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Jurisprudência
Sumário

I - Não ocorrendo nenhuma das situações expressamente previstas no art. 671.º, n.º 2, do CPC não é admissível recurso de revista do acórdão do tribunal da Relação que confirmou a decisão proferida em primeira instância que não admitiu a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir nem, subsidiariamente, a apresentação de articulado superveniente.

II - O preceito em causa não contém qualquer lacuna – nem ela seria susceptível de ser integrada com recurso a analogia – ao não arvorar em requisito formal de admissibilidade do recurso de revista a natureza substancial das questões colocadas em articulado não admitido.

Decisão Texto Integral

Em nome do POVO PORTUGUÊS, acordam em Conferência os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


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INTRODUÇÃO

1) AA intentou contra “Socolote-Imobiliária, S. A.”, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL e massa insolvente de “Dekaura – Imobiliária, Ld.ª” acção declarativa visando a condenação dos réus nos seguintes termos:

a) Condenarem-se os cinco co-réus fundadores da sociedade primeira ré, a verem declarada a nulidade da escritura pública celebrada em 7 de outubro de 2002 e constitutiva da sociedade anteriormente designada «P..., S.A., atualmente «Socolote-Imobiliária, S. A.», com base em simulação consistente na divergência intencional entre a vontade declarada pelos outorgantes e a sua vontade real, tendo como intenção defraudar a lei e prejudicar terceiros de boa fé entre os quais o autor e seu falecido irmão;

b) Ordenar-se o cancelamento da respectiva matrícula;

c) Ser declarada a nulidade das escrituras públicas de compra e venda, celebradas em 18 de julho de 2000, 27 de julho de 2000, 17 de agosto de 2000, 28 de junho de 2001 e 10 de maio de 2002, por simulação, dado ter havido conluio entre as partes contratantes, maxime, dos réus CC e LL, e divergência intencional entre a vontade formalmente declarada e a sua vontade real, no tocante ao pagamento do respectivo preço, com a intenção de defraudar a lei e prejudicar o autor e seu falecido irmão;

d) Ordenar-se o cancelamento das inscrições feitas com base em tais escrituras;

e) Condenar-se a ré, massa insolvente de «Dekaura…» a reconhecer que o Autor tem o direito de habitar a fração “D”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na rua ..., descrita na C. R. P. de ..., sob a ficha n.º ...99/..., enquanto vivo for e de modo gratuito.

f) Condenar-se a ré, massa insolvente de «Dekaura…» a ver judicialmente, reconhecida, a nulidade das escrituras públicas de compra e venda acima aludidas por não ter pago o respectivo preço, ordenando-se o cancelamento das respetivas inscrições feitas com base nelas, junto da conservatória do registo predial de ....

g) Condenar-se a Ré, massa insolvente de «Dekaura…» a pagar ao Autor, todos os prejuízos, quer patrimoniais quer não patrimoniais e que se vierem a verificar desde a data da entrega efetiva do apartamento e até sua efetiva reocupação e a liquidar em execução de sentença.

h) Condenarem-se, os co-réus, CC e LL, a verem judicialmente reconhecida a nulidade da escritura publica de compra e venda celebrada em 18 de julho de 2000;

i) Ordenar-se o cancelamento de todas as inscrições feitas;

j) Condenarem-se, todos os réus, solidariamente, dada a sua má-fé e conduta dolosa, em conjugação de esforços e em fraude à lei e em prejuízo de terceiros de boa-fé, a pagarem ao autor, a quantia de 211 385,96 EUR, acrescida dos juros de mora já vencidos e calculados até à data da propositura da ação, no montante de 50.000,00 euros e vincendos à mesma taxa de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente e para a hipótese de assim se não entender, dada a má-fé, abuso de direito e fraude à lei, consistente em sobreposição de esferas jurídicas, confusão de patrimónios e domínio por uma única pessoa física, ou seja o co-réu, CC, de forma reiterada, com intuito de prejudicar terceiros, deve desconsiderar-se a atribuição da personalidade jurídica coletiva, de que gozam as sociedades, co-rés, “Socolote-imobiliária, S. A.” e “Dekaura – Imobiliária, Ld.ª”, ora massa insolvente, pede o autor a sua condenação solidária a pagarem ao autor, a referida quantia de 211.385,96 EUR, acrescida dos juros de mora já vencidos e calculados até à data da propositura da ação, no montante de 50.000,00 euros e vincendos à mesma taxa de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento.

2) Na sequência de decisão que absolveu os réus em virtude da existência de caso julgado viria o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 11 de novembro de 2021, a determinar o prosseguimento dos autos apenas quanto aos pedidos identificados supra nas alíneas a), b), e) e g), e, eventualmente, do pedido subsidiário, isto é, para apreciação dos pedidos de declaração de nulidade da escritura de constituição da sociedade “P..., S.A.” e cancelamento da respectiva matrícula e de condenação da massa insolvente da “Dekaura – Imobiliária, Ld.ª” a reconhecer o direito de habitação do autor na fracção que este identifica e no pagamento dos prejuízos que o autor sofreu e venha a sofrer desde a data da entrega de tal fracção até à sua reocupação.

3) Em consequência do mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi proferido, em 10 de maio de 2022, no Tribunal de primeira instância despacho saneador que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

4) Em 25 de maio de 2022 o autor apresentou requerimento, invocando o disposto no artigo 265.º n.º 6 do Código de Processo Civil, no sentido de modificar as causas de pedir e os pedidos apresentados na petição inicial, pedindo também, a título subsidiário, para o caso de tal modificação não ser aceite, a admissibilidade do requerimento como articulado superveniente.

5) Os réus opuseram-se à alteração da causa de pedir e do pedido.

6) Por decisão proferida em 27 de outubro de 2022 o tribunal de primeira instância não admitiu a alteração da causa de pedir e do pedido nem a junção do requerimento a título de articulado superveniente.

7) Inconformado o autor interpôs recurso autónomo de tal decisão, requerendo junto do Tribunal da Relação do Porto que a mesma fosse revogada e substituída por decisão de admissão ou que o requerimento fosse considerado como modificação da causa de pedir e do pedido ou articulado superveniente.

Por seu acórdão de 20 de abril de 2023 o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida.

8) O autor interpôs então recurso de revista desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por despacho do Juiz Desembargador relator proferido a 12 de junho de 2023, essencialmente com fundamento no facto de o recurso de revista não ser admissível face ao disposto no artigo 671.º n.º 1 e 2 – nem do artigo 629.º n.º 2 – do Código de Processo Civil.

9) O autor apresentou então reclamação de tal despacho ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil, visando a sua revogação e a admissão do recurso de revista por si interposto.

São do seguinte teor as conclusões que insere na parte final da reclamação:

A) O presente recurso de revista continuada, é legalmente admissível, já que subsumível nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil

B) In casu, a vexata questio, doutamente conhecida e decidida, pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de 20 de abril de 2023, apesar de interlocutória é de natureza materialmente, substancial e não meramente adjectiva.

C) Não se verifica a dupla conforme, nas duas Instâncias, impeditiva da admissibilidade do presente recurso, já que o essencial do percurso cognitivo delas decorrente não foi o mesmo, em termos substanciais e formais.

D) Mal andou, pois, o douto despacho reclamado ao não admitir o presente recurso, o qual deve ser revogado e substituído por outro, que admita o recurso ora interposto, com as legais consequências.

E) Apesar de se tratar, in casu, de uma decisão interlocutória, tal não é impeditivo da admissibilidade do recurso interposto, já que a mesma tem natureza substancial e regulou de vez tal matéria e o nosso sistema de recursos, é unitário.

F) A manter-se o douto acórdão recorrido, o que não se aceita, mas se acautela, tal significa uma muito maior dificuldade de obter ganho de causa, máxime, quanto ao pedido principal de simulação de pacto social e subsidiário de desconsideração de personalidade jurídica coletiva, dada a íntima conexão subjetiva e objetiva, existente e interdependência entre os pedidos principais e incidente ora suscitado e daí a manifesta conveniência deste dever ser, legalmente, admitido, sob pena de causar grave dano ao autor/recorrente e tornar inviável ou quase impossível, fazê-lo, em ação própria, dada a sua complexidade.

G) A vexata questio, ao contrário do suportado pelo douto despacho reclamado, não tem natureza adjetiva e daí não ser impeditiva da admissibilidade do recurso de revista interposto.

H) Violou, o douto despacho reclamado, por erro de subsunção, o disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil.”

10) Por despacho proferido a 15 de julho de 2023 pelo Juiz Conselheiro relator ao abrigo do disposto no artigo 643.º n.º 4 do Código de Processo Civil foi a reclamação desatendida e mantido o despacho reclamado.

11) Notificado de tal decisão singular o autor requereu que sobre a matéria do despacho de 15 de julho de 2023 fosse emitida pronúncia colectiva, reunindo este Supremo Tribunal de Justiça para o efeito em conferência.

O autor concluiu o seu requerimento pela forma seguinte:

“A) O presente recurso de REVISTA, é LEGALMENTE, ADMISSÍVEL, dado estarem reunidos, in casu, os respetivos pressupostos, factuais e jurídicos.

B) Deve, assim, REVOGAR-SE, o douto despacho, ora reclamado, o qual deve ser substituído, em CONFERÊNCIA, por douto ACÓRDÃO, que ADMITA, o recurso de REVISTA interposto, dado a tal NADA obstar.

C) Violou o douto despacho ora reclamado por erro de subsunção, o disposto no artigo 671.º n. 1 do Código de Processo Civil e artigos, 8.º n.º 3, 9.º, 10.º n.º 3 e 11.º, todos do Código Civil, já que fez uma interpretação destes normativos, meramente, formal e RESTRITIVA e não consentida por lei nem pelo sistema jurídico no seu conjunto.

D) O caso sub iudice, apesar de ser uma decisão INTERLOCUTÓRIA, tem natureza SUBSTANCIAL e não meramente ADJETIVA e o douto acórdão, do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que dela conheceu, de MÉRITO, uma vez transitado, tem força de caso julgado, dentro e fora do processo e daí que o recurso de REVISTA, seja legalmente, admissível, sob pena de denegação de JUSTIÇA.

E) In casu, há que fazer uma interpretação da norma a subsumir, ao caso concreto, por ANALOGIA IURIS e não apenas por analogia LEGIS, sob pena de subverter o sistema jurídico no seu conjunto, que é harmonioso e hierarquizado.

F) Só é proibida a interpretação ANALÓGICA, (ANALOGIA LEGIS), a normas EXCECIONAIS, o que NÃO se verifica, in casu, sendo certo que sempre era possível o recurso à ANALOGIA IURIS.

G) Mal andou, pois, o douto despacho ora reclamado, ao NÃO admitir o recurso de REVISTA interposto.”

12) Cumpre apreciar sendo a questão que vem colocada a da admissibilidade do recurso de revista interposto pelo autor.

O recurso interposto e ainda não admitido tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a inadmissibilidade da modificação da causa de pedir e do pedido nem, subsidiariamente, a consideração do requerimento a título de articulado superveniente.


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FUNDAMENTAÇÃO

13) Dando-se por reproduzidos os factos constantes da antecedente Introdução consigna-se que o despacho proferido pelo Senhor Juiz Desembargador relator é do seguinte teor integral:

“Nos termos do artigo 629.º, do Código de Processo Civil, temos que:

“1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

Os pressupostos do n.º 1 estão preenchidos in casu.

A decisão recorrida consiste em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que confirma decisão da 1.ª instância que, em 27/10/2022, julgou inadmissível a não alteração simultânea da causa de pedir e pedido e a junção do articulado superveniente.

Nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”

Aquela decisão recorrida não conhece do mérito da causa pois não apreciou da procedência ou improcedência dos pedidos (quedou-se a decisão por um momento anterior a tal pronúncia ao não admitir a alteração de pedido) nem absolveu da instância (veja-se António Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, página 344, mencionando que não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça “o acórdão que determine ou confirme a rejeição da ampliação do pedido na medida em que não corresponde a qualquer forma de extinção da instância”. 1

Nos termos do n.º 2, do citado artigo 671.º, do Código de Processo Civil, os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Não está em causa nenhuma das situações que admite sempre recurso como elencado no artigo 629.º, n.º 2, do C. P. C. nem se alega a apontada contradição.

Nos termos acima expostos, não se admite o recurso de revista ora intentado.”

14) Por sua vez o despacho do Juiz Conselheiro relator tem a fundamentação que aqui se repete:

a) O recurso de revista que não foi admitido pelo despacho reclamado foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil. A norma em causa apenas permite a interposição do recurso de revista quanto a acórdão do Tribunal da Relação proferido sobre decisão de primeira instância que conheça do mérito da causa ou que, embora não conheça do mérito da causa, ponha termo ao processo absolvendo da instância quanto a pedido que tenha sido deduzido.

As decisões recorridas não apreciam do mérito da causa porquanto o que nelas se decide é a rejeição, necessariamente prévia ao conhecimento do mérito da causa, do requerimento de modificação simultânea da causa de pedir e do pedido.

b) A admissibilidade do recurso de revista interposto também não é suportada pela parte final do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil, atendendo a que, apesar de delas resultar o afastamento definitivo da causa de pedir e dos pedidos agora articulados no requerimento em apreciação, elas não põem termo ao processo mantendo-se a instância válida tal como configurada na petição inicial com a alteração, no caso dos autos, decorrente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 2021.

c) Estamos em presença de decisões de natureza interlocutória que recaem exclusivamente sobre a relação processual, sendo certo que a salvaguarda prevista pelo legislador para a reapreciação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado consta do artigo 644.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil e consiste na possibilidade de interposição de recurso de apelação.

d) Excepcionalmente, o artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil admite recurso de revista do acórdão da Relação que aprecie decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, quando o recurso seja sempre admissível (alínea a) ou quando ele esteja em contradicção com outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (alínea b).

e) Não se verifica no caso dos autos nenhuma dessas duas situações excepcionais já que inexiste norma expressa que preveja a admissibilidade do recurso e não ocorre nenhum das situações previstas no artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil (alínea a) do artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil) e nem sequer se mostra alegada a existência de qualquer contradição de julgados justificativa da admissão do recurso de revista ao abrigo do artigo 671.º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil.

15) O autor repete no requerimento em que pede a intervenção da conferência a argumentação que vem aduzindo nestes autos e que esgrimiu também no âmbito da reclamação apresentada no processo 1360/20.2T8PNF-E.P1-A.S1, no sentido de que é susceptível de revista o acórdão da Relação que se pronuncie sobre decisões interlocutórias que versem sobre a relação processual desde que esta seja de natureza substancial ou material, defendendo o recurso à analogia como critério de interpretação do que entende ser uma lacuna na regulamentação do regime dos recursos.

Como se salientou no despacho de tal reclamação proferido em 10 de julho de 2023, a tese defendida pelo autor “não tem o mínimo suporte na lei (que não procede a qualquer distinção quanto a tipologias de decisões interlocutórias) tal como não tem qualquer suporte doutrinal ou jurisprudencial.”

16) Não ocorre, porém, qualquer lacuna que seja necessário integrar com recurso a normas aplicáveis em situações análogas.

O regime dos recursos estabelecidos na lei processual civil constitui o resultado de aturada ponderação e adopção de opções do legislador tomadas no pleno e válido exercício do seu legítimo poder de regulamentação, periódica e sucessivamente revistas, em ordem a garantir o direito ao recurso constitucionalmente tutelado e o funcionamento dos Tribunais e do serviço de administração da Justiça.

As normas que inviabilizam, dentro do circunstancialismo apontado, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no julgamento das decisões interlocutórias que recaiam sobre a relação processual situam-se dentro dessa margem de regulamentação que é consentida ao legislador.

Tendo o legislador assim delimitado de forma expressa e inequívoca as decisões desse tipo susceptíveis de apreciação em sede de revista – exigindo apenas que elas versem sobre a relação processual – estabelecida ficou a abrangência da norma e da possibilidade de interposição do recurso de revista.

Exigir que a natureza substancial (?) ou puramente adjectiva da matéria tratada na decisão interlocutória que recaia “unicamente sobre a relação processual” constitua elemento a ponderar na admissibilidade do recurso de revista é ler o que não está escrito na norma nem encontra defensor na doutrina processual civil.

17) Assumindo que a possibilidade de interposição de recurso e de reapreciação das decisões por um tribunal superior constitui regra de natureza constitucional, as limitações a essa regra terão sempre de ser concebidas como normas de carácter excepcional, e como tal insusceptíveis de ser aplicadas com recurso a analogia (artigo 11.º do Código Civil).

A este propósito consta da decisão citada no ponto 15) supra, com manifesto interesse para a decisão, a seguinte argumentação que aqui se acolhe:

“7. As regras que disciplinam a admissibilidade (ou inadmissibilidade) dos recursos não são suscetíveis de interpretação analógica. São normas que servem a certeza e a segurança dos atos processuais, não se prestando a interpretações subjetivas baseadas nas particularidades dos casos concretos. (…)

8. A natureza interlocutória de uma decisão assenta em critérios objetivos, e define-se por delimitação negativa do âmbito de admissibilidade da revista estabelecido pelo n.1 do artigo 671º do Código de Processo Civil. Assim, as decisões que são proferidas antes do conhecimento do mérito da causa (e que não põem fim ao processo por outras razões) são decisões que respeitam a questões inerentes à marcha do processo; logo, são decisões interlocutórias. Questões essas que o legislador pretendeu que fossem decididas de modo célere – excluindo, em regra, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça – evitando demoras que se projetariam no tempo da prolação da decisão final.” 2

18) Porque o impugnado acórdão do Tribunal da Relação do Porto tem natureza interlocutória e versa apenas sobre a relação processual, não conhecendo do mérito da causa nem pondo termo ao processo – que prossegue para apreciação dos pedidos ainda pendentes –, dele não cabe recurso de revista nos termos consignados no artigo 671.º n.º 1 ou n.º 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

Não se verificando também as hipóteses enunciadas no artigo 629.º n.º 2 do Código de Processo Civil o recurso interposto pelo autor não é legalmente admissível.

19) Termos em que se conclui, em consonância com o despacho do Juiz Conselheiro relator de 15 de julho de 2023, que não merece qualquer censura o despacho do Senhor Juiz Desembargador relator que não admitiu o recurso de revista interposto pelo autor AA em relação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de abril de 2023.

O recurso de revista não é, no caso presente, legalmente admissível.


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DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência, com os fundamentos nele expressos, manter o despacho do Juiz Conselheiro relator de 15 de julho de 2023 e bem assim o despacho do Senhor Juiz Desembargador relator datado de 12 de junho de 2023 que não admitiu o recurso de revista interposto pelo autor AA do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de abril de 2023.

Vai o autor nas custas do incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc, sem embargo do apoio judiciário com que litiga.

Notifique.

Lisboa, 10 de outubro de 2023

Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Jorge Manuel Leitão Leal

Jorge Manuel Arcanjo Rodrigues

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1. Por isso, a menção cautelar do recorrente a alegar que se está, na prática, em face de uma decisão de absolvição de instância, por exemplo (dizemos nós) equivalendo-a a um indeferimento liminar da instância não tem, a nosso ver, procedência pois a instância não foi beliscada pelas decisões em causa, mantendo-se na íntegra.↩︎

2. No mesmo sentido Maria dos Prazeres Pizarro Beleza – Restrições à admissibilidade do recurso de revista e revista excepcional, publicado em “A Revista” n.º 1 – edição do Supremo Tribunal de Justiça – janeiro/junho 2022, a páginas 19 e 20.↩︎