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Jurisprudência
Sumário

I - No cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros os rendimentos a que deve atender-se são os rendimentos recebidos pelo lesado tenham sido eles fiscalmente declarados ou não.

II - Sendo por regra a indemnização calculada com base nos rendimentos líquidos do lesado se a prova dos rendimentos brutos revelar a diferença entre o que era recebido antes e o que se ficou a receber depois do acidente, essa diferença permite que se realize o cálculo uma vez que, mais que o não conhecimento dos rendimentos líquidos não obsta a que se conheça o valor da perda do lesado.

III -  O “juízo de equidade” das instâncias deve ser mantido salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, misto é, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística.

Decisão Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA instaurou ação declarativa, de condenação, com forma de processo comum, contra Liberty Seguros, SPA e pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 773.347,00, com juros à taxa legal de 4% desde a sentença a proferir até efetiva liquidação.

Como fundamento, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos em consequência de acidente de viação ocorrido em 19.09.15, por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ..-..-SR,   encontrando-se a responsabilidade civil emergente de acidente causado por tal veículo transferido para a ré por meio de contrato de seguro.

A ré contestou, aceitando os factos relativos à dinâmica do acidente e impugnando os factos relativos à extensão e montante dos danos.

Percorrida a tramitação adequada, no início da audiência final, o autor ampliou o pedido para a quantia de € 900.000,00, discriminando e quantificando danos sofridos.

A ampliação do pedido foi admitida.

Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao  autor:

I) A importância global de € 636.780,20, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;

II) Uma importância a liquidar em incidente prévio à execução da sentença, relativo a despesas médicas, com medicamentos, tratamentos de fisioterapia e custos acrescidos com a incorporação de velocidades automáticas no veículo de que o autor venha a necessitar, em consequência das lesões sofridas com o acidente, até aos 78 anos.

Inconformados com esta decisão dele interpuseram recurso o autor e a ré tendo o acórdão ora recorrido, decidido:

- julgar inadmissível a junção dos documentos apresentados pelo autor com as alegações de recurso e, em consequência, ordenar o seu desentranhamento dos autos;

- julgar improcedentes ambas as apelações e, em consequência confirmar a sentença recorrida.

Desta decisão interpôs a ré revista excecional que foi admitida pela formação a que alude o art. 671 nº3 do CPC, concluindo que:

“ 1. O presente recurso de revista excecional incidirá sobre a manutenção, inalterada, pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, da condenação da recorrente no pagamento das quantias em a título de perda de capacidade de ganho, dano biológico e danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde a notificação da sentença e até integral pagamento.

2. Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 672 do C.P.C., e uma vez que o douto Acórdão da Relação manteve a decisão, quando a mesma, para contabilizar o quantum indemnizatório a atribuir ao recorrido, considerou os seus rendimentos fiscalmente não declarados, em confessada e flagrante fuga ao fisco.

3. Ao atribuir ao Autor uma indemnização, aliás avultada, tomando como base de cálculo o rendimento não declarado fiscalmente, relativamente ao qual o Autor não contribui, a título de tributação em sede de IRS ou Segurança Social, as decisões colocadas em crise dão uma estampa de legalidade a um comportamento prevaricador, lesivo de interesses públicos relevantes.

4. Reveste particular importância e relevância social já que é um “premiar” da conduta do Autor, sendo por isso necessário acautelar a sua aplicação de um modo justo, sendo por isso necessário ajuizar corretamente a questão dos rendimentos fiscalmente declarados versus omitidos.

5. Do mesmo modo, também para efeitos de determinação do mesmo quantum indemnizatório a atribuir ao lesado o tribunal utilizou como base de cálculo valores de retribuição brutos, ao invés de considerar os valores líquidos como a recorrente defendeu e defende.

6. Ao fazê-lo foi contra o decidido por jurisprudência já existente, isto também nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 672.° do C.P.C, como é o exemplo do Acórdão cuja cópia se anexa como doc. 1, entre abundantes outros.

7. Concretamente, a decisão recorrida está em contradição com o douto Acórdão do STJ de 21/03/2019, proferido no proc. n.º 1069/09.8TVLSB,L2.S2, já transitado em julgado, cuja cópia se anexa como doc. 1, sendo este o acórdão fundamento.

8. Pelo exposto, requer-se que V. Exas. considerem justificada a interposição do presente recurso de Revista Excecional nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 672.° do CPC.

9. Caso assim não se considere, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, mas sem conceder, julga-se estar na presença de um caso cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, será claramente necessária para melhor aplicação do direito, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 672 do CPC.

10. De facto, situações como a dos presentes autos, surgem inúmeras vezes, e será imperioso que haja harmonia e coerência nas decisões adotadas, em nome dos princípios da legalidade e da segurança no direito.

11. Com efeito, defende a recorrente, que com a decisão mantida pela Relação do Porto, está-se a derrogar a lei civil, nomeadamente as normas da responsabilidade civil extracontratual.

12. Com efeito, defende a recorrente, que com a decisão mantida pela Relação do Porto, está-se a derrogar a lei civil, nomeadamente as normas da responsabilidade civil extracontratual.

13. Pelo que será o presente recurso de Revista Excecional, relevante e admissível, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n° 1 do art. 672.° do C.P.C..

14. Uma vez que o presente recurso estará delimitado a questões de direito, o âmbito do presente recurso limitar-se-á à Determinação dos Danos Patrimoniais Futuros e à forma seguida para a alcançar, bem como ao quantum indemnizatório arbitrado a título de dano biológico e danos não patrimoniais.

15. Conforme defendeu a recorrente nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e ao contrário do que entendeu quer o tribunal de primeira instância quer aquele Alto Tribunal, ressalvando o devido respeito por ambos, que é muito, é com base na retribuição líquida e não ilíquida que deveria ser calculada a indemnização por perdas salariais e perda futura de ganho, conforme tem entendido a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

16. Tal entendimento é, de resto, o que melhor se compatibiliza com a regra do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil que consagra a teoria da diferença.

17. Isto porque resultando da lesão um dano patrimonial, também não é menos certo que o lesado deixará de se ver obrigado ao cumprimento de um conjunto de deveres que gerariam uma diminuição dos seus proventos reais, nomeadamente no que toca a impostos, despesas de deslocação e vários outros gastos que a efetiva prestação do trabalho implica.

18. Além disso, a indemnização deverá repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse o acidente, o que implica que lhe seja atribuída compensação que corresponda à efetiva perda patrimonial.

19. Acresce que – provavelmente, com maior relevo – não se poderá deixar de ter em conta que a indemnização judicialmente atribuída ao lesado para compensação do seu dano (incluindo o da perda futura de ganho por incapacidade) não está sujeita a qualquer tributação fiscal, por inexistir qualquer norma que a preveja, mas antes disposição que expressamente a exclui.

20. E, mesmo nos casos em que se verifica a tributação de indemnizações (e não e essa a situação sobre a qual nos debruçamos), diz-nos o artigo 9 nº 1 alínea b) que incidira apenas sobre aquelas que se “destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão”.

21. Não passando o lesado a condição de sujeito ativo de impostos ou outros encargos que seriam sempre devidos ao estado não fosse o acidente e não estando a indemnização sujeita a impostos, não pode, também, ver a sua indemnização calculada com base nessas parcelas que seria sempre retida e entregues ao estado e das quais nunca usufruiria.

22. Assim, ao valor do salário, deverão ser deduzidos os encargos: 11% para a Segurança Social e o IRS, na ordem dos 30%.

23. A título de perdas salariais, na douta sentença recorrida, foi considerado para cálculo das perdas salariais o valor líquido de vencimento atual de €687,20 e o anterior ao sinistro o de €1.145,33.

24. Determinando que a diferença entre estes, de € 458,13 x 14 meses x 37 anos confere ao Autor uma indemnização na importância global de € 237.311,34.

25. Ora, se atentarmos aos documentos juntos pelo A. com a sua PI, constata-se que em momento anterior ao sinistro o A. recebeu líquido €964,25 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), €838,16 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), € 913,43 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), e € 895,79 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos).

26. Junta ainda para prova dos seus rendimentos atuais dois recibos, cujo montante líquido recebido, sem duodécimos de subsídio de Natal, totaliza € 707,46 e € 664,95.

27. Se atentarmos aos suprarreferidos documentos juntos pelo Autor e calcularmos a média do salário líquido recebido pelo Autor antes do sinistro encontramos o montante de € 822,29.

28. Se efetuarmos uma média do salário líquido recebido pelo Autor após o sinistro encontramos o montante de € 686,20.

29. O que permite concluir por uma diferença salarial líquida de €136,09 e não de €458,13 conforme conclui, em erro no nosso entendimento, a sentença recorrida.

30. Pelo que, por mera hipótese académica, se efetuássemos os cálculos tal e qual resultaram da sentença recorrida, teríamos €136,09 x 14m x 37a = €70.494,62.

31. Todavia, entende a recorrente que não é devida essa quantia, pois que a douta sentença recorrida teve em conta para aquele cálculo 37 anos, ou seja, a esperança média de vida.

32. Contudo, deveria antes ter tido por base a idade limite da reforma na função pública, pois só assim se consegue encontrar qual o montante correspondente à frustração efetiva de rendimentos sofrida pelo A.

33. Portanto, efetuando o mesmo raciocínio corrigido nos fatores salário líquido e limite reforma funcionário publico encontramos o montante de € 55.252,54, resultante da fórmula €136,09 x 14m x 29a.

34. Entende a Ré que a equidade impõe não só que o valor indemnizatório atribuído seja reduzido a € 55.252,54, como também que se proceda ao abatimento a essa indemnização das quantias que o A já recebeu da Caixa Geral de Aposentações.

35. Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho futuro, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores: a idade do lesado (41); o seu grau de incapacidade geral permanente (32); as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro fator que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, ou da previsível atividade profissional habitual do lesado.

36. Mas também pela potencialidade de exercício de atividades profissionais tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objetivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência.

37. Apesar de ter ficado dado como provado que o autor ficou a padecer de um deficit funcional permanente de 32 pontos (onde se inclui a repercussão neurológica a nível peniano), que implica esforços acrescidos da sua atividade profissional, a douta sentença recorrida, concluiu ser de 100% a incapacidade do autor em obter rendimentos provenientes da atividade independente, o que não se pode aceitar na medida em que contrataria toda a prova que foi produzida, sobretudo em sede pericial, de que não podemos fazer tábua rasa.

38. Inexistiu necessidade de reconversão do posto de trabalho (parecer CRPG), e o autor ficou “apto condicionalmente” para o exercício da sua profissão habitual (relatório da medicina do trabalho), embora com esforços suplementares (relatório pericial final).

39. Não estamos perante uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho/profissão habitual, pelo que o demandante mantém capacidade de ganho, capacidade laboral, nas mais diversas áreas de intervenção da sua profissão de fisioterapeuta.

40. Ora, no caso concreto o Tribunal, na fixação da aludida indemnização afastou-se, de forma flagrante dos critérios de equidade que se impunham no caso em apreço.

41. Isto em flagrante contradição, portanto, com a própria realidade, que evidencia que o A, apesar de limitado na sua capacidade de ganho, consegue ainda exercer a mesma profissão, com esforços suplementares.

42. Ou seja, o Tribunal assumiu, sem que exista nos autos algum elemento que nesse sentido aponte, que o A, em consequência do acidente, deixou de poder receber 100% do seu rendimento proveniente do exercício da sua atividade como profissional independente, o que não resultou demonstrado que seja consequência do acidente!

43. Isto conduziu a uma solução inteiramente injusta, uma vez que a indemnização surge, afinal, como um acrescento a rendimentos que o A continua a auferir, ou, pelo menos, pode continuar a auferir.

44. De facto, ainda que com limitações, o A. pode continuar a exercer a sua atividade profissional e, assim, continuar a auferir os rendimentos que recebia antes do sinistro, ainda que limitados dentro dos termos já referidos. Senão pode fazer doentes neurológicos profundos, poderá seguramente fazer outros trabalhos mais leves nas diversas áreas de intervenção da fisioterapia.

45. Assim, até porque o demandante tem uma formação media/alta, a idade assim o permite e as limitações igualmente o permitem, deveria ser considerado uma indemnização não superior a € 55.000,00, sensivelmente equivalente à perda salarial da função pública.

46. Resultando assim perdas salariais € 55.252,54 e de € 55.000,00.

47. Contudo, a estes montantes, como bem refere a sentença recorrida impõe-se ainda considerar que, caso o A. não tivesse sofrido o acidente e inerentes lesões, não teria obtido de imediato os aludidos rendimentos futuros, mas só os receberia ao longo da sua vida.

48. Porém, com o pagamento da indemnização, haverá uma antecipação desse recebimento, pelo que se justificaria proceder a uma redução do valor alcançado, sob pena de se gerar em parte um enriquecimento indevido (recebimento antecipado dos valores da remuneração).

49. Afigura-se, pois, equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 25% (neste sentido vide acórdão do STJ de 27/09/2012, relator Cons. Serra Baptista, proc. no. 560/04.7TBVVD, disponível em www.dgsi.pt), e não de 10% conforme se defende na sentença recorrida.

50. Assim, ficando o capital de €55.000,00 e €55.252,54, reduzido de 25%, ou seja, €27.563,13, no total de € 82.689,41, devendo ter-se presente que só o uso da equidade permitira alcançar o montante que, mais justa e equilibradamente, compense a perda da capacidade aquisitiva do Autor.

51. Relativamente ao supra alegado, com respeito aos rendimentos do trabalho independentes auferidos, mas não declarados pelo A., na eventualidade de não ser acolhida a tese já exposta e defendida pela Recorrente, o que não se aceita e apenas se admite por cautela de patrocínio, sempre haverá críticas adicionais a apontar à forma como se alcançou o montante indemnizatório arbitrado.

52. Na jurisprudência dos nossos Tribunais apresenta-se como dominante a corrente segundo a qual a indemnização destinada a compensar o dano material resultante da IPG (dano biológico, na vertente patrimonial) deve representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e que se extinga no fim do tempo provável de vida ativa do lesado.

53. Mais entendemos, na esteira do que têm decidido os nossos Tribunais Superiores, que a indemnização, neste particular, há de corresponder a uma quantia que, posta a render, compense a diminuição da capacidade de ganho da recorrida.

54. E, na determinação desse quantitativo, à míngua de critérios objetivos e exatos, há que lançar mão da equidade.

55. Sem perder de vista o indispensável recurso à equidade, sempre será adequado utilizar, como auxiliar, as tabelas financeiras para o cálculo de um capital cuja disponibilidade compense aquela perda de rendimento.

56. Uma vez encontrado, desta forma, um determinado valor, haverá que ter em conta o benefício para o lesado decorrente do recebimento antecipado e de uma só vez do capital indemnizatório e não poderá igualmente olvidar-se que esse capital, gerador do rendimento perdido, deverá achar-se exaurido no fim da previsível vida útil do mesmo lesado.

57. Retomando o anteriormente exposto, refira-se que a douta sentença em crise não deu como provado qual o valor líquido auferido pelo A. relativamente ao seu trabalho por conta própria, apenas dando como provado o seu rendimento bruto anual, de 25.200,00 €.

58. Parece certo afirmar que tal rendimento não corresponde ao rendimento líquido do A., sendo de presumir que as despesas que tinha com combustível, portagens, desgaste da viatura do A., e com colaboradores que o auxiliavam ascendessem a, pelo menos, cerca de 20% do total da sua faturação.

59. Ao montante de faturação do A., deduzido das despesas, sempre será de deduzir, igualmente, o montante correspondente aos impostos devidos ao Estado, em sede de IRS, e ainda à contribuição obrigatória para a Segurança Social, num total nunca inferior a 30%.

60. Tudo isto levado em consideração, chegaremos ao montante líquido de 14.112,00 €.

61. No caso em análise levando em conta o montante bruto fixado de 25.200,00 €, a que corresponde o montante líquido máximo de 14.112,00€ fazendo-se uso das “tabelas financeiras”, haverá que entrar em linha de conta com os seguintes fatores que vêm dados como demonstrados:

- a idade do autor à data do acidente: 41 anos;

- o valor do seu rendimento líquido mensal: 1.176,00 € (14.112,00 € / 12 meses);

- o défice funcional permanente: 32 pontos – cfr. ponto 43.º da fundamentação de facto;

- o tempo previsível de vida ativa restante, nunca para além dos 60 anos de idade, ou seja de 19 anos.

62. Feitas as contas através da sobredita fórmula atingimos um montante na casa dos 100.000,00 €.

63. Todavia, torna-se imperioso corrigir e temperar o resultado assim obtido à luz das regras da equidade.

64. Importa, entre o mais, ter presente que ao valor obtido sempre haverá que deduzir o benefício decorrente da antecipação do recebimento do capital indemnizatório, que é pago de uma só vez.

65. Será adequado fixar esse benefício da antecipação em cerca de 25.000,00€

 Temos, pois, que, no que respeita ao “dano biológico”, como dano de natureza patrimonial, indexado à teórica perda (abstrata) de rendimentos salariais da atividade de trabalhador independente do A., a justa indemnização por esse dano estará, na ordem dos 75.000,00 €.

67. O Tribunal a quo, entendeu arbitrar o quantum indemnizatório pelo Dano Biológico de 60.000,00€, montante claramente excessivo e injustificado, excedendo largamente os padrões jurisprudenciais conhecidos.

68. Apesar de não existirem critérios “exatos”, legalmente consagrados, que possibilitem um cálculo matemático rigoroso, no sentido de evitar indesejáveis disparidades entre as decisões dos vários Tribunais para casos idênticos, tem-se entendido – e bem – que o recurso às fórmulas e tabelas matemáticas, financeiras, ou outras similares, constitui um precioso auxiliar do cálculo.

69. Sempre haverá, depois, que ter em conta as especificidades de cada caso concreto, que essas tabelas, por abstratas, não consideram e os respetivos resultados terão, forçosamente, de ser “corrigidos” à luz dos princípios da equidade.

70. In casu, fazendo-se uso das conhecidas “tabelas financeiras”, haverá que entrar em linha de conta com os seguintes fatores que vêm dados como demonstrados: a idade do Autor à data do acidente: 41 anos, o valor do rendimento líquido auferido, o défice funcional permanente: 32 pontos (implicando esforços suplementares) e o tempo previsível de vida ativa restante, nunca para além dos 70 anos de idade, ou seja de 29 anos.

71. Feitas as contas, tendo em conta os critérios jurisprudenciais e as decisões supra, atingimos um montante indemnizatório na casa dos 40.000,00€.

72. Ao referido valor haverá então que deduzir um montante que seja equivalente ao benefício consistente no recebimento antecipado e de uma só vez do  capital indemnizatório, fazendo corresponder esse benefício a cerca de ¼ do capital em causa, ou seja, cerca de 10.000,00€.

73. Temos, pois, que in casu a indemnização adequada para ressarcir, com justiça e equilíbrio, o “dano biológico” como dano de natureza patrimonial, indexado à teórica perda (abstrata) de rendimentos salariais, não deverá exceder os 30.000,00€.

74. Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, o Tribunal a quo arbitrou, a tal título, o montante de 50.000,00€, valor este que, mantendo a ressalva do devido respeito, nos parece manifestamente excessivo, quer face às concretas circunstâncias do caso, quer quando confrontado com o sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em casos análogos.

75. Por conseguinte, considerando os factos provados nestes autos, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido e o sentido da Jurisprudência conhecida, a indemnização a arbitrar ao mesmo recorrido a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante não superior a 15.000,00 €, sob pena de não se coadunar aos danos morais por ele sofridos.

76. A douta sentença e acórdão recorridos violaram, entre outras normas, os artigos 495.º, n.º 1, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

… …

 O autor contra-alegou defendendo que os valores tomados pelas instâncias como rendimentos recebidos pelo autor antes e depois do acidente foram os corretos e que o valor liquido do salário não é o que resulta da retenção mensal que é um imposto provisório, imposto que só a final é concretizado, dependendo de inúmeros fatos, tais como o valor das despesas tributariamente consideradas dedutíveis, o número de dependentes, das taxas fixadas anualmente para cada escalão, pelo que calcular a indemnização pelas perdas salariais fundadas em aleatórias salários líquidos (embora no caso concreto, tais retenções fossem inofensivas) agridem a denominada justiça tributária concreta e não normativa.

… …

Tendo sido admitida a revista como excecional, colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

Foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. No dia 19 de setembro de 2015, pelas 11h30, na A 28, em frente,  aproximadamente, da Auto Sueco Lda sito na Rua ...,  Porto, o autor circulava no sentido (N.S. P...-M...) com o seu veículo  automóvel marca Mercedes e com chapa de matrícula ..-HU-.. (doravante HU).

2. O trânsito encontrava-se parado na faixa da direita, pelo que o veículo do  autor ficou retido atrás do veículo que o precedia, marca Opel com chapa de  matrícula ..-QH-.. (doravante QH).

3. Supinamente, o veículo do autor, HU, é embatido na sua traseira e projetado contra o veículo que, também parado, lhe era precedente, por outro veículo que não conseguiu controlar a velocidade de que vinha imbuído de forma a  travá-lo quando deparou com os carros parados em fila única.

4. Este veículo sinistrante era pertencente a BB, e era conduzido por CC, tendo a marca Mercedes e a matrícula ..-..-SR.

5. Por contrato de seguro, apólice nº ...65, o veículo SR transferiu a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a aqui ré, Liberty Seguros, SA.

6. E o veículo do autor, HU, encontrava-se seguro através da apólice n.º ...14 na seguradora Ok Seguros, SA.

7. Do embate resultaram danos materiais na traseira do veículo do autor – HU – e na sua frente, por fato de ter sido impelido pelo SR contra o veículo precedente  QH.

8. E resultaram, outrossim danos na parte traseira deste último veículo.

9. A viatura do autor após o embate foi considerada economicamente irreparável e foi enviada para “salvados”.

10. Foram, também, danificados 2 aparelhos de electromedicina e um tablet  de marca Asus.

11. O autor já foi ressarcido pela seguradora ré, que reconhecendo a responsabilidade do condutor do carro seu segurado, o ressarciu dos danos acima especificados.

12. O autor nasceu em .../.../1973.

13. Como consequência direta e necessária da colisão traseira, ocorreu lesão  da coluna cervical do autor, a qual determinou uma repercussão temporária na  atividade profissional total de 573 dias – de 23.09.15 a 13.04.17.

14. E uma repercussão temporária na atividade profissional parcial de 105 dias, de 14.04.17 até 27.07.17.

15. O autor possui a licenciatura de fisioterapia e exercia a sua atividade profissional no Hospital de ..., SA, com a categoria de Técnico de 1ª Classe Medicina Física e  Reabilitação, da Carreira Superior Técnico Diagnóstico e Terapêutica em contrato de  trabalho em Funções Públicas, por tempo indeterminado.

16. Para além desta atividade vinculada, exercia, também atividade  profissional independente de fisioterapeuta.

17. Após o acidente, o autor referiu cervicalgia ligeira;

18. Por agravamento das queixas álgicas e parestesias no antebraço e mão direita recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Braga no dia 22.09.15, tendo realizado ressonância magnética cervical que revelou protusão disco osteofitária volumosa com compressão medular de predomínio direito.

19. Foi observado nos serviços clínicos da ré onde iniciou tratamento farmacológico e repouso sem melhoria da sintomatologia.

20. Posteriormente iniciou episódios de sensação de choque elétrico no membro inferior direito.

21. Por ausência de melhoria de sintomatologia, no dia 09.12.15 foi submetido a cirurgia com discectomia e artrodese com CAGE a nível C5-C6.

22. Por tal facto referiu que teve alguma melhoria da sintomatologia a nível do membro superior, contudo, mantem queixa até à presente data de distesias da mão direita, alterações de coordenação da mão direita, défice de força no membro superior direito associado a fadiga.

23. Suporta alterações do equilíbrio e da marcha devido a défice de força, alterações sensitivas e proprioceptivas no membro inferior direito.

24. Mantem queixas álgicas tanto a nível do membro superior e inferior direito de difícil controlo mesmo estando medicado com “alprazolam”, “duloxetina” e “gabapentina”.

25. Efectua ainda tratamento fisiátrico até à presente data mas, sem melhoria clínica.

26. Neste momento, mantém-se a trabalhar no Hospital de Braga, tendo sido feita reconversão profissional dentro da mesma área de trabalho, com restrição de carga.

27. As sequelas do acidente determinaram que tivesse de pôr termo à sua atividade profissional privada de fisioterapia.

28. Em 14.03.16, fez ressonância magnética da coluna cervical pela Drª DD, que efetuou o seguinte relatório:

Em C3-C4, C4-C5 e C6-C7, visualizam-se pequenos complexos discoosteofitárias circunferenciais (discretamente lateralizado à esquerda com C3-C4 e lateralizado à direita em C6-C7);

Fenómenos de uncartrose, bilateralmente;

Em C5-C6 observam-se sinais de intervenção cirúrgica, com presença de material hipointenso em T2, em T1 e em STIR no espaço inter-somático;

Neste nível admite-se ainda a presença de um complexo discoosteofitório circunferencial, de predomínio centro-lateral direito, que oblitera parcialmente o espaço subaracnoideu anterior e contato o cordão medular, podendo condicionar estiramento da raiz C6 direita. Ligeira redução da amplitude de conjugação, principalmente à direita.

29. Em 12.05.16, fez ressonância magnética pela Drª DD da coluna dorsal 30. Em 29.06.16, fez EMG, constando do relatório: Registo no Mi direito ligeiro défice de unidades motoras no território muscular da raiz S1.

31. Em 02.08.16, fez eletromiografia dos membros inferiores, constando do relatório: “Redução da ativação dos músculos investigados no membro inferior direito (fraqueza central)”.

32. Em 02.09.16, fez tomografia computadorizada coluna cervical, constando do relatório: Constata-se retilinização da habitual curvatura lordótica lombar;

Em C2-C3 não se observam significativas alterações degenerativas discovertebrais;

Em C3-C4 identifica-se uma protusão disco-osteofitária posterior centro-lateral esquerda do disco, que oblitera parcialmente o espaço subaracnoideu - adjacente, não sendo causa evidente da compreensão mieloradicular - os buracos de conjugação estão patentes;

Em C4-C5 nota-se uma protusão posterior do disco, de base larga, que oblitera parcialmente o espaço subaracnoideu adjacente, podendo contatar a medula espinal;

Os buracos de conjugação estão permeáveis;

Em C5-C6 notam-se sinais de intervenção cirúrgica, com presença de material cirúrgico no espaço intersomático e osteofitose somática posterior de base larga, que oblitera o espaço subaracnoideu adjacente que se associa uncartrose e hipertrofia das facetas articulares. Estas alterações que condicionam estreitamento do buraco de conjugação esquerdo. De referir a presença de material cirúrgico no espaço intersomático, que condiciona artefactos metálicos;

Em C6-C7 nota-se uma discreta protusão posterior não compressivo do disco, mantendo o canal raquidiano e os buracos de conjugação calibre normal.

33. Em 04.10.16, o Dr. EE (fisiatra) elaborou o seguinte relatório clinico -“Acidente de viação em 19/09/2015. Desde essa altura com distesias da mão direita, sobretudo polegar e défice de coordenação. Ressonância magnética cervical com discopatia C5-C6 com estenose canalar. Manteve alterações até 9/12/2015, realizou discectomia com CAGE C5- C6 pelo Dr. FF. Após 5 meses de pós-op. mantém discretas alterações de coordenação da mão direita e dificuldade para atividades motoras finas. Compromisso do equilíbrio direito significativo e alterações proprioceptivas a persistirem à direita desde a altura e hiposensibilidade térmica à esquerda.

Exame objetivo: sem alterações à palpação cervical. Hipertonia do músculo trapézio direito com pontos de gatilho 1 e 2 ativos. Amplitudes articulares completas. Força muscular C4-C5 normal, défice motor com C6-4/5; C7, C8 T1 com força muscular 4+/5. Força lombar de L2-S1 com grau 4/5. Hiperreflexia em todos os segmentos. Hipostesia de predomínio epicrítico a partir de C6 à direita. Compromisso proprioceptivo a partir do punho direito. Alterações térmicas à esquerda a nível do tronco e membro inferior. Portanto, traumatismo vertebro medular AIS nível C5 com síndrome medular de Brown-Sequard Clínico”.

34. Em 27.07.17, foi submetido a Avaliação de Dano Corporal Pós Traumático na Companhia de Seguros. Foi usada a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Decreto-Lei 352/07, de 23/10), nomeadamente os capítulos III com alíneas Nb0903 (4 pontos) e Md802 (13 pontos), sendo-lhe atribuído IPP de 17 pontos, com rebate profissional por esforços acrescidos e com cura clínica nesta data.

35. No Relatório de Medicina do trabalho do Hospital de Braga de 10.01.18 ficou a constar: “com doença crónica com interferência na função. Dor neuropática e depressão associada a acidente de viação.

Lesões permanentes: cicatriz na hemiface direita, perda da praxis fina a direita, atrofia muscular da perna direita. Adaptou a grande maioria das tarefas à mão esquerda.

Incapacidade de rotação da cervical para a direita.

Incapacidade para o trabalho: não consegue executar tarefas que exijam a manutenção da  força muscular do membro superior direito (episódio de quase acidente com um doente); não  consegue executar tarefas que exijam minúcia”.

36. Na ficha de aptidão para o trabalho do Hospital de Braga de 10.01.18, ficou a constar: “alteração das condições de trabalho. Apto condicionalmente. Com as seguintes recomendações; não pode movimentar cargas superiores a 5 kg nem ortostatismo prolongado superior a 1 hora; não pode executar tarefas que exijam o percurso de terrenos inclinados ou irregulares nem subir e descer escadas”.

37. Em 12.02.18, foi elaborado um relatório de perícia médica, junto a fls. 24 v a 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, contendo as seguintes conclusões:

1. A data consolidação das lesões é fixável em 27.07.17;

2. O défice funcional Temporário Total é fixável em 569 dias;

3. O Défice Temporário Parcial é fixável em 136 dias;

4. A Repercussão Temporária Absoluta nas atividades Profissionais é fixável em 569 dias;

5. A Repercussão Temporária Parcial nas atividades Profissionais é fixável em  136 dias;

6. O Quantum Doloris é fixável no grau 4/7;

7. O Défice Funcional permanente é fixável em 33 pontos;

8. As sequelas descritas são, em termos de repercussão na atividade profissional originárias de esforços acrescidos e de necessidade de reconversão profissional;

9. O Dano Estético Permanente é fixável no grau 2/7;

10. A repercussão nas atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2/7;

11. A repercussão na atividade Sexual é fixável no grau 3/7;

12. As necessidades permanentes correspondem a consultas de especialidades, exames complementares de diagnóstico, tratamentos regulares e ajudas medicamentosas.

38. A violência caracterizada pela projeção do carro do autor contra aquele  que o precedia, pela quebra do apoio da cabeça do lado do autor, pelo supino e inesperado embate traseiro, determinaram que o autor sofresse um enorme susto.

39. Que ainda hoje releva em situações idênticas, sempre temeroso que se repita um embate traseiro que o impossibilite definitivamente de trabalhar, de se mover, de se incapacitar totalmente para o trabalho e para a vida.

40. O autor sente desgosto, por não poder conduzir qualquer veículo automóvel sem medo. 41. Desde a data da eclosão das sequelas do acidente, o autor mantém queixas álgicas tanto a nível do membro superior e inferior direito de difícil controlo, mesmo estando medicado com alprazolam.

42. Tudo consequência do traumatismo cervical.

43. Suporta dor neuropática e depressão associada a acidente de viação;

44. Ficou com uma cicatriz no pescoço.

45. Ficou com atrofia muscular da perna direita.

46. Ficou com limitação de rotação cervical para a direita.

47. Não consegue executar tarefas que exigem a manutenção da força muscular do membro superior direito, o que é tanto mais relevante pelo fato de ser profissionalmente um fisioterapeuta com necessidade de usar o membro superior direito e a força muscular.

48. Não consegue realizar tarefas que exigem minúcia.

49. Não pode movimentar cargas superiores a 5 kg, por força das alterações das condições de trabalho.

50. Nem ostostatismo prolongado superior a 1 hora, não pode executar tarefas que exigem o percurso de terrenos inclinados ou irregulares, nem subir e descer escadas.

51. Tem dificuldade em acelerar o passo.

52. Não consegue correr.

53. Tem dificuldade nas posturas ostostáticas (sobretudo se prolongada).

54. Tem dificuldade para se colocar nas posições de cócoras e de joelhos, é incapaz de saltar.

55. Tem dificuldade para a manipulação e preensão fina da mão direita sobretudo por alterações da sensibilidade.

56. A sua tristeza é enorme, decorrente do estado em que ficou, com a restrição grave da sua atividade física e profissional.

57. Apresenta instabilidade emocional e tornou-se facilmente irritável.

58. Tem um sono perturbado por dor crónica no membro inferior direito.

59. Padece de diminuição da autoestima e um estado depressivo, perdeu a alegria de viver que o caracterizava antes do acidente.

60. Perdeu alguma sensibilidade do pénis, o que interfere no ato sexual, o deprime e lhe diminui a autoestima, sendo como é um homem casado e ainda jovem, bem como a sua mulher.

61. O membro superior direito e, sobretudo, o membro inferior direito facilmente apresentam fadiga quando faz esforço.

62. Por força da diminuição da sua atividade física engordou 6 kg, quando o peso inicial à data do acidente era tão só de 71 kg.

63. Tem mais dificuldade em calçar-se dada a limitação de movimento.

64. Alimenta-se pelos seus próprios meios, mas necessita de ajuda para que lhe preparem ou cortem alguns alimentos.

65. Só pode conduzir automóvel desde que este possua mudanças automáticas, o que torna mais caro o preço do veículo.

66. Depende de terceiros para transporte de sacos pesados, o que muito o afeta, não consegue pegar ao colo os seus três filhos menores.

67. Teve de deixar de praticar atividade desportiva que regularmente praticava, a corrida pedestre e o ciclismo.

68. A sua atividade profissional está definitivamente afetada e a que executa determina-lhe esforço acrescido, com limitação de carga de 5 kg, não consegue abordar todos os tipos de doentes que previamente ao acidente tratava, o que determinou a reconversão no seu posto de trabalho.

69. Na execução da sua atividade de terapeuta ficou com limitações qualitativas e quantitativas de produtividade.

70. Teve de cessar o exercício da sua atividade privada de profissional de fisioterapia, por incapacidade de poder promover tratamentos pessoais aos seus doentes.

71. Suporta na coluna cervical uma cicatriz cirúrgica transversal com 5 cm.

72. Suporta uma limitação na rotação cervical para a direita com arco de 0-45 graus.

73. No teste segmentar da força muscular, apresenta:

- Hemiparesia direita com membro superior direito - extensão e flexar do cotovelo grau 4/5;

- défice de força muscular nos movimentos do punho de grau 4 em 5;

- limitação da força muscular no membro inferior direito no grau 4 em 5;

- atrofia muscular da coxa direita de 3 cm;

- com pinças moderadamente funcionantes nos dedos da mão direita, sobretudo na coordenação fina;

- diminuição da sensibilidade táctil de todo o membro superior direito e discreta no membro inferior direito;

- equilíbrio estático razoável.

- não tolera deambular em calcanhares, apresenta claudicação do membro inferior direito, dificuldade em fazer marcha em pontas dos pés.

74. A data da consolidação ocorreu em 27.07.17, coincidente com alta clínica.

75. O Quantum Doloris foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em consideração o sofrimento físico e psicológico resultante da vivência do traumatismo, das lesões sofridas, dos tratamentos instituídos e o período de reabilitação profissional.

76. O autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 32 pontos.

77. As sequelas de que padece o autor são, em termos de repercussão na atividade profissional originárias de esforços acrescidos e de necessidade de reconversão profissional.

78. Ficou com um Dano Estético Permanente fixado no grau 5/7 graus, pelas cicatrizes e claudicação da marcha.

79. A Repercussão na Atividade Sexual foi fixada no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em consideração alterações da sensibilidade a nível peniano com repercussão no ato sexual.

80. As Repercussões nas Atividades desportivas e de Lazer foram fixadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em consideração que deixou de praticar atividade desportiva nomeadamente corrida e ciclismo que praticava de forma regular.

81. O autor ficou com as seguintes necessidades permanentes:

- Consultas de especialidades, exames complementares de diagnóstico e tratamentos regulares: correspondem à necessidade de recurso regular a acompanhamento e tratamentos médicos para evitar o retrocesso ou agravamento das sequelas (e.g., fisioterapia);

- Ajudas medicamentosas: correspondem à necessidade permanente do recurso a medicação regular (e.g., analgésico e/ou epilépticos) sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações diárias.

82. Ao autor foi fixado, no Hospital de Braga, sua entidade patronal, redução do horário de trabalho para 50% e foi objeto de reconversão profissional na atividade hospitalar, por causa da fadiga, dor neuropática e, por estar impossibilitado de tratar pacientes do foro neurológico que implicam grande esforço físico e ou tratamentos que implicam destreza de movimentos.

83. Antes do acidente trabalhava essencialmente na área de reabilitação neurológica, sobretudo doentes profundos com tratamento prolongado e com grande exigência física para o autor.

84. Eram sobretudo doentes neurológicos que a si recorriam após obterem alta hospitalar, e que o autor assumia o tratamento em atividade profissional independente.

85. Mas, por força das sequelas suportadas com o sinistro danoso, deixou do poder exercer tal atividade profissional independente, dado o esforço físico que já não pode despender, o tempo superior a uma hora de trabalho, que já não consegue suportar, a incapacidade de movimentação e flexão de que passou a padecer.

86. O autor à data do acidente auferia o vencimento base bruto de € 1.145,33, como técnico de 1ª classe e o subsídio de refeição de € 23,00 por dia.

87. Atualmente aufere um vencimento mensal de € 687,20, acrescido de subsídio de refeição de € 20,00 por dia.

88. De rendimentos do trabalho em termos globais relativos ao ano anterior ao acidente o autor auferiu € 14.632,67 de rendimento de trabalho dependente, mais € 3.460,00 de rendimentos relativos a prestações de serviços faturados.

89. Por força do acidente e da sua incapacidade para o trabalho, com redução horária para metade, aufere atualmente de salário base € 687.20 por 14 meses.

90. [Eliminado]

91. Na sua atividade profissional independente, no ano do acidente:

- Do doente GG recebia € 450,00 por mês;

- Do doente HH recebia € 200,00 por mês;

- Do marido de II, já falecido e que o autor tratou durante 16 anos, até à data do acidente, recebia mensalmente a quantia de € 750,00 por mês;

- Do JJ recebia € 200,00 por mês;

- De KK recebia e 200,00 por mês;

- De LL recebia € 300,00 por mês.

92. Toda esta sua atividade profissional de fisioterapeuta efetuada em casa dos clientes, determinou-lhe um proveito anual de cerca de € 25.200,00 anuais, a que acrescido dos seus vencimentos mensais (€ 14.632,67), perfez um valor anual de € 39.832,67.

93. atividade profissional independente que poderia continuar a exercer até, pelo menos, a idade da reforma.

94. [Eliminado]

95. O autor terá sempre de utilizar um carro com velocidades automáticas.

96. Terá de adquirir fármacos para combater a dor, a depressão e a irritabilidade, até ao fim dos seus dias.

97. Terá despesas com medicamentos e tratamentos de fisioterapia até ao termo da sua vida.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista importa em saber se a indemnização fixada pela decisão recorrida a título de perda de capacidade de ganho, dano biológico e danos não patrimoniais deve ser alterada.

… …

No essencial, a recorrente sustenta que eram os rendimentos líquidos e fiscalmente declarados os que deveriam ter sido tomados em consideração na fixação do dano referente à perda da capacidade de ganho e que, por a decisão recorrida ter aceitado como referência o rendimento bruto e não fiscalmente declarado deve ser alterada.

Como advertência liminar deixamos registo de que o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões que “tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis (…)”.Cf. ac. do STJ de 20.11.2019, proferido no processo nº 1585/12.4TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. Sendo certo que na determinação de indemnizações por perda da capacidade de ganho, dano biológico, na sua vertente patrimonial  e não patrimonial há que fazer apelo a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, esse juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério matemático, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido. Salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.

Realizando-se a fixação dos danos na presente ação através da aplicação de critérios de equidade e não através de fórmulas matemáticas que, podendo ser tomadas em consideração como indicadores de alguma uniformidade nunca são decisivas e muito menos determinantes, enuncia-se desde já que a questão a solver é a de saber se a indemnização fixada realiza essa equidade com os elementos de prova obtidos. Não se trata só de saber se os rendimentos provados são brutos ou líquidos, fiscalmente declarados ou não, mas sim se esses elementos permitem que segundo a equidade a indemnização seja fixada e se a que foi cumpre estes imperativos.

Sustentando e defendendo a equidade como critério, a recorrente reconduz o seu empenho recursivo à ideia segundo a qual a decisão recorrida utilizou uma fórmula de cálculo com base nos rendimentos brutos e fiscalmente não declarados e que, na subsistência dessa mesma fórmula que aceita, devem apenas ser substituídos os valores tomados em consideração por aqueles outros que ela propõe e que conduz à obtenção de um resultado menor. Ou seja,  em vez de € 458,13 x 14 meses x 37 deveria ser aplicado €136,09 x 14m x 37 = €70.494,62, total que deveria ser abatido em função dos anos de vida ativa e não de esperança de vida do autor para o valor de € 55.252,54 resultante da fórmula €136,09 x 14m x 29a.

 Ora, mesmo que seja importante, e é,  apurar quais os rendimentos concretos que constituem para o autor uma perda efetiva e, nesse âmbito, interesse tomar atenção à diferença que existe entre rendimentos brutos e líquidos (já que os rendimentos fiscalmente não declarados não é por não terem sido declarados que deixam de ser uma perda efetiva) a questão da determinação da indemnização não se esgota na decisão dessa matéria uma vez que não é uma fórmula, mesmo que pudesse ter sido utilizada pelas instâncias, o que releva para o valor da indemnização.

Posto isto, na abordagem à questão de poderem ser tomados em consideração no cálculo da indemnização rendimentos não declarados fiscalmente entende-se que a resposta deve ser afirmativa.

Refere o Tribunal Constitucional no Ac. nº 383/2012, in DR 2ª S., de 21-09-2012 que, “… os acidentes de viação estão, frequentemente, na origem de danos graves, pelo que o legislador, reconhecendo a utilidade social da circulação rodoviária, e pretendendo salvaguardar o direito ao efetivo recebimento da justa indemnização pelos lesados, criou mecanismos adequados a proteger o equilíbrio entre a manutenção de tal atividade e a proteção das vítimas. É nessa lógica que se integra a instituição do regime de seguro obrigatório”. Neste e noutros arestos do mesmo Tribunal é entendido que o legislador pretendeu dar prevalência à celeridade na resolução do conflito, mas que tal ideia de celeridade processual e celeridade na obtenção do ressarcimento, não pode prejudicar os lesados pela exclusão de outros meios de prova que coadjuvassem a fixação da indemnização do efetivo dano sofrido. E a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, como preceitua o art. 563 do Cód. Civil.

Por essa razão aquele Tribunal decidiu a inconstitucionalidade da norma que previa que na indemnização se tenha em conta o vencimento líquido “por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, e do direito à justa reparação dos danos, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa extraída do n.º 7 do artigo 64.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto -Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto, correspondente ao entendimento segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período”.

Isto mesmo é declarado no ac. do STJ de 21-3-2019 no proc. 1069/09.8TVLSB,L2.S2. desta mesma secção apresentado como fundamento (para a questão dos rendimentos brutos ou líquidos) e que quanto aos rendimentos não declarados recusa e afasta a posição da recorrente. Embora a declaração de inconstitucionalidade não implique por si só que tenham de ser considerados os rendimentos não fiscalmente declarados (dizendo-se ser inconstitucional a norma que o proibia), importa ter presente que essa possibilidade depende já não da circunstância de eles terem sido ou não declarados fiscalmente, mas sim de terem tido demonstração com a prova e este aspeto não está em discussão nos autos onde os factos que servem a decisão são os que se encontram julgados como provados e que neste recurso de revista não tiveram impugnação (a que seria permitida para este STJ).

Acresce que a não declaração fiscal dos rendimentos não faz presumir má-fé reveladora de falta de ética fiscal o que só de factos provados poderia/poderá resultar como conclusão normativa, como parece decorrer implicitamente da decisão do tribunal constitucional que não valorou esta dimensão do problema, preferindo deixar sublinhado que o dever de considerar apenas os rendimentos líquidos do lesado fiscalmente comprovados, para a fixação da indemnização por danos patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil por acidente de viação, traduz um desvio ao princípio geral conformador da obrigação de indemnização: a reconstituição da situação atual hipotética (cfr. o artigo 562.º do Código Civil) e, bem assim, ao modo comum de cálculo da indemnização em dinheiro, ou seja, de acordo com a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil segundo o qual “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal , e a que teria nessa data se não existissem dano”.

 Assente que esteja provado, como está, que o autor recebeu determinados rendimentos ainda que parte deles não tenha sido fiscalmente declarada, a circunstância da não declaração não afasta a relevância destes rendimentos no cálculo da indemnização uma vez que esse recebimento, ao ser demonstrado, inscreve a situação patrimonial do lesado a ter em atenção sendo este elemento o que sobreleva para efeitos de cálculo da diferença em termos de indemnização mesmo que confrontado com o comportamento ético fiscal. A ponderação desse eventual confronto entre o compromisso fiscal do particular, como dever de cidadania, foi realizada pelo TC que se pronunciou no sentido da preferência da objetividade dos rendimentos, o que não aconteceria se não tivesse declarado como declarou a “inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, da norma constante no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 153/2008, de 6 de agosto, segundo a qual, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado, no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao mesmo, o tribunal apenas pode valorar os rendimentos líquidos auferidos à data do acidente, que se encontrem fiscalmente comprovados, após cumprimento das obrigações declarativas legalmente fixadas para tal período.”

Diga-se até que declarada inconstitucional a norma que reduzida a valoração dos rendimentos para efeitos de indemnização aos líquidos e fiscalmente declarados, limitando a prova a estes últimos, não teria coerência lógica nem coerência normativa que se permitisse a prova de rendimentos não declarados fiscalmente mas que, após esta admissão de prova e o seu resultado, se tornasse o mesmo irrelevante como forma de sanção ética por não se ter realizado a declaração. Declarada a inconstitucionalidade da norma como o foi não vemos como não ser admitir que os rendimentos fiscalmente não declarados sejam tomados em consideração no cálculo da indemnização, de na ponderação equitativa do caso concreto, com a sua componente de justiça se dever revelar a circunstância de o rendimento não ter sido declarado fiscalmente no que isso importa a esse cálculo.

Num segundo momento, conjugado com o anterior, a recorrente defende que os rendimentos que valem para o cálculo indemnizatório são os líquidos e não os brutos e, deste modo, os factos provados revelam que “O autor à data do acidente auferia o vencimento base bruto de € 1.145,33, como técnico de 1ª classe e o subsídio de refeição de € 23,00 por dia; atualmente aufere um vencimento mensal de € 687,20, acrescido de subsídio de refeição de € 20,00 por dia; de rendimentos do trabalho em termos globais relativos ao ano anterior ao acidente o autor auferiu € 14.632,67 de rendimento de trabalho dependente, mais € 3.460,00 de rendimentos relativos a prestações de serviços faturados; por do acidente e da sua incapacidade para o trabalho, com redução horária para metade, aufere atualmente de salário base € 687.20 por 14 meses.”.

Os elementos que a recorrente pretender fazer interceder no cálculo da indemnização e que remetem para eventuais recibos anteriores e posteriores à data do sinistro não são aqui releváveis uma vez que este Tribunal apenas pode tomar em consideração os factos provados e esses recibos não fazem parte do elenco dos mesmos. Mesmo que as instâncias se tenham socorrido de recibos ou declarações de IRS como elementos probatórios, não é a esses elementos, mas sim ao que eles permitiram fixar como matéria provada que podemos tomar em consideração na decisão a proferir e, nestes termos, o juízo de equidade faz-se com base no que se julgou provado e foi transcrito anteriormente.

Resultando do acidente e suas sequelas para o autor uma quebra de rendimento que em termos brutos se situa na diferença entre 1.145,33 e € 687,20, é forçoso pensar que mesmo a reduzirem-se estes valores para aqueles que correspondessem/corresponderiam  aos montantes líquidos, que não foram apurados, sempre teria de concluir-se que a redução sofrida nos rendimentos que foi sensivelmente de metade, com redução proporcional, se manteria em valor equivalente tendo sido esse, afinal, o que foi tomado como referência de cálculo nas instâncias. Em termos lógicos, sem outra prova, não teria coerência nem segurança (lógica) aceitar-se que apenas o valor maior era bruto mas que o menor era líquido e que, dessa forma, apenas o primeiro fosse reduzido. Não cabendo ao tribunal proceder ao cálculo da tributação do(s) vencimento(s) bruto(s) do autor não se pode obter como facto provado, a partir dessa operação de cálculo que o recorrente protesta, qualquer rendimento líquido mas, por essa razão, teremos de considerar como desprovido de vício o raciocínio das instâncias quando tomaram a diferença entre os dois valores julgados como provados para realizarem o cálculo equitativo da indemnização tomando como referência que o autor viu os seus rendimentos de trabalho dependente reduzidos. Não pode desautorizar-se este entendimento com o argumento baseado na suposição de que o abatimento do rendimento bruto para o líquido sofreria sempre maior redução no rendimento maior e que por isso a proporção de metade não prevaleceria. Para se poder concluir desse modo a prova teria de conter factos que o permitissem e esses factos seriam os consistentes com ter sido demonstrado os rendimentos líquidos concretos antes e depois do sinistro. Não existindo essa prova mantém-se intocável a conclusão de que o autor sofreu redução em cerca de metade dos rendimentos de trabalho dependente e que esse valor deve ser tomado em consideração para o cálculo da indemnização, sem embargo de num juízo de equidade se poder/dever ter presente a probabilidade razoável de em termos líquidos o valor percebido pelo autor com o trabalho dependente antes do acidente poder sofrer uma maior redução que o recebido depois. Aliás, é também a equidade que recomenda esta atenção à ausência de uma prova concreta sobre os valores líquidos do trabalho dependente (que não foram alegados e como assim não poderiam ser obtidos nos autos) não se podendo ficcionar uma certeza de valores, embora se possa e deva ter por base/referente a segurança de ter existido uma redução em sensivelmente metade do que era recebido e que esse valor, a diferença entre os valores brutos nos termos anteditos, será aproximadamente o que foi considerado nas instâncias.

Como entendido repetidamente - cfr. por todos o Ac. de 20/5/10, proferido no proc. 103/2002.L1.S1 - o “juízo de equidade” das instâncias deve ser mantido salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade. E também, conforme entendimento deste STJ, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro dimensões: a primeira averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; a segunda se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; a terceira avaliar se na definição dos danos dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados – v.g. no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado -;  a quarta, se na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. É destra forma que se empreende que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade e conduza a uma decisão razoável . vd. ac. STJ de 12-11-2020 no proc. 14697/16.6T8LSB.L1.S1.

Respeitando estes imperativos, com apreciação dos mesmos no caso em decisão, observamos que o método de cálculo das instâncias foi o de, através de uma operação matemática, apurar a diferença entre o que era recebido pelo autor antes do acidente e o que ficou a receber depois; multiplicar essa diferença por 14 meses e, subsequentemente,  esse resultado pelos anos (37) correspondentes á esperança de vida do autor, temperando por fim esse resultado com uma redução de 10% , reflexo da circunstância de receber de uma só vez esse montante.

Quanto a esta operação, deixamos desde já aceite que no cálculo deve ter-se por referência a esperança de vida e não simplesmente o período de vida ativa (até à reforma) e também que a taxa de juros de redução deverá ser de 10% e não de 25% como a recorrente defende, e isto pelas mesmíssimas razões que as instâncias declararam, em consonância com a jurisprudência praticamente unânime do STJ neste domínio – por todos os acs. do STJ de 9-9-2015 no proc. 146/08.7PTCSC.L1.S1 e o de 3-3-2021 no proc. 3710/18.2T8FAR.E1.S1. Todavia, quanto ao cálculo do valor da indemnização pelo trabalho dependente, porque antes se deixou expresso que com grande probabilidade a diferença de valor entre o recebido antes e depois do acidente pelo autor não será exatamente o valor de  € 458,13 mas sim algo aproximado, mas menor, entendemos que segundo os critérios de equidade enunciados o valor global desse segmento deverá situar-se em 200.000,00€ (duzentos mil euros)  e não nos €213.580,20 fixados na decisão recorrida – pode ver-se neste segmento de trabalho dependente o ac. do STJ de 23-5-2019 no proc. 2476/15.

Quanto aos danos referentes ao trabalho independente, o cálculo das instâncias tomou por referência uma média de 5 doentes a pagarem cerca de € 200,00 mensais a multiplicar por 12 meses, até aos 70 anos, sendo adequado que  se tenha ponderado neste segmento um período de atividade inferior à esperança de vida limitando-se à vida ativa. Reforçamos, no entanto, a ideia de imprevisibilidade do número de doentes que o autor poderia vir a obter, não podendo com a mesma segurança do rendimento do trabalho dependente afirmar-se que esses 5 doentes mensais e o valor que lhe foi correspondido seja de todo seguro e menos ainda uniforme. Cremos que a procura desses tratamentos, no quadro fornecido pela prova, por não serem fiscalmente declarados e não proporcionarem aos doentes uma declaração fiscal para efeitos de dedução no IRS, num tempo presente/ futuro que não se apresenta assente em bases sólidas no que concerne à prognose das  disponibilidades financeiras comuns dos cidadãos fora do quadro a gratuidade do SNS para suportarem por si aquele tipo de tratamentos, recomenda uma contenção superior à observada pelas instâncias. Se por um lado tem de concluir-se que o autor obtinha maiores rendimentos no trabalho independente que no trabalho dependente, ainda que aquele fosse subsidiário deste,  entendemos que segundo as regras de equidade se a indemnização referente a este trabalho independente deve situar-se em  montante superior ao do independente, não deve haver uma diferença com o montante fixado para aquele outro (o dependente) tão significativa devendo antes fixar-se em 250.000,00 € a indemnização neste domínio – vd. ac. do STJ de 21-01-2016 no proc. 76/12.8T2AND.P1 .S1 como fundamentação para a contenção em matéria de fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros, como corolário da teoria da diferença, quanto a hipotéticos ganhos salariais.

Quanto ao dano biológico, fixado pelas instâncias em 60.000,00€, o que está em causa é determinar, como autonomamente indemnizável, a perda parcial de uma plenitude de capacidades pessoais, com possível incidência – não apenas nas atividades da vida pessoal e familiar do lesado – mas também no exercício futuro de atividade laboral, decorrente das sequelas causadas pelo acidente: na verdade, no caso dos autos, o lesado passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 32 pontos  Este dano tem plena autonomia relativamente aos danos não patrimoniais, (abalo psicológico sofrido, dores intensas incapacitação para uma vida social e pessoal ativa)-

Não existindo casos iguais que possam ser reproduzidos como matriz de uniformização a jurisprudência deste STJ serve de padrão referenciador e assim,  não merece censura a indemnização fixada a este título, tendo em conta as especificidades do caso enunciadas e os princípios da equidade. Com atenção à idade do autor 41 anos, ao valor do rendimento auferido, o défice funcional permanente de  32 pontos, o seu modo de vida e a sua esperança de vida o montante fixado respeita o quadro de referência da jurisprudência nesta sede o que é consultável na extensa lista de acórdãos deste STJ  consultável em dhttps://www.stj.pt/wp-content/uploads/ 2022/03/.pdf - destacam-se nessa lista, para lá dos que foram citados na decisão recorrida, até com anterioridade temporal, os acs. de 3-11-2016 no proc. 1971/12; de 25-5-2017 no proc. 60/12 e o de 13-7-2017 no proc. 1167/13.

No âmbito da indemnização por danos não patrimoniais que as instâncias fixaram em 50.000,00 € repetem-se as razões de ordem mencionadas no domínio do dano biológico e o sentido de uniformidade possível que que deve observar-se com os critérios da equidade e as circunstâncias concretas do caso, sendo também aqui evidente que a quantia fixada respeitou a avaliação equitativa que tem respaldo na jurisprudência deste STL citada na decisão recorrida mas que, tem expressão na jurisprudência anterior onde os valores obtidos são idênticos – vd. os acs. de 21-6-2016 no proc. 1021/11 e de 7-4-2016 no proc. 55/12.

Nesta conformidade deve a decisão recorrida ser revogada parcialmente quantos aos valores arbitrados a título de perda da capacidade de ganho que se fixa em 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) mantendo-se no mais a decisão recorrida.

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 Síntese conclusiva

No cálculo da indemnização pelos danos patrimoniais futuros os rendimentos a que deve atender-se são os rendimentos recebidos pelo lesado tenham sido eles fiscalmente declarados ou não.

- Sendo por regra a indemnização calculada com base nos rendimentos líquidos do lesado se a prova dos rendimentos brutos revelar a diferença entre o que era recebido antes e o que se ficou a receber depois do acidente, essa diferença permite que se realize o cálculo uma vez que, mais que o não conhecimento dos rendimentos líquidos não obsta a que se conheça o valor da perda do lesado.

-  O “juízo de equidade” das instâncias deve ser mantido salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, misto é, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística.

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Decisão

Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar parcialmente procedente a presente revista e, em consequência, revogar a decisão recorrida quanto à indemnização pela perda da capacidade de ganho que agora se fixa em 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) ) condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia global de 560.000,00 € (quinhentos e sessenta mil euros) - que na que na decisão recorrida fora fixada no valor de € 636.780,20 - a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Acorda-se em julgar em tudo o mais a revista parcialmente improcedente e manter a decisão recorrida.

 Custas por recorrente e recorrido na proporção do seu decaimento.


Lisboa, 30 de março de 2023


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves