Sumário
I - O art. 44.º, n.º 1, do CPP, estabelece um prazo limite para a formulação do pedido, que relativamente aos juízes dos tribunais superiores coincide com o início da audiência e/ou da conferência nos recursos, pressupondo a lei ser razoável admitir que, até esse momento, os interessados estão já na disponibilidade de todos os elementos que lhes permitam a perceção sobre a existência de motivo sério e grave, subjetivo ou objetivo, passível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
II - Tendo o requerimento sido apresentado após a conferência em que foi adotado o acórdão de que as juízas desembargadoras são relatora e adjunta, impõe-se a sua rejeição, por inobservância do prazo legal.
Decisão Texto Integral
Processo n.º 122/13.8TELSB.L1.S1 Incidente de Recusa
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
1. AA veio (por referência ao processo de recurso n.º 122/13.8TELSB-L.1, da 9.ª Secção, do Tribunal da Relação ..., em que é Arguido-Recorrido) deduzir incidente de recusa da Ex.ma Juíza Desembargadora BB (Relatora do Recurso) e da Ex.ma Juíza Desembargadora CC (2.ª Adjunta), invocando os seguintes fundamentos (transcrição):
1. As Senhoras Juízas visadas deixaram de pertencer desde ... de ... de 2023 ao Tribunal da Relação de ..., uma vez que, no movimento ordinário de ... e na sequência do concurso de ambas, passaram a pertencer desde essa data ao Tribunal da Relação de ... e ao Tribunal da Relação ....
Ora,
2. Dispõe o artigo 217.º n.º 1 segunda parte do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal) que, “caso o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal (...) é logo feita segunda distribuição na mesma escala”; e o artigo 49.º n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais que tal só não se verifica relativamente aos processos já inscritos em tabela: “A transferência dos juízes da Relação não prejudica a sua intervenção nos processos já inscritos em tabela”.
Não obstante,
3. Muito embora o processo não tivesse sido ainda inscrito em tabela para julgamento, o que só se verificou em ... de ... de 2024,
4. As Senhoras Juízas visadas não determinaram a remessa do processo a segunda distribuição e continuaram e continuam a exercer funções jurisdicionais no processo como se este se mantivesse na legítima titularidade delas enquanto Juízas da Relação de ..., bem sabendo que desde ... o não são.
5. Violam o disposto nas normas legais citadas e, por esse modo, violam e parecem desprezar a garantia do Juiz Legal, do juiz imparcial, previamente estabelecido por lei, consagrada no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 32.º n.º 9 da Constituição da República Portuguesa como garantia fundamental da imparcialidade.
6. O aqui requerente teve conhecimento dos factos antes expostos em 1. após prolação do Acórdão de 25 de janeiro proferido no processo em referência, Acórdão em que as Senhoras Juízas visadas intervieram como Relatora e 2.ª Adjunta.
Por essa razão,
7. Apresentou imediatamente, logo no dia 29 de janeiro, através do seu defensor, requerimento às Senhoras Juízas Desembargadoras visadas e à Senhora Juíza Desembargadora 1.ª Adjunta, para reconhecerem estar impedidas desde ... de ... de 2023 de se manterem como juízas titulares do processo em causa e de nele exercerem funções jurisdicionais, e para remeterem o processo a segunda distribuição – o que fez nos termos dos artigos 39.º a 42.º do Código de Processo Penal e por força dos artigos 217.º n.º 1 segunda parte do Código de Processo Civil e 49.ºn.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais – cf. requerimento de que junta cópia, como Documento n.º 1.
8. Posteriormente (por consulta ao processo no CITIUS) teve conhecimento de que a ilegal e ilegítima manutenção do processo na titularidade destas Senhoras Juízas Desembargadoras era justificada pelo Senhor Procurador Geral Adjunto com base, fundamentalmente na Deliberação de ... de ... de 2023 da Secção de Assuntos Diversos do Conselho Permanente Ordinário do Conselho Superior de Magistratura – que segundo o Senhor Procurador Geral Adjunto teria atribuído às Senhoras Juízas visada a “funcionalidade informal” de Juízas do Tribunal da Relação de ....
Na verdade,
9. Por essa deliberação foi decidido em nome do Conselho Superior de Magistratura “determinar que as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Dra. BB e Dra. CC, que foram transferidas no MJO de ... para o Tribunal da Relação ... e para o Tribunal da Relação ... respetivamente, se mantenham em exclusividade, em regime de acumulação de funções nos termos do disposto no artigo 29.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e sem distribuição de serviço nos Tribunais da relação para os quais foram transferidas, na apreciação e decisão do processo n.º 122/13.STELSB-L.1, do Tribunal da Relação de ..., até ao próximo dia 30 de setembro, prorrogável em caso de necessidade, se entretanto a decisão não tiver sido proferida. Que, na medida em que tal seja possível e a título meramente indicativo, que as Senhoras Desembargadoras que integram o Coletivo indiquem qual o calendário previsível até à decisão, a fim de instruir eventuais decisões de gestão de recursos que a situação de exclusividade implique nos três Tribunais de Relação afetados.” E que se dê conhecimento da presente deliberação aos Tribunais da Relação de ..., ....”
10. Logo que teve conhecimento do integral teor da Deliberação e da sua aprovação pela Secção de Assuntos Diversos do Conselho Permanente no dia 14 de julho, como se fosse urgente e relativa a juízes da 1.ª instância, apresentou perante o Plenário do Conselho Superior de Magistratura a competente impugnação administrativa, por entender que a deliberação consubstancia acto administrativo nulo nos termos das alíneas a), d) e g) do artigo 161.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, e indiciariamente também das respetivas alíneas e) e k), e para serem revogados todos os efeitos que produziu – cf. cópia que junta como Documento n.º 2.
11. Na deliberação impugnada, o Conselho Superior de Magistratura determinou que as Senhoras Juízas Desembargadoras em causa se mantivessem no exercício de funções jurisdicionais no processo ... não obstante terem deixado de pertencer ao Tribunal da Relação de ... e de tais funções terem legalmente deixados de lhes competir, e de estarem mesmo legalmente impedidas de as exercer.
12. Por isso, concedeu às duas Senhoras Desembargadoras e apenas a elas – não também à Senhora Desembargadora que permanece no Tribunal da Relação de ... – uma situação “de exclusividade na apreciação e decisão do processo n.º 122/13.STELSB-L.1, do Tribunal da Relação de ... e o regime de acumulação de funções previsto no artigo 29.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais “sem distribuição de serviço nos Tribunais da Relação para os quais foram transferidas” – até ao dia 30 de setembro e antecipando a prorrogação, “em caso de necessidade, se entretanto a decisão não fosse proferida”.
Porém,
13. Nenhuma deliberação de exclusividade e acumulação de serviço transforma um Juiz da Relação do ... ou da Relação... num Juiz da Relação de ....
14. Não é finalidade, atribuição, capacidade, nem competência do Conselho Superior de Magistratura determinar, alterar, manter ou impedir a atribuição de um concreto processo judicial ao seu Juiz Legal, ao juiz ou coletivo de juízes que seja ou deva ser escolhido de acordo e nos termos previamente estabelecidos por lei.
15. E tão pouco é finalidade, atribuição ou competência do Conselho Superior de Magistratura, mas do Poder Legislativo (artigo 165.º n.º 1 alínea p) da Constituição - reserva relativa), alterar as regras legais de organização e competência dos Tribunais ou os quadros dos respetivos juízes.
16. A Lei permite apenas ao Conselho Superior de Magistratura a intervenção na atribuição de processos judiciais a juízes nos casos previstos na alínea h) do artigo 155.º na Lei de Organização do Sistema Judiciário e nas alíneas n) e o) do artigo149.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
17. Mas a deliberação impugnada não se enquadra em qualquer dessas competências. 18. A deliberação viola por isso também os citados artigos 217.º n.º 1 segunda parte do Código de Processo Civil e 49.º n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais
Entretanto,
19. No passado dia 19 de abril foi o aqui requerente notificado da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura que recaiu sobre a sua impugnação: deliberou por maioria “rejeitar a impugnação interposta pelo Senhor AA, por este carecer de legitimidade para recorrer, nos termos do disposto no art. 196.º, n.º 1, al. b), do Código do Procedimento Administrativo” – legitimidade que, de acordo com esta deliberação quase unanime caberia apenas às próprias juízas aqui visadas, beneficiárias e alegadamente requerentes da deliberação (cf. cópia, que se junta como Documento n.º 3).
20. A deliberação foi aprovada com a abstenção da Juíza Conselheira Doutora DD, que subscreveu declaração de voto do Juiz Conselheiro Doutor EE, no sentido de que: “a questão subjacente (é), no mínimo, inquietante.”
21. A deliberação não serve, pois, de modo algum, para legitimar a atitude das Senhoras Juízas Desembargadoras visadas, não tendo a virtualidade de lhes atribuir competência nem capacidade para o exercício de funções jurisdicionais em processo do Tribunal da Relação de ..., designadamente no processo em causa.
22. E os demais argumentos do Senhor Procurador Geral Adjunto são também, salvo o respeito devido, absolutamente errados e falaciosos:
- O artigo 49º, nº 4 da Lei de Organização do Sistema Judiciário não tem aplicação alguma ao caso sob juízo, que não é um caso de mudança de secção, mas um caso de transferência de tribunal – previsto na norma do artigo 49.º n.º 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, antes citada.
- O artigo 328.º-A do Código de Processo Penal ainda menos se aplica, uma vez que, como é evidente, e consabido, o recurso foi julgado em Conferência, não em Audiência; e no dia ... de ... de 2023 ainda não se havia iniciado.
Porém,
23. Tal como sublinhado pelos dois Juízes Conselheiros com a declaração de voto que subscreveram, a questão subjacente à impugnação é , efetivamente, “inquietante”: a deliberação da Secção de Assuntos Diversos do Conselho Permanente no dia 14 de julho e o modo e os termos em que foi tomada, é inquietante;
− É inquietante a manutenção ilegal do processo ... na titularidade das Senhoras Juízas Desembargadoras visadas, não obstante terem sido transferidas para outros Tribunais da Relação muito antes de o processo ser inscrito em tabela;
- É inquietante o expediente utilizado para o efeito, de conceder às Senhoras Juízas Desembargadoras visadas o regime de exclusividade na apreciação do processo ..., sem que o mesmo regime fosse concedido também à Senhora Juíza Desembargadora 1.ª Adjunta;
- É inquietante a concessão às Senhoras Juízas visadas (e também só a elas) do regime de acumulação de funções previsto no artigo 29.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, simultaneamente com o dito regime de exclusividade na apreciação do processo ...;
− Como é inquietante a concessão às Senhoras Juízas visadas do regime de acumulação de funções previsto no artigo 29.º, pelo qual “é devida remuneração em montante a fixar pelo Conselho Superior de Magistratura, em função do grau de concretização dos objetivos estabelecidos para cada acumulação, tendo como limites um quinto e a totalidade da remuneração devida a magistrado judicial colocado no (...) tribunal em causa”,
− Para mais, “sem distribuição de serviço nos Tribunais da Relação para os quais foram transferidas”, com a urgência que terá determinado a escolha pela Secção de Assuntos Diversos e o timing certo para permitir 31 dias seguidos, com a contagem a iniciar-se no último dia antes de férias;
Para efeitos deste incidente,
24. Ser inquietante significa que a colaboração e a aceitação das Senhoras Juízas Desembargadoras visadas em todo o respetivo procedimento constitui motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade delas para decidirem o processo em causa, e muito concretamente para decidirem o que neste momento falta decidir.
25. É inquietante, nesse sentido, pois suscita dúvidas públicas muito fundadas sobre a imparcialidade das Senhoras Juízas visadas (neste incidente e na deliberação) o próprio facto de dois Senhores Juízes Conselheiros do Plenário do Conselho Superior de Magistratura terem subscrito a referida declaração de voto, expressando inquietação sobre a questão suscitada – relativa e decorrente dos efeitos da deliberação objeto da impugnação administrativa apresentada pelo aqui requerente.
Acresce, mais:
26. As Senhoras Juízas Desembargadoras visadas não decidem há mais de três meses o que a lei – artigo 41.º n.º 2 in fine do Código de Processo Legal impõe que decidam (que tivessem decidido) “no prazo máximo de cinco dias”.
27. E recusam cumprir o decidido no Acórdão de 21 de março do Tribunal da Relação de ..., que declarou a nulidade nos termos do artigo 309.º n.º 1 do Código de Processo Penal da pronúncia de ... de ... de 2021, e que em consequência decidiu remeter os autos do processo ... ao Juiz de Instrução da 1.ª Instância para proferir nova decisão instrutória em conformidade.
28. Permitem, assim, conscientemente, nomeadamente após o Acórdão de 21 de março do Tribunal da Relação de ..., a divulgação das mais diversas fake news ofensivas da honra e consideração do aqui requerente – nomeadamente da mentira de que AA perdeu o recurso contra a manutenção das Senhoras Juízas Desembargadoras no processo em causa, quando a verdade é que ganhou inteiramente o recurso da pronúncia, que foi declarada inteiramente nula e que os autos do processo em causa voltam ao juiz de instrução da primeira instância, para proferir nova decisão instrutória, e, por isso, todo o incidente do recurso em causa se mostra invalidado.
29. Evidenciam até, desde logo a Senhora Juíza Relatora visada um duplo critério prejuízo em prejuízo das legítimas pretensões da defesa e do aqui requerente (em especial),
30. O que resulta fortemente indiciado do confronto entre os pedidos de consulta dos autos, feitos pelos Senhores Jornalistas e os Despachos da Juíza Relatora visada, que (ao contrário do que se verifica relativamente às questões colocadas pela defesa) decidem tais pedidos (deferindo-os) e com respeito pelos prazos legais – cf. CITIUS e as notícias publicadas, que são públicas. Todos estes factos e circunstâncias (expostas em 4, 5, 9 a 13, 17, 18, 23 e 25 a 30) evidenciam inaceitável desrespeito pelas Senhoras Juízas visadas dos princípios, direitos e garantias elementares da defesa, por violação desde logo da presunção de inocência, que parece transformada em presunção de culpabilidade, por violação do principio da legalidade, por violação do direito ao contraditório, e por violação grosseira e abusiva do direito a decisão não apenas no prazo legal, mas (cf. artigo 32.º n.º 2 da Constituição) no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Consubstanciam, pois, motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade das Senhoras Juízas visadas para intervirem no processo em causa e decidirem qualquer das questões colocadas pela defesa – cf. CITIUS.
De resto,
31. O facto de o processo em causa ser mantido pelas Senhoras Juízas Desembargadoras visadas na sua titularidade, em violação da garantia fundamental do Juiz Legal (por violação das normas dos artigos 217.º n.º 1 do Código de Processo Civil e 49.º n.º 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais), consubstancia, por si só, fundamento de recusa (e de escusa) das Senhoras Juízas visadas, por constituir autonomamente motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança, precisamente sobre a imparcialidade delas, e significar, por isso mesmo, que a sua intervenção corre o risco de ser considerada suspeita.
32. A garantia do Juiz Legal é a primeira garantia formal de imparcialidade dos Senhores Juízes no concreto exercício das suas funções jurisdicionais em cada processo, e em processo criminal só a estrita e rigorosa observância das normas e dos termos legais é susceptível de respeitar e cumprir essa Garantia.
33. A este propósito, suscita nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade do artigo 43.º n.º 1 do Código de Processo Penal na interpretação normativa de que em processo criminal, a violação das normas legais que atribuem, mantém ou extinguem a competência jurisdicional de um determinado juiz sobre um processo concreto não constitui(ria) motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Juiz – por violação das normas dos artigos 2.º, 8.º, 18.º, 29.º, 32. n.ºs 1, 2 e 9, 108.º, 110.º, 111.º, n.º 1, 112.º, n.º 5, 161.º, alíneas c) e o), 165.º, n.º 1 alíneas b) e p), 199.º, alínea c) e 202.º e 203.º da Constituição, do direito, garantia e princípio constitucional fundamental do processo equitativo, do princípio da legalidade e da sujeição dos Juízes à lei, das garantias de ampla defesa e especialmente do direito, garantia e princípio constitucional fundamental do Juiz natural, consagrado no artigo 32.º, do Princípio da Separação e Interdependência de Poderes, da organização constitucional da República Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular, e por violação do artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
TERMOS EM QUE
REQUER A VOSSAS EXCELÊNCIAS SE DIGNEM JULGAR ESTE INCIDENTE PROCEDENTE E DECIDIR DECLARAR RECUSADAS AS SENHORAS JUÍZAS DESEMBARGADORAS VISADAS.
2. Em conformidade com o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CPP, as
Ex.mas Juízas Desembargadoras visadas emitiram pronúncias, que se transcrevem.
2.1. Ex.ma Juíza Desembargadora BB (transcrição):
Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros, da Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça FF, desembargadora alvo de pedido de recusa por parte do arguido AA, vem, nos termos do disposto no artigo 45.º n.º 3 do Código de Processo Penal, dizer o seguinte:
A resposta da signatária é apenas um acto de consideração por V. Excelências.
Paulo Pinto de Albuquerque no "Comentário do Código de Processo Penal", 4.ª ed , 132 e segs, em anotação ao art. 43.º do CPP escreve o seguinte: a imparcialidade do juiz pode ser apreciada de acordo com um teste subjectivo ou um teste objectivo. "O teste subjectivo da imparcialidade visa apurar se o juiz deu mostras de um interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa. (...) A existência de relações pessoais do juiz com os sujeitos processuais não constitui necessariamente motivo de suspeição. (...) O teste objectivo da imparcialidade visa determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.
Nos autos constam todos os elementos que determinaram a inicial competência da relatora e a Sua manutenção até à prolação do acórdão.
É compreensível que os arguidos recorram a todos os meios legais para atingirem os seus objectivos, no caso, protelarem, ao máximo, o início do julgamento
Desde o começo do exercício da Magistratura que os melhores Mestres me transmitiram que, para um juiz, não há trabalho inacabado.
As vozes dissonantes que, de certa forma, acalentaram este pedido de recusa, fazem-me sentir que, de facto, a Justiça vive um momento "inquietante"
Nada mais direi, por despiciendo.
Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, como sempre, farão toda e a melhor Justiça.
2.2. Ex.ma Juíza Desembargadora CC
(transcrição):
Tomei conhecimento do requerimento do incidente de recusa da signatária que deu entrada no dia ........2024 .com a referência CITIUS ...).
Suscitado o incidente de recusa, nos termos do artigo 45.º, n.º 3, do CPP, cumpre à signatária pronunciar-se, o que entende dever fazer no imediato
O incidente é fundado, em síntese, nos seguintes argumentos:
- A Juíza visada deixou de pertencer ao Tribunal da Relação de ... desde ... de ... de 2023 por, no âmbito do movimento ordinário de 2023, ter sido transferida para o Tribunal da Relação ..., em resultado do que o processo 122/13.8... deveria ter sido alvo de redistribuição. Ocorreu violação da garantia do juiz natural, logo do juiz imparcial
- O ..., para além de ter decidido colocar as duas magistradas judiciais transferidas em regime de acumulação, concedeu-lhe também exclusividade, mas apenas a essas duas magistradas, não à terceira (1.ª adjunta).
- No dia ... de ... de 2024, após a publicação do acórdão proferido, deu entrada de requerimento onde solicitou que as Juízas transferidas (entre as quais a signatária) se declarassem impedidas e remetessem o processo à distribuição, o que as mesmas não fizeram
Vejamos
Iniciando pelas questões formais
A propósito da tempestividade estatui o art. 44.º, do CPP, que na fase dos recursos o pedido de recusa é admissível até ao início da conferência, só o sendo posteriormente quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo Invocante, após aquela.
Sobre esta temática convoco o Acórdão do STJ, processo 10/11.2JALRAC1-A, datado de 25 janeiro 2017 (disponível em dgsi.pt), assim sumariado:
I - O incidente de recusa deve ser deduzido até ao inicio da conferência no recurso perante 0 Tribunal da Relação, ou seja, antes da intervenção decisória dos Desembargadores a quem fora distribuído, isto é, antes da prolação da deliberação.
II - Por já ter sido decidido do mérito do recurso que os requerentes interpuseram da decisão condenatória proferida pelo tribunal colectivo, a recusa que deduzem após a prolação da deliberação já não será adequada a evitar o risco de parcialidade.
III - Não tendo sido deduzida no prazo delimitado pelo art. 44.º do CPP, ou seja, até à conferência no recurso interposto perante o Tribunal da Relação, a recusa é intempestiva, devendo a mesma ser rejeitada.
In casu, o Invocante suscitou o pedido de escusa já depois da prolação, publicação e notificação do acórdão a que alude o art. 425.º, do CPP, mais concretamente antes da deliberação do coletivo sobre as nulidades suscitadas àquele acórdão.
Como se refere na fundamentação do citado aresto do STJ, "o sentido fundamental do impedimento do risco de não imparcialidade está ligado, indiscutivelmente, à decisão principal, ao "poder de decidir" do juiz suspeito e não tem de cobrir decisões sobre incidentes em que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado quanto à matéria da causa (artigo 6660, no 1, do Código de Processo Civil) e em que, portanto, já não é possível impedir que uma decisão não imparcial do processo seja tomada"
No mesmo sentido vide o Av. do STJ, processo 299/22.IYRPRT-A.SI, datado de 09.12.2022 (disponível em dgsi.pt), onde se dispõe que "sendo o requerimento de recusa admissível só "até ao início da conferência nos recursos", tendo ocorrido o julgamento em conferência aquando da sua apresentação, o requerimento é manifestamente infundado atenta a ostensiva extemporaneidade.
Como quer que seja, a signatária foi transferida para o Tribunal da Relação ... após setembro de 2023 no âmbito do movimento judicial ordinário de magistrados judiciais, por força da Deliberação (extrato) n.º ... do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 04 de julho de 2023, que aprovou o movimento judicial ordinário de 2023.
Tal deliberação é pública, por ter sido publicada na 2.ª Série, n.º 169, do DR de 31/08/2023, data a partir da qual os arguidos não podiam deixar de conhecer a transferência.
Esse conhecimento, a par da prática dos atos praticados no processo pelas duas Magistradas transferidas, que se mantiveram em acumulação e exclusividade, designadamente os despachos proferidos e notificados, permitiu-lhes concluir que o coletivo se mantinha, não obstante a movimentação para outras Relações.
Face ao exposto, entendo, salvo o devido respeito, que o pedido de recusa é ostensivamente intempestivo
Do ponto de vista substantivo, afigura-se-nos que o pedido de recusa é também manifestamente infundado.
Dispõe o artigo 43.º, n.º1, do CPP, sob a epigrafe "recusas e escusas", que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a Sua imparcialidade.
O Invocante ergue o pedido de recusa no entendimento de que deveria ter ocorrido uma alteração da composição do coletivo julgador a partir de setembro de 2023, por força da transferência de duas magistradas para outras Relações, o que, a seu ver, deveria ter determinado uma nova distribuição do processo. Considera que o coletivo passou a ser incompetente a partir daquela data.
Um juiz (eventualmente) incompetente não é sinónimo de um juiz não imparcial, como parece sustentar o Invocante.
A prática de atos eventualmente nulos por incompetência, ou por se mostrarem inquinados por qualquer outro vício processual, não constitui fundamento de recusa.
Vide, neste sentido, o Acórdão do STJ, processo 189/12.6TELSB.P1-G.S1-A, datado de 27.07.2022 (disponível em dgsi.pt), onde é abordada a temática em caso de alegado vício processual:
I - O pedido de escusa ou de recusa de juiz assenta na apreciação do risco de que, em determinado processo, a sua intervenção possa ser considerada suspeita, por haver motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade;
II - Apresenta-se como manifestamente infundado, o requerimento de recusa que não indicar factualidade que possa substanciar ou consubstanciar o exigido motivo (e muito menos sério e grave) adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, falta de consubstanciação que se traduz numa falta de causa de pedir;
III - Toda a laboriosa argumentação do requerente, emergindo da alegada inobservância das regras da distribuição, é manifestamente impertinente quanto à recusa do Juiz Conselheiro (…).
De todo o modo, entendo não assistir razão ao Invocante quando afirma que o coletivo praticou, a partir de setembro de 2023, atos nulos, na medida em que os Vistos a que alude o art. 418.º, do CPP, foram assinados em data anterior e as Magistradas mantiveram-se ao serviço do Tribunal da Relação de ... em regime de acumulação, aliás em exclusividade, por força de uma deliberação do CSM datada de ....2023, posteriormente prorrogada, tudo conforme se desenvolveu no acórdão proferido em ........2024, onde se apreciaram as mesmas invocadas nulidades
Salienta-se que, ao contrário do alegado, as três Magistradas que compunham o coletivo estiveram em exclusividade até à data da prolação do acórdão (........2024).
Face ao articulado pelo Invocante, a signatária esclarece não ter pedido, nem auferido, quaisquer acrescentos remuneratórios em virtude de ter estado em acumulação de funções, nem tem a pretensão de os vir a pedir e/ou a receber.
Quanto ao alegado impedimento das mesmas Magistradas, cuja causa legal não foi mencionada, o mesmo foi julgado manifestamente extemporâneo e, pode agora acrescentar-se, também legalmente infundado, tanto que não foi invocada nenhuma causa legal de impedimento
Não é por o Invocante intitular um certo requerimento de "incidente de impedimento" que o mesmo assume essa natureza, quando o seu conteúdo não tem potencial para suportar o pedido genérico nele contido.
Consequentemente, respaldada no entendimento que esse Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a perfilhar, entendo que o presente incidente de recusa é, na minha modesta opinião, além de intempestivo, também manifestamente infundado.
Contudo, V. Ex.as, apreciando, farão a devida Justiça
3. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Dos autos e da consulta eletrónica do processo principal resulta a seguinte factualidade, relevante para a decisão:
1.1. Nos autos principais, tendo como relatora a Ex.ma Juíza Desembargadora BB, como 1.ª Adjunta a Ex.ma Juíza Desembargadora GG e 2.ª Adjunta a Ex.ma Juíza Desembargadora CC, foi proferido, no dia ... de ... de 2023, pela referida relatora, despacho de exame preliminar, determinando que os autos fossem a vistos simultâneos e, oportunamente, à conferência (referência CITIUS ...).
1.2. O despacho referido no número anterior foi notificado ao ilustre mandatário do ora requerente, com certificação CITIUS de ... de ... de 2023 (referência do documento ...).
1.3. Foram dados vistos simultâneos em ... de ... de 2023, assinados em ... de ... de 2023 pelas duas Ex.mas Desembargadoras Adjuntas, tendo o Ex.mo Juiz Presidente da Secção pedido a sua escusa, o que foi concedido por acórdão do STJ, de ... de ... de 2023.
1.4. Por força da Deliberação (extrato) n.º ..., do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de ... de ... de 2023, que aprovou o movimento judicial ordinário de ..., publicada na 2.ª Série, n.º 169, do DR de 31.08.2023, a Ex.ma Juíza Desembargadora BB foi transferida para o Tribunal da Relação ...e a Ex.ma Juíza Desembargadora CC foi transferida para o Tribunal da Relação ....
1.5. Por deliberação de ... de ... de 2023, da Secção de Assuntos Gerais do Conselho Permanente do Conselho Superior de Magistratura, foi decidido determinar que as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Dra. BB e Dra. CC, que foram transferidas no MJO de ... para o Tribunal da Relação ... e para o Tribunal da Relação ..., respetivamente, se mantivessem em exclusividade, em regime de acumulação de funções nos termos do disposto no artigo 29.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e sem distribuição de serviço nos Tribunais da relação para os quais foram transferidas, na apreciação e decisão do processo n.º 122/13.STELSB-L.1, do Tribunal da Relação de ..., até ao próximo dia 30 de setembro, prorrogável em caso de necessidade, se entretanto a decisão não tiver sido proferida.
1.6. Na sequência, a Ex.ma Juíza Desembargadora BB continuou a proferir despachos no processo, como relatora, após ... de ... de 2023, data em produziu efeitos o movimento judicial ordinário.
1.7. Em ... de ... de 2023, o recurso foi inscrito pela secretaria na tabela da sessão do dia ..., tendo sido, entretanto, proferido despacho pela Ex.ma relatora, em ... de ... de 2023, no sentido de que: «Embora processualmente correcta a inscrição, o certo é que o acórdão se mantém em discussão, pelo que o mesmo deve ser retirado da tabela. Aguarde a Secção por despacho relativo à oportuna inscrição. DN.»
1.8. Finalmente, foi proferido despacho pela Ex.ma relatora, em ... de ... de 2024, com o seguinte teor: «Colhidos que estão os vistos, inscreva o processo em tabela para a próxima sessão de .... DN.»
1.9. Em ... de ... de 2024, foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto – acórdão subscrito pelo coletivo de Ex.mas Juízas Desembargadoras indicado supra em 1.1.
1.10. Por requerimento enviado para o correio oficial do Tribunal da Relação de ..., em ... de ... de 2024, o ora requerente requereu às Ex.mas Juízas Desembargadora BB e CC que reconhecessem o seu “impedimento” e determinassem a imediata remessa do processo a 2.ª distribuição.
1.11. O ora requerente apresentou perante o Plenário do Conselho Superior de Magistratura impugnação administrativa da deliberação referida supra em 1.5., que foi rejeitada, em ... de ... de 2024, em razão daquele «carecer de legitimidade para recorrer, nos termos do disposto no art. 196.º, n.º1, al. b), do Código do
Procedimento Administrativo, aplicável ao presente recurso administrativo especial, que corresponde ao previsto na al. b) do n.º1 do art. 199.º deste Código, “ex vi” do art. 166.º, n.º1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais», com duas declarações de voto que referem a questão subjacente como “inquietante”.
1.12. Em ... de ... de 2024, o ora requerente deduziu o presente incidente de recusa.
1.13. Em ... de ... de 2024, por acórdão subscrito pelo coletivo de Ex.mas Juízas Desembargadoras indicado supra em 1.1. e 1.9., foram julgados totalmente improcedentes diversos requerimentos efetuados, em que se arguiram vícios e nulidades do acórdão de ..., com tomada de posição, como questão prévia, quanto à inexistência de fundamento para que fosse pedida escusa e justificação para, independentemente da apresentação do requerimento de recusa, ainda assim ser proferido acórdão relativo à arguição de vícios e nulidades do acórdão que conheceu do mérito do recurso.
2. Apreciação
2.1. Dos factos enunciados resulta que o recusante apresentou o seu pedido de recusa no dia ... de ... de 2024, ou seja, em momento posterior à prolação do acórdão de ... de ... de 2024, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto – acórdão subscrito pelo coletivo de Ex.mas Juízas Desembargadoras indicado supra em 1.1., incluindo, pois, as visadas: como relatora a Ex.ma Juíza Desembargadora BB e, como 2.ª Adjunta, a Ex.ma Juíza Desembargadora CC.
Estando concretamente em causa um incidente de recusa, é nesse quadro que a matéria deverá ser equacionada.
Os incidentes de recusa e de escusa, regulados nos artigos 43.º a 47.º do CPP, constituem, no dizer de Henriques Gaspar (cf. anotações aos artigos 43.º e 44.º, do CPP, in “Código de Processo Penal Comentado” de António Henriques Gaspar, et al., 2.ª Edição Revista, Almedina, 2016), meios processuais instrumentais da garantia da imparcialidade
do juiz, completando a função dos impedimentos, cujo regime se mostra regulado nos artigos 39.º a 42.º do mesmo diploma legal, mas, como diz o mesmo autor, os mesmos «(…) não podem ser utilizados a todo o tempo, como estratégia eventualmente escolhida (e guardada) pelos interessados para utilizar no momento que entenderem oportuno: a lei previne o uso do meio como elemento da “teoria dos jogos”».
Por isso, o artigo 44.º, n.º 1, do CPP, estabelece um prazo limite para a formulação do pedido, que relativamente aos juízes dos tribunais superiores coincide com o início da audiência e/ou da conferência nos recursos, pressupondo a lei ser razoável admitir que, até esse momento, os interessados estão já na disponibilidade de todos os elementos que lhes permitam a perceção sobre a existência de motivo sério e grave, subjetivo ou objetivo, passível de gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
Este STJ, por acórdão de 25.01.2017, proferido no processo n.º 10/11.2JALRA.C1-A (disponível, como outros citados sem diversa indicação, em www.dgsi.pt), disse o seguinte:
«O artigo 44.º do CPP dispõe sobre os prazos para a formulação da escusa ou da recusa, estabelecendo que:
“O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.”
Como se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal, de 23-11-2011 (Proc. n.º 14217/02.0TDLSB.S1-C - 5.ª Secção), este preceito “é absolutamente claro na definição dos momentos processuais até aos quais, segundo as diversas fases do procedimento, a recusa do juiz pode ser deduzida. Caso vise juiz de 1.ª instância, o requerimento de recusa é admissível até ao início do debate instrutório (tratando-se de recusa do juiz de instrução) ou até ao início da audiência (tratando-se de recusa do juiz de julgamento). Se os factos que a fundamentam tiverem tido lugar ou tiverem sido conhecidos pelo invocante após o início do debate instrutório ou após o início da audiência, o requerimento de recusa é, ainda, admissível até à prolação da decisão instrutória (tratando-se de recusa do juiz de instrução) ou até à prolação da sentença (tratando-se do juiz de julgamento).
No caso de a recusa visar juiz de tribunal de recurso (da Relação ou do STJ), o requerimento de recusa é admissível até ao início da conferência, seja a referida no art. 419.º, seja a que reúne para deliberar após a audiência, nos termos do art. 424.º do CPP. Mesmo que os motivos de recusa só sejam adquiridos pelo recusante posteriormente ao início da conferência, esse conhecimento já não lhe pode aproveitar para o efeito de suscitação da recusa”.
A ideia subjacente – afirma-se no mesmo acórdão – é a de evitar que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir um processo (proferindo a sentença ou decidindo o recurso) ou
determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais (proferindo a decisão instrutória).»
Prossegue o acórdão deste STJ, citando o acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 143/2004:
«Como se considera no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2004, “o Código de Processo Penal estabelece restrições à possibilidade de suscitar a recusa de juiz, estabelecendo momentos a partir dos quais a recusa não pode ser invocada – o início da audiência, o início da conferência e o início do debate instrutório – quanto a factos conhecidos anteriormente. Pretende-se, assim, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do demandante, da recusa como, fundamentalmente, uma “utilização inútil”.
Por outro lado, admite ainda o referido artigo 44.º a recusa do juiz quanto a factos conhecidos após o início da audiência e do debate instrutório, quando tais factos tiverem sido conhecidos supervenientemente (após o início da audiência ou do debate instrutório). Também aí a “lógica” subjacente é a de se impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa da suas fases fundamentais. Mas já o conhecimento de factos que justificariam a recusa posterior à sentença, mesmo que anterior ao trânsito em julgado, não é pertinente. Por já ter sido tomada a decisão, a recusa não seria já adequada a evitar o risco de parcialidade. No que se refere à fase de recurso, vigora a mesma “lógica”, sendo possível a recusa de juiz até ao início da conferência. Se os factos forem conhecidos posteriormente, já não se evitaria adequadamente o risco de uma decisão parcial. Estando-se perante um tribunal colectivo, em que o juiz suspeito de parcialidade já poderia ter influenciado a decisão do recurso, entende‑se que o risco da parcialidade não será evitável com uma possível decisão favorável do pedido de recusa.»
Assim, segundo o acórdão deste STJ que acabamos de citar, o incidente de
recusa, no caso dos recursos, tendo como visado Juiz Desembargador, deve ser deduzido até ao início da conferência no recurso, ou seja, antes da intervenção decisória dos Desembargadores a quem fora distribuído. Isto é, antes da prolação da deliberação que conheceu e decidiu do mérito do recurso, mesmo em situações de arguição posterior da nulidade da decisão proferida.
É o sentido, aliás, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 143/2004, onde podemos ler, a propósito de situações de arguição da nulidade da decisão proferida:
«Tanto no que se refere às decisões de primeira instância como à decisão do recurso, a não admissão da arguição de nulidade poderá justificar-se numa perspectiva de razão de ser da recusa, a qual consiste em evitar o risco da desconfiança dos intervenientes processuais e de todos em geral. Com efeito, tal risco já não será verdadeiramente evitável quando as decisões, embora não transitadas, já tiverem sido tomadas e tornadas públicas.
Se é certo que uma nulidade pode ser consequência da não imparcialidade anterior de uma decisão e que a decisão da própria arguição pode vir a convalidar a situação anterior, também é verdade que a arguição de nulidade não é meio adequado para reparar uma eventual anterior parcialidade da decisão, destinando-se antes a corrigir vícios da decisão (por exemplo, quanto à sua fundamentação ou à sua articulação lógica ou ao conhecimento de questões). Assim, não só uma decisão de uma arguição de nulidade não é o meio típico de uma decisão parcial, como não pode, em si mesma, evitar ou sanar a eventual não imparcialidade anterior.
O sentido fundamental do impedimento do risco de não imparcialidade está ligado, indiscutivelmente, à decisão principal, ao “poder de decidir” do juiz suspeito e não tem de cobrir decisões sobre incidentes em que o poder jurisdicional do juiz fica esgotado quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – e em que, portanto, já não é possível impedir que uma decisão não imparcial do processo seja tomada.»
O citado acórdão do Tribunal Constitucional decidiu, assim:
«…) não julgar inconstitucional o artigo 44.º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência (…)».
Como se lê no ponto III do sumário do acórdão do STJ, de 24.01.2023, proferido no processo n.º 299/22.1YRPRT-A.S1-A:
«O art. 44.º do CPP não prevê que o requerimento possa ser tempestivamente apresentado depois da decisão final, como sucedeu no caso presente, pois o que se pretende é impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais. Pretende-se, assim, com o estabelecido no art. 44.º do CPP sobre os prazos de dedução do incidente de recusa, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do requerente da recusa, quando os factos são conhecidos anteriormente, como, fundamentalmente, uma “utilização inútil” nos casos em que a decisão final foi já proferida.»
No caso, verifica-se que a recusa foi deduzida quando as Ex.mas Juízas Desembargadoras visadas já haviam proferido o acórdão que decidiu do mérito do recurso em questão, sendo irrelevante que, depois dessa data, tenham proferido novo acórdão sobre a arguição de vícios e nulidades do primeiro.
Em face do exposto, não tendo sido deduzida no prazo delimitado pelo artigo 44.º do CPP, ou seja, até à conferência no recurso interposto perante o Tribunal da Relação, a recusa das Ex.mas Juízas Desembargadoras é intempestiva.
2.2. Por último, sempre se acrescenta o seguinte:
Como mencionado supra, nos autos de recurso, tendo como relatora a Ex.ma Juíza Desembargadora BB, como 1.ª Adjunta a Ex.ma Juíza Desembargadora GG e 2.ª Adjunta a Ex.ma Juíza
Desembargadora CC, foi proferido, no dia ... de ... de 2023, pela referida relatora, despacho de exame preliminar, determinando que os autos fossem a vistos simultâneos e, oportunamente, à conferência (referência CITIUS ...).
O despacho referido no número anterior foi notificado ao ilustre mandatário do ora requerente, com certificação CITIUS de ... de ... de 2023 (referência do documento ...).
De harmonia com o disposto no artigo 418.º, do CPP, concluído o exame preliminar, o processo, acompanhado do projeto de acórdão se for caso disso, vai a vistos e, depois, à conferência, na primeira sessão que tiver lugar.
A lei processual penal não se refere à inscrição prévia em tabela, que é um mero ato de secretaria, porquanto o processo vai à conferência, automaticamente, na primeira sessão que tiver lugar após os vistos, independentemente dessa inscrição (cf. anotação do Conselheiro Pereira Madeira, em anotação ao artigo 418.º, in “Código de Processo Penal Comentado” de António Henriques Gaspar, et al., 2.ª Edição Revista, Almedina, 2016; também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Volume II, 5.ª edição atualizada, p. 694).
Por isso, feito o exame preliminar e ordenados os vistos simultâneos, passa a estar em discussão, entre os juízes que compõem o coletivo, o projeto de acórdão que tenha sido apresentado.
Tratando-se de um processo de reconhecida complexidade excecional, pelo número de volumes e apensos e extensão da acusação, decisão objeto de recurso e peças recursórias e subsequentes, o que se verifica é que, quando a Ex.ma relatora proferiu o despacho de exame preliminar e ordenou os vistos (........2023) e o processo foi a vistos simultâneos (........2023), assinados em ... de ... de 2023 pelas duas Ex.mas Desembargadoras Adjuntas, ainda não estava publicado em DR o movimento judicial ordinário de ....
É neste contexto, de recurso já com despacho de exame preliminar proferido nos autos e vistos de juízas adjuntas já assinados, que se insere a mencionada deliberação, de ... de ... de 2023, da Secção de Assuntos Gerais do conselho permanente do Conselho Superior de Magistratura.
Não caberia, no quadro de um incidente de recusa, sindicar a referida deliberação.
Tendo em vista que a Deliberação (extrato) n.º..., do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de ........2023, que aprovou o movimento judicial ordinário de ..., foi publicada na 2.ª Série, n.º 169, do DR de 31.08.2023, tornou-se, dessa forma, pública, dificilmente se compreende, por um lado, que o requerente não tenha conhecido a transferência das Ex.mas Juízas Desembargadoras e, por outro, que sabedor da prolação anterior do exame preliminar e de que os autos iam a vistos simultâneos, nos termos do artigo 418.º, do CPP, se tenha desinteressado de saber quem continuava a tramitar os autos, tanto mais que a Ex.ma Juíza Desembargadora relatora, ora visada, neles continuou a despachar.
O requerente não aduz factos ou argumentos de onde pudesse deduzir-se que a intervenção das Ex.mas Juízas Desembargadoras visadas corria o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, antes se limita a aduzir razões que, na sua perspetiva, levariam a considerar aquela supra referida deliberação um ato administrativo viciado, o que não se coaduna com os fundamentos e finalidades do incidente de recusa, independentemente das declarações de voto apostas na deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que recaiu sobre a impugnação.
No mais, o atraso na prolação de despacho e a alegada recusa no cumprimento de um acórdão não constituem razões que pudessem sustentar a recusa, estando em causa, quanto a este último, uma questão de interpretação jurídica sobre os efeitos no processo de um acórdão tirado noutro recurso, pelo que, deste modo, sempre teria que ser julgado improcedente o incidente, sendo certo que, quanto à invocada inconstitucionalidade normativa, o presente acórdão não tem, como ratio decidendi, a interpretação indicada.
*
III - DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por intempestividade, o pedido de recusa formulado pelo requerente AA.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 15 de maio de 2024
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revistoe assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Jorge Gonçalves (Relator)
Albertina Pereira (1.ª Adjunta)
Vasques Osório (2.º Adjunto)