (Lei n.º 59/2019, de 08 de agosto]. Nesta perspetiva, o respeito por estas regras na aquisição da prova obtida por recurso aos dados pessoais objeto de conservação impedirá que se possa, em qualquer circunstância, formular um juízo negativo sobre a sua validade, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP.

a.2) Apreciação

18. O recorrente fundamenta a sua pretensão, como se viu, na alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, ou seja, na declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma (penal) de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.

Da fundamentação do acórdão condenatório, resulta, como vem alegado no recurso, que o recorrente e os demais arguidos foram condenados com base numa grande diversidade de meios de prova, em particular em provas resultantes de «interceções telefónicas», legalmente autorizadas e «transcritas nos apensos IV a XII», em conformidade com o disposto no n.º 9 do artigo 188.º do CPP (supra, 8.2).

Nota-se, porém, que o recorrente não visa diretamente a sentença condenatória, por esta se fundamentar nas interceções telefónicas e na sua transcrição, mas pretende pôr em crise a condenação por via indireta, dizendo que a sua detenção «só foi possível devido aos metadados fornecidos pela operadora MEO», «isto é, a análise dos dados obtidos a partir dos ficheiros arquivados naquela operadora constituem metadados ou dados de dados oriundos de um IP, que fornecidos à PJ foram de per si a base essencial da investigação, Acusação e condenação, mediante a localização e seguimento do referido telemóvel. Dados tão mais importantes quanto o Arguido nunca confessou os factos, nem prestou declarações na audiência de Julgamento, pelo que esses dados nunca foram “confirmados” ou “validados” por outro meio de prova.». Daí extraindo a conclusão de que existiu um «nexo de causalidade entre as interceções e a prisão», pelo que, face à declaração de inconstitucionalidade das indicadas normas da Lei n.º 32/2008, na sequência da declaração de invalidade da diretiva 2006/24/CE, «forçoso é concluir que os meios de prova utilizados para condenar o Recorrente são proibidos por lei (artº 126º nº 3 do CPP) (conclusões II a VIII). Afirmando também que «quer a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 8.04.2014, quer o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 de 19.42022, são inconciliáveis com esta condenação, e põem gravemente em causa a sua justiça, por inobservância de um processo justo e equitativo.» (conclusão IX)

Da fundamentação do acórdão condenatório não consta, em local algum, que tivessem sido solicitados ou utilizados dados de localização ou de tráfico (“metadados”) a que se referem as normas declaradas inconstitucionais.

O que seria suficiente para, desde logo, se afastar a aplicação do Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional.

19. Porém, mesmo que se pudesse argumentar que alguns dos dados constantes das provas em que se fundamentou a condenação se poderiam identificar com dados referidos nos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 32/2008 – dados de tráfego e dados de localização relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para garantir a disponibilidade desses dados para efeitos de investigação, de deteção e de repressão de crimes graves (artigo 2.º do mesmo diploma) – a utilização desses dados estaria, em todo o caso, protegida pela exceção do caso julgado, pois que, como também se viu (supra, 12), o Tribunal Constitucional não declarou expressamente que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se estendem ao caso julgado, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º da Constituição.

Sendo que, em função do âmbito e objeto das normas em questão e da base jurídica dos Tratados em que se fundamenta a diretiva 2006/24/CE, não tendo as normas declaradas inconstitucionais natureza penal (supra, 12-17) – o que constituiria pressuposto da declaração de extensão da inconstitucionalidade aos casos julgados, da competência do Tribunal Constitucional –, não se tornaria possível proceder a tal extensão [neste sentido, negando a natureza penal das normas, o anterior acórdão de 13.04.2023, Proc. 4778/11.8JFLSB-B.S1, cit., e os acórdãos, nele mencionados, de 06-09-2022 (Teresa de Almeida), Proc. n.º 4243/17.0T9PRT-K.S1, e de 10-11-2022, Proc. n.º 35/15.9PESTB-Z.S2 (Carmo Silva Dias), em www.dgsi.pt].

20. Acresce que, em consequência, não pode proceder a alegação de que a condenação se fundou em «prova proibida» – melhor dito, na “descoberta”, posterior à condenação, de que “serviram de fundamento” a esta “provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º”, como estabelece a al. e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP – que, na infundada alegação do recorrente, seria resultado da declaração da inconstitucionalidade, suscetível de constituir fundamento autónomo da revisão (nos termos deste preceito), que não vem invocado.

O alegado fundamento da condenação com base em «prova proibida», que não ocorreu, só poderia questionar-se na presença de uma violação, pelas autoridades judiciárias, das regras relativas à aquisição de prova (artigo 126.º, n.º 3, do CPP), quando da sua efetivação, posteriormente descoberta, que também se não verificou.

21. Pelo exposto se impõe a conclusão de que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral nos termos do acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional não constitui fundamento de revisão de sentença constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, nem o fundamento constante da al. e) do mesmo preceito.

b) Do fundamento do recurso previsto na al. g) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP

22. Invoca ainda o recorrente, a declaração de invalidade da Diretiva n.º 2006/24/CE pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), por acórdão de 8 de abril de 2014, em pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.º do TFUE – nos processos apensos Digital Rights Ireland Ltd (C‑293/12) e Kärntner Landesregierung (C‑594/12).

O que, na sua alegação, remete para o fundamento de revisão previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, segundo o qual a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando «uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».

23. Porém, como se tem afirmado na jurisprudência deste Tribunal em casos semelhantes, também, neste caso, não se verifica este fundamento.

Isto porque, desde logo, conforme se salientou nos acórdãos de 13.04.2023, Proc. 4778/11.8JFLSB-B.S1, e de 04.05.2023, Proc. n.º 16/18.0GAOAZ-D.S1, cit., a lei exige que a sentença proferida por uma instância internacional seja posterior à condenação, a qual, como resulta da letra do artigo 449.º do CPP, deve estar transitada em julgado em data anterior, o que não sucede.

E igualmente porque, como se tem afirmado, a mencionada sentença do TJUE não constitui «uma sentença vinculativa» do Estado Português, na aceção que deve ser considerada neste preceito, o qual foi pensado para as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tendo presente o n.º 1 do artigo 46.º (sob a epígrafe “Força vinculativa e execução das sentenças”) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, segundo o qual as “Altas Partes Contratantes obrigam-se a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes” (assim, embora admitindo que possa ter âmbito mais abrangente, Conde Correia, O «Mito» do Caso Julgado e a Revisão Propter Nova, Coimbra Editora, 2010, p. 494, e Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Católica Editora, 4.ª ed., 2011, p. 1214).

Neste sentido, convocando o Acórdão n.º 268/2022 do TC, consignou-se no citado acórdão de 06.09.2022 (Ernesto Vaz Pereira), Proc. n.º 618/16.0SMPRT-B.S1 (sumário, em www.dgsi.pt): “VII - O primado do direito da União e o princípio da aplicação conforme obrigam os tribunais portugueses a não aplicar lei da União declarada inválida pelo TJUE, por violação do direito da UE, neste caso a CDFUE, que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados (art. 6.º, n.º 1, TFUE.). Desaplicação que cabe aos tribunais ordinários, estabelecendo-se uma relação direta entre eles e o TJ em sede de reenvio prejudicial. VIII - Em consequência, como se sublinhou no acórdão do TC, “a eventual contrariedade das normas ora em crise com regras de direito da União Europeia que possam ser invocáveis no plano interno terá como resposta do sistema judicial nacional a desaplicação das normas internas.” IX - Na decorrência, depois de determinados o conteúdo e relevância do direito da União Europeia, e depois daquela declaração de invalidade, o TC apreciou a conformidade constitucional das normas fiscalizadas, com os fundamentos e o resultado que se conhecem pelo seu acórdão n.º 268/2022. X - No caso, como se trata de uma diretiva, que carece de transposição (art. 288.º TFUE) por lei que é também, ela mesma, um ato de aplicação do direito da UE, o respeito pela declaração de inconstitucionalidade e a aplicação do juízo de inconstitucionalidade acabam por ter a mesma dimensão e abrangência que a não aplicação do direito da UE. Pelo que tudo se resume à declaração de inconstitucionalidade, nos termos em que foi declarada pelo TC, ressalvando os casos julgados” [no mesmo sentido, os acórdãos de 10-11-2022, no Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-G.S1 (Orlando Gonçalves) e no Proc. 35/15.9PESTB-Z.S2 (Carmo Silva Dias, de 10-11-2022].

Com efeito, uma sentença do TJUE que, em recurso prejudicial, declara, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE, uma diretiva inválida apenas se dirige diretamente ao órgão jurisdicional que colocou a questão ao TJUE. O facto de a decisão do TJUE constituir razão suficiente para qualquer outro órgão jurisdicional considerar tal ato inválido (assim, Jacques Perteck, Le renvoi préjudiciel, Droit, liberté ou obligation de coopération des juridictions nationales avec la CJUE, 2e. ed. Bruylant, Bruxelas, 2021, pp. 360ss), em resultado da obrigação geral de garantir o primado do direito da União, abstendo-se de praticar atos contrários que prejudiquem a sua efetividade (neste sentido se podendo falar de uma eficácia erga omnes – cfr. o acórdão TJUE C-66/80, de 13.5.1981), não lhe atribui o estatuto de sujeito processual destinatário daquela decisão, de modo a que se deva considerar como uma sentença vinculativa fundamento da revisão.

24. Assim sendo, em conformidade com o que vem de se expor, não havendo fundamento, é negada a revisão.

III. Decisão

25. Pelo exposto, nos termos do que dispõe o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça (3.ª Secção) em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Supremo Tribunal de Justiça, 19 de dezembro de 2023.

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Relator)

Pedro Manuel Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Nuno António Gonçalves (Presidente da Secção)